Introdução
A formação de professores é um tema inesgotável e fundamental nas discussões que envolvem a Educação, além de se configurar como um grande desafio para as políticas formativas de futuros docentes. Pesquisadores que se dedicam a esse tema acreditam que a melhoria do sistema educacional brasileiro está vinculada à formação inicial e continuada de professores (Coutinho; Miranda, 2019; Dias; Passos, 2016; Medeiros; Aguiar, 2018).
A produção de conhecimentos sobre a formação e a atuação de professores tem, cada vez mais, ratificado a necessidade de o professor deixar de ser um mero transmissor de conhecimento, para exercer o papel de mediador, e de os estudantes serem percebidos como pessoas capazes de ter autonomia na construção de seus saberes (Brabo; Ribeiro, 2015; Coutinho; Miranda, 2019).
A aprendizagem autorregulada, valiosa para a melhoria da formação de professores (Dembo, 2001), é um processo em que o estudante planeja, monitora e avalia o seu próprio aprendizado (Zimmerman; Schunk, 2011). Esse processo envolve fatores como autoconhecimento, autorreflexão, metacognição, controle de pensamentos e domínio emocional e é tido como multidimensional. As habilidades autorregulatórias podem ser ensinadas, mas, para isso, os professores precisam conhecê-las e tê-las desenvolvidas em si, para então ministrá-las aos alunos, os quais, de posse desse conhecimento, poderão desenvolver melhor suas estratégias de aprendizagem e, por meio delas, encontrarão formas que facilitem sua aprendizagem, aumentando, desse modo, a sua autoconfiança e motivação (Callan; Shim, 2019; Pranke; Frison, 2015). Alunos autorregulados tendem a ser mais organizados, esforçados, interessados e críticos. São mais capazes de estabelecer metas de estudo, analisar seu desempenho, persistir diante das dificuldades e identificar os comportamentos que afetam sua aprendizagem (Schunk; Zimmerman, 1998; Zimmerman, 2002).
A literatura aponta que os cursos de licenciatura não proporcionam um conhecimento aprofundado sobre aprendizagem, estratégias de aprendizagem e autorregulação da aprendizagem (Callan; Shim, 2019; Ohst et al., 2015) e que isso pode levar os futuros professores a sentirem dificuldade em compreender como a autorregulação pode favorecer a aprendizagem (Lawson; Askell-Williams, 2012). Na realidade, se eles, futuros professores, não possuem conhecimento e não utilizam estratégias eficazes para aprender, é natural que não considerem importante ensinar seus futuros alunos sobre a autorregulação e as estratégias de aprendizagem (Callan; Shim, 2019; Vosniadou et al., 2021). Assim, é essencial que os professores tenham um entendimento claro sobre o que constitui a aprendizagem autorregulada e saibam como e quando usá-la (Callan; Shim, 2019; Vosniadou et al., 2021).
Os programas de formação de professores podem fornecer aos futuros docentes conhecimento sobre estratégias de autorregulação por meio de intervenções, concentrando-se no ensino de como eles podem se tornar estudantes mais estratégicos e eficazes, capazes de gerenciar e controlar seu processo de aprendizagem e desenvolver autonomia acadêmica. Portanto, acredita-se que, ao compreenderem a importância da aprendizagem autorregulada para seu próprio desempenho, passem a promover essas habilidades em suas futuras salas de aula (Boruchovitch; Gomes, 2019; Dembo, 2001; Michalsky; Schechter, 2018; Schunk; Zimmerman, 2008; Vosniadou et al., 2021; White; Bembenutty, 2013).
Tendo em vista a relevância da aprendizagem autorregulada para a formação de professores e os poucos estudos brasileiros referentes ao conhecimento e às percepções de estudantes de licenciatura, o presente artigo tem como objetivo reportar um estudo voltado a avaliar se o programa de intervenção ampliou o conhecimento dos estudantes de licenciatura acerca do conceito de autorregulação da aprendizagem, se melhorou as percepções dos estudantes sobre si mesmos, como alunos e como futuros professores, bem como se contribuiu para aumentar a intenção deles de seguirem a carreira docente.
