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ETD Educação Temática Digital

versão On-line ISSN 1676-2592

ETD - Educ. Temat. Digit. vol.25  Campinas  2023

https://doi.org/10.20396/etd.v25i00.8671273 

DOSSIÊ

PROGRAMAS DE MENTORIA DA UFSCar: BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS, CARACTERÍSTICAS E CONTRIBUIÇÕES

UFSCar MENTORING PROGRAMS: THEORETICAL-METHODOLOGICAL BASIS, CHARACTERISTICS AND CONTRIBUTIONS

LOS PROGRAMAS DE MENTORÍA DE LA UFSCar: BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS, CARACTERÍSTICAS Y CONTRIBUCIONES

Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali1 

Ana Paula Gestoso de Souza2 

Carolina Marini3 

Bruna Cury de Barros4 

1Doutora em Psicologia Experimental - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP - Brasil. Professora titular - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. Editora - Revista Eletrônica de Educação (REVEDUC). Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: alinereali@ufscar.br

2Doutora em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. Docente - Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: anapaula@ufscar.br

3Doutoranda em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: emailcarolinamarini@gmail.com

4Doutora em Educação - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. Professora - Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP - Brasil. E-mail: brunacb@ufscar.br


RESUMO

As características do início da docência, incluindo os desafios enfrentados nessa etapa, demandam a elaboração e aplicação de políticas e programas com foco no professor e o seu desenvolvimento profissional. Para o sucesso dessas iniciativas, defende-se a importância de ações formativas informadas, contundentes, sistemáticas e contínuas na qualificação educacional dos professores, na sua formação inicial e ao longo da carreira, em especial em seu início. Reconhece-se a relevância de programas de indução como apoio para que estes profissionais se socializem na cultura da escola, realizem o que se espera deles e possam lidar com as dificuldades típicas desta atividade profissional. Neste artigo, a partir da cronologia das ofertas de quatro programas de mentoria desenvolvidos na UFSCar, apresenta-se as bases teórico-metodológicas e características e analisam-se algumas contribuições dessas iniciativas. Para tanto foi considerado um subconjunto de teses e dissertações que tratam dos programas para a aprendizagem profissional de professores iniciantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e de Educação Física, tendo como foco o aprender a ensinar. Cada programa apresenta especificidades, tais como assistência a professores iniciantes que atuam em diferentes níveis de ensino, características dos mentores, usos da Internet e ferramentas virtuais. A partir dos resultados problematiza-se, então, aspectos relacionados com a proposição e desenvolvimento de políticas de indução de professores iniciantes.

PALAVRAS-CHAVE Formação de professores; Programa de indução; Mentoria; Educação Básica

ABSTRACT

The characteristics of the beginning of teaching, including the challenges faced at this stage, call for the development and implementation of policies and programs focused on teachers and their professional development. For these initiatives to be successful, the importance of informed, forceful, systematic, and continuous training actions is defended in the educational qualification of teachers, in their initial training, and during their careers, especially at the beginning. It recognizes the importance of induction programs as support for these professionals to socialize in the school culture, to do what is expected of them, and to deal with the typical difficulties of this professional activity. This article presents the four mentoring programs developed at UFSCar chronology, their theoretical and methodological bases, characteristics and analyzes some of the contributions of these initiatives. To this end, a subset of theses and dissertations dealing with programs for the professional learning of beginning elementary school and physical education teachers was considered, focusing on learning to teach. Each program has specific features, such as assistance for beginning teachers working at different levels of education, characteristics of the mentors, and use of the Internet and virtual tools. Based on the results, aspects related to the proposal and development of policies to induct novice teachers are problematized.

KEYWORDS Teacher education; Induction program; Mentoring; Basic education

RESUMEN

Las características del inicio de la docencia, incluyendo los desafíos que se enfrentan en esta etapa, exigen el desarrollo e implementación de políticas y programas centrados en los docentes y su desarrollo profesional. Para que estas iniciativas tengan éxito, se defiende la importancia de acciones de formación informadas, contundentes, sistemáticas y continuas en la cualificación educativa de los docentes, en su formación inicial y a lo largo de su carrera, especialmente al inicio. Se reconoce la relevancia de los programas de inducción como apoyo para que estos profesionales socialicen en la cultura escolar, realicen lo que se espera de ellos y puedan enfrentar las dificultades típicas de esta actividad profesional. Este artículo presenta, a la vista de la cronología de cuatro programas de mentoría desarrollados en la UFSCar, las bases teóricas y metodológicas, las características y analiza algunas de las aportaciones de estas iniciativas. Para ello, se consideró un subconjunto de tesis y disertaciones que tratan de programas para el aprendizaje profesional de profesores principiantes de educación primaria y educación física, centrándose en el aprendizaje de la enseñanza. Cada programa presenta características específicas, como la asistencia a profesores principiantes que trabajan en distintos niveles educativos, las características de los mentores, el uso de Internet y de herramientas virtuales. A continuación, los resultados problematizan aspectos relacionados con la propuesta y el desarrollo de políticas de inducción a profesores principiantes.

PALABRAS CLAVE Formación de profesores; Programa de inducción; Mentoría; Educación básica

1 INTRODUÇÃO

A Formação de Professores, em geral, tem sido objeto de inúmeras pesquisas com vista à melhor compreensão sobre quem busca a carreira docente, sobre os processos formativos iniciais e continuados, as fases da carreira, as condições objetivas de trabalho, dentre outros temas (André, 2010). Ao considerar a relevância do início da carreira para as etapas posteriores da atuação docente (Lima, 2004; Marcelo, 2011; Marcelo; Vaillant, 2017), nota-se, todavia, haver poucas pesquisas relacionadas a este tema que abordem propostas formativas com ênfase nas dificuldades experienciadas por principiantes, como estas podem ser minimizadas e no apoio à socialização na cultura escolar (Oliveira; Bahia; Neves, 2022; André, 2012).

Vários parecem ser os fatores que levam o início da docência a ser percebido como uma fase complexa. Dentre esses fatores, pode ser destacado o perfil dos licenciandos que chegam à universidade com lacunas educacionais que nem sempre são superadas ao longo do curso de formação inicial. Essas lacunas se devem muitas vezes ao baixo nível geral de escolarização de suas famílias, à busca de um curso de formação inicial que é pouco exigente para o seu ingresso, pois tem se mostrado pouco atrativa em termos de prestígio social. Além disso, muitos desses estudantes, oriundos da rede pública de ensino e trabalhadores, ingressam em cursos de licenciatura de universidades privadas noturnas ou na modalidade a distância que oferecem uma formação profissional superficial (Gatti et al., 2019).

Afinal, o início da atividade docente se mostra desafiador em especial ao considerar-se que a formação profissional, dado o caráter contínuo da aprendizagem da docência, não se esgota na formação inicial. Agregado a isso, os professores iniciantes são usualmente inseridos em contextos difíceis (Príncipe; André, 2019).

