SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29Avaliação dos resumos de dissertações: execução de uma propostaTransição para o Ensino Superior: dificuldades vivenciadas por ingressantes no contexto de ensino remoto emergencial índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.29  Campinas  2024

https://doi.org/10.24220/2318-0870v29a2024e8824 

ORIGINAL

Reformas educacionais paulistas e suas repercussões na organização da escola e na autonomia docente (1995-2018)

Educational reforms in São Paulo state and their repercussions on school organization and teacher autonomy (1995-2018)

Maria José da Silva Fernandes1 
http://orcid.org/0000-0002-4747-6570

Márcia Aparecida Jacomini, concepção, desenho, análise e interpretação dos dados, revisão, aprovação da versão final do artigo2 
http://orcid.org/0000-0003-2936-3174

Isabel Melero Bello, concepção, desenho, análise e interpretação dos dados, revisão, aprovação da versão final do artigo2 
http://orcid.org/0000-0002-6891-2001

Caio Cabral da Silval, concepção, desenho, análise e interpretação dos dados, revisão, aprovação da versão final do artigo3 
http://orcid.org/0000-0002-0957-5631

1Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Campus Bauru, Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar. Araraquara, SP, Brasil.

2Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Educação. Guarulhos, SP, Brasil.

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus São Paulo, Diretoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação. São Paulo, SP, Brasil.


Resumo

Neste artigo são analisadas as repercussões das reformas educacionais paulistas na organização da escola e na autonomia docente. Considerando o sistema de avaliação como elemento persistentemente presente nas reformas e sua articulação com a dimensão curricular, buscou-se verificar de que forma alteraram o âmbito da escola. Considera-se na análise a política educacional paulista no período de 1995-2018, expressa em diferentes programas e projetos. Para tanto, apresentam-se alguns elementos documentais em diálogo com a produção bibliográfica. O artigo decorre de pesquisa mais ampla que investigou diversas dimensões da política educacional paulista no referido período. Neste estudo, buscou-se compreender como os pressupostos da Nova Gestão Pública se manifestam nas políticas educacionais, estabelecendo maior controle sobre as escolas e produzindo uma precariedade subjetiva nas condições de trabalho do magistério, especialmente na autonomia docente, com perda do controle sobre os meios e os fins do processo de ensino. Observou-se que a implementação do sistema de avaliação, instrumento central das reformas educacionais que permaneceu ao longo dos anos, associado à exigência de um currículo oficial, trouxe uma nova lógica nas escolas e refletiu-se na redução significativa da autonomia didática pedagógica dos professores e em maior controle do trabalho e das organizações escolares.

Palavras-chave Controle do trabalho; Educação pública; Política curricular; Sistema de avaliação; Trabalho docente

Abstract

This article analyzes the repercussions of educational reforms on school organizations and teacher autonomy in São Paulo state. Considering the assessment system as a persistently feature in the reforms and its articulation with the curricular dimension, it was verified how these elements changed the school scope. The analysis considers the educational policy of São Paulo between 1995 and 2018, expressed in different programs and projects. For this purpose, some documentary elements are presented in dialogue with the bibliographical production. The article was carried out based on a broader research that investigated several dimensions of the educational policy of São Paulo state in this period. This study aimed to understand how the assumptions of the new public management are manifested in educational policies, establishing greater control over schools and producing a subjective precariousness in teacher’s working conditions, especially in teaching autonomy, with loss of control over the means and ends of the teaching process. It was observed that the implementation of the evaluation system, a central instrument of the educational reforms that remained over the years, associated with the requirement of an official curriculum created a new logic in schools and was reflected in the significant reduction of teacher`s pedagogical autonomy and in greater control of work and school organizations.

Keywords Work control; Public education; Curriculum policy; Teaching work; Evaluation system

Introdução

O presente artigo tem como objetivo problematizar a questão da autonomia docente no contexto das reformas educacionais ocorridas na rede pública de ensino regular do estado de São Paulo após o ano de 1995, quando se iniciou a série de governos vinculados a um único partido político que permaneceu no poder por mais de duas décadas4. As reformas pautaram-se pelos princípios da Nova Gestão Pública (NGP), disseminando o discurso da responsabilidade social, da transparência, da modernização e da eficácia do serviço público e, para tal, apoiaram-se em medidas de controle à distância dos resultados de desempenho escolar. Ao longo deste período, duas medidas tiveram severas repercussões na organização do trabalho nas escolas e na autonomia docente: os sistemas de avaliação externa baseados em provas estandardizadas, definidas verticalmente e vinculadas à noção de accountability5 e a adoção de currículos padronizados. Considera-se a questão da autonomia a partir dos pressupostos discutidos por Enguita (1991), para quem o trabalhador autônomo tem controle sobre o processo e o resultado de seu trabalho, o que no caso do professor significa ter controle sobre o que e como ensinar.

O conteúdo apresentado no artigo considerou alguns dados documentais obtidos por meio de uma pesquisa6 que analisou a política educacional do estado de São Paulo entre 1995 e 2018 e suas implicações na reconfiguração do sistema estadual de ensino, considerando diversas dimensões da política. No entanto, a análise especificamente aqui apresentada toma como ponto de partida os dois elementos reformistas supracitados – avaliações e padronização curricular – em diálogo com a produção bibliográfica, buscando compreender as repercussões dos mesmos para o âmbito da escola.

O sistema de avaliação externa, instrumento presente no conjunto de ações empreendidas por todos os diferentes governos do período, expressa a coesão de um modelo político educacional que se desdobrou em uma configuração curricular padronizada, delineando a organização didático-pedagógica das escolas e provocando a corrosão da autonomia docente.

No texto procura-se discutir a articulação das políticas educacionais empreendidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP)7, destacando-se a presença constante e contínua do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar (Saresp) e do currículo oficial e suas repercussões no trabalho docente na rede estadual paulista.