Procedimentos Metodológicos
Participantes
A amostra foi composta por 53 alunos de três turmas do terceiro semestre dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, Química e Física. Como essas turmas do terceiro semestre estavam com falta de professores, eles puderam participar da pesquisa e foram selecionados aleatoriamente para formar os grupos GEI, GEII e GC. O GEI tinha 22 alunos de Química, sendo 10 (45,45%) mulheres e 12 (54,55%) homens. Em relação à idade dessa amostra, 14 (63,64%) alunos tinham menos de 20 anos, 6 (27,27%) tinham entre 20 e 29 anos e 2 (9,09%) tinham mais de 30 anos. A média de idade foi de 20,73 e o desvio padrão de 4,131. O GEII foi composto por 12 estudantes de Física, 8 (66,67%) do gênero masculino e 4 (33,33%) do feminino. No que se refere à idade dos participantes, 7 (58,33%) alunos tinham menos de 20 anos, 4 (33,33%) tinham entre 20 e 29 anos e 1 (8,33%) tinha mais de 30 anos. A média de idade foi de 21,92 e o desvio padrão foi de 5,959. O GC foi composto por 19 estudantes de Ciências Biológicas, sendo 13 (68,42%) mulheres e 6 (31,58%) homens. Desses alunos, 10 (52,63%) tinham menos de 20 anos, 6 (31,58%) tinham entre 20 e 29 anos e três 3 (15,79%) tinham mais de 30 anos. A média de idade foi de 21,79 e o desvio padrão foi de 5,544.
Considerações sobre o programa de intervenção
O programa de intervenção foi construído pela primeira e segunda autora no ano de 2018, baseado nos Modelos de Aprendizagem Estratégica, de Claire E. Weinstein e de Aprendizagem Autorregulada, de Barry Zimmerman (Weinstein, 1994; Weinstein; Acee, 2013; Zimmerman, 2000, 2002, 2013).
O programa foi implementado na modalidade presencial e no formato de justaposição curricular, ou seja, foi oferecido aos alunos como atividade paralela ao curso de graduação, embora tenha sido realizado no horário da disciplina (Hofer; Yu; Pintrich, 1998; VanderStoep; Pintrich, 2008). Os estudantes que participaram do programa (modo intervenção) faziam parte de turmas que estavam com horários ociosos por falta de professores e se adequavam às características da amostra proposta no estudo. Eles foram selecionados aleatoriamente para formar o Grupo Experimental I (GEI), Grupo Experimental II (GEII) e Grupo Controle (GC). O curso pode ser considerado de média duração, pois foram realizados dez encontros, distribuídos como se segue: dois encontros pré-teste e pós-teste e oito para às sessões de intervenção. Os encontros aconteceram semanalmente e tiveram a duração de três horas, entre março e abril de 2019, totalizando seis semanas.
Com o GE I, as sessões foram no formato teórico-autorreflexivo e contaram com cinco etapas: questões conceituais e autorreflexivas, atividade prática, discussão da atividade prática, aula teórica reflexiva sobre o tema abordado e avaliação da aprendizagem. O GEII teve apenas aulas teóricas sobre os mesmos temas trabalhados no GEI. Já o GC não passou por intervenção.
Os temas estudados, durante as sessões do GEI, abordaram variáveis-chave dos três componentes do Modelo de Aprendizagem Estratégica (MSL) de Weinstein (1994): habilidade, vontade e autorregulação. O componente Habilidade do MSL enfatiza o conhecimento e a habilidade dos estudantes universitários de usar de maneira eficaz uma diversidade de estratégias de aprendizagem e habilidades de pensamento. Faz também referência a outros tipos de conhecimento como o conhecimento de si mesmo como estudantes – seus pontos fracos e aqueles que precisam ser melhorado – hábitos de estudo, preferências de aprendizagem, interesses em diferentes tarefas e contextos acadêmicos; conhecimento da tarefa acadêmica – os requisitos e as demandas de desempenho de diferentes tarefas acadêmicas; conhecimento prévio do conteúdo que se quer aprender – o conhecimento anterior, favorecendo a nova aprendizagem; e conhecimento dos contextos atuais e futuros – transferência e aplicabilidade das informações obtidas. O componente Vontade refere-se à motivação e aos componentes afetivos das estratégias de aprendizagem que podem contribuir para o sucesso acadêmico ou prejudicá-lo. Já o componente da Autorregulação está voltado para o planejamento, o monitoramento e o controle ativo dos pensamentos, de sentimentos e de comportamentos, com o propósito de atingir metas acadêmicas autoestabelecidas (Weinstein; Acee, 2013).