Neste artigo, a partir de uma breve exposição sobre a ausência, em nosso país, de políticas de indução e programas dirigidos para a etapa inicial da carreira docente, justifica- se a necessidade de pesquisas sobre alternativas para minimizar as dificuldades enfrentadas pelos iniciantes. Partindo desse posicionamento, e do interesse da linha de pesquisa Formação de Professores e Outros Agentes Educacionais (FPOAE)5 na investigação - em profundidade - dos processos envolvidos e das aprendizagens derivadas de interações entre professores (com tempo de carreira e experiências diversificadas), apresentam-se cronologia, bases teórico-metodológicas e características de quatro programas de mentoria desenvolvidos na UFSCar.

Esses programas e sua investigação estiveram voltados para a aprendizagem profissional de professores iniciantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e de Educação Física, a partir de sua interação com professores mais experientes de mesmo nível e área de ensino. As iniciativas foram realizadas como um meio de evitar/contornar a ruptura entre a formação inicial e a continuada, promovendo-se, pois, um contínuo - que não necessariamente se mostra linear - do desenvolvimento profissional docente para os iniciantes. As pesquisas sobre os programas desenvolvidos apresentavam como propósito geral compreender contribuições e limites de ações formativas voltadas para o início da carreira docente, por meio da interlocução de profissionais com expertise educacional diferentes. Outras questões mais específicas foram delineadas em cada oferta considerando, por exemplo, o uso da internet, professores de outras etapas da Educação Básica, perfil dos professores experientes.

Dando sequência, analisam-se algumas contribuições dessas ofertas, a partir de um subconjunto de teses e dissertações que investigaram os diferentes programas. Para as análises apresentadas, foram selecionadas aquelas que focalizaram o aprender a ensinar com o apoio de um professor experiente, um mentor.

2 POLÍTICAS COM FOCO NOS PROFESSORES EM SEUS PRIMEIROS TEMPOS DE ATUAÇÃO E UMA BREVE APRESENTAÇÃO SOBRE O CENÁRIO BRASILEIRO

Considerando o cenário internacional, observa-se que muitos programas de mentoria relacionam-se ou fazem parte de políticas de indução dirigidas para professores em início de carreira pretendendo relacionar a formação inicial e o começo da atuação profissional, um tempo-entre-dois (Nóvoa, 2019).

Numa análise sobre o cenário latino-americano, Marcelo e Vaillant (2017) apresentam um panorama sobre diferentes iniciativas ao identificar e categorizar políticas e programas de indução docente na América Latina. Esses autores discutem a situação no Brasil, Chile, México, Peru e República Dominicana. No Brasil e República Dominicana, foram identificadas iniciativas e experiências com foco na indução sem, todavia, atender a todos os iniciantes, dada a inexistência de políticas com este propósito na época da coleta dos dados. No caso do Peru, Chile e México, iniciativas legislativas consideram a indução como um momento específico na carreira docente e que tem se convertido aos poucos em ações concretas, como o que tem sido evidenciado no Chile, na medida em que foi estabelecido por lei. Neste caso estabeleceu-se um Sistema de Desenvolvimento Profissional Docente em 2016 que prevê disposições específicas de valorização da profissão docente em suas diferentes etapas, como a inicial (Beca; Boerr, 2020). As políticas de indução nos diferentes países citados têm sido apontadas como importantes para o desenvolvimento, a implantação e a avaliação de iniciativas de apoio e promoção de desenvolvimento profissional de professores no início de sua atuação profissional. Essa perspectiva se mostra consoante com o que é apontado por outras pesquisas sobre o papel relevante para os iniciantes de políticas definidas e programas de indução e mentoria realizadas na Europa e nos Estados Unidos já há muito tempo (Marcelo, 2011).

Os programas dirigidos aos professores que iniciam a atividade docente representam alternativas formativas específicas para uma etapa distinta da formação inicial e da formação continuada. Considerando as especificidades do início da carreira docente (Huberman, 1995; Lima, 2004; Cruz; Farias; Hobold, 2020; entre outros) destaca-se a importância da indução à carreira, ou seja, do processo de acompanhamento sistematizado do iniciante no período de inserção profissional - entrada na vida profissional. Os esforços e dinâmicas empreendidos nessas iniciativas teriam como propósitos orientar e apoiar os professores novatos nas atividades de ensino, promover a socialização na cultura da escola, possibilitar a permanência do professor na carreira como também fomentar a sua expertise adaptativa, a aprendizagem ao longo da vida profissional e melhorar a qualidade do ensino (Marcelo, 2011).

A mentoria usualmente apresenta os mesmos objetivos de processos de indução e, geralmente, são conduzidos por professores mais experientes que acompanham os professores iniciantes (PIs) em sua atuação docente, considerando aspectos atinentes à sala de aula e ao ensino e à atuação com os seus pares, a direção da escola e outros membros da comunidade escolar. Esses professores experientes – mentores – são percebidos como fonte relevante de aprendizagem profissional ao disporem de um corpo de conhecimentos profissionais mais consolidado, podendo atuar como formadores e mentores de PIs. Neste estudo correspondem ao profissional que ensina e que, para ensinar a ensinar, deve aprender um novo papel e construir uma identidade profissional específica (Mizukami; Reali, 2019).

Até o momento, a ausência de políticas públicas consolidadas de formação de professores, que incluam ações de indução e acompanhamento de docentes em início de carreira, caracteriza a realidade educacional brasileira (Reis; André; Passos, 2020). Seguem alguns exemplos que ilustram como o início da docência é tratada nas políticas educacionais nas últimas décadas.

Mira e Romanowski (2016), ao analisar as políticas educacionais das últimas décadas, apontam que o Plano Nacional de Educação (PNE) para a década de 2001-2010, embora tratasse de ações de formação inicial e continuada e da valorização da carreira docente, não fazia nenhuma referência aos professores em início de carreira. Já no PNE referente à década de 2014-2024, são apresentados diretrizes e metas que contemplam diferentes ações educacionais definidas pelo plano anterior, mas com um caráter sistêmico (Guedes, 2020).

Nesse conjunto, Mira e Romanowski (2016) destacam a estratégia 18.2 do PNE 2014- 2024 que se refere ao acompanhamento dos profissionais iniciantes, supervisionados por equipe de profissionais experientes, a fim de fundamentar – com base em avaliação documentada – a decisão pela efetivação após o estágio probatório e oferecer – durante esse período – curso de aprofundamento de estudos na área de atuação do(a) professor(a), com destaque para os conteúdos a serem ensinados e as metodologias de ensino de cada disciplina. Advertem, todavia, que, embora importante esta ação, o texto da política não apresenta respostas à complexidade dos processos envolvidos como formação e acompanhamento de mentores, oferta de estruturas organizacionais, recursos e a garantia das condições objetivas de trabalho necessárias tanto para o desenvolvimento adequado de programas de indução ou mentoria dirigidos para os PIs quanto para seus formadores ou mentores.