Mais de duas décadas de reformas educacionais e de um modelo que se consolidou nas escolas paulistas

A partir da segunda metade da década de 1990, o estado de São Paulo vivenciou uma sequência de governos ligados ao Partido da Social Democracia (PSDB) que implementaram reformas educacionais baseadas em uma mesma matriz teórica, ideológica e política (Jacomini et al., 2022). A reforma do Estado, em consonância com mudanças mais amplas ocorridas no âmbito federal, marcou o governo desde seu início e apoiou-se na austeridade no uso dos recursos financeiros, na defesa da responsabilidade social, da transparência, da modernização e da eficácia do serviço público. Especificamente no que se referiu ao sistema escolar regular, a SEE-SP ajustou-se à reforma do Estado, empreendendo medidas consonantes à NGP. Ao longo dos anos foram inúmeros comunicados, normativas, resoluções, portarias, entre outros, alterando-se medidas em cada ou dentro de um novo governo. Muitas foram as medidas ditas modernizantes, mas o ponto nodal foi a criação de um sistema de avaliação. O Quadro 1 sintetiza algumas orientações das políticas educacionais implementadas nos governos entre 1995-2018 e a permanência do elemento avaliador desde o primeiro ciclo de governo.

Quadro 1 Orientações da política educacional paulista – 1995-2018. 

Ciclo Período de governo Governador Secretária(o) SEE-SP Medidas reformistas relevantes
1) Implementação 1995 a 1998 Mário Covas Tereza Roserley
Neubauer da Silva
Reorganização física das escolas e por ciclos de ensino;
Expansão da função de Professor Coordenador Pedagógico;
Resolução SE 27/96 que dispõe sobre a criação do Saresp;
Avaliação por amostragem;
Implantação da progressão continuada.
1) Implementação 1999 a 2002 Mário Covas
Geraldo Alckmin
Tereza Roserley
Neubauer da Silva
Categorização das escolas por cores em função dos resultados de desempenho;
Sistema de avaliação censitária adotada para aprovação e reprovação dos estudantes.
Gabriel Chalita
(após abril/2002)
Revisão do uso do sistema de avaliação para aprovação e reprovação;
Institucionalização da política de bonificação;
Pagamento do Bônus Mérito e do Bônus Gestão.
1) Implementação 2003 a 2006 Geraldo Alckmin
Claudio Lembo
Gabriel Chalita
Maria Lúcia
Vasconcelos
Aprimoramento da política meritocracia de bonificação associada ao Sistema de Avaliação com a publicação de um conjunto de leis complementares e decretos.
2) Intermediário/ aprofundamento 2007 a 2010 José Serra Maria H. Guimarães de Castro
Paulo Renato Costa Souza
Criação do Idesp;
Implementação do Currículo oficial para o ensino fundamental e médio;
Redefinição das matrizes de referência do Saresp;
Associação entre a política de bonificação por resultados (Lei n. 1078/2008) e a avaliação de desempenho do magistério e da escola por meio do pagamento de bônus mérito.
3) Consolidação 2011 a 2014 Geraldo Alckmin Herman Jacobus Cornelis Voorwald Implantação de instrumento de suporte ao planejamento e à gestão escolar denominado Plano de Ação Participativo (PAP) voltado à gestão eficiente e eficaz;
Criação do Programa Educação Compromisso de São Paulo (PECSP).
3) Consolidação 2015 a 2018 Geraldo Alckmin Herman Jacobus Cornelis Voorwald
José Renato Nalini
Implantação de política sistemática de gestão pedagógica para resultados associada ao pilar 2 do PECSP;
Programa de gestão de acompanhamento pedagógico (gestão para resultados); Método de Melhoria de Resultados (MMR).

Fonte: Elaborado pelos autores. São Paulo (2020).

O início do ciclo de reformas foi anunciado por meio de um comunicado publicado em 1995, no qual a então Secretária de Educação, Tereza Roserley Neubauer da Silva, “[...] apresentou uma avaliação da situação educacional da rede estadual de ensino, a justificativa da política educacional e as principais orientações, tendo em vista uma pretensa racionalização, eficiência e eficácia do sistema educacional paulista” (Jacomini et al., 2022, p. 9). A partir deste momento, seguiu-se uma sequência de reformas que estão apresentadas no quadro acima com o uso de números identificados na coluna 1 e organizados de acordo com a discussão feita por Jacomini et al. (2022): 1º ciclo implantação; 2º ciclo intermediário/aprofundamento de medidas e 3º ciclo consolidação.

Como pode ser observado no quadro, o primeiro ciclo contou com a implementação de medidas de grande impacto na rede estadual. Houve medidas de resultado imediato, como a reorganização física das escolas da rede, com fechamento e reagrupamento de escolas, e outras de repercussão menos imediata, mas de longa duração política e implicações mais temporalmente diluídas no conjunto de reformas. Nesse segundo caso está a criação do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), elemento que permaneceu no tempo e foi sendo refinado ao longo dos anos, articulando, especialmente depois da gestão 2007-2010, um requintado conjunto de ações que amarrou a avaliação externa e centralizada à planificação curricular.

A criação do Saresp, em 1996, ocorreu na gestão de Mário Covas, e teve como justificativas: estabelecer uma política de avaliação do rendimento escolar em nível estadual, de forma articulada com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB/MEC); recuperar o padrão de qualidade do ensino ministrado no Estado de São Paulo; subsidiar o processo de tomada de decisões que objetivem a melhoria da administração do sistema educacional através de resultados avaliativos cientificamente apurados e informar a sociedade e a comunidade educacional sobre o desempenho do sistema de ensino (São Paulo, 1996). Nesse primeiro momento, a avaliação dava-se por amostragem.

