1 INTRODUÇÃO
Em contraponto à vasta maioria da literatura, que aborda a internacionalização da educação superior como uma resposta institucional das universidades e não como uma resposta dos Estados, dada uma suposta autonomia de tais instituições para forjar suas estratégias de inserção internacional (BAMBERGER; MORRIS; YEMINI, 2019), no Brasil, esse processo se iniciou de forma induzida, com forte presença estatal, e esteve historicamente subordinado às prioridades e aos interesses desenvolvimentistas do Governo Federal. Trata-se de um contexto em que a implementação de políticas dependentes de relações internacionais se confunde com o próprio desenvolvimento do sistema, haja vista a participação de atores externos - sobretudo os Estados Unidos - em processos históricos determinantes, como a instituição das primeiras universidades públicas, entre 1930 e 1950; a modernização do sistema, entre 1960 e 1970; além da expansão e a consolidação da pós-graduação stricto sensu, entre 1980 e 1990 (LIMA; CONTEL, 2009; PROLO et al., 2019).
A despeito desse amplo histórico, foi a partir dos anos 2000 que o significado e as funções designadas à internacionalização adquiriram novas conotações no Brasil. Como reflexo das reconfigurações na educação superior mundial, o processo tem se tornado cada vez mais intencional, sistemático (DE WIT et al., 2015), frequentemente referenciado pelos discursos políticos e acadêmicos dominantes como um imperativo (HUDZIK, 2011, 2015) para que o país se integre à chamada ‘economia global do conhecimento’. Diante desse cenário, o objetivo deste artigo é analisar os desenvolvimentos recentes da internacionalização da educação superior brasileira, a partir dos principais programas governamentais direcionados ao fomento desse processo no período de 2011 a 2018. Três programas específicos são contextualizados, com ênfase no terceiro: O “Ciência sem Fronteiras (CsF)”, vigente de 2011 a 2015; o “Idiomas sem Fronteiras (IsF)”, iniciado em 2012; e o “Programa Institucional de Internacionalização (Capes-PrInt)”, iniciado em 2018.
O texto se desenvolve com base na combinação de recursos bibliográficos e documentais, que abrangeram uma revisão da literatura publicada sobre os programas; bem como notícias, declarações e relatórios veiculados a seu respeito. Após esta introdução, contextualizamos o CsF, o IsF e o Capes-PrInt com base nas dimensões da internacionalização com as quais eles mais diretamente se relacionam: internacionalização via mobilidade acadêmica internacional; internacionalização via política linguística; internacionalização via instituição universitária. Finaliza-se com considerações que incluem observações sobre a perspectiva de internacionalização proposta às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) por meio do Programa Future-se, em junho de 2019, e as referências exploradas.
2 INTERNACIONALIZAÇÃO VIA MOBILIDADE ACADÊMICA PARA O NÚCLEO DO SISTEMA MUNDIAL: O PROGRAMA “CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS (CsF)”
O Ciência sem Fronteiras (CsF)5, vigente de 2011 a 2015, é constantemente referenciado como a primeira e mais ambiciosa iniciativa governamental explicitamente orientada a internacionalizar a educação superior brasileira, segundo uma concepção contemporânea desse processo. O programa destinou-se principalmente à formação técnico-científica de jovens brasileiros em universidades estrangeiras, por vias da mobilidade acadêmica internacional. Complementarmente, voltou-se à atração de pesquisadores seniores e recém-doutores internacionais interessados em colaborar com a produção e a difusão do conhecimento em universidades brasileiras. Além da inexistência de precedente em relação ao montante de recursos investidos em curto espaço de tempo - 101.446 bolsas concedidas em cinco anos, com aporte financeiro total próximo a R$ 10,5 bilhões - o CsF se diferenciou das estratégias governamentais de internacionalização anteriores pelo seu foco em acadêmicos iniciantes (graduação) em detrimento de acadêmicos iniciados (pós-graduação stricto sensu e estágio pós-doutoral), já que 78.980 (78%) das bolsas implementadas se direcionaram à modalidade graduação-sanduíche (PROLO et al., 2019).
Apesar dessas relativas novidades, a racionalidade do CsF esteve alinhada à da maioria das iniciativas de inserção internacional empreendidas ao longo da história da educação superior no País: criação de condições que favorecessem a instalação de processos de modernização, inovação e competitividade, por vias do intercâmbio e da mobilidade. Além disso, o desenho do CsF seguiu uma perspectiva de internacionalização semelhante à adotada pelos países semiperiféricos, onde a dimensão privilegiada do processo é a mobilidade para países centrais e cujos programas tendem a ser descontinuados, comprometendo seu amadurecimento e consolidação (PROLO et al., 2019).
Apesar da visibilidade alcançada em virtude do número de bolsistas, volume de recursos financeiros, quantidade de universidades e países envolvidos, além da promessa de colaborar para a inserção do Brasil no cenário internacional, o CsF foi alvo de inúmeras críticas, tanto por parte de representantes da academia e da mídia impressa e digital, quanto do próprio Governo na gestão posterior à que institucionalizou o Programa. Em relatório sobre o estado do conhecimento em internacionalização nas universidades brasileiras, a própria Capes explicitamente classifica o CsF como um Programa de “internacionalização passiva” (CAPES, 2017, p. 6). No geral, as críticas direcionadas ao CsF estiveram relacionadas aos seguintes aspectos: a elevada quantidade de recursos públicos investidos; a prioridade dada a estudantes de graduação em vez de experientes pesquisadores; a exclusão das ciências humanas e sociais; o negligenciamento das relações com a América Latina, Ibero-América e o Sul Global; o papel secundário das universidades brasileiras no desenvolvimento e gestão do Programa; a reputação acadêmica questionável de algumas instituições de destino; o posicionamento do Brasil como cliente de produtos educacionais6; as dificuldades dos candidatos para alcançar os níveis de proficiência linguística requeridos (com consequente acentuação de desigualdades socioeconômicas); as dificuldades relacionadas ao reconhecimento de créditos das atividades acadêmicas realizadas no exterior; a ausência de monitoramento e de avaliação dos resultados alcançados e a dificuldade na capitalização dos esforços de internacionalização, por parte das universidades brasileiras (KNOBEL, 2012, 2015; FREIRE JUNIOR, 2017; PROLO et al., 2019).