No caso da Resolução CNE/CP nº 02/2019, tem-se a definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação contínua, contudo, o apoio ao início da carreira docente não é destacado. Na Resolução CNE/CP nº 01/2020, salienta-se a relevância da formação continuada e que esta deve contemplar: foco no conhecimento pedagógico do conteúdo; uso de metodologias ativas de aprendizagem; trabalho colaborativo entre pares; duração prolongada da formação e coerência sistêmica. Outros aspectos como a oportunidade de aprender com os pares e com apoio de professores experientes (mentor ou tutor) são mencionados, bem como o desenvolvimento de ações/cursos e programas formativos flexíveis, modulares, podendo ocorrer em diversas modalidades, sempre tendo como foco o desenvolvimento profissional docente.

Embora objetivem valorizar e alavancar a melhoria dos processos de formação docente, tais normativas revelam o local periférico da inserção docente e do apoio demandado nesta etapa da carreira nas políticas públicas nacionais ao perceber-se pouca ênfase no início da atuação profissional docente.

A despeito desta condição marginal, ao longo destes últimos 20 anos, nota-se interesse na inserção profissional de professores por algumas redes de educação municipais e de grupos de pesquisas, refletido em investigações e intervenções, discussões sobre políticas e ações institucionais (André, 2012; Marcelo; Vaillant, 2017).

Nesse cenário, diante das características contextuais brasileiras – ausência de políticas específicas para esta fase da carreira; vínculos de trabalho precários; mudanças constantes de escola; turnos irregulares de trabalho; mudanças frequentes nas séries/nos anos de atuação etc. – nas investigações apresentadas, concebe-se que o período de início da docência pode se estender até cinco anos de exercício profissional.

3. PROCESSOS METODOLÓGICOS PARA A ELABORAÇÃO DO PRESENTE ARTIGO

Considerando os objetivos deste artigo – apresentar as bases teórico-metodológicas, características e análises das contribuições das diferentes ofertas de programas de mentoria desenvolvidas na UFSCar (entre os anos de 2005 e 2021) –, foram selecionadas dissertações e teses, elaboradas por estudantes de pós-graduação da UFSCar, que investigaram aspectos relacionados à aprendizagem profissional de professores iniciantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental e de Educação Física.

Os critérios de escolha das dissertações e teses – lidas na íntegra pelas autoras deste artigo – adotadas como referência foram os seguintes: versavam sobre professores iniciantes que atuavam nos anos iniciais (AI) e da área de Educação Física (EF); tratavam das conversas profissionais entre mentores e iniciantes; abordavam as aprendizagens profissionais dos iniciantes relacionadas às atividades de ensino.

Assim, ao todo, foram sistematizados os resultados de cinco dissertações e seis teses. A leitura dos trabalhos, em geral, foi orientada pela busca de elementos, evidências atinentes à construção de novos conhecimentos sobre o ensino pelas iniciantes relacionados aos processos de mentoria, que poderiam ser expressos em narrativas escritas pelas suas mentoras6ou pelo próprio iniciante. Foi necessário levar em conta os temas tratados nas iniciativas, as características dos programas, as limitações metodológicas das pesquisas realizadas e as contribuições convergentes dos diferentes estudos. Dados provenientes das trajetórias profissionais e formativas dos participantes, sobre o contexto de atuação dos iniciantes, bem como narrativas das interações entre mentora (M) – professor iniciante (PI) (aqui chamadas de díades M-PI) consistiram nas principais fontes de dados.

As narrativas selecionadas foram organizadas levando-se em conta o tema ou dimensão relativa ao ensino na atividade docente (Knowles; Cole; Presswood, 1994). Ao realizar essa etapa, iniciou-se o processo de “tradução conceitual” das diversas leituras a respeito do que os dados apontavam. Em seguida os resultados sistematizados para cada uma das dissertações e teses referentes aos programas foram combinados e dispostos em um quadro. As características indicadas no Quadro 1 tem como fundamento as bases teóricas adotadas para a proposição dos programas.

A partir da leitura analítica dos dados selecionados, foi possível agrupar as contribuições e aprendizagens comuns a todas as pesquisas utilizadas neste estudo, tendo como foco a dimensão do ensino. Três categorias emergiram dos dados: a) Mudanças nas concepções dos PIs; b) Construção/ampliação da base de conhecimento para o ensino; c) Potencialidades das ferramentas teórico-metodológicas adotadas para promover processos reflexivos. A primeira categoria refere-se às mudanças nas concepções dos PIs, abrangendo: i) concepções gerais sobre o ensino, a criança e a infância, a Educação Especial e sua importância, ii) concepções de conceituações específicas sobre as relações interpessoais. A segunda categoria engloba a construção/ampliação da base de conhecimento para o ensino, conforme Shulman (1987) com ênfase em: i) características de cada aluno e do grupo, considerando suas especificidades, ii) organização do trabalho pedagógico, particularmente o planejamento das atividades didáticas e a avaliação da aprendizagem dos alunos, que inclui conhecer uma diversidade de estratégias de ensino e articulá-las com as características dos estudantes, iii) ensino da Língua Portuguesa, alfabetização e letramento. A terceira categoria trata da promoção de processos reflexivos pelas mentoras com os PIs, como aspecto fundamental para a aprendizagem docente, indicando que as conversas profissionais registradas em formas de narrativas escritas são instrumentos profícuos para a promoção da reflexão.

Destaca-se que cada uma das teses e dissertações apresentaram especificidades à luz de seus objetivos quanto à forma de coleta e análise de dados, embora haja sobreposições quanto às ferramentas e aos processos analíticos adotados. As pesquisas apresentaram finalidades, contextos e participantes específicos e foram realizadas em períodos temporais diferentes. Mas todas foram conduzidas a partir de uma base teórica-metodológica comum e que, além de orientar as intervenções, também pautaram as suas análises. As pesquisas tomadas como referência no processo de análise foram codificadas com o nome do seu autor.

Na seção a seguir, apresentam-se a cronologia, as bases teórico-metodológicas e as características dos programas de mentoria examinados.

4. APRESENTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE MENTORIA ANALISADOS: CRONOLOGIA, BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E CARACTERÍSTICAS DAS INICIATIVAS DA UFSCar

Os programas de mentoria, em sua maioria, têm sido caracterizados por um conjunto de atividades formativas conduzidas por um professor mais experiente, após passar por processo formativo específico antes e durante a sua atuação como mentor. O mentor tem como propósito fundamental acompanhar professores em início de carreira em suas experiências profissionais ao longo de um período, apoiando, aconselhando, auxiliando, compartilhando seus conhecimentos com professores menos experientes. Esse acompanhamento visa promover no iniciante o crescimento profissional numa perspectiva educativa, isto é, tendo como foco o ensino e a socialização na comunidade escolar, considerando suas crenças, o contexto de atuação, a escola e a rede de ensino, as políticas educacionais (Wang; Odell, 2002). Vivenciar ou estar em um ambiente formativo que suporte, apoie e facilite o trabalho a ser realizado pode representar para o iniciante a diferença entre abandonar a carreira docente, ou apenas lidar, sobreviver e ampliar as possibilidades de se desenvolver profissionalmente (Marcelo; Vaillant, 2017).

