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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.17 no.3 São Paulo jul./set 2019  Epub 28-Out-2019

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2019v17i3p933-962 

Dossiê Temático: Em busca da justiça curricular: as possibilidades do currículo escolar na construção da justiça social

TEIP NO ESPELHO: UMA POLÍTICA PORTUGUESA PARA PROMOÇÃO DO SUCESSO ESCOLAR FUNDADA NA JUSTIÇA SOCIAL

TEIP IN THE MIRROR: THE PORTUGUESE POLICY FOR THE PROMOTION OF SCHOOL SUCCESS ORIENTED TO SOCIAL JUSTICE

TEIP EN EL ESPEJO: POLÍTICA PORTUGUESA PARA LA PROMOCIÓN DEL ÉXITO ESCOLAR BASADO EN LA JUSTICIA SOCIAL

Rosangela FRITSCHi 

Carlinda LEITEii 

i Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Professora titular nos Programas de Pós-Graduação em Educação (Acadêmico) e Gestão Educacional (Profissional). Pesquisadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Gestão Educacional/Escolar. E-mail: rosangelaf@unisinos.br

ii Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal. Professora emérita e pesquisadora no Centro de Investigação e Intervenção Educativas na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. E-mail: carlinda@fpce.up.pt


RESUMO

Este artigo analisa efeitos da Política Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), em curso em Portugal, como medida de promoção da aprendizagem e do sucesso escolar, a partir da caracterização do quadro político em que ocorre e de percepções de professores dos ensinos básico e superior, envolvidos nesta política. Metodologicamente, o estudo segue uma orientação qualitativa que utilizou documentos legais e entrevistas reflexivas com três professoras gestoras de Agrupamentos de Escolas da Região Metropolitana do Porto e três professoras do ensino superior da área da educação e com intervenção ativa nas políticas de gestão curricular e no programa TEIP. Os resultados indicam que os TEIP são uma política de discriminação positiva que se alinha, em seus princípios e propósitos, com os conceitos de justiça social e curricular e tem promovido, no contexto de escolas/agrupamentos de escolas, movimentos de mudança e mais-valias nos modos de pensar e atuar de professores e diretores. As melhorias no sucesso escolar têm acontecido gradativamente e convivem com limites que extrapolam o âmbito escolar. Nestas, identificam-se, no entanto, tensões entre a dimensão do cuidar, proteger, promover o desenvolvimento pessoal e social e promover o sucesso escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Portugal; TEIP; Justiça social; Justiça curricular; Política educativa

ABSTRACT

The article analyzes the effects of the Territorial Educational Priority Intervention Policy (TEIP) in Portugal, as a measure intending to promote learning and school success, based on the characterization of the political framework and perceptions of teachers of basic and higher education, involved in this policy. Methodologically, the study follows a qualitative orientation that used legal documents and reflective interviews with three management teachers of the Metropolitan Region of Oporto school clusters and three higher education teachers in the education area with active intervention in curriculum management policies and in the TEIP program. It is possible to conclude that the TEIP is a policy of positive discrimination aligning, in its principles and purposes, with the concepts of social and curricular justice. In the context of schools / school clusters, it is promoting changes and capital gains in the ways teachers and principals think and act. The improvements in school success have been happening gradually and coexist with limits that go beyond school. In these, however, tensions are identified between the dimension of caring, protecting, promoting personal and social development and promoting school success.

KEYWORDS: Portugal; TEIP; Social justice; Curricular justice; Educational policy

RESUMEN

El artículo analiza los efectos de la Política de Intervención de Prioridad Educativa Territorial (TEIP) en Portugal, como una medida para promover el aprendizaje y el éxito escolar, basado en la caracterización del marco político y las percepciones de los docentes de educación básica y superior involucrados en esta política. Metodológicamente, el estudio sigue una orientación cualitativa que utilizó documentos legales y entrevistas reflexivas con tres maestros directivos de centros escolares de la Región Metropolitana de Porto e docentes de educación superior con intervención activa en estudios curriculares y en el programa TEIP. Como resultado, se concluye que el TEIP es una política de discriminación positiva que, en sus principios y propósitos, se alinea con los conceptos de justicia social y curricular y, en el contexto de las escuelas/ agrupaciones de escuelas, promovió el movimiento de cambio y en las formas de pensar de profesores y directores. Las mejoras en el éxito escolar han estado ocurriendo gradualmente y coexisten con límites que van más allá de la escuela. En estos, sin embargo, se identifican tensiones entre la dimensión de cuidar, proteger, promover el desarrollo personal y social y promover el éxito escolar.

PALAVRAS CLAVE: Portugal; TEIP; Justicia social; Justicia curricular; Política educativa

1 INTRODUÇÃO

Em Portugal, a última metade da década de 1990 foi marcada pela transição de um governo social-democrata para um governo socialista. Nesse período de governança socialista (1995-1999 e 1999-2002), a Educação foi assumida como a grande bandeira para a promoção de uma sociedade mais justa. A matriz axiológica em que assentou essa política educativa, preconizada na Reforma Educativa de 1989 (Decreto-Lei n.º 286, de 29 de agosto de 1989), orientou-se pelos seguintes princípios: educação para todos e com todos; qualidade e equidade na educação; responsabilidade dos vários agentes educativos pela educação das crianças e dos jovens presentes nos espaços escolares; participação coletiva nas decisões educacionais; negociação de opções e processos educativos; humanização da escola; e democratização das oportunidades educativas (Leite, 2002a; Fernandes, 2006).

Foi no quadro desses princípios que se justificou a política educativa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), publicada em 1996, pelo Despacho n.º 147-B/ME, de 01 de agosto de 1996, com o objetivo de promover o sucesso escolar e a inclusão de populações marcadas por problemas econômicos e sociais, e que se recorreu a uma estratégia de discriminação positiva para garantir o cumprimento da escolaridade obrigatória e evitar a exclusão escolar e social de populações de maior vulnerabilidade social. Essa política, inicialmente inspirada nas Zonas de Intervenção Prioritária (ZAP) francesas, no primeiro ano de sua concretização (1996/97), possibilitou que escolas de diferentes níveis da educação básica se associassem constituindo TEIP para melhorar o ambiente educativo e a qualidade das aprendizagens dos alunos, assim como para proporcionar uma visão integrada e articulada da escolaridade obrigatória, favorecida pela aproximação dos vários ciclos do ensino básico.