Mesmo com essas críticas, o CsF cumpriu os propósitos de expor as IES brasileiras ao ambiente internacional ambicionado pelo Governo brasileiro e fomentar relações universitárias e acadêmicas de forma significativa, com o estabelecimento de parcerias que favoreciam sobretudo os interesses principalmente de alguns países, como Estados Unidos e Reino Unido. Os dados revelam que as universidades situadas nos Estados Unidos e no Reino Unido concentraram a maioria dos bolsistas, respectivamente com 27.821 e 10.740 estudantes (PROLO et al., 2019). Além disso, o CsF forneceu terreno para iniciativas governamentais de internacionalização posteriores. Nas palavras do coordenador geral de bolsas e projetos da Diretoria de Relações Internacionais da Capes, em apresentação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2015, “[...] em função do CsF nós tivemos que criar diferentes ferramentas no decorrer desses quatro anos para que a meta pudesse ser atingida” (SINTER/UFSC, 2015, p. 6).
De fato, foi a partir da implementação do programa que as universidades brasileiras passaram a receber mais representantes de governos, universidades e empresas estrangeiras; formularam estratégias para lidar com questões como validação de créditos e monitoramento de estudantes no exterior e institucionalizaram ou expandiram departamentos para gerenciar o processo e explicitaram o processo de internacionalização em seus planejamentos estratégicos. Segundo os discursos dominantes, o CsF fez com que as instituições brasileiras passassem a integrar o “mapa da educação” (Coordenador geral de bolsas e projetos da Diretoria de Relações Internacionais da Capes) (SINTER/UFSC, 2015, p. 6) ou o “mapa da internacionalização do ensino superior” (Representante da Associação Brasileira de Educação Internacional (Faubai)) (SINTER/UFSC, 2015, p. 7)7.
Muito embora o impacto do CsF nas IES brasileiras seja em grande medida subjetivo, os padrões observados possibilitam enquadrá-lo como um dos fatores que contribuíram para que a noção hegemônica do processo de internacionalização se expandisse, sobretudo no que diz respeito à associação automática entre internacionalização e relações com os países centrais; à naturalização de que determinados campos do conhecimento sejam priorizados em detrimento de outros e à hierarquização das missões da universidade com a diferenciação entre universidades de pesquisa e as demais instituições universitárias que compõem o sistema de educação superior brasileiro (LEAL, 2020).
3 INTERNACIONALIZAÇÃO VIA INGLÊS GLOBAL: O PROGRAMA “IDIOMAS SEM FRONTEIRAS (IsF)”
Um desdobramento imediato do CsF foi a criação de uma política linguística para a educação superior brasileira, concebida em 2012 como “Inglês sem Fronteiras”, reestruturada para “Idiomas sem Fronteiras (IsF)” em 2014 e, desde 2019, vigente como “Rede Andifes IsF”. A motivação imediata para a criação do Programa foi a prestação de auxílio aos estudantes que, à época do CsF, enfrentavam dificuldades para atingir os níveis de proficiência requeridos pelas universidades de destino:
Houve essa dificuldade inicial [...], nos primeiros editais a gente começou a perceber que um fator que estava excluindo bons candidatos era a língua. Então algo precisava ser feito. [...] Diferentes iniciativas foram tomadas. Primeiro foi criado o My English Online, que é um curso online gratuito para os estudantes brasileiros. [...]. Outro fator que foi identificado: o TOEFL, por exemplo, é um teste muito caro, e alguns alunos não estavam conseguindo participar do programa porque gastar 200 dólares numa prova [...] é um investimento significativo. Então o MEC adquiriu testes TOEFL também para a distribuição e realização dos estudantes. Em função dessas diferentes medidas, pensou-se no Inglês sem Fronteiras [...] e agora já avançamos para o Idiomas sem fronteiras” (Coordenador geral de bolsas e projetos da Diretoria de Relações Internacionais da Capes. Abertura do Seminário Ciência sem Fronteiras Graduação) (SINTER/UFSC, 2015, p. 5).
Explicitamente subordinado ao propósito de internacionalizar a educação superior8 - “Promover ações em prol de uma política linguística para a internacionalização do ensino superior brasileiro, valorizando a formação especializada de professores de línguas estrangeiras” (ISF, 2018, p. 1) - até 2019, quando transformado em “Rede Andifes IsF”9, o IsF atuou em três linhas: 1. Formação de professores; 2. Capacitação em língua estrangeira e 3. Capacitação em português como língua estrangeira para acadêmicos estrangeiros. Para tanto, concentrou-se na aplicação de testes de nivelamento e de proficiência, bem como na oferta de cursos a distância e/ou presencial dos idiomas Alemão, Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Japonês, além de Português para estrangeiros. Tais ações se concretizavam por vias de parcerias estabelecidas pelo Programa, organizadas em três grupos: a) IES brasileiras credenciadas, b) países estrangeiros10 e c) empresas e organizações11, sendo que os países e empresas/organizações priorizados situam-se exclusivamente nos Estados Unidos e na Europa.