A criação de um sistema de avaliação teve forte influência do contexto internacional e da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, em 1990, com defesa da universalização da educação básica e do direito à aprendizagem. Apesar da defesa da universalização da educação básica, a concepção de ensino adotada nos documentos internacionais se orientava pela oferta de um quantum de conteúdos passível de mensuração e dirigido ao desenvolvimento de habilidades e competências. Essa orientação internacional acarretou alterações significativas para o trabalho docente e as formas de organização escolar. Biesta (2013, p 37) argumenta que a mudança da linguagem da educação para a linguagem da aprendizagem modificou o próprio sentido da educação:

O principal problema com a nova linguagem da aprendizagem é que ela tem facilitado uma nova descrição do processo da educação em termos de uma transação econômica, isto é, uma transação em que (1) o aprendente é o (potencial) consumidor, aquele que tem certas ‘necessidades’, em que (2) o professor, o educador ou a instituição educacional são vistos como provedor, isto é, aquele que existe para satisfazer as necessidades do aprendente e em que (3) a própria educação se torna uma mercadoria – uma ‘coisa’ – a ser fornecida ou entregue pelo professor ou pela instituição educacional, e a ser consumida pelo aprendente.

É importante observar que a primeira gestão de Covas (1995-1998) tinha como uma das principais preocupações a correção e regularização do fluxo escolar, dado o elevado índice de reprovações e abandonos registrados na rede, como pouco antes havia apontado Ribeiro (1991). Assim, para corrigir essas distorções, o ensino passou a ser organizado por ciclos e implantou-se a progressão continuada, além das classes de aceleração (Neubauer, 2014).

As medidas centravam-se na universalização do ensino e em questões mais amplas que atingiam mais a organização da escola do que a dimensão do trabalho docente em sala de aula, permanecendo ainda o professor com relativa autonomia didático-pedagógica. De posse de livros didáticos obtidos por meio de programas oficiais (o Programa Nacional de Livro Didático teve um forte impulso no país a partir de 1996) e diante de um rol de conteúdos bastante genérico e institucionalmente estabelecido ainda sob a vigência das orientações curriculares decorrentes das propostas dos anos 80 (Souza, 2006), cabia aos professores a organização do tempo e do espaço da sala de aula, a escolha dos procedimentos didáticos e a vinculação ao projeto pedagógico da escola, indicando certa independência profissional, característica da autonomia, aos docentes.

Em 1997, ainda sob a primeira gestão de Mário Covas, publicou-se a Resolução SEE-SP/76, na qual se manteve os termos relativos às atribuições do Professor Coordenador Pedagógico, mas atrelando-as mais claramente à necessidade de articulação e mobilização da equipe escolar para a construção do projeto político pedagógico, destacado elemento de democratização da escola e de fortalecimento da autonomia. O foco nas ações das escolas ficava evidente também no conteúdo dos processos seletivos para escolha do Professor Coordenador Pedagógico, cuja bibliografia valorizava autores e conteúdos relacionados a questões de natureza didático-pedagógica que permeavam o processo de organização escolar, incentivando a participação e a autonomia dos professores e da equipe gestora na definição dos rumos das escolas, indicando, portanto, caminhos possíveis e autônomos para o trabalho coletivo (Fernandes, 2018).

Mesmo em um contexto de reformas educacionais, os anos iniciais do ciclo de implementação ainda mantinham o foco do trabalho na escola, considerando-a como lócus fundamental da produção do conhecimento, tanto no tocante à formação do aluno como também do professor. A partir da 2a gestão de Covas (1999-2001) e 1a gestão de Geraldo Alckmin, que vai até 2002, percebe-se que os princípios defendidos pela NGP – responsabilidade social, transparência, modernização e eficácia e eficiência do serviço público – passam a ser atrelados ao Saresp e a este são vinculadas novas medidas de controle didático-pedagógico que se aproximam mais do cotidiano da escola. Dentre as medidas, ainda sob a tutela da secretária Rose Neubauer, foi estabelecida a categorização das escolas por cores em função do desempenho dos estudantes nas avaliações externas, a mudança do Saresp de amostral para censitário e a utilização do sistema de avaliação para aprovação/reprovação dos estudantes, desconsiderando-se os resultados do processo pedagógico realizado ao longo do ano pelos professores. Para Oliveira Júnior (2013), essa fase pode ser caracterizada como de construção identitária de uma nova cultura associada à avaliação em larga escala que também se disseminava no Brasil.

Envoltas aos discursos de valorização da transparência, da racionalização no setor público e da política de prestação de contas por meio de resultados, as avaliações externas foram sendo absorvidas pelo conjunto da sociedade civil que se identificou com a necessidade dos indicadores para supostamente medir a performance dos sistemas de ensino e, com ela, a qualidade da escola. Houve “[...] a mobilização dos diferentes agentes escolares para que as práticas fossem ajustadas com o objetivo de melhorar os resultados” (Oliveira, 2015, p. 640). Do ponto de vista da adesão à implementação desse elemento reformista, pesou ainda a vinculação retórica à busca da qualidade no ensino, afinal, como questiona Viñao Frago (2001) “[...] por acaso alguém não está a favor da qualidade?”. No entanto, a perspectiva de qualidade educacional disseminada pelas reformas da NGP vincula-se à mensuração e ao monitoramento por meio de indicadores definidos vertical e externamente que não captam as complexas dimensões do processo de aprendizagem.

Freitas (2005, p. 921) considera que a “[...] noção de qualidade adotada pelas políticas neoliberais é quase sempre eivada de uma pseudoparticipação que objetiva legitimar a imposição verticalizada de ‘padrões de qualidade’ externos ao grupo avaliado”. Para o autor, em outro artigo:

Na atual disputa pela escola, os reformadores empresariais da educação ampliaram a função da avaliação externa e deram a ela um papel central na indução da padronização como forma de permitir o fortalecimento do controle não só sobre a cultura escolar, mas sobre as outras categorias do processo pedagógico, pelas quais se irradiam os efeitos da avaliação, definindo o dia a dia da escola

(Freitas, 2014, p. 1093).

Em meio à assunção dessa noção de avaliação que se alinha às formas de controle, o sistema avaliativo foi sendo associado a outros instrumentos meritocráticos, a exemplo da bonificação aos profissionais da educação. Em 2002, em pleno ano eleitoral, Alckmin substituiu a secretária Rose Neubauer, por Gabriel Chalita, um secretário de modos mais brandos que tomou medidas aparentemente bem recebidas pelos professores em função da situação criada anteriormente, muito embora contraditórias. Também nesse ano, por conta da Lei Complementar nº 909/2001, foi pago pela primeira vez a bonificação a professores e gestores: o Bônus Mérito atribuído ao magistério e o Bônus Gestão aos dirigentes de ensino e supervisores, com prêmios atrelados à frequência e ao desempenho das escolas no Saresp.