Ao mesmo tempo, a medida também objetivava criar condições para favorecer a ligação entre escola e vida ativa e promover a progressiva coordenação das políticas educativas e a articulação de vivências das escolas de determinada área geográfica com as comunidades em que se inserem (Despacho n.º 147-B/ME, de 01 de agosto de 1996). Essa experiência de associação entre escolas de uma mesma zona geográfica e com populações escolares com problemas idênticos foi se mantendo e proporcionando projetos educativos orientados para intervenções nesses espaços.

Em 2008, com a mudança política introduzida pelo XVII Governo Constitucional, o Programa foi redefinido e denominado TEIP2 pelo Despacho n.º 55, de 18 de março de 2008, que visou estimular a apropriação, por parte das comunidades educativas mais atingidas pelos referidos problemas escolares, de instrumentos e recursos que lhes possibilitem congregar esforços tendentes à criação nas escolas e nos territórios envolventes de condições geradoras de sucesso escolar e educativo dos alunos. Alinhada ao reconhecimento de que as políticas precisam ser avaliadas para que possam melhorar, essa medida, após avaliação, foi alterada em 2012. Nesse ano, dando sequência aos Programas TEIP1 (Despacho n.º 147-B/ME, de 01 de agosto de 1996) e TEIP2 (Despacho n.º 55, de 18 de março de 2008), o governo português criou um terceiro programa, o TEIP3 (Despacho n.º 20, de 03 de outubro de 2012), “mais concentrado em torno das ações que as escolas identificaram como promotoras da aprendizagem e do sucesso educativo, de modo a assegurar maior eficiência na gestão dos recursos disponíveis e maior eficácia nos resultados alcançados” (p. 33-34). O TEIP3, em execução em 137 agrupamentos de escolas1/escolas não agrupadas, visa definir e implementar, no âmbito do projeto educativo e da autonomia da escola, um plano de melhoria que abarca medidas e ações de intervenção na escola e na comunidade, explicitamente orientadas para a promoção do sucesso educativo de todos os alunos e, em particular, das crianças e dos jovens de territórios marcados pela pobreza e exclusão social.

Como é possível depreender, esse Programa continuou, desde sua criação, a constituir uma política pública orientada para a concretização dos princípios educativos que marcaram Portugal depois da revolução democrática de 1974 e que foram consignados na Lei n.º 46, de 14 de outubro de 1986, também conhecida como Lei de Bases do Sistema Educativo Português (LBSE). Por outro lado, essa medida política também foi acompanhando as mudanças que ocorreram no país, como o aumento do número de anos da escolaridade obrigatória (Lei n.º 85, de 27 de agosto de 2009, que ampliou a escolaridade obrigatória de seis para nove anos) e a constituição dos agrupamentos de escolas (Decreto n.º 137, de 02 de julho de 2012). Além disso, o TEIP alinha-se com políticas educativas internacionais de orientação democrática que têm recorrido a um discurso que atribui à educação escolar o papel de contribuir para a justiça social (Connell, 1999, 2012; Sampaio; Leite, 2015, 2017) e curricular (Torres Santomé, 2013), tendo como sustentação a territorialização das políticas educativas (Leite, 2006; Leite; Fernandes; Silva, 2013).

A política TEIP, embora constitua objeto de análise em investigações acadêmicas, pouco tem sido estudada nos seus percursos, isto é, nos modos como foi implementada e nas estratégias que dissemina para promover o sucesso escolar, assim como nos procedimentos de diagnóstico, monitorização e avaliação de alunos para diminuir o abandono e o insucesso escolar e social ou para reduzir a violência nas escolas (BARBIERI, 2003).

Canário (2004) considerou a medida TEIP como uma política educativa voltada ao combate da exclusão social, propondo uma análise dessa política baseada em três eixos. No primeiro eixo (nível macro), da política educativa, defende a tese de que a exclusão social é um fenômeno estrutural da esfera do mundo do trabalho. No segundo eixo de ação (nível meso), da regulação local das políticas educativas, afirma a necessidade de passar de uma concepção de “território escolar” para uma concepção de “território educativo” que questione a forma escolar, isto é, que comprometa a comunidade em que se insere a escola na educação que é oferecida às crianças e aos jovens da comunidade. E, no terceiro eixo (nível micro), realça o trabalho pedagógico realizado com os alunos, alertando para uma visão desvalorizada dos alunos por parte, nomeadamente, dos professores, situação considerada o ponto crítico que enfrenta esta medida política.

Ao conceber os TEIP como uma política de territorialização, entende-se, neste estudo, que ela “implica a existência, a nível local, de redes de relação inter-institucionais e inter-pessoais que, em parceria, definam planos estratégicos antes apenas da responsabilidade da administração central” (LEITE, 2006, p. 74). Com base nesse preceito, ou seja, no reconhecimento da importância das intervenções dos atores locais, esta investigação se propõe a avaliar a medida TEIP no que concerne à promoção de uma justiça curricular (Torres Santomé, 2013) indutora de justiça social (Connell, 1999, 2012; Sampaio; Leite, 2015, 2017).

Nesse sentido, cita-se Ferreira e Teixeira (2010, p. 348) quando afirmam que importa “avaliar se, para os estabelecimentos de ensino, o Programa TEIP é mais atractivo pelos meios e equipamentos que pode oferecer (material didáctico, criação de infra-estruturas, como pavilhões desportivos, refeitórios, bibliotecas escolares) do que pela promoção do sucesso escolar”, considerando que a “promoção do sucesso escolar em meios desfavorecidos pode não ser tão atractiva como os recursos que pode oferecer”. Questões como essa constituem o foco de pesquisas que analisaram a política na tanto sua relação com a concretização do sucesso escolar e com a promoção de justiça e equidade sociais quanto na sua função de intervir na exclusão social e na visão desvalorizada dos alunos, assim como no estigma que alguns pais de classe média atribuem ao TEIP, receosos dos efeitos de desclassificação simbólica que a pertença dos seus filhos a essas escolas possa acarretar nas dinâmicas de percurso acadêmico (Quaresma; Lopes, 2011; Guimarães; Pacheco, 2012; Machado; Santos; Silva, 2012; Silva, 2016).