Do componente Habilidade, as pesquisadoras utilizaram as variáveis processamento da informação e seleção de ideias principais. Em relação ao componente Vontade, foram abordadas a ansiedade e a motivação. Por fim, do componente Autorregulação, foram trabalhadas as variáveis gerenciamento do tempo e autotestagem.
Já do Modelo de Aprendizagem Autorregulada, de Zimmerman (2000, 2002), utilizou-se a ideia de que a autorregulação consiste em uma abordagem processual e cíclica que apresenta três fases: fase prévia, fase de desempenho e controle e fase de autorreflexão. Na fase prévia, ocorrem o planejamento de tarefas, o estabelecimento de metas, o diagnóstico de desafios, o delineamento de estratégias e os aspectos motivacionais da aprendizagem, com ênfase nas crenças de autoeficácia. Na fase de desempenho ou controle, a ação de aprendizagem acontece a partir do planejamento realizado na fase anterior e a fase de autorreflexão se dá no fim do processo autorregulatório e é formada pelo autojulgamento e pelas autorreações. Nessa fase, o indivíduo compara os resultados obtidos com as metas estabelecidas na fase antecedente. As reflexões dessa fase poderão direcionar o indivíduo a respeito da necessidade de modificar o seu comportamento em situações de aprendizagem futuras. Todas as sessões do Programa de Intervenção foram delineadas, tendo como base a dinâmica desse modelo teórico.
As hipóteses aventadas para o presente estudo foram: 1) Estudantes que participarem do programa de intervenção sobre autorregulação da aprendizagem, no formato teórico-autorreflexivo (Grupo Experimental I-GEI), ampliarão a compreensão sobre o construto autorregulação da aprendizagem e terão melhores percepções sobre si mesmos como estudantes e como futuros professores, além de aumentarem a intenção de seguir a carreira docente, quando comparados ao Grupo Experimental II-GEII; 2) Participantes do programa de intervenção sobre autorregulação da aprendizagem, no formato teórico-autorreflexivo (Grupo Experimental I-GEI) e no formato teórico (Grupo Experimental II-GEII), ampliarão a compreensão sobre o construto autorregulação da aprendizagem e terão melhores percepções sobre si mesmos como estudantes e como futuros professores, além de aumentarem a intenção de seguir a carreira docente, quando comparados aos que não passaram por intervenção (Grupo Controle-GC); 3) Estudantes que não participarem do programa de intervenção sobre autorregulação da aprendizagem (GC), nem no formato teórico-autorreflexivo (GEI), tampouco no formato teórico (GEII), não ampliarão a compreensão sobre o construto autorregulação da aprendizagem e não terão melhores percepções sobre si mesmos como estudantes e como futuros professores, além de não aumentarem a intenção de seguir a carreira docente no pós-teste.
Instrumentos
A coleta de dados foi realizada por meio de questões conceituais e autorreflexivas com o intuito de investigar se os estudantes de Licenciatura ampliaram o conhecimento acerca do conceito de autorregulação da aprendizagem e melhoraram as percepções sobre si mesmos, como estudantes e como futuros professores, além de avaliar se a intervenção contribuiu para aumentar a intenção de seguir a carreira docente. Instrumentos do Pré-teste e do Pós-teste foram:
Questão conceitual sobre Autorregulação da Aprendizagem: Essa pergunta teve como objetivo verificar se os estudantes possuíam algum conhecimento sobre o construto Autorregulação da Aprendizagem.
Questões autorreflexivas para identificar as percepções que os licenciandos possuem sobre si mesmos, como estudantes e como futuros professores: As questões referentes às percepções dos alunos indagavam como eles se viam como estudantes, se pretendiam ser professores e quem seriam eles como futuros profissionais.
