1 INTRODUÇÃO
A internacionalização da educação superior é um tema complexo (MOROSINI, 2006) e tem exigido, em especial, das Instituições de Educação Superior (IES), além da compreensão de seu conceito, um planejamento com metas e estratégias consistentes e, que ao mesmo tempo, atendam às particularidades institucionais. Estudos sobre o tema têm recebido maior destaque no Brasil, sobretudo, a partir da década de 1990, quando a internacionalização da Educação Superior (ES) passou a figurar na agenda nacional e internacional como resultado, principalmente, do avanço da globalização e, consequentemente, de seus impactos nos campos da ciência, da economia, das relações internacionais e da cultura (MUELLER, 2013). A partir desse período há um maior incentivo e ampliação nas relações entre IES de inúmeros países, por exemplo, por meio de acordos internacionais, de mobilidade de pesquisadores, docentes e discentes da graduação e pós-graduação stricto sensu das várias áreas do conhecimento (PEREIRA; PASSOS, 2015).
Apesar da importância dada à internacionalização, inclusive sendo considerada como a quarta missão da universidade (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012), o processo de internacionalização da ES, especialmente, no caso brasileiro, é relativamente recente. Em que pese os avanços nos debates acadêmicos e nas proposições de políticas públicas, o processo de internacionalização merece maior atenção, tanto na análise de proposição de políticas, quanto sobre os impactos efetivos no interior das IES (MUELLER, 2013). A autora destaca que é reduzido o número de IES que apresentam elaboração e implementação de “políticas claras, projetos e ações próprios e precisos voltados ao desenvolvimento das relações internacionais da instituição” (MUELLER, 2013, p. 19). Em geral, o que ocorre são ações isoladas de determinados docentes e grupos de pesquisa, que desenvolvem relações de cooperação e intercâmbios com pares estrangeiros, denotando a forma incipiente com a qual a internacionalização ocorre no interior das IES, constituindo, em muitos casos, frágeis laços institucionais, ou, até mesmo, inexistentes (MUELLER, 2013).
Autores como Knight (2003; 2004), De Wit e Hunter (2015) e Santos Filho (2018) enfatizam que é necessário, para se compreender a internacionalização da educação superior, o estudo de três aspectos: i) os seus conceitos; ii) suas razões; e iii) suas estratégias. O primeiro está relacionado às diferentes perspectivas de seu significado; o segundo para as razões que levam ao seu desenvolvimento e são definidos, em geral, por quatro motivos: político, econômico, sociocultural e acadêmico; e o terceiro diz respeito a um conjunto de atividades e estratégias que instrumentalizam a política de internacionalização das IES. Reconhecendo a centralidade da internacionalização da ES no mundo contemporâneo e a necessidade de clareza sobre o que ela efetivamente significa (conceitos) e como se desenvolve (razões e estratégias), a pesquisa sobre o processo de internacionalização da ES e suas características nos diferentes âmbitos (nacional, internacional e institucional na perspectiva da política educacional) se faz importante, em especial, no atual contexto político e econômico brasileiro.
Neste contexto e nos limites deste artigo, o recorte do estudo se concentra no processo de internacionalização de uma IES e suas características no âmbito institucional, no caso, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Para tanto, elencou-se, como objetivo, analisar de qual modo a internacionalização figura nos documentos institucionais da UFES, ou seja, quais conceitos, razões e estratégias são previstos na política da instituição para sua implementação. A escolha pela UFES se justifica por ser uma IES que tem demonstrado preocupação com sua política de internacionalização observada, por exemplo, na criação de uma Secretaria de Relações Internacionais (SRI), na elaboração de um Plano de Internacionalização (UFES, 2018b), na sua seleção como uma das 36 IES aprovadas para o edital do Programa Institucional de Internacionalização (PrInt) da CAPES entre outras.
A abordagem da pesquisa realizada é qualitativa, uma vez que “seu propósito fundamental é a compreensão, explanação e especificação do fenômeno” estudado (SANTOS FILHO, 2013, p. 41). A coleta de dados é composta por análise documental e, de acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsnajder (2001), documento é qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de informação. Sendo assim, para análise foram estudados os seguintes documentos: o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI 2015-2019) (UFES, 2015), a Resolução n° 15/2018, que “estabelece as diretrizes básicas da política de internacionalização da educação superior no âmbito da UFES” (UFES, 2018a, p. 1) e o Plano de Internacionalização (2018-2020) (UFES, 2018b). Para o tratamento dos dados fez-se a opção pela análise de conteúdo segundo Bardin (2004). De acordo com a autora, a análise de conteúdo se constitui como uma técnica de descrição objetiva e sistemática do conteúdo manifesto da comunicação e tem por finalidade a sua interpretação. Para o tratamento dos dados, a técnica da análise temática ou categorial utilizada baseia-se em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação e, posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias.
Este artigo está organizado em três seções: esta introdução, a segunda seção intitulada “UFES e sua política de internacionalização: a busca pela excelência acadêmica”, composta por uma breve caracterização da instituição e por três subseções em que são trabalhados os dados da pesquisa: i) conceitos; ii) razões; e iii) estratégias de internacionalização da instituição; e, por fim, as considerações finais.