Por outro lado, Abrantes et al. (2013) averiguaram os principais benefícios do Programa TEIP, identificando a redução dos padrões de violência e das taxas de abandono e concluindo que as melhorias percebidas afetam muito lentamente os resultados acadêmicos. Outro conjunto de pesquisas avaliou os efeitos dessa política gerados nos agrupamentos de escolas, a exemplo da adaptação dos currículos às necessidades dos alunos, que seguem princípios de justiça e de equidade, e das medidas de apoio e de diversificação curricular, que permitam o acesso de todos aos bens e às experiências de aprendizagem (Mota; Machado, 2015; Sampaio; Leite, 2015; Moura; Zucchetti; Barreto, 2015).

A par desses estudos que identificaram efeitos positivos, Nata, Pereira e Neves (2014) e Ferraz, Neves e Nata (2018) evidenciaram a pouca eficácia do Programa TEIP no que diz respeito à diminuição das disparidades dos resultados escolares entre alunos pertencentes às escolas TEIP e às escolas não TEIP (aquelas que são frequentadas por alunos economicamente mais favorecidos) nos exames nacionais. Trata-se de um estudo amplo e importante, embora ignore a diferença das situações de partida, isto é, os aspectos que constituem o objetivo da medida. Como se depreende, não é possível comparar resultados de alunos com um capital social e econômico desfavorecido com os de alunos que frequentam o ensino privado ou pertencem a meios sociais que não precisam se preocupar com a sobrevivência do dia a dia. Por isso, nesta análise, tal comparação não é contemplada: o objetivo consiste, antes, em examinar os efeitos da política TEIP no que concerne à atuação das lideranças e ao fortalecimento dos processos de autoavaliação de escolas, indutores de melhorias, de forma similar ao que esteve em foco nos estudos de Sampaio e Leite (2017).

Em síntese, foi com base na revisão de estudos realizados que identificamos a existência de lacunas no que tange à análise da política TEIP, uma vez que são escassos estudos de natureza mais ampla que investiguem os resultados dessa medida política naquilo a que ela se propõe. Tendo esta intenção como foco, apoiando-se no enquadramento político descrito como contexto e nos conceitos de justiça social e curricular tomados como referência, este artigo visa analisar os efeitos da Política TEIP como medida de promoção da aprendizagem e do sucesso escolar a partir das percepções de professores acadêmicos do ensino superior e professores gestores de agrupamentos de escolas que concretizam essa medida.

2 CURRÍCULO E JUSTIÇA SOCIAL E CURRICULAR

A análise da política TEIP, neste artigo, apoia-se nas concepções de currículo e justiça social e curricular apresentadas a seguir. Para nós, o currículo não fica limitado aos conteúdos que fazem parte do plano de estudos ou ao que é expresso nos documentos oficiais. Ao contrário, concebemo-lo como plano, mas também como ação, reconhecendo que, nessa ação, o plano é ressignificado pelo uso do poder de agência dos professores (Priestley; Biesta; Robinson, 2013, 2015) enquanto decisores curriculares (Leite, 2002b; Leite; Fernandes, 2010).

Quanto a políticas educativas na sua orientação democrática, tem sido veiculado um discurso que atribui à educação escolar o papel de contribuir para a justiça social (CONNELL, 1999, 2012). Connell (1999) apresenta três razões fundamentais que endossam a importância da justiça social para todos os envolvidos no sistema educativo - professores, pais, alunos e administradores. A primeira razão refere-se ao fato de que o sistema educativo é um bem público de grande importância que tem uma distribuição desigual de recursos na educação formal, gerando, por conseguinte, um acesso social também desigual.

Já a segunda razão é que o sistema educativo não constitui um bem público apenas hoje; ele o será ainda mais no futuro, uma vez que o conhecimento organizado tem se convertido no componente mais importante do sistema produtivo. Por outro lado, o sistema educativo não só distribui os bens sociais atuais, mas também conforma o tipo de sociedade. Assim, conseguir que a sociedade seja justa depende, em parte, do uso que fazemos do sistema educativo.

A terceira razão, por sua vez, diz respeito ao que é educar, já que o ensino e a aprendizagem, como práticas sociais, sempre trazem à tona questões sobre propósitos e critérios para a ação, sobre a aplicação de recursos e sobre a responsabilidade e as consequências da ação educacional e social. Nesse sentido, assume-se como pressuposto que uma maior justiça curricular (TORRES SANTOMÉ, 2013) e cognitiva (CORTESÃO, 2011) gera justiça social (CONNELL, 1999, 2012). Para isso, políticas educativas que partem dessa orientação devem reconhecer o poder de decisão da escola e dos seus agentes nos processos de configuração de um currículo que concretize princípios de justiça curricular (LEITE, 2002b, 2012; SAMPAIO; LEITE, 2017) em uma escola com todos e para todos, isto é, em uma escola que cumpra o desígnio da igualdade de oportunidades para todos os grupos sociais para quem a educação se destina.

Contudo, não deixamos de considerar que as relações entre as desigualdades sociais e educacionais e a pobreza são de natureza estrutural, motivo pelo qual políticas de educação compensatória não são capazes de romper com esse ciclo e acabar com a herança da pobreza (CONNELL, 1999). É essa ideia que justifica o que anteriormente referimos quando consideramos não ser adequado comparar alunos de escolas frequentadas por crianças e jovens com capitais sociais e econômicos tão distintos.

Como tem sido defendido na literatura acadêmica, a concretização de princípios de uma educação democrática implica reconhecer a não neutralidade do currículo e do conhecimento (GIROUX, 1993; SILVA, 2004; LEITE, 2002b, 2012) e a importância de contextualizar o currículo, que, em Portugal, é prescrito em nível nacional (LEITE et al., 2011). Considera-se, assim, que a atenção a esses aspetos pode contribuir para a eliminar fatores de discriminação negativa e para criar condições que sustentem uma aprendizagem para todos.

É também nesse sentido que Candau (2011, p. 240) defende a posição “de que as diferenças são constitutivas, intrínsecas às práticas educativas e atualmente é cada vez mais urgente reconhecê-las e valorizá-las na dinâmica das escolas”. Segundo essa investigadora, “a construção de uma escola verdadeiramente democrática e justa supõe articular igualdade e diferença” (CANDAU, 2011, p. 256), subvertendo a cultura escolar dominante que, “em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal” (CANDAU, 2011, p. 241). A diferença não pode ser ignorada e não deve ser considerada um problema.