Inúmeras abordagens na condução de programas de mentoria podem ser adotadas como, por exemplo: realizada numa perspectiva que busca promover uma inserção suave na carreira, a partir de apoios psicológicos e emocionais; centrados na escola, ao propor atividades relacionadas aos processos de desenvolvimento profissional considerando o contexto da escola do iniciante; no auxílio do mentor para a superação de dificuldades, via observação da prática, seminários e análises de casos (Migliorança, 2010).

Nos programas apresentados, adota-se uma perspectiva educativa na qual a mentoria busca contemplar o ensino e as dificuldades relacionadas à sua realização de maneira que os estudantes dos iniciantes aprendam. Entende-se que ensinar constitui atividade complexa e situada, isto é, dependente de diversas instâncias contextuais (pessoal, escolar, social, política) que conjuntamente afetam o trabalho profissional do professor e sua base de conhecimentos, forjando suas práticas (Strom; Martin; Villegas, 2018). Embora, em geral, as práticas pedagógicas sejam planejadas, direcionadas e intencionais, elas exigem ajustes no modo como são realizadas para atender aspectos relacionados aos alunos, à sua aprendizagem, à sala de aula, à escola, entre outros. Tudo isto demanda do professor uma base de conhecimentos que abarca o conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico geral e o conhecimento pedagógico do conteúdo (Shulman, 1987), além de outros relacionados aos alunos, ao currículo, às finalidades da educação, às concepções sobre diversos elementos envolvidos no ensino etc. Ademais, a atividade de ensino desenvolve-se a partir do processo de raciocínio pedagógico do professor, em que ele constrói maneiras de ensinar conhecimentos de forma que possam ser aprendidos plenamente pelos alunos, o que pode ampliar a sua base de conhecimentos para o ensino.

Não se pode ignorar o papel importante de interações entre pares e professores com experiências e repertórios distintos, pois, ao interagirem entre si, potencializam-se espaços de aprendizagem profissional por meio de interlocução, trocas, colaboração, trabalhos conjuntos e responsabilidade partilhada. O diálogo ou a conversa entre professores (cujo cunho é profissional) tem sido indicado como fonte relevante da aprendizagem profissional docente, em particular o ensino, ao considerar-se nesses casos que os interlocutores pertencem a gerações profissionais diferentes (Sarti, 2009; Timperley, 2015).

Toma-se como referência que as aprendizagens envolvidas em conversas profissionais entre pares com experiências distintas (mas pareados de tal modo que o mentor disponha de experiência docente no nível e na área de atuação dos iniciantes) assim como via outros processos formativos se articulam, são resultantes de vivências pessoais, escolares, profissionais; envolvem várias facetas (cognitivas, sociais, emocionais etc.) e ocorrem em tempos e locais também diversificados (Mizukami et al., 2010).

A reflexão sobre a prática é uma ferramenta poderosa de aprendizagem da docência. Trata-se de uma prática relacionada aos processos de ensino, desde o seu planejamento até, posteriormente, a prática realizada, que proporciona o exame dos propósitos, como foi desenvolvida e quais resultados foram obtidos. Para fomentá-la, torná-la sistemática e orientadora da atuação docente, ela tem sido adotada em ações de formação docente com os pares. Não é apenas um meio de aprender, mas uma forma de evitar um julgamento intuitivo sobre as experiências vivenciadas. Neste sentido, é mais do que uma simples técnica, ela possibilita atribuir significado à experiência e ao crescimento individual (Rodgers; La Boskey, 2016).

Na condução dos programas de mentoria da UFSCar, considerados nesta pesquisa, releva-se a importância do envolvimento de pesquisadores e professores. A maneira própria de “ver” e “agir” dos participantes relaciona-se com a sua cultura de pertença e marca as interações, negociações e implementação do processo de colaboração entre eles, podendo promover o desenvolvimento de novos conhecimentos e de sua compreensão (Mizukami et al., 2010), o crescimento profissional, enriquecimento mútuo dos diferentes atores e a relação teoria e prática (Zeichner, 2010).

Ressalta-se que, nas relações entre escola e universidade, pesquisa e formação, as práticas de mentoria promovidas devem se centrar nas necessidades, demandas formativas e atuação pedagógica dos PIs – contextualizadas em seu local de trabalho, sem obrigatoriamente ocorrer dentro da escola. Dessa forma, as atividades propostas podem ocorrer em outras instâncias, sejam elas físicas ou virtuais, sem que a escola deixe de ser o elemento fundamental. A interação mentor e docente iniciante, por meio da utilização de recursos virtuais, demonstra ser adequada e potente ao possibilitar a flexibilidade espaço- temporal (Vaughan; Garrison; Cleveland-Innes, 2013), bem como explorar o uso de narrativas escritas como ferramentas formativas (Oliveira, 2011), podendo proporcionar processos reflexivos sobre a docência a partir de conversas profissionais a respeito, por exemplo, da escola, da sala de aula, dos alunos, do ensino, da aprendizagem em espaços diversos (Timperley, 2015).

A partir desses princípios gerais, foram desenvolvidos quatro programas de mentoria na UFSCar que são a seguir apresentados (Quatro 1). Conforme indicado no quadro, essas iniciativas apresentam um elemento comum ao buscar atender as demandas formativas específicas ora indicadas pelos iniciantes, ora identificadas pelas próprias mentoras.

Na composição dos diversos programas, essa característica resultou na construção de um currículo aberto, no qual os objetivos e conteúdos são definidos caso a caso, tendo em vista as demandas formativas manifestas pelos iniciantes e em negociação em cada díade (mentor-PI). As práticas de mentoria conduzidas pelas mentoras são compreendidas como processos de ações intencionais – derivadas de processos contínuos de interpretação e de tomada de decisão – voltadas para a aprendizagem profissional da docência e dirigidas às demandas dos PIs acompanhados. O caráter individualizado desses processos resulta em diferentes trajetórias de mentoria, com tempos, conteúdos e práticas específicas nas conversas profissionais entre mentor-PI.