Apesar do caráter indutor do edital de recredenciamento do IsF em 2017 por meio da proposta de oferta de outras línguas além do inglês e do Português como Língua Estrangeira (PLE) e da quantidade de idiomas abrangidos, o Inglês assume visível prioridade: corresponde ao único idioma contemplado por todas as 95 instituições credenciadas - em sua vasta maioria públicas e pertencentes ao sistema federal de educação superior - e é foco da maior quantidade de ações concretizadas. Até novembro de 2018, o Programa havia ofertado 1.347.354 vagas para a realização do TOEFL e 364.517 vagas para a realização de cursos (IsF, 2018). Além disso, o inglês contemplou 1.140 professores e 337.317 vagas ofertadas no período de 2014 a 2018, enquanto que os demais idiomas alcançaram os seguintes números: Espanhol (2016 a 2018): 88 professores e 6.240 vagas ofertadas; Francês (2016 a 2018): 72 professores e 5.400 vagas ofertadas; Italiano (2016 a 2018): 24 professores e 2.810 vagas ofertadas; Japonês (2016 a 2018): 32 professores e 2.110 vagas ofertadas; Alemão (2016 a 2018): 40 professores e 2.388 vagas ofertadas; Português (2017 a 2018): 100 professores e 8.254 vagas ofertadas (ISF, 2018)12. Como Passoni (2019, p. 26, tradução nossa) observa,
Atualmente, das 70 universidades onde o IsF está sediado, apenas algumas oferecem cursos ou testes em outros idiomas, mais especificamente: francês em dezessete instituições, espanhol em vinte instituições, italiano em sete instituições, alemão em vinte instituições, japonês em cinco instituições; e não há informações oficiais sobre português para falantes de outras línguas.
A autora, que em sua tese doutoral analisa textos da esfera jurídica, educacional e jornalística sobre a promulgação do IsF-Inglês, apoiada pela abordagem do ciclo de políticas e da análise crítica do discurso, conclui que as narrativas em torno do Programa alimentam a tendência de posicionar o inglês como hegemônico no contexto da internacionalização da educação superior (PASSONI, 2019).
Embora limitado à questão linguística, o IsF é mais amplo que o CsF na medida em que não se restringe à população estudantil, tendo potencial para atingir o conjunto formado pela comunidade universitária das instituições cadastradas: estudantes, professores e técnico-administrativos. É nesse sentido que, em certa medida, o Programa IsF reflete a transição no entendimento dominante que o governo federal tem de internacionalização da educação superior: de sinônimo de mobilidade acadêmica internacional para um fenômeno mais amplo na medida em que é capaz de afetar a razão de ser e os valores da universidade.
4 INTERNACIONALIZAÇÃO VIA CRIAÇÃO DE UNIVERSIDADE DE CLASSE MUNDIAL: O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INTERNACIONALIZAÇÃO (CAPES-PRINT)
As críticas ao CsF, em parte refletidas em um relatório sobre o estado do conhecimento sobre internacionalização das universidades brasileiras (CAPES, 2017), forneceram base para justificar a implementação do Programa Institucional de Internacionalização (PrInt-Capes), em 2018:
Esses resultados são o retrato da situação da internacionalização das instituições brasileiras após o programa CsF ou, ainda, como elas se declaram sobre o assunto. Além disso, mostra as metas e prioridades das IES e permitirá a Capes avaliar se essas estão alinhadas com os objetivos e planejamento do novo programa de internacionalização a ser desenvolvido (CAPES, 2017, p. 14).
Organizado a partir dos dois eixos de um questionário aplicado a 430 IES brasileiras que dispunham de programas de pós-graduação avaliados com nota de 3 a 7 (das quais 312 constituíram o corpus de análise) - 1. “Situação atual de internacionalização da Instituição” e 2. “Projeto de internacionalização” - o relatório classifica a internacionalização nas IES brasileiras como “não [...] mais incipiente”, porém carente de “ajustes [...] para torná-lo mais eficiente” (CAPES, 2017, p. 4). Os discursos presentes em tal documento são sugestivos em relação à perspectiva de internacionalização que predomina na Diretoria de Relações Internacionais da Capes e que fundamentou o desenho da nova estratégia. Relativamente à definição e à qualificação dos conceitos atrelados ao fenômeno, observa-se, no Quadro 1:
1. O uso, embora simplificado13 e não referenciado, da definição genérica de ‘internacionalização’ proposta por Knight (2004) - “integração da dimensão internacional ao ensino, pesquisa e extensão, funções das instituições de ensino superior” (CAPES, 2017a, p. 6) - caracterizando a preferência da agência por uma abordagem técnica e neutralizada de internacionalização, acompanhada de uma qualificação exclusivamente positiva a seu respeito: “A internacionalização das IES tem o potencial de transformar as vidas de estudantes e tem um papel cada vez maior para ciência através da intensa troca de conhecimento acadêmico, permitindo assim a construção de capacidades sociais e econômicas” (CAPES, 2017, p. 4). 