Coleta de dados
O pré-teste foi aplicado durante o primeiro encontro nas turmas que passaram pela intervenção (GEI e GEII). Já com o GC, o dia e o horário foram previamente agendados com um professor da turma. Antes da aplicação dos instrumentos, foi solicitado que os alunos lessem e assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido específico para cada grupo. Em seguida, foram aplicadas a questão conceitual sobre autorregulação da aprendizagem e as questões autorreflexivas para identificar as percepções dos licenciandos sobre si mesmos, como estudantes e como futuros professores. As mesmas questões apresentadas no pré-teste foram respondidas novamente pelos participantes no pós-teste.
Análise dos dados
A análise dos dados foi realizada, utilizando os pressupostos da Análise de Conteúdo, de Bardin (2011), que considera que a análise se estrutura em três fases principais: 1) pré-análise, 2) exploração do material, categorização ou codificação e 3) tratamento dos resultados, inferências e interpretação. Assim, foi realizada uma leitura inicial do material coletado, a partir das questões propostas referentes à pesquisa, procurando organizá-lo. Em seguida, foi feito um estudo aprofundado das respostas, orientado pelos objetivos e pelas hipóteses formuladas. Um conjunto de categorias de respostas foi desenvolvido para a análise de cada questão, com base na literatura da área (Callan; Shim, 2019; Zimmermam, 2000, 2013; Zimmerman; Schunk, 2011). Cada categoria foi definida operacionalmente, e foram criadas regras para classificar uma resposta em uma dada categoria. A consistência do processo de categorização foi avaliada, mediante a participação de três juízes independentes, que analisaram 30% das respostas dos participantes, escolhidas aleatoriamente, utilizando o conjunto de regras previamente elaborado. A porcentagem de correspondência obtida entre as pesquisadoras e os juízes variou de 96% a 100%. Na sequência, todas as respostas obtidas no estudo foram analisadas com base nas categorias desenvolvidas, procurando desvendar e interpretar os conteúdos contidos nos dados coletados.
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (protocolo CAAE: 02209218.6.0000.8142), e todos os procedimentos éticos foram adotados.
Resultados e Discussão
Destaca-se que somente as respostas de cinquenta alunos foram analisadas, sendo que três participantes (um do GEI e dois do GEII) não responderam às questões conceituais e autorreflexiva no pós-teste.
A questão inicial investigava se os estudantes já tinham ouvido falar em autorregulação da aprendizagem. Os resultados indicaram que, no pré-teste, somente um participante de cada grupo revelou ter ouvido falar no construto autorregulação da aprendizagem. No entanto, após o programa de intervenção, 100% dos estudantes dos GEI (n=21) e GEII (n=10) responderam já ter ouvido falar em autorregulação da aprendizagem. No GC, o aumento foi mais reduzido, passou de (n=1; 5,26%) no pré-teste para (n=4; 21,05%) no pós-teste. A Tabela 1 mostra as comparações das respostas entre os grupos experimentais e controle, no pré-teste e pós-teste para a pergunta: “Já ouviu falar em Autorregulação da Aprendizagem?
Tabela 1 Respostas dos estudantes apresentadas para a pergunta: Já ouviu falar em Autorregulação da Aprendizagem? Teresina, Brasil, 2021.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
A segunda questão era conceitual e solicitava aos estudantes que arriscassem um conceito sobre autorregulação da aprendizagem, mesmo que nunca tivessem ouvido falar nesse construto. As categorias que emergiram a partir das respostas dos participantes são apresentadas e comparadas na Tabela 2.
Tabela 2 Respostas dos estudantes para a questão “Arrisque um conceito (autorregulação da aprendizagem) mesmo que nunca tenha ouvido falar nesse construto”. Teresina, Brasil, 2021.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
As respostas se distribuíram em quatro categorias. Os resultados apresentados na Tabela 2 mostram que, no pré-teste, os participantes do GEI apresentaram um número maior de respostas na categoria “Resposta distorcida/confusa” (n= 10; 47,62%). A categoria mais expressiva no GEII foi “Aproxima da definição correta” (n=6; 60%), semelhante ao GC, cuja maior porcentagem foi também “Aproxima da definição correta” (n=8; 42,11%). Os dados apontam que, no pré-teste, os participantes do GEII e GC revelaram compreender mais o conceito de autorregulação da aprendizagem do que os estudantes do GEI. Todavia, não ficou claro o porquê desse resultado tanto no GEII quanto no GC, já que a maior parte desses dois grupos relatou não ter ouvido falar nesse construto, semelhante ao GEI.