Quadro 1 Características dos programas de mentoria 

Características Programa de
Mentoria de
Educação Física
(PMEF)
2002
Programa de
mentoria online
(PMO) 7,8
2004-2007
Programa de
Formação Online
de Mentores
(PFOM)9
2012-2016
Programa Híbrido
de Mentoria
(PHM)10
2017-2021
Público-alvo Professores iniciantes de Educação Física Professores iniciantes atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Professores iniciantes atuantes na Educação Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Professores iniciantes atuantes na Educação Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental ou na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Perfil do mentor Pesquisadora- docente da Licenciatura em Educação Física de uma IES pública. Professores experientes com mais de 20 anos de práticas de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental e outros cargos educacionais e profissionais aposentados. Professores na ativa da Educação Infantil e dos anos iniciais, gestores, coordenadores- pedagógicos e supervisores de ensino, com mais de dez anos de prática profissional. Professores na ativa da Educação Infantil, dos anos iniciais e da EJA com mais de dez anos de prática profissional.
Número de mentores 01 10 32 14 (2017~2018)
08 (2019~2020)
Perfil do professor iniciante Professores iniciantes de Educação Física Professores iniciantes atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental com menos de cinco anos de experiência docente. Professores iniciantes atuantes na Educação Infantil e nos anos iniciais com menos de cinco anos de experiência docente considerando o nível atual de ensino. Professores iniciantes atuantes na Educação Infantil, nos anos iniciais e na EJA com menos de cinco anos de experiência docente considerando o nível atual de ensino.
Número de professores iniciantes 02 52 37 80
Método do programa formativo dos mentores - Face a face Online Híbrido (pré- pandemia da Covid-19)
Online (durante a pandemia da Covid-19).
Utilização de recursos como WhatsApp; vídeo e áudio.
Método do programa de mentoria (acompanhament o dos iniciantes) Face a face Online Face a face Híbrido (pré- pandemia da Covid-19).
Online (durante a pandemia da Covid-19).
Utilização de recursos como WhatsApp, vídeo e áudio.
Relação mentor- professor iniciante Tríade (um mentor para dois iniciantes) Díades (um mentor para um iniciante) Díades e tríades Díades, tríades e grupos (um mentor para três iniciantes; dois mentores e dois ou mais iniciantes do mesmo nível de ensino).
Modelo de mentoria Educativo Educativo Educativo Educativo e durante a pandemia também com apoio emocional.
Currículo da mentoria Aberto Aberto Aberto com etapas preestabelecidas Aberto com algumas atividades pré- estabelecidas (memorial de formação, descrição dos contextos escolares, de classe e dos alunos).
Práticas de mentoria e ferramentas formativas (exemplos) Inquérito; sugestão; reflexão; apoio; indicação de artigos seguido de discussões; feedbacks escritos. Inquérito; sugestão; reflexão; apoio; indicação de artigos para leitura do iniciante seguido de discussões; feedbacks escritos. Observação das práticas dos iniciantes; orientação direta; ensaio; inquérito; conversas face a face; feedbacks orais. Inquérito; sugestão; reflexão; apoio; áudio e feedbacks escritos; exemplos de prática (com base na experiência do mentor ou de outro docente); conversas via WhatsApp e observação online; orientação direta.
Trajetórias de mentoria Foco nas demandas formativas manifestas pelos iniciantes e negociação entre mentor e mentorado. Foco nas demandas formativas manifestas pelos iniciantes e negociação entre mentor e mentorado. Foco nas demandas formativas manifestas pelos iniciantes e negociação entre mentor e mentorado. Foco nas demandas formativas manifestas pelos iniciantes e negociação entre mentor e mentorado.
Duração do processo de mentoria 14 meses 9-22 meses 4-6 meses 6-8 meses
Dedicação semanal do iniciante 4 horas 4 horas 4 horas 4 horas
Dedicação semanal do mentor 8 horas 8 horas 8 horas 8 horas
Suporte financeiro ao mentor Não Sim Não Sim

Fonte: as autoras.

Considerando as características específicas de cada iniciativa, o atendimento de PIs atuantes em níveis diversificados de ensino, o tempo de duração e modalidades envolvidas nos programas realizados, evidenciou-se, no geral, a minimização de várias dificuldades relativas à atuação profissional numa instituição de ensino, como também ao ensinar, foco deste artigo.

5 CONTRIBUIÇÕES DOS PROGRAMAS DE MENTORIA DA UFSCar PARA MINIMIZAR AS DIFICULDADES E A APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DE PROFESSORES INICIANTES – UMA SISTEMATIZAÇÃO SOBRE O ENSINAR

Na dimensão da atuação docente relacionada ao ensinar, evidenciou-se que dificuldades, dilemas e angústias derivados das experiências nos primeiros tempos de atuação profissional, apresentados pelos iniciantes participantes dos programas, mostraram-se, em grande parte, similares aos indicados por Lima (2004), Guarnieri e Giovanni (2014) e Almeida et al. (2020). Em alguns casos, essas dificuldades foram associadas à formação inicial, indicando preparo insuficiente para lidar com algumas demandas da sala de aula, embora se reconheça a limitação dos processos promovidos neste nível de ensino.

Identificou-se que os processos de mentoria abordaram sistematicamente aspectos relacionados ao ensinar, oportunizando o seu aprimoramento. Salienta-se que, em várias circunstâncias, esses aspectos mostram-se inter-relacionados, apontando que a alteração em um pode acarretar a mudança de outro. Tais mudanças nas compreensões conceituais e práticas foram impulsionadas pelo envolvimento das iniciantes em processos reflexivos, caracterizados como um modo de pensar sistemático, rigoroso e com raízes na inquirição científica, sendo fundamental que ocorra na interação com o outro (Rodgers; La Boskey, 2016).

No Quadro 2 indica(m)-se a(s) pesquisa(s) considerada(s) para cada um dos programas realizados.

Quadro 2 Dissertações e teses sobre os Programas de Mentoria da UFSCar que abordaram aspectos sobre o ensino nos anos iniciais e na área de Educação Física 

Programa Pesquisa
Programa de Mentoria de Educação Física (PMEF) FERREIRA, Lilian Aparecida. Apoiando professores iniciantes: análise de um Programa de Mentoria. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005.
Programa de mentoria
online (PMO)
BUENO, Adriana Helena. Contribuições do Programa de Mentoria do Portal dos Professores – UFSCar, autoestudo de uma professora iniciante. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós- Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008.
MIGLIORANÇA, Fernanda. Programa de Mentoria da UFSCar e desenvolvimento profissional de três professoras iniciantes. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.
PIERI, Glaceie dos Santos. Experiências de Ensino e Aprendizagem: estratégias para a formação online de professores iniciantes no Programa de Mentoria da UFSCar, Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.
MASSETTO, Débora Cristina. Formação de Professores Iniciantes: o Programa de Mentoria Online da UFSCar em foco, Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.
MASSETTO, Débora Cristina. Aprendizagem no programa de Formação Online de Mentores: experiências emocionais de professoras experientes, Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.
Programa de Formação
Online de Mentores (PFOM)
MALHEIRO, Cícera. Mapeamento das Necessidades Formativas do Formador de Professores Atuante no Programa de Formação Online de Mentores. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2017.
  GOBATTO, Paula. Programa de Formação Online de Mentores da UFSCar: contribuições para o desenvolvimento profissional de professores iniciantes participantes. Tese (Doutorado em Educação)
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.
Programa Híbrido de Mentoria (PHM) BARROS, Janailza Moura de Sousa. Contribuições do Programa Híbrido de Mentoria (PHM) para o desenvolvimento profissional de professoras iniciantes. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.
PINHEIRO, Tarciana dos Santos.Elementosdaconstituiçãoda identidade docente de professoras iniciantes da educação infantil e do ensino fundamental – anos iniciais. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.
CESÁRIO, Priscila Menarin. Programa Híbrido de Mentoria: contribuições para a aprendizagem da docência de professoras iniciantes. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós- Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021.

Fonte: as autoras.

Os aspectos que se destacaram nas diversas pesquisas indicadas são apresentados a seguir, organizados em três categorias: a) Mudanças nas concepções dos PIs; b) Construção/ampliação da base de conhecimento para o ensino; c) Potencialidades das ferramentas teórico-metodológicas adotadas para a promoção de processos reflexivos.