2. O reducionismo14 na aplicação dos conceitos de ‘internacionalização ativa’ e ‘internacionalização passiva’, cunhados por Lima e Maranhão (2009) e trabalhados por Lima e Contel (2011) para fazer referência às diferentes formas como o processo de internacionalização tem se manifestado nos países do centro do sistema-mundo e da periferia e semiperiferia. Enquanto que, para esses autores (teoricamente inspirados em Milton Santos, Boaventura de Sousa Santos e Immanual Wallerstein), tais conceitos se relacionam à existência de atores hegemônicos e hegemonizados no contexto da educação superior internacional, cujos posicionamentos resultam de longos processos históricos e incluem uma dimensão subjetiva - “a maior parte [...] segue a reboque esse comando ativo dos países centrais, fornecendo cérebros, recursos financeiros e comprando produtos educacionais ali produzidos” (LIMA; CONTEL, 2011, p. 16) - a Capes, todavia, atribui uma conotação exclusivamente objetiva e limitada à mobilidade internacional acadêmica: “Conceitualmente, podemos dividi-la em dois tipos: a passiva, onde ocorre a mobilidade de docentes e discentes para o exterior; e a ativa, onde o fluxo é inverso” (CAPES, 2017, p. 6). 3. A reprodução combinada das ideias de ‘internacionalização abrangente’ (HUDZIK, 2011, 2015) e de ‘universidade de classe mundial’ (ALTBACH; BALÁN, 2007), segundo as quais o foco de intervenção deve se direcionar antes à instituição universitária (incluindo em termos de razão de ser e de valores) do que aos indivíduos, daí a “necessidade de um plano estratégico” de internacionalização (CAPES, 2017, p. 45) que contemple aspectos como “[...] infraestrutura para internacionalização, utilização de idiomas estrangeiros, escritório de relações internacionais, projetos para receber estudantes/pesquisadores estrangeiros, treinamento da sua equipe técnica, apropriação do conhecimento adquirido pelo bolsista após o retorno ao país, entre outras ações [...]” (CAPES, 2017, p. 7). Apesar da retórica da abrangência, no mesmo documento a Capes revela que seu interesse se concentra nos “cursos de pós-graduação stricto sensu considerando que eles são o elemento primordial da missão institucional da Capes” (CAPES, 2017a, p. 8). Assim, estabelece como parâmetro essencial de análise o número de bolsas de mobilidade internacional utilizadas por vias do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE). 4. A adoção, na realização da pesquisa, de indicadores de internacionalização limitados a: a) número de professores/pesquisadores estrangeiros na instituição; b) número de projetos internacionais de pesquisa; c) publicações internacionais (número de artigos publicados em revistas com JCR e de artigos publicados com coautoria estrangeira); d) percentual de disciplinas ministradas em outro idioma e número de estudantes inscritos em tais disciplinas; e) número de estudantes estrangeiros (regularmente matriculados, de graduação e de pós-graduação) na instituição; f) número de estudantes que obtiveram dupla titulação/cotutela com instituição estrangeira e g) número e estudantes em doutorado-sanduíche e percentual de estudantes de pós-graduação e de técnicos com fluência em outros idiomas; h) existência de estrutura institucional para a internacionalização (escritório de relações internacionais, plano institucional de internacionalização etc.). 5. O enquadramento de internacionalização como um “recurso para tornar a educação superior responsiva aos requisitos e desafios de uma sociedade globalizada” (CAPES, 2017, p. 6), daí a ênfase na “apropriação dos conhecimentos adquiridos no exterior” e no “impacto no setor produtivo desde o fomento ao desenvolvimento tecnológico e da inovação” (CAPES, 2017, p. 7). Tal enquadramento se materializa no relatório pela segmentação das IES contempladas pelo recorte da pesquisa em dois grupos que, em essência, caracterizam aquelas com maior e menor potencial de inserir o país em um contexto de competitividade do capitalismo global, de modo a responder a tais requisitos e desafios15. 6. Certa prescrição quanto aos parceiros internacionais e aos modelos de estratégia de inserção internacional que interessam à Capes. Embora o relatório discorra sobre a ‘liberdade’ que as IES terão diante do novo Programa, a Capes é precisa ao indicar os países que “têm se mostrado, ao longo dos anos, melhores parceiros institucionais [...] [:] Estados Unidos, seguidos por França, Alemanha, Reino Unido e Canadá” (CAPES, 2017, p. 19-20) e é crítica em relação a determinadas escolhas feitas pelas IES respondentes, sugerindo, também quais seriam os modelos ideais a seguir: “Ao confrontarmos o fator de impacto das publicações em parceria, vemos que Portugal fica aquém do desejado” (CAPES, 2017, p. 45) “China que é alvo prioritário de outros países em termos de mobilidade, como é o caso do Canadá, para o Brasil, não aparece entre os 10 primeiros países citados como prioritários para acordos que fomentem a internacionalização” (CAPES, 2017, p. 45). |
Fonte: Leal (2020).
Tais delineamentos, também recorrentes nas narrativas de representantes da Capes desde antes do lançamento da nova estratégia propriamente dita, refletem a mudança de idealização do CsF para o Capes-PrInt:
“Agora, nós investiremos nas instituições em vez de investirmos nos indivíduos. As universidades serão o foco” (diretora de Relações Internacionais) (THE PIE NEWS, 2017, p. 3, tradução nossa);
“Quando se trata sobre internacionalização, não é suficiente pensar apenas em mobilidade, mas em estratégias que envolvem também a participação e organização das universidades” (diretora de Relações Internacionais) (CAPES, 2019a, p. 1);
“Para além da mobilidade de professores e alunos, o PrInt busca promover a internacionalização estratégica das instituições” (Notícia: “InfoCapes: Parcerias envolvem 450 projetos de pesquisa”) (CAPES, 2019a, p. 1)
“[...] esse não é um projeto de reitoria, mas, sim, da universidade como um todo” (diretora de Relações Internacionais) (Notícia: “Programa de internacionalização é lançado na UFRGS”) (CAPES, 2019b, p. 1).