A bonificação e sua relação com o desempenho escolar evidenciado no Saresp modificaram relações e práticas na rede estadual. Em artigo decorrente de pesquisa realizada com docentes, Fernandes (2010, p. 85) trouxe dados instigantes sobre a relação entre os elementos da reforma e o trabalho cotidiano:

Os professores deixaram evidente a força, a pressão, que esse mecanismo adquiriu dentro da rede pública paulista de ensino, força esta capaz de alterar profundamente a organização do trabalho e a prática dos professores em sala de aula: ‘A pressão é muito grande e cai principalmente lá embaixo, em nós os professores, e não adianta dizer que as pessoas não estão preocupadas com o financeiro porque elas precisam de dinheiro para viver’ (P 7). Outros apontaram o caráter contraditório do bônus, que, ao mesmo tempo que dava ‘prêmios’, provocava a alienação e o desânimo perante a incapacidade do professor de se sentir sujeito de seu próprio trabalho e de se mobilizar para exigir mudanças, como por exemplo: ‘O bônus destruiu a capacidade de mobilização, destruiu o professor como sujeito formador e está destruindo o professor como pessoa, como sujeito, porque cria uma alienação, uma dependência. Ele não se reconhece mais como sujeito, ele perde o ânimo’

A partir daí a bonificação vai se tornando complexa e alinhada ao sistema de avaliação. Entre 2003 e 2006 observa-se que a SEE-SP, com Chalita e sua sucessora, Maria Lúcia Vasconcelos, gradualmente criou normas e medidas de bonificação para servidores atingindo todos os funcionários da escola que passaram a receber o bônus na medida de seus esforços, bem ao gosto das políticas meritocráticas. Filipe e Bertagna (2017), ao analisarem documentos oficiais relativos ao Saresp, afirmam que o sistema alinhou a escola ao funcionamento do mercado, regulada por metas, com distribuição de prêmios para os “melhores profissionais”, numa mensuração objetiva que traduz uma ideia de qualidade pautada na publicidade. As autoras apontam que, apesar das consequências dessa política para as escolas serem identificadas por pesquisas e evidenciadas nas contradições expressas na política, não foram consideradas na formulação de novas ações.

Assim, percebe-se que no período que se encerrou com Claudio Lembo como governador, em 2006, houve preocupação acentuada em refinar o sistema de avaliação de desempenho e, para tanto, foi necessário o envolvimento dos profissionais da educação, em particular, dos professores. Nesse sentido, os esforços que se voltaram inicialmente para a universalização e correção do fluxo escolar se dirigiram ao estímulo e engajamento dos profissionais no desempenho satisfatório dos alunos no Saresp. A aprovação de um conjunto legal que afinou e detalhou critérios para o recebimento do bônus (14 leis complementares e decretos) relaciona-se ao discurso da gestão gerencial que defende avaliações apoiadas em um suposto perfil técnico, transparente e justo.

O ano de 2007, de acordo com Santos e Sábia (2015, p. 361), foi de “[...] inovações corajosas” do Saresp que passou a alinhar-se à escala do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), tornando possível a comparação com outras unidades da federação, e dando centralidade às habilidades e competências, fatos que tiveram grande repercussão no trabalho docente. Neste ano, segundo Jacomini et al. (2022), houve um aprofundamento das reformas educacionais de natureza neoliberal, com medidas que estabeleceram uma relação mais estreita entre política curricular e avaliação em larga escala, sofisticando-se o controle do trabalho docente por meio de um currículo oficial e centralizado para toda a rede que definia, além dos conteúdos, as orientações didáticas (com regulação do tempo), as expectativas de aprendizagem e, também, a organização das reuniões pedagógicas coletivas dos docentes. Para os referidos autores, a medida de maior visibilidade na gestão 2007-2010, ciclo de aprofundamento, foi a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, contendo expectativas de aprendizagem de cada disciplina e ano, além de, por meio dos Cadernos do Aluno, do Professor e do Gestor induzir a conteúdos e metodologias de ensino organizados por bimestres. Assim, é mais do que um guia curricular.

Os dados de pesquisa sobre a implementação do Saresp em São Paulo e suas implicações pedagógicas, são corroborados também pelo levantamento realizado Torrezan, Bertagna e Nakamura (2018, p. 1332) que afirmam ser:

[...] possível observar que quando os professores e a equipe gestora reúnem-se com a finalidade de planejar o trabalho pedagógico, os objetivos e os conteúdos educacionais já foram determinados anteriormente. Neste sentido, entendemos que se perde a oportunidade de, no planejamento e replanejamento, problematizar as concepções de educação e práticas escolares, fortalecer o trabalho da equipe escolar, colocar as demandas e necessidades dos estudantes e ainda fomentar a mobilização da equipe para exercitar o protagonismo na elaboração e execução do trabalho pedagógico, expresso no Projeto Político-Pedagógico (PPP).

Se em um primeiro momento foram arrebanhados adeptos nas escolas e provocado o engajamento moral (Ball, 2005) com as reformas educacionais, numa segunda fase, mais incisiva e coercitiva, vinculou-se o sistema de avaliação às políticas curriculares, mas, mais do que isso, a SEE-SP reduziu as margens de autonomia do professor, ao estabelecer a forma de organização do trabalho, retirando dos profissionais a responsabilidade pelas escolhas didático-pedagógicas e responsabilizando-os pelo desenvolvimento de habilidades e competências passíveis de comparação e generalização.

Os programas São Paulo Faz Escola, a Proposta Curricular de São Paulo (PCSP) e, numa próxima gestão, o Programa Educação Compromisso de São Paulo (PECSP) (São Paulo, 2011) expressaram uma nova condição da política educacional cujo marco referencial foi o currículo disposto em material didático produzido e distribuído pela SEE-SP para cada disciplina, organizado em Cadernos específicos para cada bimestre, finamente aproximado ao Saresp que, por sua vez, em 2009, tivera suas matrizes readequadas para emalhetar-se ao dispositivo curricular. Para Oliveira Júnior (2013), este formato gerencial e pragmático apoiou-se numa racionalidade essencialmente instrumental.