2 UFES E SUA POLÍTICA DE INTERNACIONALIZAÇÃO: A BUSCA PELA EXCELÊNCIA ACADÊMICA
A Universidade Federal do Espírito Santo foi criada, inicialmente, como Universidade Estadual, em maio de 1954. A Universidade do Espírito Santo buscava atender à necessidade de formação de recursos humanos tendo em vista uma nova fase econômica de industrialização do Estado, já que a principal atividade econômica - a produção de café - começava a enfrentar uma decadência. A Universidade foi criada em um contexto político e econômico de grave crise institucional do estado e do país, acentuado pela morte de Getúlio Vargas, então presidente da República (UFES, 2014). Em seus primeiros anos, a UFES passou por muitas dificuldades, como “a ausência de instalações físicas adequadas, a instável situação funcional dos professores e a não regulamentação das faculdades e institutos” (UFES, 2014, p. 13). Em outros termos, a UFES parece ter sido institucionalizada sob a “lógica da improvisação” (CUNHA, 1991), com poucos recursos financeiros e de infraestrutura, além de parcos recursos humanos e professores qualificados para atuar em tempo integral.
Com as dificuldades de se consolidar e alcançar o reconhecimento pelo Ministério da Educação (MEC) enfrentadas pela instituição, a alternativa posta foi transferi-la para o Sistema Federal de Ensino, tornando-se Universidade Federal em 1961. Porém, ao longo de sua história, a UFES continuou tendo que lidar com dificuldades financeiras e de infraestrutura, assim como as demais instituições federais de ES do país, com redução orçamentária, cortes de bolsas, ausência de concursos para reposição de pessoal, golpe militar, intervenção do MEC na nomeação de reitores, entre outros.
Apesar das dificuldades políticas e econômicas vivenciadas, a UFES é considerada a principal Instituição de Educação pública do Estado do Espírito Santo, com quatro campi universitários: dois deles na Capital (Goiabeiras e Maruípe), um no município de Alegre e outro em São Mateus, todos no ES (UFES, 2014). Segundo dados disponíveis em sua homepage “Ufes em números”3, a instituição conta atualmente com 103 cursos de graduação na modalidade presencial, 62 cursos de mestrado e 32 de doutorado. É, portanto, uma das 21 IES brasileiras com mais de 50 Programas de Pós-Graduação (PPG). Cabe destacar que seu primeiro PPG foi criado em 1978, na área de Educação.
Nas subseções a seguir apresenta-se como a internacionalização, foco deste artigo, figura nos documentos institucionais da UFES.
2.1 O conceito de Internacionalização na UFES
A internacionalização da ES tem sido tema de atenção de pesquisadores no Brasil e no mundo, trazendo à tona problematizações quanto à sua origem, políticas e impactos sobre a IES e a sociedade. Como ressaltam Pereira e Passos (2015) e Santos Filho (2018), a universidade europeia, desde o seu início, é marcada, sobretudo, pela mobilidade discente entre as poucas universidades existentes na Idade Média. Desse modo, as primeiras iniciativas de internacionalização podem ser caracterizadas pela mobilidade de estudantes e docentes, “formando uma comunidade internacional, cujo objetivo principal era o conhecimento” (PEREIRA; PASSOS, 2015, p. 51).
Nas últimas décadas, em especial, a partir de 1990, com o processo de globalização, a internacionalização da educação superior tem recebido destaque no cenário mundial (MOROSINI, 2006), trazendo para as IES o desafio de repensarem sua função diante das exigências postas no século XXI, bem como a discussão sobre o conceito cada vez mais amplo do que venha a ser a internacionalização. Considerada, por exemplo, por Santos e Almeida Filho (2012), a quarta missão da universidade ao lado do denominado tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão), o conceito de internacionalização ao longo das últimas décadas tem passado por diferentes compreensões e, como destaca Morosini (2006, p. 115), é “um conceito complexo, com uma diversidade de termos relacionados”. A autora, a partir de um estado do conhecimento sobre o conceito e práticas da internacionalização da educação superior, destaca algumas fases de seu desenvolvimento:
a) dimensão internacional - presente no século XX, que se caracteriza por ser uma fase incidental mais do que organizada; b) educação internacional - atividade organizada prevalente nos Estados Unidos, entre a segunda guerra mundial e o término da guerra fria, preferentemente por razões políticas e de segurança nacional; e c) internacionalização da educação superior, posterior à guerra fria e com características de um processo estratégico ligado à globalização e à regionalização das sociedades e seu impacto na educação superior (MOROSINI, 2006, p. 115, grifos do original).
Sobre a terceira fase “internacionalização da educação superior”, Knight (2011) chama atenção para a relação entre globalização e internacionalização e ressalta que não são sinônimas como comumente abordadas por alguns autores, mas que a internacionalização tem transformado o cenário da educação superior e, por sua vez, a globalização tem transformado o da internacionalização. Deste modo, o conceito de internacionalização tem mudado em resposta às exigências de cada momento histórico. Enquanto, Knight (2003, p. 2) ressalta que a internacionalização “é definida como o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural, ou global no propósito, nas funções ou na oferta de educação pós-secundária”, De Wit e Hunter (2015, p. 3, grifos dos autores) sugerem uma revisão do conceito, destacando-o como um
Processo intencional de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global no propósito, nas funções e na oferta de educação pós-secundária, a fim de aprimorar a qualidade da educação e da pesquisa para todos os estudantes e corpo docente e fornecer uma contribuição significativa para a sociedade.