“A estratégia atual é a internacionalização abrangente, que vá além da mobilidade e envolva toda a instituição e não pesquisas isoladas” (membro da Diretoria de Relações Internacionais) (Notícia: “Novidades na avaliação, bolsa e internacionalização”) (CAPES, 2019c, p. 2).
Na palestra Rethinking internationalization of Brazilian Higher Education Institutions16 na abertura da Faubai 2017 Conference17, em que 560 participantes de 28 países estiveram presentes, a diretora de Relações Internacionais da agência caracteriza o CsF como um programa que fez do Brasil um comprador de serviços internacionais. Sua avaliação de que o aumento quantitativo de publicações científicas do país nos últimos anos não acompanhou um aumento do seu ‘impacto’ (conforme dados da Elsevier apresentados na ocasião), reflete a concepção de que internacionalização se faz por vias da publicação científica com indexação elevada. O caminho vislumbrado é, portanto, fornecer a estrutura adequada por vias da “internacionalização em casa” (PIMENTEL, 2017, p. 48) para realizar uma “transformação profunda na estrutura e no funcionamento” (THE PIE NEWS, 2017, p. 1, tradução nossa) das IES que já apresentam maior potencial de alcançar tal feito.
Em alinhamento com tais projeções, a Capes consolidou a estratégia por vias da portaria 220, de 4 de novembro de 2017, seguida da publicação do Edital 41/2017. Segundo os discursos que vinha projetando desde o encerramento do CsF, definiu como objetivos imediatos do Programa a consolidação dos planos estratégicos de internacionalização no nível institucional; a criação de redes internacionais de pesquisa para o aprimoramento da produção acadêmica; a expansão de ações para dar suporte à internacionalização dos programas de pós-graduação (incluindo a mobilidade de docentes, doutorandos e pós-doutorandos); a recepção de acadêmicos internacionais e a promoção de um ambiente internacional nas instituições participantes (CAPES, 2017b).
Diferenças aparentemente significativas do Capes-PrInt em relação ao CsF são, portanto, a mudança de foco direto nos indivíduos para as instituições; a centralidade conferida à pesquisa; bem como a inclusão de dimensões complementares da internacionalização para além da mobilidade, que dialoga com a tendência global contemporânea de internacionalização em casa. Em tese, o Capes-PrInt também implica em atuação mais ativa e autônoma das instituições participantes, uma vez que cabe a elas a elaboração dos projetos, a definição dos parceiros internacionais e a escolha dos campos do conhecimento a serem priorizados (LEAL, 2019):
“Para esse novo programa, a proposta é que as IES definam seus parceiros nacionais e internacionais e apresentem suas propostas de internacionalização” (CAPES, 2017, p. 7).
“O novo programa a ser desenvolvido e implementado pela Capes aumentará a autonomia das IES, incluindo a prerrogativa de definir o plano estratégico de internacionalização” (CAPES, 2017, p. 46).
“A gestora reforçou que o Capes-PrInt transfere mais responsabilidade e autonomia para as universidades e espera que o programa colabore no aumento da visibilidade e do impacto das pesquisas desenvolvidas nas instituições brasileiras” (Notícia: Encontro faz balanço do 1º ano do projeto Capes-PrInt da UNESP) (UNESP, 2019, p. 1).
Todavia, a nova estratégia se ampara em uma base competitiva mais explícita: coloca as instituições e os programas de pós-graduação brasileiros para disputar pelos limitados recursos disponíveis, do mesmo modo que estabelece critérios que excluem a maior parte das instituições universitárias do País. Em conformidade com o agrupamento das IES apresentado no relatório sobre o estado do conhecimento sobre a internacionalização nas universidades brasileiras (CAPES, 2017), a agência define que apenas IES com “ao menos quatro Programas de Pós-Graduação (PPG) recomendados pela Capes na avaliação trienal de 2013 e na quadrienal de 2017, entre os quais deverá haver, pelo menos, dois com cursos de doutorado” (CAPES, 2017b, p. 1) podem se inscrever no Programa.
“[...] Poucas IES têm planos de internacionalização e algumas ainda não têm condições sequer de implementar um. O primeiro passo é implementar estratégias em universidades que já têm os pré-requisitos. Após essa primeira etapa, a intenção é ajudar as demais instituições a construir seus planos” (diretora de Relações Internacionais) (CAPES, 2019a, p. 1).
“Para as instituições que não foram selecionadas pelo PrInt, a CAPES estrutura um novo programa que pretende auxiliá-las na modelagem de seus planejamentos institucionais de internacionalização. A iniciativa visa a preparação para o próximo edital do CAPES-PrInt, que deverá ser lançado em 2019, com implementação no final de 2020” (CAPES, 2018d, p. 1).
Embora não esteja explicitamente anunciado, os discursos em torno do Capes-PrInt refletem o interesse do Governo Federal de inserir o País ativamente na economia global do conhecimento. Para tanto, a Capes busca investir na mudança comportamental de um número restrito de instituições - as que “vêm [...] aproveitando melhor das oportunidades de fomento oferecidas [...] [e que portanto] permite[m] uma ação ampla [...]” (CAPES, 2017, p. 43) - para transformá-las em universidades de classe mundial: instituições de pesquisa que se apresentam como mais produtivas do ponto de vista da capitalização de recursos e que ocupam posições significativas nos rankings universitários.
“Para internacionalizar de fato, é preciso ter um approach institucional, que passa por uma mudança de cultura dentro da universidade” (membro da Diretoria de Relações Internacionais da Capes) (BRITISH COUNCIL, 2018, p. 15).