Na análise do modo como a medida política TEIP atende às diferenças, seguimos ainda Sepulveda e Sepulveda (2016, p. 1261), que entendem que “a luta por políticas de currículo que defendam o direito às diferenças não pode ser reduzida a políticas de inclusão que não privilegiam todas as diferenças”. Para esses autores,

[...] o direito às diferenças coloca em xeque alguns valores historicamente construídos que se desenvolveram em um contexto de desigualdade social e que tiveram como efeito a reprodução da própria desigualdade. Dessa forma, lutar por políticas curriculares de inclusão a partir de uma visão ampliada do termo, que se apresente como plataforma à justiça social e cognitiva, nos coloca em uma posição de enfrentamento às forças conservadoras (SEPULVEDA; SEPULVEDA, 2016, p. 1261).

Reconhecer que a Escola e o currículo não são neutros, já que transmitem e privilegiam valores que são influenciados pelo reconhecimento social de determinados saberes e características culturais e que influenciam esse reconhecimento, constitui uma atitude essencial para a criação de condições que promovam a igualdade de oportunidades de sucesso escolar. Na linha que nos orienta, e como já indiciamos, os currículos são criados pelos sujeitos que habitam os cotidianos das escolas (SEPULVEDA; SEPULVEDA, 2016, p. 1262). Sendo o cotidiano o espaço privilegiado de produção de práticas curriculares, “os currículos avançam para muito além do que podemos compreender por meio dos textos que definem e explicam as propostas das escolas” (SILVA REIS, 2016, p. 1334): o currículo é constituído de intenção, plano e ação concretizados pelos agentes que o configuram.

Durante a concretização dessa ação, não é possível ignorar que “o conhecimento válido para muitas crianças é o conhecimento que está diretamente relacionado com a sua própria realidade social, conhecimento que lhes permite envolver-se em atividades que são por eles valorizadas” (SMITH, 2002, p. 7). Por isso, é importante configurar e desenvolver um currículo contextualizado, pautado em uma justiça social e cognitiva que vá além dos documentos curriculares (SILVA REIS, 2016), trazendo ao espaço escolar experiências do cotidiano de todas as crianças e jovens que criem condições não só para que estes se sintam reconhecidos, mas também para que, partindo do que lhes é familiar, possam construir novas aprendizagens. É nesse sentido que corroboramos com Torres Santomé (2013, p. 9), para quem a

[...] justiça curricular é o resultado da análise do currículo que é elaborado, colocado em ação, avaliado e investigado levando em consideração o grau em que tudo aquilo que é decidido e feito em sala de aula respeita e atende às necessidades e urgências de todos os grupos sociais; ajuda a ver, analisar, compreender e julgar-se a si próprios como pessoas éticas, solidárias, colaborativas e corresponsáveis por um projeto de intervenção sociopolítica mais amplo destinado a construir um mundo mais humano, justo e democrático.

Ter como ponto de partida situações dos diversos cotidianos é uma das chaves para elaborar um currículo justo que possibilite aos alunos se envolver na construção de outras aprendizagens. Connell (1999, p. 70) sustenta que “os princípios da justiça curricular deveriam ajudar-nos a limpar um pouco a casa da educação e a identificar os aspetos do currículo que são socialmente injustos”. Para ele, esses princípios são: o princípio dos interesses dos menos favorecidos, que é negado por algumas práticas curriculares; o princípio da participação, que é refutado quando se incluem práticas que permitem a uns grupos ter mais participação do que outros na tomada de decisões; e o princípio da produção histórica da igualdade, que é contrariado quando se obstaculiza a mudança nessa direção.

Concretizar princípios de justiça curricular implica também levar em consideração a tese de Paliwal e Subramaniam (2006, p. 38) quando afirmam que “os alunos respondem com maior sucesso às exigências formais quando estas se relacionam com situações familiares já experienciadas por si nas suas vidas”, o que significa que a contextualização do currículo torna o ato de aprender mais significativo e relevante para a vida desses estudantes fora da escola. Experiências curriculares enriquecedoras, quer para alunos, quer para professores, acontecem em práticas de contextualização do currículo, razão pela qual “as políticas dos decisores governamentais podem influenciar, positiva ou negativamente, a qualidade da educação escolar” (DELGADO; LEITE; FERNANDES, 2016).

Ponce e Oliveira Neri (2015), por sua vez, mencionam a busca da justiça curricular como imperativa e a prática curricular como a chave desse processo nas três dimensões fundamentais do currículo: a do conhecimento necessário para que os sujeitos do currículo se instrumentalizem para compreender o mundo; a do cuidado com esses sujeitos envolvidos no processo pedagógico, de modo a garantir que todos tenham condições dignas para se desenvolver; e a da convivência democrática e solidária que deve ser promovida na escola.

Em síntese, o que adotamos como referência para a análise da medida política TEIP é a importância dada a fatores que, no contexto escolar, discriminam negativamente, evitando-os e implementando outros de discriminação positiva, isto é, que concretizem princípios de justiça curricular promotores da justiça social (SAMPAIO; LEITE, 2015, 2017).

Outro aspecto a ser considerado no que concerne à medida TEIP é que, como lembra Bolívar (2013, p. 26),

[...] mais do que implementar determinados programas, uma mudança sustentável depende de as escolas construírem a sua capacidade interna para a aprendizagem, do conjunto de elementos da comunidade escolar, a nível pessoal, interpessoal e organizacional, com o propósito coletivo de incrementar a aprendizagem dos alunos.

Nesse sentido, rompe-se com a ideia de uma educação corrupta, já que “una educación que privilegia a un niño sobre otro está dando o primero una educación corrupta, a la vez que le favorece social o económicamente” (CONNELL, 1999, p. 23). Na perspectiva de Torres Santomé (2013, p. 225), abordar o tema da justiça e igualdade de oportunidades no sistema educativo envolve “a análise e avaliação do grau de respeito que o currículo escolar e os modelos de organização da vida nas escolas têm com as distintas idiossincrasias dos grupos e das pessoas que precisam conviver nessa instituição”.