Num movimento orquestrado, o bônus mérito também foi reformulado a partir do Decreto nº 52.719/2008, tendo como base o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), indicador da qualidade das escolas, composto pelo resultado no Saresp e o fluxo escolar, sendo denominado Bonificação por Resultados (São Paulo, 2008a, 2008b). Analisando de forma abrangente, observa-se que esta gestão, representada por Maria H. Guimarães de Castro e Paulo Renato Costa Souza, foi um ponto de inflexão nas políticas até então adotadas, curvando-as mais acentuadamente na direção da NGP.

Em 2011, já com Herman Voorwald à frente da SEE-SP, outras três medidas implantadas destacaram-se: a Avaliação de Aprendizagem em Processo (AAP), o Plano de Ação Participativo (PAP) e o Método de Melhoria de Resultados (MMR). A AAP é avaliação bimestral, formulada centralmente pela SEE-SP, aplicada e corrigida pelas escolas com a finalidade de proporcionar um acompanhamento da aprendizagem dos alunos e produzir orientações aos professores para desenvolver atividades que possam sanar falhas na aquisição de conteúdos, competências e habilidades trabalhadas em cada bimestre. Em certo sentido, apoiando-se na perspectiva da avaliação de aprendizagem em processo, a AAP direciona ainda mais a escolha dos conteúdos e das metodologias de ensino, reforçando a PCSP e preparando pari passu os alunos para o Saresp (Santos, 2017), com significativo manejo do processo pedagógico.

No ano seguinte à AAP, em 2012, foi implantado o PAP, instrumento de gestão para auxiliar a escola no diagnóstico dos problemas e proposição de resoluções no âmbito de sua governabilidade, essencialmente os relacionados ao baixo desempenho no Saresp. Isso explica o critério de escolha das escolas no ano de sua implantação, as chamadas escolas prioritárias, com proficiência abaixo do básico, conforme critérios do Saresp. Não obstante as intenções, o PAP produziu grande volume de trabalho no âmbito das escolas, principalmente na produção de registros, visto que todo o processo de planejamento e realização das ações devia ser assentado no sistema online para que a SEE-SP pudesse acompanhá-los à distância.

Em certa medida, pode-se dizer que o PAP foi substituído pelo MMR, inicialmente numa experiência piloto, em 2016, e com expansão paulatina até atingir o conjunto das escolas estaduais em 2019. Presente no ciclo de consolidação das reformas (Jacomini et al., 2022) e diferentemente do PAP que, embora com elementos da gestão empresarial, foi elaborado no marco da gestão pública, o MMR é um instrumento de planejamento e gestão formulado para o setor privado e transposto à gestão das escolas. É um explícito e rígido mecanismo de controle do trabalho da escola por meio de sistema de registros online que visa o alcance de metas responsabilizando os profissionais do magistério que são instados a propor soluções passíveis de serem realizadas pela e na escola, atribuindo-lhes a tarefa de resolver problemas causados por múltiplos fatores, alguns fora da alçada de intervenção desta instituição, o que contribui para gerar uma precarização subjetiva do trabalho docente, ou seja, uma permanente sensação de não corresponder às exigências laborais (Linhart, 2014).

A publicização de dados e indicadores, proclamada como elemento de transparência do setor público, gerou forte pressão sobre os profissionais da educação em todos os pontos nodais da rede, estabelecendo “compromissos” que passam a ser acompanhados de perto e à distância, produzindo sentimentos de não correspondência ao definido verticalmente, já que sobre este aspecto as escolas não têm controle ou, no jargão do programa, eles não estão sob sua governança. Apoiando-se em Ball (2002), pode-se dizer que são criados processos de exteriorização que alteram a natureza do setor público, uma vez que os compromissos de “serviço” passam a subordinar-se à performance, fabricando novos perfis individuais e institucionais.

O Programa de Qualidade da Escola, outro exemplo, estabeleceu um índice de cumprimento de metas que se tornou referência central para o pagamento anual por desempenho aos profissionais da educação, não incorporado aos salários, mas com valor significativo quando consideradas as condições objetivas dos trabalhadores, o que promoveu a preponderância das decisões que tem por base o Saresp. O controle aguerrido amplia a preocupação com índices, orientando o trabalho para resultados quantificáveis nas avaliações e para o controle do fluxo escolar – evasão, promoção e repetência – tudo organizado sob um novo modelo de gestão e compliance8 que não se limita à dimensão normativa. Os instrumentos gerenciais adotados na gestão do sistema ecoaram na gestão pedagógica, espaço de domínio histórico do professorado, reduzindo o controle do processo e do resultado.

Os indícios do uso das avaliações como finalidade maior dos processos pedagógicos aparecem em pesquisas de Balsamo (2014), Cosso (2013), Martins (2015), Mello (2014) e Peixoto (2011), a partir das quais identificam-se o engessamento do trabalho pedagógico e o direcionamento das práticas às provas padronizadas. Torrezan, Bertagna e Nakamura (2018), afirmam que os professores preparam aulas pautadas nos conteúdos que serão exigidos e fazem uso recorrente de exercícios de edições anteriores do Saresp, como forma de treinamento para esse processo avaliativo. Desta forma, as medidas alteram o modo de fazer e ser docente, disseminando práticas e normas padronizadas de trabalho e de avaliação.