“As propostas, que foram aprovadas por meio do Edital n.º 41/2017, terão ações focadas em inovação, produtividade e visibilidade da produção científica brasileira por meio de financiamento” (CAPES, 2018, p. 1).
“[...] os objetivos e as estratégias para que a pós-graduação brasileira ganhe visibilidade na pesquisa científica mundial” (CAPES, 2019b, p. 1).
O Programa dialoga com demais iniciativas de excelência que têm sido implementadas em diferentes países desenvolvidos e emergentes e suas características nos possibilitam enquadrá-lo como tal18. Dada a articulação entre o contexto mais amplo de perda de prioridade da universidade nas políticas públicas de Estado (SOUSA SANTOS, 2011) e a concepção dominante de que “universidades de pesquisa são inevitavelmente mais caras para operar e requerem mais fundos do que outras instituições acadêmicas” (ALTBACH; BALÁN, 2007, p. 5, tradução nossa), um sistema de educação superior diferenciado é compreendido tanto como um pré-requisito para dispor de universidades de classe mundial quanto como uma “necessidade para países em desenvolvimento” (ALTBACH; BALÁN, 2007, p. 5, tradução nossa).
Como Schendel e McCowan (2016) argumentam, a estratégia de concentrar fundos em algumas ‘flagship institutions’, diante das restrições de financiamento público, tem sido ativamente apoiada por agências internacionais a exemplo do Banco Mundial, por meio do Programa de Centros de Excelência Acadêmica (Centers of Academic Excellence), e alimentada por um desejo global de investir na criação de universidades de classe mundial. É nesse sentido que o resultado final do primeiro processo seletivo do Capes-PrInt não surpreende: de 109 instituições que competiram, somente 36 foram selecionadas, sendo a vasta maioria pública, com sólida tradição de pesquisa e certo nível de reputação internacional. Instituições universitárias com vocações internacionais, porém consideradas sem potencial para cumprir o papel instrumental projetado pelo Governo, a exemplo da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFF), passaram longe da lista.
Embora se trate de programas com objetivos imediatos distintos, o CsF e o IsF, como seu desdobramento forneceram recursos para que a idealização em torno do Capes-PrInt se consolidasse no contexto da educação superior brasileira. O imaginário dominante, no caso da nova estratégia, é de que as instituições contempladas contribuirão para a elevação da capacidade de inovação e de competitividade do País, o que justifica a necessidade de fornecer as condições que as incentivem a caminhar nessa direção. Não se restringir à condição de comprador de serviços educacionais, portanto, não significa uma mudança na racionalidade econômica historicamente predominante nas políticas de inserção internacional para a educação superior brasileira; expressa tão somente a vontade do Governo de inserir-se mais ativamente nesse contexto diante dos novos imperativos.
Já em seu VI Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) referente ao período de 2011 a 2020, a Capes dedicou um capítulo exclusivo à ‘internacionalização’, no qual apresenta uma clara proposta de participação do País nos grandes blocos capitalistas por vias da implementação de parcerias entre universidade, Estado e empresas (PAIVA; BRITO, 2019). Como Paiva e Brito (2019, p. 496) observam, “o VI PNPG [...] assume o interesse neoliberal de inclusão do Brasil no capitalismo transnacional, globalizado”. Portanto, compreende a internacionalização como “ferramenta para que o país se coloque em posição de destaque no mercado econômico mundial, produzindo tecnologia”. Imerso nessa percepção específica, porém permeado por um atraente discurso de autonomia, o Capes-PrInt suscita entre as IES contempladas (e organizações que as representam) o otimismo de que “aprimorará as parcerias simétricas com instituições estrangeiras” (Presidente da Faubai) (THE PIE NEWS, 2017, p. 3, tradução nossa) e de que o Programa “é bem sucedido ao colocar o desafio da internacionalização das instituições com um enraizamento institucional” (Vice-presidente da Andifes) (CAPES, 2018, p. 3).
Todavia, sob o seu escopo a internacionalização permanece majoritariamente atrelada aos interesses do Estado, em conformidade com o padrão histórico que concebe educação superior como um instrumento para alcançar objetivos desenvolvimentistas. Seu desenho sugere antes a continuidade de um projeto hegemônico para a universidade pública brasileira - com foco em uma de suas competências básicas: a atividade de pesquisa e inovação (CORRÊA; CHAVES; SOUSA, 2018). Enquanto que no caso do CsF a gestão do Programa era majoritariamente exercida pelo próprio Governo Federal, a nova estratégia demanda reestruturações mais aprofundadas no contexto das IES.
“[...] as obriga a serem proativas na solicitação de financiamento. Também exige que elas articulem um meio de apropriação institucional do conhecimento adquirido por pesquisadores no exterior” (presidente da Faubai) (FREIRE JUNIOR; SPADARO, 2017) (FREIRE JUNIOR, 2017, p. 4, tradução nossa).
“Ele [o Capes-PrInt] nos obrigou a organizar a nossa política de internacionalização” (coordenadora geral de Pós-graduação da Fiocruz) (Notícia: “InfoCapes: Diferentes estratégias para ganhar visibilidade no mundo”) (CAPES, 2018e, p. 1)
“O programa impulsionará mudanças na instituição. É uma política que vai ficar, porque vai redesenhar o ensino universitário no país, adequando-o às universidades do mundo inteiro” (pró-reitora de Pós-graduação da UFSC) (Notícia: “InfoCapes: Diferentes estratégias para ganhar visibilidade no mundo”) (CAPES, 2018e, p. 1)
“Ao estimular o debate sobre a organização estratégica, temos o começo de uma reflexão ainda mais ampla sobre o modelo da pós-graduação e onde queremos levar nosso sistema. O CAPES/Print é também um estímulo à discussão, à organização e ao desenvolvimento da pós-graduação brasileira” (presidente da Capes) (Notícia: Workshop debate planejamento estratégico para universidades brasileiras) (CAPES, 2018b, p. 2).