A análise dos resultados do pós-teste revelou que o GEI apresentou um aumento no número de resposta na categoria “Aproxima da definição correta” (n=10; 47,62%), uma queda no número de respostas na categoria “Resposta distorcida/confusa” (n=7; 33,34%) e “Repete o termo Autorregulação da aprendizagem, usando outras palavras” (n=4; 19,04%). O GEII, por sua vez, aumentou as citações na categoria “Aproxima da definição correta” de (n=6; 60%) para (n=9; 90%) no pós-teste. Enquanto os dois grupos experimentais melhoraram sua compreensão acerca da definição correta do conceito de autorregulação da aprendizagem, o GC teve uma queda nas respostas que se incluíam nesta categoria (Pré-teste n=8; 42,11%; Pós-teste n=7; 36,84%) e um aumento na categoria “Repete o termo autorregulação da aprendizagem, usando outras palavras” (Pré-teste n=4; 21,05%; Pós-teste n=5; 26,31%). As demais categorias permaneceram estáveis.
Na questão autorreflexiva: “Como me vejo no papel de estudante?” foram criadas cinco categorias, como mostra a Tabela 3.
Tabela 3 Porcentagem de respostas dos estudantes para a questão “Como me vejo no papel de estudante?” Teresina, Brasil, 2021.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
Foi possível notar que grande parte das respostas dos participantes do GEI, no pré-teste, foi inserida na categoria “Percepção positivas de si mesmo” (n=11; 52,38%). O mesmo ocorreu com o GC (n=12; 63,16%). Já no GEII, a categoria que se destacou, no pré-teste, foi “Alterna entre as percepções positivas e as que precisam ser melhoradas” (n=4; 40%). Observou-se no pós-teste, que, no GEI, as respostas referentes à categoria “Percepção positiva de si mesmo” permaneceram inalteradas (n=11; 52,38%), contudo notou-se um aumento na categoria “Percepção negativa de si mesmo” (n=5; 23,81%). No GEII, houve um aumento muito interessante, (n=7; 70%) na categoria “Percepção positiva de si mesmo” e diminuição para (n=0; 0%), das respostas na categoria “Alterna entre as percepções positivas e as que precisam ser melhoradas” que, no pré-teste, havia sido a categoria com mais respostas. No GC, o resultado foi igualmente interessante e inusitado. Verificou-se um aumento das respostas na categoria “Percepção positiva de si mesmo” (n=15; 78,95%) e uma diminuição das respostas incluídas na categoria “Percepção negativa de si mesmo” de (n=2; 10,52%) no pré-teste para (n=0; 0%) no pós-teste.
A outra questão autorreflexiva indagou sobre a intenção dos estudantes de Licenciatura em se tornarem professores. As respostas e as suas respectivas porcentagens se encontram na Tabela 4.
Tabela 4 Respostas dos estudantes para a questão “Pretendo ser professor?” Teresina, Brasil, 2021.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
Ao comparar os resultados encontrados no pré-teste e pós-teste, constatou-se que os resultados no GEI (Pré e Pós-teste n=17; 80,95%) permaneceram inalterados. Já no GEII (Pré-teste n=10; 100%; Pós-teste n=9; 90%) e GC (Pré-teste n=18; 94,74%; Pós-teste n=15; 78,95%), houve uma redução no desejo dos estudantes em se tornarem professores.
A questão autorreflexiva “Quem sou eu como futuro profissional” solicitava que o futuro professor fizesse uma autorreflexão, no sentido de que tipo de profissional desejava se tornar (Tabela 5).