Rodrigues (2018, p. 168) afirma que “[...] ao proceder a subordinação das categorias da organização do trabalho pedagógico, cabe à avaliação orientar os caminhos a serem percorridos, isto é, oferecer os fundamentos que nortearão os princípios do conteúdo e dos métodos adotados”. Observa-se, porém, que na rede paulista, houve uma inversão do processo pedagógico, no qual a finalidade maior da educação passou a ser o resultado nas avaliações. Nesta lógica, o próprio sistema de avaliação foi implementado de trás para frente. Com início em 1996, o Saresp antecedeu as discussões com a rede acerca da reorganização curricular. A relação currículo e avaliação foi explicitada por Fini (2014, p. 375), coordenadora do Programa São Paulo faz escola e responsável maior pela implantação e implementação da Proposta Curricular do estado de São Paulo: “[...] paralelamente a esse movimento a favor do currículo, o Saresp começou a ser reformulado em articulação total ao currículo proposto, uma vez que o estado anunciava claramente o que deveria ser ensinado e criava as condições para que isso se efetivasse”. Nota-se, porém, que a coordenadora ignorou o fato de que antes de ser o currículo a pautar a avaliação, foi a avaliação, elemento presente ao longo das reformas, que condicionou o currículo.

A proposta curricular paulista constituiu-se numa prescrição do trabalho docente em que se objetivou controlar a sala de aula. Uma das figuras centrais na organização do trabalho pedagógico nas escolas é o(a) coordenador(a) pedagógico(a). Fernandes (2022) afirma que houve a apropriação da função para fins de implantação e controle do currículo, indicando que a política educacional, a despeito das discordâncias que dela temos, foi muito articulada.

A Res. 75/2014, por exemplo, apresenta um conjunto de dez atribuições, compostas por oito itens, dentre os quais se destacam a atuação como gestor pedagógico voltado ao bom desempenho de professores e alunos; as orientações em função das sequências didáticas de cada ano, ciclo e turma, dadas a partir do currículo oficial (a palavra currículo e suas variações aparecem nove vezes na mesma resolução); e a análise de indicadores de desempenho e frequência, com maior destaque aos decorrentes das avaliações externas. O detalhamento das atribuições tem um encadeamento de ações que vão da observância dos aspectos definidos pela SEE-SP ao acompanhamento pari pássu das medidas oficiais no chão da escola

(Fernandes, 2022, p. 15).

Fernandes, Barbosa e Venco (2018) afirmam que o estabelecimento um currículo oficial não teve reflexos positivos sobre a “qualidade do ensino”, tanto na perspectiva pragmática e mensurável dos indicadores (que seguem abaixo do esperado) ou na dimensão qualitativa aprendida e apreendida pelos sujeitos. De acordo com Torrezan, Bertagna e Nakamura (2018), mesmo que os resultados quantitativamente apresentem melhora, não podem ser tomados como sinônimo de qualidade e aprendizagem efetiva, já que podem ser apenas resultantes de uma prática de treinamento e memorização de exercícios. A pesquisa de Raab (2016, p. 120) sobre a função da escola no contexto do programa “São Paulo Faz Escola”, afirma que “[...] tem fundamentado sua função em uma proposta de educação limitada, disseminando conhecimentos básicos para o trabalho, distanciando-se demasiadamente da socialização do saber e da produção deste saber”.

Minhoto e Penna (2011) argumentam que a questão central da qualidade da docência, com toda sua complexidade, não é considerada pelas políticas educacionais, como a de bonificação. Questionam a maneira como o absenteísmo é punido e não tratado de forma preventiva. Na prática, há um cerceamento de direitos legais estabelecidos e aumento do controle sobre o trabalho docente, sob o uso de mecanismos ora explícitos ora sutis. A utilização de abono de faltas para consultas e tratamentos médicos podem, por exemplo, impedir que os profissionais recebam o bônus, acarretando dificuldades pessoais para realização cotidiana do trabalho. Há, nesse sentido, um controle até mesmo da vida pessoal dos docentes. Sob um discurso marcado pela qualidade do ensino, as medidas que começaram em 1996 se constituíram em pedagogias de gerenciamento, conforme afirma Ball (2005, p. 545): “[...] por meio de avaliações, análises e formas de pagamento relacionadas com o desempenho, ‘ampliam’ o que pode ser controlado na esfera administrativa”. Rodrigues e Barbosa (2022) afirmam que a política de remuneração variável da Seduc orientou-se, ao longo dos anos, mais pelo caráter ideológico das medidas que pelos resultados por elas apresentados. Assim, junto com outros mecanismos, constituíram-se em formas eficientes e eficazes de controle do trabalho e redução da autonomia docente.

À guisa de considerações finais

A maior rede de educação pública do país teve a peculiaridade de vivenciar consecutivas gestões do PSDB por mais de duas décadas. O cenário permitiu que São Paulo se tornasse um laboratório de experiências alinhadas à NGP, numa recontextualização das ações e responsabilidades do Estado e da iniciativa privada no campo educacional. A análise de extenso período, com observância de medidas tomadas por diferentes governos, atrelados a um mesmo projeto político, foi fundamental para enunciação dos mecanismos longitudinais adotados ao longo de vinte e quatro anos.

Ao longo deste período, a SEE-SP implementou um amplo sistema de avaliação que foi sendo consolidado e refinado por meio de distintas estratégias, o que envolveu desde a informatização dos dados relativos à matrícula, transferência, aprovação e reprovação até a adoção de um currículo oficial que se atrelou à lógica meritocrática e performática, influenciando a natureza do trabalho docente, especialmente no que se refere à autonomia pela assunção da prescrição de conteúdos e procedimentos didáticos. Com esse conjunto de mecanismos, os docentes perderam o controle sobre o processo e os resultados do trabalho, ampliando-se a proletarização da atividade.

Ao longo dos anos foram realizadas adequações e reformulações no sistema de avaliação, entretanto, a lógica interna permaneceu a mesma. A SEE-SP dedicou-se à elaboração de engenhosos mecanismos de pontuação, com escalonamento de critérios e cálculos que procuram transparecer ser um sistema, tanto de avaliação como de bonificação, racional, justo e técnico.

A experiência da rede paulista apela para o sedutor discurso da qualidade do ensino, o que dificilmente será contradito por alguém que declaradamente seja contra este atributo. Contudo, a tal “qualidade” não é conceituada objetivamente e nem se traduz em práticas que de fato tornem a educação melhor. O modelo adotado carrega consigo determinada visão de mundo e de sociedade que perpassa a organização da escola, voltando-se à dimensão do ensino de competências e habilidades.