O esforço de implantar uma política educativa mais democrática e inclusiva, que propicie aprendizagens de qualidade, relaciona-se também com a concepção de uma escola curricularmente inteligente (LEITE, 2003), isto é, de uma escola que se desafia continuamente e que procura, envolvendo todos, instituir uma dinâmica interna e externa conducente à melhoria da qualidade da educação das crianças e dos jovens que acolhe. Trata-se, assim, de uma

[...] instituição que não depende exclusivamente de uma gestão que lhe é exterior porque nela ocorrem processos de tomada de decisão participados pelo colectivo escolar e onde, simultaneamente, ocorrem processos de comunicação real que envolvem professores e alunos e, através deles, a comunidade, na estruturação do ensino e na construção da aprendizagem (LEITE, 2003, p. 125).

Para tanto, é fundamental que gestores, técnicos e professores exerçam o papel de decisores curriculares (LEITE, 2002b; LEITE; FERNANDES, 2010), “determinante na construção da mudança educacional e curricular, quer se trate de inovações planificadas pelo poder central, quer se trate de propostas com carácter mais descentralizado ou que emergem da periferia, neste caso das escolas e dos seus contextos” (LEITE; FERNANDES, 2010, p. 198).

3 METODOLOGIA

Metodologicamente, este estudo seguiu uma orientação de natureza qualitativa, recorrendo à análise dos documentos legais já citados, especialmente do Despacho n.º 20/2012, e a entrevistas de caráter reflexivo (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2011) com três professoras acadêmicas da área da educação do ensino superior, que têm tido uma participação ativa na política TEIP como consultoras do programa, e três professoras gestoras de Agrupamentos de Escolas da Região Metropolitana do Porto. O roteiro de entrevista solicitava, basicamente, a descrição das principais atividades e responsabilidades na política TEIP e o relato acerca das percepções de aspectos positivos e negativos, das facilidades e das dificuldades na concretização da política para a permanência e o sucesso escolar dos alunos. As entrevistas foram gravadas em áudio com autorização das entrevistadas, e, posteriormente, as transcrições foram enviadas para validação. Os dados produzidos foram tratados pela perspectiva da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), que permitiu identificar categorias temáticas a partir das quais são apresentadas as evidências e inferências obtidas neste estudo.

No que se refere a caracterização dos sujeitos entrevistados, as professoras acadêmicas foram selecionadas porque têm como foco de estudo políticas educacionais e curriculares e interviram ativamente nas políticas de gestão curricular, atuando como consultoras externas na Política TEIP. Conforme o artigo 10 do Despacho n.º 20, de 03/10/12, que trata das equipes TEIP3, existe a possibilidade de contratação de peritos externos que atuem como consultores: “Nas reuniões da equipa multidisciplinar podem, caso a direção do agrupamento de escolas ou escola não agrupada o considere justificado, participar os peritos externos que acompanham o projeto” (p. 3). Para manter o anonimato das entrevistadas, são designadas neste texto como A1, A2 e A3. Em relação à participação na política TEIP, A1 destaca que atuou como consultora e foi responsável pela formação dos diretores de Agrupamentos de Escolas do Norte de Portugal. Além disso, atualmente acompanha, pelo Observatório da Vida nas Escolas (OBVIE), práticas curriculares em curso nessas instituições. A entrevistada A2 refere ter atuado na assessoria aos TEIP como consultora, ofertando apoio acrescido. A entrevistada A3 também cita sua intervenção como consultora, atuando como informante privilegiada e qualificada.

Já os professores dos Agrupamentos de Escolas da Região Metropolitana do Porto foram selecionados por ocuparem a função de direção, exercendo liderança na execução da política. Neste texto, eles são denominados D1, D2 e D3. D1 acompanhou a política como Presidente de uma Associação de Diretores contemporânea da política TEIP. D2, por sua vez, é diretora de um agrupamento TEIP e registrou que as condições do seu ingresso não foram por iniciativa própria e sim por nomeação da Delegada Regional. Já D3 é membro da direção de um Agrupamento de escolas e também atuou e atua ainda como consultora externa.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados obtidos, apresentados a seguir, foram organizados nas seguintes categorias temáticas: o contexto TEIP; do estigma TEIP ao reconhecimento social; efeitos e mais valia da pertença ao TEIP nas práticas organizacionais e curriculares; e fatores que dificultam melhorias e avanços.

4.1 O Contexto TEIP

Os alunos de um Agrupamento TEIP são retratados, detalhadamente por D2, como moradores de bairros sociais com famílias complicadas, envolvidas no negócio das drogas e tendo as mães como mais presentes na escola mediante convocação:

Este é um agrupamento de escolas que é TEIP, está situado numa zona em que só tem bairros sociais. Portanto, são poucos os pais que trazem os miúdos à escola de carro ou quase nenhum, quase todos vêm a pé. Quando chegam as férias, às vezes, em outras escolas, os meninos e as meninas se abraçam porque vão ter saudade nas férias; aqui não, porque eles moram todos nos mesmos bairros sociais, né? É um contexto onde há mais rusgas, daquelas da polícia, por causa das drogas e das armas. São famílias complicadas, só que os nossos miúdos ficam à deriva, né? E é preciso encontrar uma solução. Portanto, há casos muito problemáticos. Se eu tenho uma elevada porcentagem de pais presos, por uma razão é, e grande parte é negócio de droga. Não temos consumidores. Temos, no entanto, todo o problema inerente ao negócio. Temos também alunos que têm que fazer turnos para trabalhar no negócio da droga. Os turnos de vigia e controle da polícia, os turnos de vender, quando chega, fazer os pacotes. Tudo isto é o negócio que está associado, né? São famílias de rendimento mínimo, são famílias subsidiadas, são alunos que estão aqui com o máximo de subsídios, por tudo, isto é dinheiro que não se vê. A maioria das mães que nós chamamos, se o filho fez asneira ou se é preciso tratar disto ou daquilo, são mães que são presentes. Não vêm à escola por livre e espontânea vontade, né? Pronto, são mães que vêm quando são chamadas, porque têm muito medo de que a gente comunique à CPCJ [Comissões de Proteção de Crianças e Jovens] ou à polícia.