Tabela 5 Porcentagem de respostas dos estudantes para a questão “Quem sou eu como futuro profissional? Teresina, Brasil, 2021.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
Resultados intrigantes emergiram nas respostas a essa questão. No GEI (Pré-teste n=16; 76,19%; Pós-teste n=17; 80,95%), observou-se um modesto aumento nas respostas que expressavam o desejo dos participantes do estudo em se tornarem profissionais dedicados, íntegros, afetivos, acolhedores, inspiradores, preocupados com a aprendizagem dos alunos, em desenvolverem competências e crescerem na profissão. Ocorreu também diminuição das respostas na categoria “Vaga/ Não sabe/ Em branco”, neste grupo. Foi interessante notar que tanto no GEII (Pré-teste n=10%; 100%; Pós-teste n=7; 70%) quanto no GC (Pré-teste n=17; 89,47%; Pós-teste n=14; 73,68%) houve uma diminuição nas percepções positivas de si mesmo e um aumento das respostas incluídas na categoria “Vaga/ Não sabe/ Em branco” entre o pré-teste e pós-teste.
Os resultados, de modo geral, divergiram parcialmente das hipóteses iniciais. A hipótese de que os estudantes do GEI e GEII demonstrariam compreender melhor o conceito de autorregulação da aprendizagem, após a intervenção em comparação ao GC, foi confirmada parcialmente. Todavia, as hipóteses referentes aos estudantes terem melhores percepções sobre si mesmos como estudantes e como futuros professores e o desejo de seguirem a carreira docente após o programa de intervenção foram refutadas.
A primeira questão buscava investigar se os estudantes já tinham ouvido falar em autorregulação da aprendizagem. Todos os que participaram da intervenção tanto no formato teórico-autorreflexivo, quanto no apenas teórico, afirmaram ter ouvido falar em autorregulação da aprendizagem. O fato de o GC não ter passado por algum tipo de intervenção pode ter contribuído para que os participantes não se lembrassem da expressão autorregulação da aprendizagem. É possível que os poucos que citaram ter ouvido falar desse construto se recordaram da aplicação da questão no período do pré-teste.
A autorregulação da aprendizagem é definida como o processo no qual o aluno planeja, monitora e avalia o seu próprio aprendizado (Zimmerman; Schunk, 2011). Fatores como autoconhecimento, autorreflexão, controle de pensamentos, domínios emocional e motivacional estão envolvidos nesse processo. O fato de a maioria dos estudantes de Licenciatura ter declarado, no pré-teste, não conhecer o termo autorregulação da aprendizagem evidencia que os cursos de Licenciatura não proporcionam um conhecimento aprofundado sobre os pressupostos da autorregulação da aprendizagem (Boruchovitch, 2014; Callan; Shim, 2019; Ohst et al., 2015) e que isso pode levar os futuros professores a sentirem dificuldade em compreender como a autorregulação pode favorecer a aprendizagem (Lawson; Askell-Williams, 2012; Randi, 2004).
A segunda questão solicitava aos estudantes que arriscassem um conceito sobre autorregulação da aprendizagem, mesmo que nunca tivessem ouvido falar nesse construto. De modo geral, como seria esperado, os dados sugerem que a participação no Programa de Intervenção teórico-autorreflexivo e somente teórico contribuiu para o aumento do conhecimento dos estudantes sobre o construto autorregulação da aprendizagem, tendo o GEI apresentado melhores resultados do que o GEII, neste ponto específico, quando comparados ao GC, que não participou de intervenção.
Portanto, pode-se aventar que, embora grande parte dos estudantes dos grupos experimentais tenha definido autorregulação da aprendizagem de forma próxima ao conceito adotado neste estudo, alguns alunos ainda necessitam de mais clareza sobre o que significa esse construto, sugerindo que a intervenção pode ajudar na aquisição de determinadas habilidades, sendo melhor do que não passar por esse processo, como aconteceu com o GC, todavia não resolve o problema da aquisição conceitual de forma mais profunda.
A literatura defende que trabalhar os fundamentos teóricos da aprendizagem autorregulada nos cursos de formação de professores capacita os estudantes em formação a aprender mais e melhor e pode trazer benefícios não somente para sua vida acadêmica, mas também para a sua prática profissional (Schunk; Zimmerman, 2008; VanderStoep; Pintrich, 2003; Wolters, 2010). Não obstante, estudos reafirmem a importância de se fomentar a autorregulação no ambiente educacional, verifica-se, ainda, uma lacuna no ensino de estratégias autorregulatórias no Ensino Superior (Wolters, 2010; Zimmerman; Schunk, 2008) e, em especial, nos cursos de licenciatura (Boruchovitch; Ganda, 2013; Cleary, 2011; McKeachie; Lin; Middleton, 2004; Schunk; Zimmerman, 2008).