Embora esteja em seu início, o Programa tem demandado uma série de ações e articulações das instituições participantes, incluindo adaptações estruturais como a criação de novos setores e a designação de servidores para administrá-lo. Por exemplo, um ano após a implementação do Capes-PrInt no âmbito da UNESP, a pró-reitora de Pesquisa da instituição sinaliza adaptações estruturais que aquela instituição necessitou realizar para fins de gestão do Programa: “Atuar como uma agência de fomento dentro da universidade demandou adaptar em poucos meses a estrutura da pró-reitoria para atividades que envolvem, por exemplo, a organização de editais, seleção de pareceristas ou fluxo financeiro” (pró-reitora de Pesquisa) (UNESP, 2019, p. 2).
O monitoramento de resultados (atrelado ao controle do fluxo de ideias e imperativos) também se expandem, o que nos possibilita confrontar a retórica da autonomia que o Capes-PrInt pressupõe e enquadrá-lo como elemento potencialmente contributivo ao avanço da lógica do capitalismo universitário/acadêmico global. No atual estágio em que se encontra, tal lógica implica em maior intervenção estrutural no âmbito da instituição universitária:
“Vocês têm os recursos e a liberdade (de gestão), agora precisam dar respostas, com impacto dos resultados” (diretora de Relações Internacionais da Capes) (AGECOM/UFSC, 2019, p. 1, grifo nosso);
“Na etapa seguinte, cada instituição precisa deslanchar o processo. Esse momento de início do processo de implementação da estratégia institucional precisa ser acompanhado de mecanismos de monitoramento do que está sendo feito e dos resultados que vão começar a ser obtidos a partir desse processo” (presidente da Capes) (CAPES, 2019, p. 1, grifo nosso).
Além do estabelecimento de requisitos para que as IES pudessem participar do edital (a exemplo da criação do Plano Institucional de Internacionalização) e da definição de uma série de instrumentos para fins de “acompanhamento e das avaliações do projeto de internacionalização” (CAPES, 2017b, p. 12), o que têm incluído visitas regulares de representantes da Capes às instituições selecionadas e encontros/workshops promovidos pela Capes (e seus parceiros) para tratar de temas relacionados ao Programa, existe relativa prescrição em relação aos parceiros desejáveis. Sinalizando com clareza que as universidades envolvidas estão subordinadas a uma autonomia condicionada, vigiada.
Esse viés se materializa tanto no relatório sobre o estado do conhecimento de internacionalização nas universidades brasileiras (CAPES, 2017) quanto no Anexo I do Edital 41/2017, que apresenta a “Relação dos países com os quais a cooperação científica e acadêmica com o Brasil vem se mostrado mais efetiva” e para os quais “ao menos 70% dos recursos para parcerias devem ser alocados” (CAPES, 2018, p. 1). Dos 26 países listados, 23 são europeus ou pertencentes ao BRICS, sendo que da América Latina constam apenas a Argentina e o México; enquanto que da África consta somente a África do Sul (CAPES, 2018a; PAIVA; BRITO, 2019). O controle subjetivo, todavia, é mais amplo; inscreve-se em uma estrutura complexa, composta de domínios, níveis e fluxos (QUIJANO, 2010; RESTREPO; ROJAS, 2010; MIGNOLO, 2018), que determina quais países e instituições universitárias são dignas de associação: “Estamos buscando parcerias estratégicas com as melhores universidades do mundo” (presidente da Capes) (CAPES, 2019, p. 1).
O rompimento com o paradigma de comprador de produtos educacionais é igualmente questionável. Para que fossem implementados e executados, não somente o CsF, mas também o IsF e o Capes-PrInt dependeram do estabelecimento de consultorias externas e de parcerias com governos e empresas estrangeiras, sobretudo dos Estados Unidos e do Reino Unido. As vozes desses dois mesmos governos e suas respectivas instituições são particularmente perceptíveis no decorrer da nova estratégia, segundo uma perspectiva em que eles se configuram como portadores do conhecimento e do savoir-faire, enquanto que as instituições brasileiras se configuram como receptoras. Em vez de uma mudança de paradigma, portanto, evidenciamos continuidade, amparada em novos discursos, que sinalizam a expansão da lógica econômica capitalista para novos domínios (FAIRCLOUGH, 2006).
Frente às limitações orçamentárias, o Capes-PrInt atinge reduzido número de projetos, associados a poucas universidades, predominantemente públicas, fortemente orientadas para pesquisa. O foco ocorre naquilo em que o sistema de educação superior e as instituições selecionadas têm de “melhor”, ou seja, aquilo que é mais comercializável do ponto de vista da capitalização de recursos no contexto da ‘economia global do conhecimento’. Trata-se, em última instância, de um Programa sustentado na lógica da diferenciação, que depende de um imaginário global hierárquico para existir. É epistemologicamente subordinado à racionalidade dominante à medida que se move pelos seus modelos e respectivas retóricas.