Sobre a medida TEIP, D3, que pertence a outro agrupamento de escolas, refere que essa medida por si só é insuficiente para promover o sucesso escolar

Não chega porque a escola não consegue sozinha mudar tudo; dizer que a escola consegue mudar tudo é uma panaceia; ninguém pode defender esta ideia, não é? Todos os estudos mostram isso, que há outros preditores de sucesso que a escola, por muito que faça, não consegue transformar. Há preditores que podem atuar no sentido positivo ou negativo. Relativamente ao impacto real, eu própria nas escolas que tenho acompanhado consigo perceber que algumas escolas conseguiram de facto implementar políticas locais que proporcionam melhores oportunidades aos alunos. Conseguem acrescentar algo e, às vezes, conseguem fazer a diferença relativamente, ao futuro daqueles alunos, aos seus princípios educativos.

Percebe-se uma convergência das duas entrevistadas com a intencionalidade do discurso legal que “visa estabelecer condições para a promoção do sucesso educativo de todos os alunos e, em particular, das crianças e dos jovens que se encontram em territórios marcados pela pobreza e exclusão social” (Despacho n.º 20/2012). Como se depreende pela caracterização dos contextos e de seus públicos, são situações semelhantes às dos relatos descritos que justificaram a criação de um terceiro programa TEIP3, mais concentrado nas ações que as escolas identificaram como problemáticas e que impedem a aprendizagem e o sucesso escolar. Por outro lado, assim como sustentamos na primeira parte deste artigo, essa medida reconhece as vantagens que podem decorrer da territorialização das políticas educativas (LEITE, 2006; LEITE; FERNANDES; SILVA, 2013).

4.2 Do Estigma TEIP ao Reconhecimento Social

Tal categoria - “do estigma TEIP ao reconhecimento social” - está associada à ideia de que a emergência e a implementação dessa política tornaram visível a realidade de escolas/agrupamentos e de seus públicos situados em territórios de vulnerabilidade social, fazendo com que essa medida, embora seja uma política de discriminação positiva, tenha originado o estigma TEIP. Como afirma uma das acadêmicas entrevistadas,

[...] os TEIPs, inicialmente, foram socialmente catalogados como contextos de pobreza social e cultural e muito no que diz respeito a resultados escolares, ou seja, associados a contextos marcados por estigmas sociais. As escolas não gostavam de ser reconhecidas como escolas TEIP, os professores não gostavam muito de se identificar como professores que pertenciam a estes territórios TEIP (A3).

Como refere outra das acadêmicas, o estigma foi se diluindo,

Com o tempo, começou-se a perceber que estas escolas tinham recursos e mais-valias que outras escolas não tinham, e, digamos, foi transformada esta leitura, esta imagem negativa, que socialmente foi construída sobre estas escolas; ela foi se transformando e hoje reconhece-se a estas escolas TEIP a existência de melhorias geradas muito também por força do trabalho que foram desenvolvendo, pelo empenho profissional que os professores e as comunidades foram tendo, no sentido da melhoria das qualidades de ensino e dos resultados esperados dos alunos (A2).

Como se depreende, gradativamente a política TEIP foi conquistando o reconhecimento social, tal como é expresso por outra das acadêmicas e por um integrante da direção de um dos agrupamentos de escolas:

Hoje não é um estigma ser território de intervenção prioritária. No princípio foi estigmatizante ser TEIP, mas, aos poucos, eu acho que esses coletivos de professores foram percebendo que a inovação pedagógica pode acontecer a partir das dificuldades do território, eles podem ser o motor pra reflexão interna, pra práticas de inovação e, sobretudo, sempre pra contrariar o insucesso escolar claro (A1).

As escolas já não se importam de ter o apelido de TEIP, em função do ganho que elas tiveram e não querem perder. Hoje o que elas tiveram e têm e continuam a ter são muito mais horas de crédito, muitos mais técnicos, muitos mais, muito mais dinheiro para gastar naquilo que entenderem; nós não temos nada disso (D1).

Apesar de o estigma TEIP não ser atualmente tão forte como o que existiu nos primeiros anos dessa medida política, ele ainda existe. Conforme cita um dos integrantes de uma direção dos agrupamentos de escolas, “as escolas TEIP têm o tipo de alunos que as outras escolas não querem. Quando se tem de encontrar uma escola para os alunos frequentarem, as escolas que se preocupam com os rankings, não querem receber alunos que têm classificações baixas” (D2).

Em síntese, existe uma tensão entre a bondade da medida política justificada pela intenção de promover uma melhoria da aprendizagem e do sucesso escolar de alunos provenientes de meios sociais desfavorecidos e a representação social dessas escolas. A despeito da importância da política TEIP, em termos das consequências da ação educacional e social, persistem problemas relacionados à justiça social (CONNELL, 1999, 2012), oriundos das desvantagens que os alunos apresentam em relação a outras escolas não TEIP. Ressalta-se, ainda, que essas escolas convivem com situações de estigma social (QUARESMA; LOPES, 2011; GUIMARÃES; PACHECO, 2012; MACHADO; SANTOS; SILVA, 2012; SILVA, 2016), sobretudo as que justificaram a continuidade da medida, ainda que as posições atuais ocupadas por seus alunos nos rankings difiram das ocupadas na implementação dessa política.

4.3 Efeitos e Mais Valia da Pertença ao TEIP

Nesta categoria temática, foram identificadas subcategorias que se relacionam com: (in)sucesso escolar; práticas curriculares e processos de organização e gestão escolar.

No que diz respeito ao insucesso escolar, evidenciam-se como marcadores a reprovação, a retenção, a desmotivação e o abandono, fortemente associados à realidade social que caracteriza os contextos TEIP. Corroborando com o que já foi descrito sobre os contextos TEIP, uma das acadêmicas referiu que os alunos “pertencem a meios sociais e econômicos desfavorecidos ou com abandono escolar ou com problemas de ordem social, inclusivamente fome; por isso, as escolas passaram a ser TEIP para intervirem nesses problemas sociais e promoverem o sucesso desses alunos” (A2).

O combate ao insucesso escolar, conforme mencionado neste artigo durante a análise da legislação TEIP, é uma das intenções que justifica essa medida no intuito de promover justiça social, tal como relata uma das acadêmicas sobre a reprovação: “Combatê-la só por si já seria um sucesso; claro que não vão realizar as aprendizagens como todos os alunos, mas vão realizar aprendizagens muito importantes (A1). Todavia requer um esforço de convencimento dos professores, conforme uma das diretoras relata:

Estamos a ver se convencemos alguns professores que não faz sentido o aluno ficar retido, não aprende mais por ficar retido. Vai levar mais do mesmo, certo? Começa a ficar desmotivado com os outros mais novos. Portanto, a única hipótese é tentar passá-los e fazer aquelas turmas de flexibilidade separadas (D2).