Ao se buscar um conceito de internacionalização nos documentos selecionados na pesquisa, verifica-se que, no Plano de Desenvolvimento Institucional (2015-2019) da UFES, é ressaltada a sua atuação nas “áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão complementando-as com atividades nas áreas de assistência e de gestão” (UFES, 2015, p. 16). O que denota, em um primeiro momento, que a internacionalização não está posta como uma das “áreas estratégicas” por si só, ou seja, não é contemplada na UFES como uma “quarta missão da universidade” (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012) ao lado do tripé universitário.
Embora não seja apresentado no PDI (UFES, 2015) um conceito claro sobre o que a UFES entende por internacionalização, é possível inferir que o mesmo é compreendido pela instituição a partir da categoria: parcerias internacionais. Nesta categoria estão elencadas as subcategorias: convênios entre instituições e países e os intercâmbios acadêmicos. Os convênios entre instituições e países4 dizem respeito aos acordos de cooperação assinados entre a UFES e demais IES e países estrangeiros para realização de atividades acadêmicas: pesquisas conjuntas, cotutela, eventos etc. Os intercâmbios acadêmicos estão relacionados à mobilidade in (mobilidade para a UFES) e mobilidade out (mobilidade para o exterior)5.
No PDI (UFES, 2015) é possível observar a preocupação da UFES com o tripé universitário e a internacionalização vista como um meio de possibilitar a melhoria de sua qualidade, ao reforçar, por exemplo, que a IES se insere no contexto “internacionalmente por meio de convênios com instituições de outros países e intercâmbios com entidades que apoiam o desenvolvimento do ensino, da pesquisa, da extensão e da cultura” (UFES, 2015, p. 34, grifos nossos). O que permite sugerir que a internacionalização na UFES pode ser entendida, a partir do conceito de internacionalização de Knight (2003), como a integração de uma dimensão internacional e intercultural. Essa premissa é reforçada pela Resolução n° 15/2018, ao destacar que na Política Institucional de Internacionalização deve ser compreendida
não apenas ações de mobilidade, mas também o fomento e o acompanhamento de acordos de cooperação, o desenvolvimento de proficiência em línguas estrangeiras e a inclusão de aspectos interculturais e internacionais no ensino, na pesquisa e extensão da UFES (UFES, 2018a, p. 1, grifos nossos).
Há, portanto, na Resolução n° 15/2018, uma alteração que denota, inclusive, uma mudança de concepção do que seja internacionalização quando comparado com o PDI (UFES, 2015), ao incluir no documento a questão da proficiência em línguas estrangeiras e, principalmente, “aspectos interculturais e internacionais”. A nova alteração é observada no Plano de Internacionalização da instituição ao indicar que
As universidades deveriam ter como foco a internacionalização, pois compartilhar conhecimento além de suas fronteiras é essencial para a expansão do conhecimento humano. Ademais, no mundo de hoje, dominado por questões econômicas, políticas e ambientais globais, é cada vez mais importante que as universidades sejam internacionais em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, preparando seus formandos para carreiras verdadeiramente “sem fronteiras” em todos os campos do conhecimento (UFES, 2018b, p. 3, grifos nosso).
Essa premissa permite uma aproximação com o conceito de internacionalização apresentado por De Wit e Hunter (2015), de que é um processo intencional: “As universidades deveriam ter como foco a internacionalização” (UFES, 2018b, p. 3); que procura aprimorar a qualidade da educação: “compartilhar conhecimento além de suas fronteiras é essencial para a expansão do conhecimento humano” (UFES, 2018b, p. 3); fornecendo uma contribuição para a sociedade: “preparando seus formandos para carreiras verdadeiramente “sem fronteiras” em todos os campos do conhecimento” (UFES, 2018b, p. 3, grifo do original). Portanto, do mesmo modo que os autores revisitam os conceitos do que seja a internacionalização, a UFES demonstra também, a partir dos documentos analisados, uma mudança de concepção e entendimento do que seja a internacionalização para a instituição.
2.2 Razões para a Internacionalização na UFES
Outro aspecto apontado por Knight (2003; 2004), De Wit e Hunter (2015) e Santos Filho (2018) como necessário à discussão sobre internacionalização são “as razões” de sua realização, ou seja, as justificativas para o desenvolvimento da internacionalização nas IES. Santos Filho (2018, p. 19) destaca que as razões “têm sido múltiplas e diferenciadas para países e instituições”. Quanto às razões em nível institucional, Knight (2004) ressalta que estão ligadas geralmente a cinco fatores: produção de conhecimento; desenvolvimento de docentes e estudantes; perfil e reputação da instituição; alianças estratégicas e geração de receita. No caso da UFES, a análise dos documentos permite elencar uma categoria ou razão para a internacionalização da instituição: A busca pela excelência dos Programas de Pós-graduação e da instituição. Esta categoria parece contemplar uma das razões institucionais indicadas por Knight (2004), que diz respeito ao “perfil e reputação da instituição”.