O terceiro questionamento tencionou identificar as percepções que os licenciandos possuem sobre si mesmos como estudantes. Os resultados encontrados parecem sugerir que os participantes do GEII podem ter sido mais beneficiados pelo Programa de Intervenção, pois passaram a ter uma autopercepção mais positiva de suas qualidades como estudantes. Embora o programa para esse grupo não tenha tido o intuito de favorecer uma autorreflexão, é possível que os estudantes tenham refletido espontaneamente sobre como desempenham esse papel, ao terem tido acesso à perspectiva teórica durante a intervenção. Pode-se inferir também que a própria questão autorreflexiva apresentada no pré-teste tenha contribuído para a mudança da percepção dos alunos quanto ao seu comportamento. Esse resultado pode ser considerado relevante, pois essa forma positiva de se ver como estudante pode aumentar a percepção de autoeficácia e, consequentemente, influenciar nas escolhas acadêmicas, no nível de engajamento e persistência no processo da aprendizagem dos estudantes (Ramos, 2015; Schunk, 1995).
No GEI, os resultados permaneceram estáveis nas categorias “Percepção positiva de si mesmo” e “Alterna entre as percepções positivas e as que precisam ser melhoradas” entre os tempos pré-teste e pós-teste. Esse dado pode sugerir que a intervenção teórica-autorreflexiva não é tão eficaz em grupos de participantes que se reconhecem como bons estudantes e que possuem certo grau de autoconhecimento sobre suas potencialidades e limitações. Merece, certamente, ser investigado por pesquisas futuras. Observou-se, também, no GEI, um aumento das percepções negativas de si mesmos como estudantes. Aventa-se que isso pode ter ocorrido, devido a alguns alunos passarem a refletir mais sobre essa condição, a partir das autorreflexões proporcionadas pelo programa de intervenção, e se perceberem não mais como medianos, e sim como, de fato, possuidores de características negativas. O aumento da percepção positiva de si mesmo entre os estudantes do GC, no pós-teste, se constitui em outro dado intrigante e difícil de explicar. Supõe-se que esse grupo possa ter passado por alguma situação de fortalecimento de suas crenças durante as seis semanas em que ocorreram a intervenção. Todavia, não é possível confirmar essa hipótese.
A quarta questão investigou a intenção dos estudantes de Licenciatura de se tornarem professores. Os resultados parecem sugerir que o fato de os grupos experimentais terem passado por uma intervenção teórica autorreflexiva (GEI) e só teórica (GEII) não afetou as intenções dos participantes de se tornarem docentes.
O resultado GEI permaneceu estável do pré-teste para o pós-teste, e o GEII sofreu uma redução do pré-teste para o pós-teste. O GC, do pré-teste para o pós-teste, também apresentou uma redução e, como já foi relatado anteriormente, este grupo não estava tendo aulas de todas as disciplinas durante o semestre, devido ao afastamento de professores para pós-graduação e à demora no processo de substituição, o que pode ter influenciado no desejo de se tornarem professores.
O desejo dos estudantes de se tornarem professores é um tema que merece ser alvo de discussões mais aprofundadas, no âmbito do sistema educacional. Alguns estudos têm mostrado que várias são as dificuldades no exercício do magistério, o que têm repercutido negativamente na motivação dos alunos do Ensino Médio e dos próprios alunos de Licenciatura em optarem pela carreira docente. Tardif (2014) aponta dificuldades de atração e retenção em relação à profissão docente e o elevado índice de abandono da profissão por docentes em vários países nos primeiros anos de carreira. Uma pesquisa realizada com alunos egressos do curso de Matemática de uma universidade brasileira avaliou o grau de atratividade da carreira docente na Educação Básica. Os resultados revelaram que 46,3% dos egressos não pretendiam atuar como professor dessa disciplina e que 45,2% dos que lecionavam no ensino básico não tinham a intenção de continuar com essa atividade profissional (Souto; Paiva, 2013).