5.1 Mudanças nas concepções dos PIs

O primeiro aspecto refere-se às alterações nas concepções gerais dos iniciantes relativas: ao ensino (Bueno, 2008; Pieri, 2010), à criança e infância, à Educação Especial e sua importância, neste caso implicando na relevância e no desenvolvimento de um olhar mais atento para questões relacionadas ao seu público (Pinheiro, 2020). Ao considerar que o ato de ensinar sofreu alterações após a revisão conceitual, infere-se a sua relevância como fator para a mudança de práticas dos PIs. Um exemplo é relatado por Ferreira (2005, p. 108), ao trazer o ponto de vista de uma iniciante acompanhada: “A EF vai além dos esportes ao envolverem em suas aulas conteúdos como história do esporte, conhecimento do corpo humano, valorização da construção de habilidades motoras diversificadas, construção de jogos e brincadeiras, o trabalho com pesquisas”.

Foram ainda evidenciadas mudanças conceituais específicas relativas às interações interpessoais na classe. Um exemplo é o uso de punições e castigos, fator que impacta a interação adequada com as crianças, o controle da turma e a indisciplina. Em Ferreira (2005), uma das professoras indicou que fazia uso de estratégias de punição com os alunos e que, ao longo da mentoria, mudou sua percepção sobre essa prática, tornando sua interação com os estudantes menos autoritária. Bueno (2008, p. 39) também cita uma aprendizagem relevante sobre as repreensões: “O castigo afasta o aluno de mim [...] Vou prestar mais atenção nele, quem sabe não seja mesmo a criança que mais precisa de atenção na sala. Eu era incompetente, pois era recém-contratada e tinha muito medo de ser dispensada [ao não controlar a indisciplina dos alunos]”.

As mudanças nas concepções são refletidas nas formas como os PIs passaram a conduzir as relações interpessoais, como falar baixo, com educação e tranquilidade (Migliorança, 2010); evitar conflitos entre os alunos e/ou ensiná-los a resolver esses conflitos por meio do estabelecimento de diálogo, compreensão e empatia com os colegas (Pinheiro, 2020); buscar alternativas para controlar a indisciplina da turma (Pieri, 2010; Massetto, 2018; Gobatto, 2020); atribuir tarefas e oferecer atividades interessantes para prender a atenção dos alunos e diminuir a indisciplina (Massetto, 2018); aprender a ser respeitada pelos estudantes. Em alguns desses casos, observou-se que a definição do tempo, o estabelecimento de rotinas e seu uso para realização das atividades foram apontados como aprendizagens relevantes (Bueno, 2008; Pinheiro, 2020).

5.2 Construção/ampliação da base de conhecimento para o ensino

Tendo como objeto de análise a dimensão relacionada ao ensinar no início da atuação docente, a complexidade revelada sobre esta atividade nos estudos apresentados expõe um conjunto de conhecimentos necessários para garantir a aprendizagem dos alunos que vão além de um rol de conteúdos e técnicas de ensino. Primordialmente, é fundamental que cada professor em sala de aula “veja” seu grupo de alunos, considerando cada estudante em sua singularidade, suas potencialidades e demandas.

Assim, conhecer cada aluno e o grupo em suas especificidades mostrou-se relevante tanto nas ações pedagógicas propostas quanto nas interações estabelecidas dos estudantes com os iniciantes, demonstrando ser essencial para que a aprendizagem deles possa ser fomentada. As mudanças estiveram relacionadas à necessidade dos PIs em ampliar sua compreensão sobre as características e respostas individuais de cada aluno às suas práticas; observar detalhada e continuamente o comportamento, o modo de pensar e como cada um se posiciona no contexto de sala de aula e escola; conversar com os alunos para saber sobre o que gostam, o que se interessam e o que já sabem; motivando-os, propondo novas formas de atuar e ensinar, oferecendo novas experiências de aprendizagem para seus alunos, analisando em conjunto com as mentoras as respostas dessas iniciativas. Nesses processos, os principiantes perceberam os diferentes ritmos de aprendizagem; motivações, particularidades, potencialidades e conhecimentos prévios dos alunos.

Os aspectos mais recorrentes em relação a esse tipo de conhecimento (sobre os alunos) que apareceram nas pesquisas são: suas características (Ferreira, 2005); identificação de diferenças individuais (Bueno, 2008); reconhecimento de suas necessidades e dificuldades (Malheiro, 2017); percepção do que pensam (Pieri, 2010); valorização de seu potencial, aprendizagens e progressos (Pieri, 2010; Massetto, 2014); percepção de seus interesses e motivações (Migliorança, 2010). Esses aspectos apontam para a relevância de se “ver” cada um dos alunos em sua singularidade (Pieri, 2010), compreender a importância de sua participação ativa no processo de aprendizagem e no estabelecimento de situações favoráveis para que isso ocorra (Migliorança, 2010). Como exemplo, Malheiro (2017, p. 152) apresenta a posição de uma iniciante que sumariza essa mudança de percepção: “Aprendi que preciso [...] de tempo para compreender a criança que, muitas vezes, nos dá os sinais e as respostas para solucionar ou minimizar os problemas/conflitos, ansiedades”.

Partindo da identificação das demandas e dificuldades dos alunos por meio das avaliações diagnósticas, o docente é capaz de elaborar um planejamento que atenda às necessidades dos estudantes e atinja os objetivos pedagógicos estabelecidos. Referente a isso, os iniciantes relataram ter desenvolvido conhecimentos sobre organização do trabalho, planejamento das atividades didáticas e avaliação da aprendizagem dos alunos (Pinheiro, 2020; Barros, 2020; Cesário, 2021). A construção desses conhecimentos se deu ao longo da mentoria como também por modelos e exemplos de seus pares mais experientes (mentoras). Sobre isso, Cesário (2021) relata que os iniciantes avaliam ter superado as suas dificuldades ao terem conseguido cumprir as atividades planejadas, delinear as tarefas da semana seguinte, além de terem compartilhado um planejamento com menor quantidade de conteúdos, mas com atividades essenciais. Em outro caso, o trabalho desenvolvido na mentoria com relação ao planejamento contribuiu de forma que um principiante elaborasse um plano de aula interdisciplinar envolvendo matérias diversificadas.

A ampliação do conhecimento sobre os alunos favoreceu a construção de estratégias de ensino que possibilitaram levar em conta diferentes aspectos relacionados aos estudantes, como: os interesses, tendo sido indicada a importância de se considerar tanto as características quanto as dificuldades de cada estudante para o desenvolvimento de uma prática docente efetiva; a faixa etária; as aprendizagens; os contextos de vida; e as necessidades de cada um, em especial aqueles que apresentavam alguma dificuldade (Ferreira, 2005; Bueno, 2008; Malheiro, 2017; Massetto, 2018; Migliorança, 2010; Gobatto, 2020; Pinheiro, 2020; Barros, 2020). Essas informações oportunizaram aos PIs a definição de novas estratégias e uso de métodos de ensino que fossem não apenas adequados aos alunos como também atrativos para eles. Em Cesário (2021, p. 245), as repercussões da aplicação desse tipo de conhecimento são apontadas no comentário de um novato sobre o desenvolvimento de uma “experiência bem-sucedida ao dar uma aula contextualizando os conteúdos trabalhados com o filme preferido da turma” e em “conseguir lidar com o comportamento inadequado dos alunos”.