No PDI (UFES, 2015, p. 34, grifos nossos) é destacado como objetivo da internacionalização o desenvolvimento de “atividades na pós-graduação no contexto mundial, buscando sua excelência” e ressalta ainda que para a sua promoção é preciso “capacitar-se com foco em padrões de excelência a fim de construir uma liderança forte e sustentável em área de conhecimento de vocação e formação dos pesquisadores e das necessidades locais”. A busca pela excelência está, de certo modo, presente também na Resolução n° 15/2018 que, ao estabelecer as diretrizes básicas para criação de uma política de internacionalização para a IES, indica a necessidade de “inserção da UFES no contexto internacional” e de “tornar-se destino atrativo para estudantes e pesquisadores estrangeiros” (UFES, 2018a, p. 1). Também no Plano de Internacionalização da UFES é expresso o compromisso com a “Dimensão Internacional de Excelência” [...] “visando aumentar a qualidade da educação, pesquisa e extensão, melhorando também a avaliação (interna e externa, nacional e internacional) da instituição” (UFES, 2018b, p. 4).
A UFES, em 2019, passou a integrar a lista de universidades brasileiras classificadas6, na faixa de mais de 1.001, no ranking Times Higher Education (THE), considerado um dos principais rankings universitários e que tem, dentre seus critérios, a internacionalização. Como destacado por Altbach (2003), universidades de diferentes países e distintos tipos buscam um elevado status de “Universidade de Classe Mundial”. Nesse contexto, os rankings passaram a ser considerados “sinônimos” de qualidade e excelência das IES, determinando, inclusive, políticas públicas, que são comumente utilizadas para avaliar as IES, definir investimentos ou mesmo para nortear a política educacional da instituição.
Do mesmo modo que os rankings definem qualidade e excelência das IES, a avaliação realizada pela CAPES determina a excelência e qualidade da pós-graduação stricto sensu brasileira. De acordo com a CAPES, são considerados PPG de excelência aqueles avaliados com os conceitos máximos, notas 6 e 7. No que diz respeito aos parâmetros de avaliação, os quesitos passaram a ser: “Programa, Formação e Impacto na Sociedade”. No último, “Impacto na Sociedade”, o foco é o “caráter inovador da produção intelectual, os efeitos econômicos e sociais do programa, internacionalização e visibilidade” (BRASIL, 2019, s.p., grifos nossos).
Pode-se perceber que os PPG e as IES são induzidas a colocar em prática ações, dentre elas, de internacionalização, na tentativa de alcançar os extratos mais altos da avaliação empreendida pela CAPES ou os rankings universitários. Horta e Moraes (2009, p. 213-214) chamam atenção quanto à avaliação da CAPES que, “o que estava [está] em jogo, [...] não era [é] a avaliação, mas a disputa de espaço na área de excelência, onde se concentram financiamento e prestígio”, uma vez que, em geral, a distribuição de recursos financeiros, tais como aprovação em editais, estão condicionados às notas dos programas.
2.3 Estratégias de Internacionalização na UFES
O terceiro aspecto indicado por Knight (2003; 2004), De Wit e Hunter (2015) e Santos Filho (2018) trata das “estratégias de internacionalização da educação superior” e diz respeito a um conjunto de diretrizes e normas apresentadas pelas IES como prioritárias, caracterizando sua política de internacionalização. Knight (2004) define dois grupos de estratégias que usualmente são adotadas pelas IES: i) “programáticas”, que se relacionam aos programas acadêmicos, pesquisa e colaboração científica, atividades extracurriculares e atividades nacionais e transnacionais; e ii) “organizacionais”, que diz respeito à governança, operações, serviços e recursos humanos.
No caso da UFES, observa-se a presença das categorias indicadas por Knight (2004) e, portanto, são tomadas as mesmas categorias a priori para a análise realizada, demonstrando as especificidades da UFES em cada uma delas. Deste modo, no que diz respeito à categoria “estratégias organizacionais” e a subcategoria “governança”, é possível perceber o compromisso expresso pelas lideranças da UFES, bem como o reconhecimento da dimensão internacional da instituição em sua missão e visão, tais como descritas:
Missão UFES: Gerar avanços científicos, tecnológicos, educacionais, culturais e sociais, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, produzindo, transferindo e socializando conhecimentos e inovações que contribuam para a formação do cidadão, visando ao desenvolvimento sustentável no âmbito regional, nacional e internacional.
Visão UFES: Ser reconhecida como instituição pública de excelência nacional e internacional em ensino, pesquisa e extensão, integrada à sociedade e comprometida com a inovação e o desenvolvimento sustentável (UFES, 2015, p. 49, grifos nossos).