Como se infere, esses indicadores contrariam a expectativa de sucesso que tem, também, como marcador social os resultados nas provas nacionais, situação que gera tensões entre conseguir práticas orientadas por uma justiça curricular e preparar os alunos para os exames que ignoram as especificidades locais. Tal aspecto pode ser evidenciado no seguinte relato de uma das acadêmicas:

Porque os professores também não lidam bem com o insucesso de seus alunos. Nenhuma escola gosta de ficar mal no ranking, não gosta de ser a última escola, e, portanto, aqui, às vezes, há um esforço, tão grande por parte destas comunidades, destas professoras, destas famílias, algumas famílias, destes técnicos, que depois não é revertido, não tem o reflexo no sucesso acadêmico, e isto desanima muito os professores. Porque o que nós sabemos, embora eles reconheçam e estejam satisfeitos, digamos, com o fato de não terem abandono escolar, com o fato de sentirem que os jovens gostam mais de estar na escola, de conseguir assiduidade, sabemos que o indicador com mais visibilidade social é o sucesso acadêmico, é a classificação, é a nota, é o transita ou reprova (A3).

Com base nas mais-valias identificadas, reconhece-se que a política TEIP, tal como mostram os excertos a seguir, trouxe consequências em três aspectos: o desenvolvimento pessoal e social dos estudantes; o combate ao abandono escolar e à indisciplina. “Do ponto de vista dos efeitos desta medida TEIP, e muito pela minha experiência e pelo que eu já tenho refletido sobre isto, é que ela tem alcançado muitos êxitos, muitos sucessos, nomeadamente, a nível do desenvolvimento pessoal e social dos jovens” (A3). “Quer dizer, não posso dizer que nós não temos abandono escolar, temos, mas não é significativo, não é muito expressivo” (D2).

Eram contextos mais marcados por este fator de indisciplina, e, portanto, acabou, digamos, a representatividade ou expressividade deste fenômeno. Acabou por se traduzir num objetivo destes próprios contextos, expresso nos projetos educativos destes contextos. A redução da indisciplina, a redução do abandono, a melhoria do sucesso escolar, tudo isto eram objetivos e são objetivos que os projetos educativos destes Territórios Educativos de Intervenção Prioritária contemplam. (A3).

No tocante à subcategoria “práticas curriculares”, destacam-se o Projeto Educativo da Escola, algumas estratégias pedagógico-didáticas e a mediação pedagógica e socioeducativa. O Projeto Educativo é um documento norteador que estabelece as intencionalidades da escola ou do agrupamento de escolas; “é a escola que o constrói e decide que ações são prioritárias para trabalhar com os seus alunos. Decide, por exemplo, como uma meta, diminuir as taxas de reprovação em 2%. Se definir esta meta, a escola trabalhará neste encalço para a tentar cumprir” (A3).

Em termos de mais-valia, é ressaltada, a autonomia pedagógica, pois as escolas e os agrupamentos “têm autorização, do ponto de vista das normativas curriculares, para fazer o trabalho de outra maneira, com inovações, tutorias, grupos novos de alunos etc.” (A1). Sobre as estratégias de organização curricular, um dos integrantes da direção destaca a existência de duas estratégias seguidas no seu agrupamento propostas pela perita externa:

O MIPS, Modelo Integrado de Promoção do Sucesso Escolar, que é muito a perspectiva de, em vez de trabalhar as turmas, em sala de aula, trabalhar por anos de escolaridade. Fazer uma equipe educativa para um ano de escolaridade e trabalharmos dessa forma. Ficamos logo a começar a aceitar e achar que era uma proposta válida e uma proposta que podíamos agarrar (D2).

Outra ação consiste na criação de turmas específicas com “estudantes problemáticos”, buscando aumentar suas chances de aprovação, o que também pode ser evidenciado nas palavras da entrevistada D2:

[...] o ano passado tivemos uns alunos que andaram à porrada, um monte de vezes, com os outros. Neste momento, conseguimos que, ao isolá-los numa turma, melhoramos a situação. Tínhamos, nós tínhamos que promover o sucesso destes meninos, não seria possível numa turma de 20 e tal. Não adiantava esquecer esta situação.

A mediação pedagógica e a socioeducativa são destacadas positivamente pela entrevistada D2, para quem a mediação socioeducativa

[...] é mais neste trabalho exatamente de primeira linha com as famílias, com as comunidades locais, no sentido de se encontrarem possibilidades de resposta, encaminhamentos para o serviço social, alguns para comissões de proteção de crianças e jovens que fazem esta mediação com as famílias, com as instituições locais e com a escola.

A mediação pedagógica é referida também por uma das acadêmicas,

que é muito um trabalho de natureza tutorial se quisermos, que é feito mais diretamente com grupos de crianças, que pode ser um trabalho tutorial de natureza mais socioemocional e comportamental, muitas vezes para elevar a autoestima, para levar os alunos a sentirem-se bem consigo próprios, porque não pensemos que muitos destes jovens não se sentem mal consigo próprios; percebem que há diferenças entre eles e outros pares que têm uma vida familiar muito mais equilibrada. Portanto, o trabalho de natureza tutorial pode ser muito pela perspectiva do desenvolvimento pessoal e social, e há também um trabalho tutorial de natureza mais pedagógica, que é o apoio individualizado, o apoio ao estudo ou que é feito muito numa relação estreita com os professores que atuam na turma e com o diretor de turma. Isto eu diria que é uma prática que já existe nas escolas públicas portuguesas, mas, nestas escolas, cobertas por esta medida, é naturalmente uma estratégia utilizada e um recurso muito importante para os alunos e para as famílias e para os professores (A3).

O MIPS e a mediação pedagógica e socioeducativa mostram-se potentes, articulam novos modos de organização curricular e escolar e evidenciam uma experiência de flexibilidade e interdisciplinaridade curricular com trabalho mais colaborativo e cooperativo no sentido de respeitar as diferenças, necessidades e dificuldades dos alunos. Caracterizam uma instituição comprometida com a justiça curricular, em que professores, gestores e funcionários debatem e recontextualizam o currículo (TORES SANTOMÉ, 2013). Entretanto, a composição de uma turma com alunos portadores de “problemas” situa-se na contramão, figurando como uma solução de segregação e de minimização de danos que se distancia dos princípios da justiça social e curricular.