Um exemplo relacionado a este aspecto é o do uso de estratégias específicas como os agrupamentos produtivos para o ensino de determinados conteúdos. Vários exemplos são apresentados nas pesquisas sobre a importância do trabalho colaborativo entre os estudantes, de forma tanto auxiliar à organização do trabalho pedagógico como também na promoção de aprendizagens dos próprios alunos (Pieri, 2010; Massetto, 2018; Cesário, 2021; Malheiro, 2017; Gobatto, 2020; Barros, 2020). Evidencia-se que alguns dos iniciantes não apresentavam a compreensão de como essa estratégia poderia ser realizada, isto é, muitas organizavam o agrupamento de forma aleatória, intuitiva, seja por sexo ou outros critérios (Massetto, 2018). A partir da orientação das mentoras, os mentorados passaram a organizar os alunos em cada agrupamento de acordo com suas aprendizagens e a partir das exigências da atividade proposta (Pieri, 2010; Malheiro, 2017; Massetto, 2018; Gobatto, 2020; Cesário, 2021).

No que cabe ao ensino da Língua Portuguesa, ao longo da mentoria, alguns iniciantes reconheceram suas próprias dificuldades em relação à proposição de atividades de produção textual (Cesário, 2021, p. 236): “[A PI] relata ter identificado onde estavam suas falhas ao propor uma atividade de produção textual para seus alunos”. Diante das demandas apresentadas pelos iniciantes, as mentoras promoveram ações que visaram ao desenvolvimento de conhecimentos relativos ao aprimoramento das práticas de produção textual, leitura e interpretação (Bueno, 2008; Massetto, 2018; Cesário, 2021) e utilização de ferramentas pedagógicas, como o uso do alfabeto móvel (Pieri, 2010). Essas ações parecem ter contribuído para o processo de aprendizagem dos alunos dos PIs, já que apontaram ampliação do vocabulário e desenvolvimento de hábitos de leitura a partir da proposição de atividades (Cesário, 2021).

Especificamente sobre as estratégias voltadas para alfabetização e letramento, uma das iniciantes participante relata ter percebido a importância de se promover produções textuais espontâneas e coletivas com os alunos, com a finalidade de que eles pudessem assimilar a estrutura de um texto (Pieri, 2010). Uma outra iniciante utilizou a correção coletiva de textos de maneira pedagógica para a identificação das necessidades dos alunos e do aprimoramento da produção dos textos (Cesário, 2021).

5.3 Potencialidades das ferramentas teórico-metodológicas adotadas para a promoção de processos reflexivos

Observou-se que as formas de interação nas díades – para além de constituir-se como uma conversa profissional – englobam a promoção de processos reflexivos promovidos pelas mentoras. Os iniciantes indicam que analisar criticamente seu trabalho possibilita buscar formas para aprimorá-lo e promover as aprendizagens pretendidas em seus alunos (Bueno, 2008; Migliorança, 2010; Massetto, 2014; Cesário, 2021). Essas análises críticas sobre o trabalho docente permitem e promovem mudanças de concepções e a construção/ampliação da base de conhecimento para o ensino.

De maneira geral, Pinheiro (2020) destaca que os PIs reconhecem a importância do processo reflexivo atrelado a atuação docente, percebendo a sua necessidade de ampliação de repertório e o desenvolvimento de maior clareza sobre a pertinência das atividades que oferecidas aos estudantes num processo autoavaliativo. Ferreira (2005), Pieri (2010) e Migliorança (2010) apontam que os iniciantes relatam sentir maior clareza e segurança na seleção e definição de conteúdos a serem ensinados, bem como no estabelecimento de objetivos e na avaliação deles após os processos reflexivos em conjunto com as mentotras.

Os registros em diários e em outros tipos de narrativas, como cartas, relatos, diários e planejamentos, evidenciam que, nos programas de mentoria analisados, o envolvimento em processos reflexivos se constituiu como um mecanismo formal de promoção de aprendizagens por meio de ações de mentoria mais construtivas e inquiritivas, em especial na proposição de tarefas que possibilitaram aos iniciantes pensar sobre suas ações e as dos alunos, questionar, propor e testar estratégias de ensino, acompanhadas de feedbacks apresentados pelas mentoras. A reflexão se configurou como recurso intelectual utilizado pelos próprios iniciantes em suas práticas, certamente relacionado ao seu raciocínio pedagógico (Shulman, 1987), evidenciando a mobilização dos docentes ao serem confrontados com o desafio de ensinar determinados conteúdos a alunos particulares, em contextos específicos, possibilitando a construção de quadros de referência para a prática (Ferreira, 2005; Migliorança, 2010; Malheiro, 2017; Massetto, 2018; Gobatto, 2020; Cesário, 2021).

6. CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS

Ao longo do desenvolvimento das quatro ofertas e sua investigação, os dados sugerem que as opções teórico-metodológicas foram consistentemente relacionadas aos desdobramentos vinculados à aprendizagem da docência dos iniciantes, assim como das mentoras. Seguem alguns comentários sobre essas opções teórico-metodológicas:

  • Consideração da aprendizagem da docência como processo contínuo, que demanda algumas condições para que possa ocorrer, como a existência de um espaço seguro, não avaliativo, para colocação de dúvidas, dilemas, dificuldades e a possibilidade de uma interlocução qualificada, como a promovida por meio das conversas profissionais entre iniciantes e mentoras (Mizukami et al., 2010; Timperley, 2015);

  • Foco nas práticas de ensino ao possibilitar a orientação e apoio aos iniciantes, na atividade – o ensinar – na qual é necessário que contem com uma base de conhecimentos. Isso para que possam atender as diferentes características de seus alunos bem como o que é delineado no currículo da escola. Esse tipo de conhecimento nem sempre é contemplado na formação inicial (Marcelo, 2011; Shulman, 1987; Gatti et al., 2019);

  • Consideração nas dificuldades dos iniciantes como ponto de partida para o desenvolvimento dos processos de mentoria ao compreenderem-se as características do início da atividade docente e do alcance restrito da formação inicial (Mizukami; Reali, 2019). Mostrou-se relevante que os processos de mentoria tenham duração suficiente para o estabelecimento de vínculos de confiança recíprocos e a oportunidade de acompanhamento da sazonalidade das rotinas escolares;

  • Conversas profissionais mostraram-se profícuas ao possibilitar a interlocução intencional entre iniciantes e professores com amplo conhecimento profissional e sensível em colaborar em suas demandas (Sarti, 2009; Timperley, 2015; Mizukami; Reali, 2019). Evidenciou-se que a composição de cada díade demanda arranjos em que a experiência prévia do mentor contemple as demandas do iniciante, assim como o estabelecimento de uma relação empática e compreensiva;