Outra característica, apontada por Knight (2004) quanto à subcategoria “governança”, diz respeito à necessidade de articulação entre as razões e objetivos para a internacionalização, o que pode ser observado no PDI da UFES, que aponta como uma de suas principais razões, como visto anteriormente, A busca pela excelência dos Programas de Pós-graduação e da instituição e, para tanto, elenca como objetivos:
desenvolver as atividades da pós-graduação no contexto mundial, buscando sua excelência, e em auxiliar grupos de pesquisa por meio do apoio à mobilidade de pesquisadores brasileiros e estrangeiros para o desenvolvimento conjunto de pesquisas, à capacitação em alto nível de recursos humanos e à promoção de eventos, bem como participação em eventos e organismos internacionais (UFES, 2015, p. 34).
A subcategoria “Operações” trata, por exemplo, de estruturas organizacionais para a implementação da política de internacionalização. Destaca-se, nessa subcategoria, a criação, em 2012, da Secretaria de Relações Internacionais (SRI) na UFES (UFES, 2015). Composta pelas Coordenações de Mobilidade discente e docente IN e OUT, de Línguas e de Acordos de Cooperação, a SRI possui entre suas atribuições: “Induzir e consolidar a internacionalização na UFES como estratégia de crescimento institucional e de qualificação das atividades acadêmicas” e “Promover ativamente ações com o objetivo de dar maior visibilidade à UFES no cenário internacional” (UFES, 2015, p. 34, grifos nossos), consoante às razões e objetivos da internacionalização da instituição.
A criação da SRI foi também uma forma de responder ao “Programa Idiomas sem Fronteiras” (IsF), criado, em 2012, pela Secretaria de Educação Superior do MEC, com a finalidade de auxiliar no processo de internacionalização e desenvolvimento de uma política linguística nas IES brasileiras (BRASIL, 2012). O que denota uma reação da UFES em resposta às políticas nacionais de internacionalização, ou seja, uma “lógica da internacionalização passiva, à medida que as respectivas lideranças acadêmicas e políticas são influenciadas pelo modelo de educação que se revela hegemônico e tendem a reproduzir ou adaptá-los às realidades regionais” (LIMA; MARANHÃO, 2009, p. 596).
A subcategoria “Serviços”, de acordo com Knight (2004), está relacionada aos serviços de apoio acadêmico: biblioteca, tecnologia de informação, apoio para estudantes recebidos pela instituição e enviados (mobilidade in e out), entre outros. Nessa subcategoria elenca-se ações indicadas no Plano de Internacionalização da UFES, tais como
Manter portal da UFES e dos Programas de Pós-Graduação com informações atualizadas em inglês e em outros idiomas; Apoiar linguisticamente os estrangeiros por meio de cursos e ações de Português como Língua Estrangeira (PLE) antes da chegada e durante sua estadia na UFES; [...] Difundir no exterior e no portal institucional o programa de apoio e integração dos estrangeiros “Anjos na UFES”; Divulgar programas de auxílios para instalação e suporte ao estudantes estrangeiros; Disponibilizar local (escritório ou laboratório) para pesquisador/professor estrangeiro com infraestrutura adequada de informática durante sua estadia na UFES; Preparar equipe para recepção institucional (UFES, 2018b, p. 7).
São algumas das ações previstas pela instituição, procurando investir, principalmente, na mobilidade in. Destaca-se na análise o Programa “Anjos na UFES”7, com o objetivo de acompanhar e acolher alunos estrangeiros durante seu período de adaptação na UFES. Trata-se de um serviço voluntário e a seleção de estudantes, professores e/ou técnicos administrativos ocorre por meio de editais. Cada “anjo” selecionado fica responsável por acompanhar e acolher um estudante estrangeiro.
Outra subcategoria “Recursos Humanos” (KNIGHT, 2004), engloba os processos de seleção que considerem a experiência internacional, as políticas de promoção que reforcem as contribuições dos professores e funcionários, o apoio para trabalhos internacionais e a concessão de licença para estudos e pesquisas. Na UFES, a SRI, responsável pela política de internacionalização da instituição, tem como atribuições: “Oferecer oportunidades de mobilidade à comunidade da UFES; [...] Fomentar convênios para atividades de pesquisa em colaboração com instituições estrangeiras” (UFES, 2015, p. 34).
De acordo com o Art. 2 da Resolução n° 15/2018, algumas das diretrizes básicas da Política de Internacionalização da UFES são:
III. oferecer oportunidades de mobilidade à comunidade acadêmica da UFES;
IV. apoiar o desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão em colaboração com instituições estrangeiras;
[...]
VI. fomentar convênios para atividades de ensino, pesquisa e extensão em colaboração com instituições estrangeiras (UFES, 2018a, p. 2-3).
Com foco no cumprimento de tais objetivos, a UFES tem procurado captar recursos externos por meio de convênios e editais, como é o caso do edital CAPES/PrInt, além da abertura de editais próprios para concessão de licenças e incentivo aos estudos e pesquisas (pós-doutorado)8.