Finalmente, é oportuno observar que o desenho e as características do Capes-PrInt (assim como do CsF e do IsF) reflete as perspectivas dos poucos indivíduos envolvidos na sua idealização e implementação, o que sinaliza o seu vínculo antes a uma política de governo do que a uma política de estado ou um projeto de país. A atual instabilidade política e econômica, que no âmbito da educação superior têm impactado de forma significativa o MEC, a Capes e as IES públicas (KNOBEL; LEAL, 2019) - principais participantes do Capes-PrInt e também principais ‘alvos’ dos ataques do governo federal - faz com que o futuro do Capes-PrInt seja totalmente incerto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi analisar os desenvolvimentos recentes da internacionalização da educação superior brasileira, a partir dos principais programas governamentais direcionados ao fomento desse processo no período de 2011 a 2018. Para tanto, três iniciativas foram abordadas, com ênfase na terceira: o CsF, vigente de 2011 a 2015; o IsF, iniciado em 2012; e o PrInt-Capes, iniciado em 2018. As características dos três programas sugerem que, neste País, o entendimento da internacionalização da educação superior tem evoluído de um sinônimo de mobilidade acadêmica internacional, focada nos indivíduos, para uma concepção mais abrangente do processo, focada na transformação da instituição universitária nos moldes consagrados no ambiente internacional hegemônico. Esse direcionamento institucional sinaliza que as universidades do País estão se credenciando para promover uma internacionalização mais ampla, ativa e orgânica, com vistas à construção de um ambiente internacional no cotidiano da instituição e pretensão de equilibrar um processo de internacionalização ativo e passivo.
Embora se trate de três programas com estratégias e objetivos imediatos distintos, observa-se que o CsF e o IsF forneceram recursos para que o ideal de promover uma mudança comportamental em um número específico de instituições nacionais, com o propósito de torná-las universidades de classe mundial, se consolide de forma mais explícita com o PrInt-Capes, dado o imaginário dominante de que tais instituições permitirão aumentar a capacidade de inovação e competitividade do País. Não por acaso, as instituições que mais enviaram bolsistas pelo CsF são, também, as que declaram em seus Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) o compromisso de avançar no processo de internacionalização, além da ambição de conquistar o referido status (THIENGO, 2018), ou que estão credenciadas ao IsF e desempenham maior quantidade de atividades vinculadas a esse Programa. São, ainda, parte significativa da lista de instituições contempladas pelo PrInt-Capes: universidades públicas, com sólida tradição de pesquisa e algum nível de reputação internacional.
É nesse sentido que, no período de análise (2011-2018), a internacionalização da educação superior brasileira permanece majoritariamente atrelada aos interesses do Estado, em conformidade com o padrão histórico que concebe a educação superior como instrumento para alcançar objetivos desenvolvimentistas do País. Os padrões observados sinalizam, ainda, que o processo tem se consolidado de forma hegemônica: por exemplo, para que fossem implementados e executados, os três programas dependeram do estabelecimento de consultorias externas e de parcerias com governos e empresas estrangeiras, sobretudo dos Estados Unidos e do Reino Unido. O CsF, representa o fluxo Sul-Norte - sobretudo Brasil-Estados Unidos - dessa perspectiva. O IsF, por sua vez, privilegia o Inglês em detrimento dos outros idiomas. O PrInt-Capes, finalmente, legitima a diferenciação entre instituições, funções universitárias e campos do conhecimento, com efeitos colaterais previsíveis: haverá reforço da lógica dual uma vez que o PrInt-Capes irá colaborar para o alargamento da distância que separa universidades de ensino e de pesquisa (em mais esta oportunidade a pesquisa irá se sobrepor à atividade de ensino-aprendizagem), universidades orientadas para o local e para o global, universidades para poucos e universidades mais massificadas.
Em junho de 2019, o governo federal brasileiro anunciou o ‘Future-se’, política voltada ao fortalecimento da autonomia financeira das (IFES), que define internacionalização como um dos eixos de ação (além de gestão, governança e empreendedorismo, pesquisa e inovação). No primeiro material disponibilizado à imprensa, o eixo internacionalização se vincula ao propósito de “promover as IFES brasileiras no exterior, elevando a posição das instituições nos rankings e índices internacionais, tais como o Times Higher Education e Web of Science” (MEC, 2019a, p. 11). Nas competências designadas às instituições participantes (e às organizações sociais a serem contratadas) constam, por exemplo, a promoção de “parcerias com instituições privadas, para promover a publicação em periódicos no exterior”; a atração de “professores estrangeiros renomados”; a busca por “uma melhor colocação nos índices e rankings internacionais”, bem como facilitação do reconhecimento de créditos cursados em “instituições de excelência no exterior” (MEC, 2019b).
Neste primeiro momento, as propostas relacionadas ao eixo foram genéricas, o que limita a possibilidade de análises detalhadas sobre os padrões a serem seguidos. Além disso, a grande maioria das IFES rejeitou a proposta em seu primeiro formato. Todavia, o vínculo direto da internacionalização a uma política que tem por finalidade fomentar instituições universitárias a captar recursos para fins de sua própria sobrevivência; e que explicita objetivos voltados à reputação internacional das IFES, sinaliza não somente a continuidade e consolidação de um viés hegemônico de internacionalização, mas a sua intensificação segundo os moldes do capitalismo global universitário “um sistema de valores que promove o interesse próprio, se não um egoísmo descontrolado” (GIROUX, 2014, p. 1, tradução nossa). Em um país como o Brasil, já marcado por desigualdades sociais históricas e profundas, os riscos se intensificam. Caso o ‘Future-se’ se efetive, as circunstâncias para perspectivas de inserção internacional que busquem por futuros mais inclusivos e sustentáveis; que se distanciem daquela orientada exclusivamente para atender às demandas do mercado mundial capitalista; estarão ainda mais restringidas.