  • Estimulação de processos reflexivos, por diferentes meios. Indicou a sua importância nos processos de mentoria promovidos pelas mentores ao possibilitar a inquirição e a apresentação de uma postura proativa e crítica dos iniciantes na direção de maior autonomia docente (Rodgers; La Boskey, 2016);

  • Promoção da relação teoria e prática, representada nos programas pela relação universidade-escola com caráter colaborativo. Mostrou-se positivo não apenas para os participantes dos programas ao se desenvolverem profissionalmente, mas igualmente para as pesquisadoras, ao terem oportunidade de aprofundar seus conhecimentos acadêmicos que repercutiram tanto nos processos de formação inicial e continuada por elas promovido (Mizukami et al., 2010; Zeichner, 2010);

  • Realização de processos de formação docente online com diferentes recursos permite o atendimento de professores de diferentes tempos e localidades e a representação dos conteúdos tratados de modo diversificado ao se utilizar os recursos virtuais, sem prejuízo das presenças docente, social, cognitiva (Vaughan; Garrison; Cleveland- Innes, 2013);

  • A adoção de registros escritos com ênfase em narrativas formativas, além de possibilitar a anotação de experiências, provoca a possibilidade de um exame crítico distanciado temporalmente dos eventos narrados pelos iniciantes ou mediados pelos mentores (Oliveira, 2011). “Ser capaz” de buscar, construir, desenvolver e analisar suas ações pedagógicas levando em conta o contexto da sala de aula, a proposta pedagógica da escola e políticas educacionais mostra-se importante. Percebeu-se que todos esses aspectos repercutem positivamente na intencionalidade do ensino realizado e na promoção de desenvolvimento profissional dos iniciantes (Rodgers; La Boskey, 2016) participantes dos programas de mentoria considerados, desde que condições favoráveis sejam apresentadas.

É importante reiterar que alguns desafios foram vivenciados ao longo das ofertas e da pesquisa dos programas de mentoria examinados, quais sejam:

  • A participação voluntária dos iniciantes, sem vínculo ou compromisso formal da escola dos PIs com os programas, fazia com que, via de regra, a adesão às iniciativas fosse individual da parte de cada PI, fato que pode prejudicar sua participação, dada a ausência de apoio e destinação de tempo para realizar as atividades propostas pelo programa;

  • Ser professor com muitos anos de carreira e apresentar experiências diversificadas não garante a atuação adequada como mentor; fatores como: desinteresse para auxiliar professores em início da carreira; incompreensão das demandas dos PIs; ausência de domínio dos conteúdos abordados; e postura distanciada dos PIs acompanhados parecem interferir negativamente na atuação do mentor. Este professor deve ser formado para atuar como formador/mentor e contar com um grupo de apoio e sustentação ao longo do desenvolvimento dos processos de mentoria, pois não se trata de uma atuação isenta de dificuldades e contradições;

  • A expressão escrita das experiências para serem compreendidas pelos participantes das díades (M-PI) demanda, muitas vezes, esclarecimentos, apresentação de detalhes e análises que prolongaram as discussões em torno de um mesmo tema, ao mesmo tempo em que novos temas demandam ser tratados;

  • A possibilidade de uso de muitas ferramentas virtuais num mesmo processo de mentoria que comportam a troca de informações (diários, fóruns, tarefas, WhatsApp, chamadas de vídeo, por exemplo), com frequência, dificultaram a percepção da totalidade do processo interativo entre mentoras e PIs. Para a sua compreensão, fez- se necessária a coleta de informações numa linha do tempo com as diferentes etapas das conversas profissionais realizadas;

  • Os modelos adotados para o desenvolvimento das diferentes ofertas dos programas de mentoria, em geral, mostram-se diversos dos processos usuais de formação continuada, de um lado, ao buscar atender as demandas específicas de cada um dos PIs. Tal característica resulta numa duração mais prolongada (de um a três anos) e envolvimento semanal de três a quatro horas, no caso dos PI, e ao menos oito, no das mentoras. Muitos participantes ou não se adaptam ao modelo ou não conseguem acompanhar as atividades propostas em função de outros compromissos e questões pessoais. Isso ocorreu em especial com os PIs, o que resultou na sua evasão.

7. PALAVRAS FINAIS

A realização de pesquisas sobre os temas tratados ao longo dos últimos 20 anos tem suscitado a busca de novos conhecimentos sobre a aprendizagem da docência, o início da carreira, professores experientes, uso de recursos virtuais na interação com professores, que de certo modo foram apresentados nesta exposição. Todavia este conjunto de temas configura-se como amplo e complexo, demandando ainda muitas outras investigações sobre: as características de práticas de mentoria; as repercussões da mentoria na trajetória dos iniciantes e dos mentores após o encerramento de sua participação no programa; a validação de uma proposta pedagógica para a mentoria; definição das especificidades para a formação de um mentor e sua base de conhecimento; entre outros.

Para problematizar brevemente uma discussão sobre a elaboração informada de políticas públicas de indução docente nos diversos contextos brasileiros, recorre-se como referência Frasson (2020), ao indicar os elementos que devem estar presentes na proposição de programas de indução e mentoria. Os aspectos pressupõem que cada política vai estar submetida a enquadramentos e circunstâncias particulares no delineamento, na implementação e no desenvolvimento de qualquer política dirigida aos que iniciam a atividade docente. Entretanto essas iniciativas devem fazer parte de uma política de formação docente continuada mais ampla com a proposição de ações formativas informadas, contundentes, sistemáticas e contínuas na qualificação educacional dos professores, na sua formação inicial e ao longo da carreira, em especial em seu início.

Nesse sentido, advogamos que o desenho de políticas comporte perspectivas de atendimento mais individualizado, considerando nível de ensino, área de atuação, características do contexto de atuação e demandas mais específicas dos professores envolvidos, evitando medidas padronizadas e de “cima para baixo”. É relevante considerar a participação e saberes dos docentes na elaboração dos propósitos, ferramentas metodológicas e outras características o que implica o engajamento colaborativo de diversas instituições como a relação universidade-escola.

A partir das experiências descritas anteriormente, compreende-se ser imprescindível que os professores – tanto os iniciantes quanto os mentores – disponham de tempo e espaço para que possam participar de iniciativas que possuam as características apontadas neste estudo, com foco no contínuo de seu desenvolvimento profissional. No caso específico dos mentores é fundamental que sejam selecionados e pareados com os iniciantes acompanhados com base na sua experiencia profissional e área de atuação, participem de formação prévia e de um espaço coletivo para o seu acompanhamento.

5Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

6Utiliza-se o feminino mentora para dar visibilidade aos dados sobre a quase totalidade de participantes mulheres no caso dos Programas de Mentoria da UFSCar.

7CNPq-Chamada Universal

8FAPESP-Ensino Público

9CNPq-Chamada Universal

10FAPESP- Ensino Público

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Recebido: 25 de Outubro de 2022; Aceito: 05 de Setembro de 2023; Publicado: 11 de Outubro de 2023

Revisão gramatical realizada por: Daniela Silva Guanais Costa

E-mail: daniela-guanaes@hotmail.com

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