Quanto às “Estratégias Programáticas” (KNIGHT, 2004), a subcategoria “Programas acadêmicos” trata da mobilidade de docentes, funcionários e estudantes, professores e palestrantes visitantes, estudo de idiomas estrangeiros, programas de duplo diploma, dimensão internacional do currículo, entre outros. No Plano de Internacionalização, a UFES indica como um de seus objetivos estratégicos a “promoção da internacionalização do currículo” (UFES, 2018b, p. 8), por meio de estratégias e ações como a oferta de disciplinas em inglês, tanto nos cursos de graduação quanto de pós-graduação, bem como a validação de disciplinas realizadas em instituições parceiras, promoção de dupla titulação e cotutela com pesquisadores e instituições internacionais; oferecimento de cursos de qualificação para que os docentes possam lecionar em inglês e expansão dos cursos de idiomas para a comunidade da UFES; acolhimento e acompanhamento de professores e pesquisadores estrangeiros em atividades na instituição.
Sobre a oferta de disciplinas e cursos de idiomas, é visível a forte presença do inglês nas estratégias e ações de internacionalização da instituição, pela indução do inglês como língua internacional presente nas políticas linguísticas, como é o caso do IsF, o Ciências sem Fronteiras (CsF), além de editais de fomento, como é o caso do CAPES/PrInt, que apresenta uma relação de países parceiros9 e que, em sua maioria, possuem o inglês como idioma oficial. A questão do inglês como língua obrigatória tem sido um dos desafios da UFES e de seus PPG para a internacionalização, em especial, pela falta de proficiência de sua comunidade. Contudo, é importante que a UFES, assim como as demais IES brasileiras, possam pensar criticamente sobre suas políticas linguísticas, na inclusão de outras línguas, que orientem a “dimensão intercultural” da internacionalização (KNIGHT, 2003; DE WIT; HUNTER, 2015).
A subcategoria “Pesquisa e colaboração científica” abarca a realização de projetos de pesquisas conjuntas, publicação de trabalhos em parceria, realização de eventos internacionais etc (KNIGHT, 2004). De acordo com o PDI da UFES, uma das ações para promoção da internacionalização é colocar “em prática projetos de pesquisa, em colaboração com institutos de ensino e pesquisa no exterior” (UFES, 2015, p. 15). No Plano de Internacionalização é indicado o modo em que a “pesquisa e colaboração científica” deve ocorrer, com a partilha de custos, por meio da “divisão de ônus para realização de pesquisas, compartilhando o desenvolvimento e os conhecimentos adquiridos” e a “captação conjunta e compartilhamento de recursos para pesquisas” (UFES, 2018b, p. 4), ou seja, a necessidade de contrapartida nas parcerias, uma vez que é comum que as instituições brasileiras assumam os custos com o financiamento de pesquisas, com a realização de eventos etc, na tentativa de garantir a participação dos parceiros internacionais.
As “Atividades extracurriculares” compõem outra subcategoria que diz respeito, segundo Knight (2004), às associações de estudantes, programas de apoio/suporte, eventos internacionais/interculturais, entre outros. No que se refere aos programas de apoio/suporte para a internacionalização na UFES, é possível observar, no Plano de Internacionalização, o apoio à implementação da Política Linguística, a consolidação e incentivo de novos cursos de idiomas, testes de proficiência, entre outros, o objetivo de “continuar participando como Núcleo de Línguas do Programa Idiomas Sem Fronteiras - CAPES”, que se refere ao NucLI vinculado ao IsF e SRI, bem como, “atuar em colaboração ao Núcleo de Línguas10 da UFES” (UFES, 2018b, p. 10). O Núcleo de Línguas da UFES está vinculado ao Centro de Ciências Humanas e Naturais da instituição, foi regulamentado em outubro de 2016 e tem como finalidade
promover atividades e serviços voltados para o ensino-aprendizagem de línguas, por meio da indissociabilidade entre ensino, extensão e pesquisa e na perspectiva do plurilinguismo e da multiculturalidade, com o envolvimento dos cursos de graduação e pós-graduação da UFES (UFES, 2016, p. 1).
Pode-se observar que o tripé universitário está presente em todas as atividades da UFES. Na finalidade do Núcleo de Línguas também é marcada a perspectiva do plurilinguismo, com o oferecimento de cursos de alemão, espanhol, francês, italiano, chinês e português (como língua estrangeira), para além do inglês, notadamente evidenciado nos documentos analisados.
Ainda na subcategoria “Atividades extracurriculares”, mais especificamente quanto às associações de estudantes, pode-se citar, por exemplo, a participação na AIESEC Vitória11, com sede na UFES, uma organização internacional e voluntária, gerida por jovens, presente em mais de 120 países, que promove intercâmbios voltados para a paz mundial e o desenvolvimento de potencialidades humanas por meio de programas como Cidadão Global (Intercâmbio Social), Talentos Globais (Estágios internacionais), entre outros.
No que se refere aos eventos internacionais/interculturais citados por Knight (2004), na subcategoria “Atividades extracurriculares”, cabe apontar que no PDI há menção “à promoção de eventos, bem como participação em eventos e organismos internacionais” (UFES, 2015, p. 34) e no Plano de Internacionalização consta, entre as ações estratégicas para a internacionalização: “apresentar e divulgar a UFES em eventos internacionais” (UFES, 2018b, p. 6); “convidar palestrantes internacionais para eventos na UFES”; e “promover eventos diplomáticos na UFES; Participar de eventos diplomáticos sobre internacionalização da Educação Superior” (UFES, 2018b, p. 7).