A estreita relação entre currículo, avaliação, resultados e bonificação direcionaram conteúdos e metodologias de forma passiva e massificada. Criou-se uma lógica típica do gerenciamento de organizações privadas na esfera pública. Sucessivos instrumentos gerenciais são adotados para sustentar a referida relação, como AAP, PAP e MMR, de forma a ratificar toda a estrutura criada. Há um grande aumento da demanda de trabalho com registro das atividades em sistemas próprios e é incentivada a perspectiva de que as soluções para os problemas educacionais estão no âmbito da gestão da escola. Dessa forma, os profissionais da educação são responsabilizados por questões que, muitas vezes, estão longe de sua governabilidade.

Com mecanismos e instrumentos defendidos em nome da eficiência, eficácia, racionalidade e supostamente em direção ao tão propalado ensino de qualidade, reduziu-se os espaços de participação e decisão dos docentes. Todavia, o anunciado objetivo de melhorar a qualidade do ensino atestada no Saresp parece não ter se confirmado dentro do esperado. Uma análise do crescimento anual do Idesp de 2007 a 2018 mostrou que a meta projetada para 2030 de 7,0, 6,0 e 5,0 para os anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio seria realizada em 2023, 2041 e 2032 respectivamente.

Questiona-se a quem interessa uma rasa padronização dos conteúdos e metodologias em detrimento de políticas que incentivem a autonomia e protagonismo docente, que respeitem as especificidades locais e que enfrentem o conjunto das desigualdades sociais que marcam as disparidades educacionais em nosso país.

4No ano de 2022, após 28 anos, encerrou-se a sequência de governos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

5Accountability é um termo inglês que significa responsabilização pelos resultados. No campo educacional ele tem sido usado para se referir aos processos em que os governos imputam a responsabilidade por resultados aos profissionais da educação em detrimento das condições de funcionamento das escolas e das políticas educacionais.

6Pesquisa Política educacional na rede estadual paulista (1995 a 2018), financiada pela Fapesp, Processo2018/09983-0, coordenada pela Professora Márcia Aparecida Jacomini.

7Atualmente a sigla da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo é Seduc-SP, conforme Resolução SE nº 18/2019 (São Paulo, 2019). Contudo, neste texto manteremos a antiga sigla, SEE-SP, utilizada nos documentos pesquisados.

8Termo usualmente adotado pela SEE-SP ao se referir à necessidade de conformidade, padronização de procedimentos, cumprimento de normas e controle interno.

Como citar este artigo: Fernandes, M. J.S., et al. Reformas educacionais paulistas e suas repercussões na organização da escola e na autonomia docente (1995-2018). Revista de Educação PUC-Campinas, v. 29, e8824, 2024. https://doi.org/10.24220/2318-0870v29a2024e8824

ApoioFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - (Processo nº 2018/09983-0).

Referências

Ball, S. J. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 126, p. 539-564, 2005. [ Links ]

Ball, S. J. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação. v. 15, n. 2, p. 3-23, 2002. [ Links ]

Balsamo, L. M. A avaliação da escola: um estudo sobre os sentidos produzidos nos sujeitos protagonistas de uma realidade escolar. 2014. 179 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2014. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=542610. Acesso em: 9 jun. 2023. [ Links ]

Biesta, G. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. [ Links ]

Cosso, D. C. M. A organização do trabalho pedagógico em uma escola pública com alto IDESP. 2013. 267 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/915061. Acesso em: 10 jun. 2023. [ Links ]

Enguita, M. F. A ambiguidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria & Educação, v. 4, p. 41-61, 1991. [ Links ]

Fernandes, M. J. S. As recentes reformas educacionais paulistas na visão dos professores. Educação em Revista, v. 26, n. 3, p. 75-102, 2010. Doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982010000300005 [ Links ]

Fernandes, M. J. S. Da articulação do trabalho coletivo ao controle do trabalho docente: os (des)caminhos legais da Coordenação Pedagógica no Estado de São Paulo. Comunicações, v. 25, n. 3, p. 67-80, 2018. Doi: https://doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v25n3p67-80 [ Links ]

Fernandes, M. J. S. O Trabalho do Professor Coordenador na Rede Estadual Paulista: a ressignificação da função num cenário de reformas educacionais (1995-2018). Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 38, 2022. Doi: https://doi.org/10.21573/vol38n002022.112026 [ Links ]

Fernandes, M. J. S.; Barbosa, A.; Venco, S. El trabajo docente en la red pública de enseñanza del estado de São Paulo-Brasil en el contexto de la Nueva Gestión Pública. In: Monarca, H. (org.). Calidad de la Educación en Iberoamérica: discursos, políticas y prácticas. Madrid: Editorial DYKINSON, 2018. Disponível em: https://www.dykinson.com/cart/download/ebooks/8765/. Acesso em: 25 out. 2020. [ Links ]

Filipe, F. A.; Bertagna, R. H. A concepção de qualidade educacional impulsionada pelas avaliações externas no estado de São Paulo. Educação em Questão, v. 55, n. 46, p. 188-219, 2017. [ Links ]

Fini, M. I. Currículo e avaliação: uma articulação necessária a favor da aprendizagem. In: Negri, B.; Torres, H. G.; Castro, M. H. G. (org.). Educação básica no estado de São Paulo: avanços e desafios. São Paulo: Seade/FDE, 2014. [ Links ]

Freitas, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1085-1114, 2014. [ Links ]

Freitas, L. C. Qualidade negociada: avaliação e contrarregulação na escola pública. Educação & Sociedade, v. 26, n. 92, p. 911-933, 2005. [ Links ]

Jacomini, M. A., et al. Política educacional na rede estadual paulista e qualidade do ensino sob a Nova Gestão Pública, 1998 a 2018. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 30, n. 27, 2022. Doi: https://doi.org/10.14507/epaa.30.6465 [ Links ]

Linhart, D. Modernização e precarização da vida no trabalho. In: Antunes, R. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2014. [ Links ]