De modo semelhante, em um outro estudo sobre as representações de estudantes de Licenciatura em Pedagogia acerca da profissão docente e o interesse pelo exercício da docência, especialmente na Educação Básica, os dados mostraram que, mesmo que a representação positiva da função social do professor contribua para o interesse e a admiração pela profissão, esse aspecto parece ser insuficiente para motivar a permanência nessa carreira (Brandão; Pardo, 2016).
A última questão propunha ao futuro professor que fizesse uma autorreflexão para prever que tipo de profissional desejaria se tornar. Os dados possibilitam aventar que passar pela intervenção teórico-autorreflexiva pode ter contribuído, ainda que de forma modesta, para que os professores em formação desejassem se tornar bons profissionais. O GEII, que só teve intervenção no formato teórico, e o GC que não passou por intervenção, sofreram uma redução no número de respostas referentes à percepção positiva de si mesmo do pré-teste para o pós-teste. Por esses resultados, pode-se inferir que possibilitar aos estudantes momentos de autorreflexão poderá contribuir para a potencialização, o desenvolvimento e até mesmo para a manutenção da autoconsciência e do desejo dos futuros professores se tornarem bons profissionais. Zamperetti (2012) afirma que a autorreflexão seria uma forma de construção e mediação pedagógica em que a própria pessoa, promovendo questionamentos para si, pode problematizar, explicitar e, eventualmente, modificar as próprias posturas, tanto em relação à sua atividade profissional quanto, e principalmente, a si mesma.
Os professores que desenvolvem as habilidades autorreflexivas são mais eficazes em reconhecer as práticas que ajudam ou atrapalham o processo de ensino-aprendizagem, sendo também mais capazes de entender os problemas que permeiam a sala de aula e tentar solucioná-los (Dembo, 2001; Machado; Boruchovitch, 2015; Zamperetti, 2012; Zimmerman, 2002). O Ministério da Educação, em fevereiro de 2020, divulgou novas diretrizes para a formação de professores, destacando a necessidade de desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes (Brasil, 2020).
A literatura defende que, para o futuro professor implementar essas práticas em suas salas de aula, é imprescindível que ele passe pela experiência do autoconhecimento e do autocuidado, pois só assim será capaz de ensinar seus futuros alunos (Lousada, 2017; Lousada; Barreto, 2021). Considera-se, então, essencial que se façam maiores investimentos em abordagens autorreflexivas nos cursos de formação docente, tendo em vista o fortalecimento dos processos autorregulatórios e da promoção do autodesenvolvimento dos futuros professores. Pimenta e Anastasiou (2002) afirmam que o significado social que os professores atribuem a si mesmos e à educação escolar exerce papel fundamental nos processos de construção da identidade docente.
A relevância do presente estudo está em contribuir e ampliar as discussões acerca da eficácia de um programa de intervenção teórico-autorreflexivo e apenas teórico para ajudar futuros docentes a compreenderem melhor o construto autorregulação da aprendizagem, a terem uma melhor percepção de si como estudantes e futuros professores e a pretenderem seguir uma carreira docente.
Algumas limitações, entretanto, precisam ser consideradas. A amostra foi composta por alunos de cursos de licenciatura somente das seguintes áreas: Ciências Biológicas, Química e Física. Assim, resultados diferentes poderiam ter emergido se a amostra incluísse também outras áreas de conhecimento, como as Ciências Humanas. Ademais, o curto tempo de duração do programa de intervenção e o fato dos dois formatos de intervenção terem sido ministrados sem a presença de um observador indicam que não se pode, assim, garantir a fidelidade da implementação dos diferentes formatos do programa. Recomenda-se, portanto, que pesquisas futuras sejam realizadas com o mesmo intuito desta, tendo em vista a superação das limitações elencadas, e a relevância e a escassez de estudos semelhantes.
Considerações Finais
A formação de professores precisa possibilitar situações que preparem os futuros profissionais a atender a multiplicidade de desafios que se apresentam no contexto educacional. Deve ser sempre pensada em função das novas realidades e das diferentes exigências sociopolíticas e culturais. Diante desse cenário atual, as intervenções educativas que buscam promover os processos autorregulatórios dos futuros professores são essenciais para que eles tenham um papel ativo e construtivo nas suas aprendizagens ao longo da formação e, posteriormente, como profissionais.