Outra subcategoria apontada por Knight (2004) são as “Atividades nacionais e transnacionais (domésticas e estrangeiras)” e dizem respeito, por exemplo, às parcerias com grupos do setor público-privado ou de organizações não-governamentais, vínculos, parcerias internacionais e redes. No Plano de Internacionalização da UFES consta, como um dos objetivos estratégicos da instituição, a “consolidação de parcerias e redes internacionais existentes e construção de novas parcerias e projetos de cooperação em pesquisa, ensino e extensão” (UFES, 2018b, p. 5).
Embora não esteja em nenhum dos documentos analisados, cabe destacar, nessa subcategoria, a criação, em 2017, da Rede de Internacionalização da Educação do Espírito Santo (RIEES). Trata-se de um acordo de cooperação entre IES do estado, da qual participam a UFES, a Faculdade de Direito de Vitória (FDV), o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), a Faculdade do Centro Leste (UCL), a Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) e a Universidade Vila Vella (UVV), com a finalidade de promover a cooperação internacional das IES do estado, “com universidades e centros de pesquisa estrangeiros, por meio de ações conjuntas, trocas de informações e experiências relacionadas à cooperação internacional” (UFES, 2017, p. 2).
No documento de Acordo de Cooperação da RIEES, consta “que as parcerias internacionais nas áreas de Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação são instrumentos importantes nas estratégias de inserção dos países em desenvolvimento na economia global”, bem como “o anseio e a importância das Instituições de Ensino Superior (IES) espírito-santenses de se internacionalizarem e trocarem experiências sobre seus processos de contato com o exterior” (UFES, 2017, p. 1-2, grifos nossos). Cabe destacar que a criação da RIEES ocorreu também muito em função de proposta e incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) em evento realizado em setembro de 2016, sobre “Os caminhos para a Internacionalização da Pesquisa e da Pós-Graduação” (UFES, 2017, p. 2) - o que denota a indução de uma agência de fomento para a internacionalização das IES do estado.
Ainda nesta subcategoria, se insere um projeto realizado em cooperação entre a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) da UFES e nove Programas de Pós-Graduação da instituição. O projeto elaborado em resposta ao edital CAPES/PrInt, teve como tema geral “Urban Environment for Today and Tomorrow” (Ambiente urbano de hoje e amanhã), composto por três subtemas: i) “Questão Social: desafios contemporâneos em políticas públicas”, do qual participam os PPG de Educação, Política Social e Saúde Coletiva; ii) “Saúde Urbana: desafios e soluções inovadoras para o controle de doenças infecciosas”, em desenvolvimento pelos PPG de Biotecnologia, Doenças Infecciosas e Saúde Coletiva; e, iii) “Aspectos Tecnológicos” com o envolvimento dos PPG de Engenharia Ambiental, Engenharia Elétrica e de Química.
A UFES, embora conte com um elevado número de PPG, 62 cursos de mestrado e 32 de doutorado, não possui nenhum programa entre os níveis 6 e 7, de acordo com a avaliação CAPES. Deste modo, a seleção dos PPG para participação na pesquisa coletiva CAPES/PrInt levou em consideração os programas que apresentavam melhor conceito CAPES, no caso, nota 5, e o compromisso assumido por eles em atingir o conceito 6, considerado de excelência acadêmica, segundo critérios da CAPES.
Sublinha-se, nesta análise, que o Plano de Internacionalização da UFES foi elaborado em 2018, principalmente como resposta ao edital do CAPES/PrInt. Essa prática reforça o entendimento de que a Política de Internacionalização da UFES encontra-se em um processo passivo (LIMA; MARANHÃO, 2009). A ação passiva ou ativa das IES em face da internacionalização pode estar relacionada com dificuldades/limites financeiros, geográficos etc. que muitas IES enfrentam no Brasil. A UFES se enquadra como passiva por, além de ser de um estado periférico da região Sudeste, também ser uma universidade periférica que, a princípio, apresenta maiores dificuldades de estabelecer parcerias (MENEGHEL et al., 2007).
Se, por um lado, a organização de um projeto de cooperação entre PPG diferentes e, com determinadas especificidades, demonstra um esforço virtuoso de trabalho de seu corpo docente, discente e técnicos administrativos. Por outro, permite observar a existência de contradições no processo de planejamento de ações para a internacionalização, tais como o fato de alguns programas estarem mais “internacionalizados” que outros, por exemplo, considerando o número de acordos acadêmicos de cooperação, de mobilidade acadêmica e de produção conjunta. Ademais, outros Programas encontram dificuldades maiores com a falta de proficiência do idioma, no caso do inglês, tanto no corpo discente quanto docente, bem como a presença de apenas alguns grupos de pesquisas e professores internacionalizados e não uma internacionalização do programa ou da instituição como é mais aconselhável (MUELLER, 2013).