Martins, P. P. U. Políticas públicas de avaliação na perspectiva docente: desdobramentos da Provinha Brasil, Prova Brasil e SARESP para o trabalho de professores dos anos iniciais do ensino fundamental. 2015. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/2759. Acesso em: 10 jun. 2023. [ Links ]

Mello, L. R. A prática pedagógica e avaliativa de uma escola do interior paulista. 2014. 274 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita filho”, Rio Claro, 2014. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122050. Acesso em: 10 jun. 2023. [ Links ]

Minhoto, M. A. P.; Penna, M. G. O. Valorização do Magistério ou Darwinismo Profissional? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 19, n. 70, p. 149-164, 2011. [ Links ]

Neubauer, R. Reorganização das escolas estaduais paulistas: novo modelo pedagógico, ciclos e municipalização. In: Negri, B.; Torres, H. G.; Castro, M. H. G. (org.). Educação Básica no Estado de São Paulo: avanços e desafios. São Paulo: Seade/FDE, 2014. [ Links ]

Oliveira Júnior, R. G. Sistema de avaliação de rendimento escolar do estado de São Paulo: um estudo a partir da produção científica brasileira (1996-2011). 2013. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2013. Disponível em: https://repositorio.sis.puc-campinas.edu.br/bitstream/handle/123456789/15463/cchsa_ppgedu_me_Rafael_GOJ.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 5 maio 2024. [ Links ]

Oliveira, D. A. Nova gestão pública e governos democrático-populares: contradições entre a busca da eficiência e a ampliação do direito à educação. Educação & Sociedade, v. 36, n. 132, p. 625-646, 2015. [ Links ]

Peixoto, J. S. Políticas públicas de avaliação do Estado de São Paulo e as repercussões na prática pedagógica: Saresp em foco. 2011. 132 f. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/9640. Acesso em: 10 jun. 2023. [ Links ]

Raab, Y. S. Escola para quê? Reflexões sobre a função da escola pública estadual paulista. 2016. 141 f. Dissertação. (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2016. Disponível em: http://iepapp.unimep.br/biblioteca_digital/pdfs/docs/27042016_174332_yedastradaraab_ok.pdf. Acesso em: 25 out. 2020. [ Links ]

Ribeiro, S. C. A pedagogia da repetência. Estudos Avançados, v. 12, n. 5, p. 7-21, 1991. [ Links ]

Rodrigues, J. D. Z. Gerencialismo e responsabilização: repercussões para o trabalho docente nas escolas estaduais de ensino médio de Campinas-SP. 416 f. Tese. (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. [ Links ]

Rodrigues, J. D. Z.; Barbosa, A. Política de remuneração variável na rede estadual de ensino paulista: um balanço dos 20 anos do “bônus” do magistério. Revista Iberoamericana de Educación, v. 90, n. 1, p. 133-149, 2022. Doi: https://doi.org/10.35362/rie9015229 [ Links ]

Santos, U. E.; Sabia, C. P. P. Percurso histórico do Saresp e as implicações para o trabalho pedagógico em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, v. 26, n. 62, p. 354-385, 2015. [ Links ]

Santos, V. C. Avaliação da aprendizagem em processo: uso dos resultados pelos professores de Língua Portuguesa e Matemática dos anos finais do ensino fundamental. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação: Formação de Formadores) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/20673. Acesso em: 25 out. 2020. [ Links ]

São Paulo (Estado). Decreto nº 52.719, de 14 de fevereiro de 2008. Regulamenta e define critérios para concessão do bônus aos integrantes do Quadro do Magistério e dá providências correlatas. São Paulo, 2008a. Disponível em: https://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/156888/decreto-52719-08. Acesso em: 16 jul. 2020. [ Links ]

São Paulo (Estado). Decreto nº 57.571, de 2 de dezembro de 2011. Institui, junto à Secretaria da Educação, o Programa Educação - Compromisso de São Paulo e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, seção 1, p. 14, 3 dez. 2011. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2011/decreto-57141-18.07.2011.html. Acesso em: 17 maio 2019. [ Links ]

São Paulo (Estado). Lei Complementar nº 1.078, de 17 de dezembro de 2008. Institui Bonificação por Resultados - BR, no âmbito da Secretaria da Educação. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008b. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2008/lei.complementar-1078-17.12.2008.html. Acesso em: 25 out. 2020. [ Links ]

São Paulo (Estado). Resolução SE nº 27, de 29 de março de 1996. Dispõe sobre o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. São Paulo, 1996. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/27_1996.htm. Acesso em: 10 jul. 2023. [ Links ]

São Paulo (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE nº 18, de 2 de maio de 2019. Dispõe sobre o siglário a ser utilizado, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação, pelas unidades que compõem a sua nova estrutura organizacional, e dá providências correlatas. São Paulo, 2019. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/18_19.HTM?Time=12/06/2020%2014:10:35. Acesso em: 12 jul. 2020. [ Links ]

Souza, R. F. Política Curricular no Estado de São Paulo nos anos 1980 e 1990. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 127, p. 203-221, 2006. [ Links ]

Torrezan, H. E.; Bertagna, R. H.; Nakamura, H. K. 20 anos de produção científica sobre o SARESP (1996-2016): reflexões acerca dos desdobramentos na prática docente e da privatização. Revista On Line de Política e Gestão Educacional, v. 22, n. 3, p. 1325-1339, 2018. Doi: https://doi.org/10.22633/rpge.v22iesp3.12016 [ Links ]

Viñao Frago, A. El concepto neoliberal de calidad de la enseñanza: su aplicación en España (1996-1999): Témpora: Revista de Historia y Sociologia de la Educación, v. 4, p. 63-88, 2001. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=211140. Acesso em: 25 jun. 2020. [ Links ]

Recebido: 13 de Julho de 2023; Aceito: 28 de Fevereiro de 2024

Correspondência para: M. J.S. FERNANDES. E-mail: mj.fernandes@unesp.br.

Editora

Andreza Barbosa, Samuel Mendonça

Conflito de interesse

Não há conflito de interesses.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.