Esta é, inclusive, uma questão posta no Plano de Internacionalização da UFES ao ressaltar a necessidade de “tornar cada docente em um representante não apenas pessoal ou de um único programa, mas institucional”, tendo em vista a existência na instituição de “um grande número de pesquisadores com projetos em universidades no exterior com potencial para agregar outros grupos ou produtos desenvolvidos na UFES” (UFES, 2018b, p. 6), ressalta ainda que a efetivação do plano abre “novas oportunidades para alunos, professores e servidores, na variação entre diferentes campi e unidades acadêmicas, de acordo com suas missões” (UFES, 2018b, p. 5). O documento salienta, assim, as especificidades entre os PPG, unidades e campi e reforça o necessário trabalho conjunto, principalmente de articulação entre os que se apresentam “mais internacionalizados” com os “menos internacionalizados”, auxiliando no processo de internacionalização da instituição de forma mais homogênea entre as diferentes áreas de conhecimentos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cerne da pesquisa foi analisar de que modo a internacionalização figura nos documentos da UFES, especificamente, quais conceitos, razões e estratégias para a internacionalização, conforme Knight (2004), De Wit e Hunter (2015) e Santos Filho (2018), são previstos na política da instituição para sua implementação.
Quanto ao conceito de internacionalização, observa-se no referencial teórico utilizado que o mesmo passa por mudanças procurando atender seu tempo histórico. Do mesmo modo, é possível perceber mudanças também, na concepção da UFES, do que seja a internacionalização, tida inicialmente como parcerias internacionais, que englobam os convênios entre instituições e países e os intercâmbios acadêmicos (UFES, 2015), passando pelo entendimento da necessidade de inclusão também do desenvolvimento de proficiência em línguas estrangeiras e de aspectos interculturais e internacionais (UFES, 2018a), até a compreensão de que a internacionalização deve ser foco da universidade e, portanto, apresenta uma intencionalidade com seu processo, entendendo como essencial o compartilhamento do conhecimento para além das fronteiras ou “sem fronteiras” em todas as áreas do conhecimento (UFES, 2018b).
A respeito das razões para a internacionalização, a partir dos documentos analisados, foi possível elencar a categoria A busca pela excelência dos Programas de Pós-graduação e da instituição, o que demonstra relação direta com as políticas de educação superior e de pós-graduação, especialmente induzidas pela avaliação CAPES aos PPG e os rankings às IES. É possível observar ainda que a “excelência” de um programa e instituição é considerado como representativo de sua qualidade e prestígio. Com o processo de avaliação, o que está em jogo, de certo modo, é a necessidade de estar em melhores posições para a garantia ou maiores chances de obter financiamento, realização de parcerias internacionais, mobilidade IN entre outros (HORTA; MORAES, 2009).
As estratégias de internacionalização, analisadas a partir das categorias indicadas a priori por Knight (2004), “estratégias programáticas” e “estratégias organizacionais” permitiram observar a presença da UFES em cada uma delas. Nos documentos, particularmente, no Plano de Internacionalização (UFES, 2018b), são indicadas as estratégias, objetivos e ações que devem ser tomadas pelos PPG para o alcance da “razão da internacionalização”. Contudo, chama atenção que não haja parâmetros anteriores apontados que possam servir de base, ou seja, uma avaliação diagnóstica, ao menos não no documento analisado, que permita evidenciar “onde está” e “onde se quer chegar”.
É observado ainda o esforço da Instituição e de seus programas com seu processo de internacionalização, visto, por exemplo, pela criação da SRI, da RIEES, de um Plano de Internacionalização. No entanto, todas essas estratégias, de certo modo, mostraram que a UFES tem desenvolvido uma internacionalização passiva e reativa (LIMA; MARANHÃO, 2009), ao evidenciar estar sempre respondendo às demandas externas, colocando em prática ações induzidas pelas políticas de educação superior e de pós-graduação.
Outro ponto que vale destacar é a elaboração e cooperação no projeto conjunto CAPES/PrInt, com o envolvimento de 9 PPG e da PRPPG da instituição. O que, por um lado, demonstra o esforço articulado de trabalho dos programas e docentes, por outro, permite observar a existência de contradições no processo de planejamento de ações para a internacionalização considerando as especificidades dos PPG, alguns “mais internacionalizados”, outros com dificuldades em seus quadros quanto à proficiência no inglês, por exemplo. Tais diferenças podem ser consideradas comuns no quadro dos PPG que possuem ritmos distintos de inserção internacional, o que vai depender da área de conhecimento (da sua importância social e econômica; a própria dinâmica científica com que cada área se desenvolve etc.), assim como das condições socioeconômicas do público que participa de cada área. Esses aspectos impactarão na condição de internacionalização de cada PPG e IES.
Além de todas as dificuldades históricas que perpassam a origem e o desenvolvimento das IES e de seus PPG, atualmente, observa-se maiores agravantes na condução da política de internacionalização das instituições a partir do momento político brasileiro que vive uma recessão com contingenciamento de recursos, cortes de bolsas nos programas de pós-graduação etc., além de uma desqualificação da ciência brasileira protagonizada pelo atual governo. Para piorar o quadro, a crise sanitária da Covid-19 impacta a globalização e a internacionalização, especificamente, o que impõe às instituições e, particularmente, a UFES, que avaliem suas políticas de internacionalização de modo a adotar estratégias mais seguras para que o conhecimento científico e cultural vá, de fato, para além das fronteiras, de modo a construir um mundo menos hierarquizado, mais plural, ético e ambientalmente sustentável.