Sobre os processos de organização e gestão escolar, evidenciam-se a concepção de escolas e de professores como decisores curriculares (LEITE, 2002b; LEITE; FERNANDES, 2010), o poder de agência dos professores (PRIESTLEY; BIESTA; ROBINSON, 2013, 2015) e o protagonismo do diretor como líder que tem um papel central na dinâmica do funcionamento da escola, tal como afirma uma das acadêmicas:

Digamos que a cultura que é incutida na organização da escola é muito importante. Se é uma liderança de porta aberta, se é uma gestão de porta aberta, em que os professores, a qualquer momento, vêm falar com o diretor, colocam as questões, ou se é uma liderança, uma direção que tem a porta fechada e diz “não incomode, toque a campainha antes de entrar”. Isto faz a diferença. Se é um diretor que visita a escola todos os dias, de manhã à tarde, vai às salas, vai aos professores, faz por estar em todas as reuniões. É completamente diferente de um diretor que não sai do gabinete e pede contas e... Isto faz toda a diferença (A3).

Na organização escolar, as escolas e os agrupamentos TEIP tiveram outras equipes acrescidas àquelas que estão previstas por lei, tal como expressam os seguintes depoimentos: “[...] nós sabemos que as escolas TEIPs têm mais horas de crédito, têm mais psicólogos” (D1); “temos direito a mais uma psicóloga, uma assistente social, uma mediadora” (D2); “A chamada equipe TEIP é a equipe onde estão os tais técnicos da equipe multidisciplinar, psicólogos, animadores sociais e culturais, mediadores socioeducativos, técnicos de serviço social, coordenador” (A3). Os incrementos na infraestrutura e a equipe TEIP são evidenciados como mais valia significativa e destacam-se no enunciado de uma acadêmica sobre os recursos acrescidos:

[...] são reforços de natureza de recursos humanos, mas também equipamentos; o Programa TEIP deixou as escolas com equipamentos de informática, com melhores bibliotecas e, sobretudo, deu a estas escolas, que foram cobertas por esta medida, que foi designada por Território Educativo de Intervenção Prioritária, a possibilidade de elas recrutarem, para além de professores, técnicos, isto é, de formarem a chamada equipe multidisciplinar, entendida como uma equipe de suporte ao trabalho dos professores, de suporte ao trabalho com os alunos e as famílias (A3).

Nesta equipe TEIP, destaca-se a possibilidade de terem outros recursos humanos para apoio ao projeto educativo, segundo acadêmica entrevistada, as técnicas de serviço social e os animadores fazem um trabalho exemplar de combate ao abandono escolar:

[...] muitos deles vão à casa cuidar os meninos e trazem-nos para a escola. Portanto, estávamos a falar da ausência ou da diminuição do índice de abandono, tem muito a ver também com esta atitude que a escola tem de não desistir, digamos, dos alunos e esta atitude, eu diria que ela é mais cuidada em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária do que noutras escolas públicas (A3).

Além da liderança do diretor e das equipes TEIP, o desenvolvimento das estratégias pedagógicas teve reflexos no trabalho comprometido e colaborativo dos professores, como reconhece um dos integrantes da direção de um dos agrupamentos: “Passaram a trabalhar em conjunto, não é? O trabalho colaborativo, o trabalhar de porta aberta... Abrir a sala de aula foi um dos ganhos que mais tivemos” (D2).

Um ganho ressaltado diz respeito ao fato de as práticas pedagógicas terem abalado convicções de alguns professores. Esse aspecto pode ser evidenciado nos relatos transcritos a seguir: “estes professores e estas equipes trabalham de uma forma muito briosa, muito profissional” (A3). “Mas eu penso e acredito, no fundo é isso, é uma questão de crer que vamos conseguir melhorar alguma coisa por pouco que seja, acredito que sim. Pelo menos mexeram um bocadinho com as convicções dos professores”. (D3).

Outro aspecto destacado, que se coaduna com o objetivo da medida legal de progressiva articulação da ação da escola com a dos parceiros dos TEIP (Despacho n.º 20/2012), é expresso no pacto tácito estabelecido com a comunidade, como se depreende do seguinte depoimento: “E, aqui, nós temos um pacto com eles, com estas mães normalmente. É assim, do portão para fora, eu não me meto, mas, do portão pra dentro, é comigo, não é? É este respeito e esta forma de trabalhar, tácita” (D2).

Os processos de gestão são constituídos por um conjunto de ações operacionais e burocráticas dependentes das equipes do Ministério da Educação que se confrontam com o cotidiano da escola:

[...] na prática a gente esbarra com o cotidiano que não tem nada a ver com nada. O cotidiano de uma escola não tem nada a ver com nada. A gente chega, ou é o tubo de água que rebentou, é a cantina que o fogão avariou, ou é um miúdo que partiu ouvido, ou é a Educação Física que feriu alunos, ou é ah, um que bateu ao outro, ou é o outro que a mãe está aqui para fazer queixa que tem bullying. Quer dizer, no cotidiano de uma escola, não há doutoramento que nos dê suporte para lidar com o que nos surge no cotidiano (D2).

Tendo em vista tal relato, percebe-se que os processos administrativos e as situações de um cotidiano com sucessivas demandas de natureza operacional evidenciam certa distância entre um discurso da política que preconiza o objetivo da “criação de condições que favoreçam a orientação educativa e a transição qualificada da escola para a vida ativa”(p. 1) (Despacho n.º 20/2012) e algumas práticas curriculares e organizacionais que nem sempre favorecem esse objetivo. Apesar disso, a melhoria de alguns indicadores educacionais é reconhecida por estudos como o de Abrantes et al. (2013), talvez devido a ações pedagógicas e administrativas que, na perspectiva de uma escola curricularmente inteligente (LEITE, 2003), conseguiram que os seus gestores, técnicos e professores exercessem positivamente o papel de decisores curriculares (LEITE, 2002b; LEITE; FERNANDES; 2010).

O reconhecimento da importância de “[...] fazer uma discriminação positiva das escolas, tendo por base o contexto em que se situam, o contexto geográfico, socioeconômico etc.” (D3) ganha realce na fala do responsável pela gestão de uma das escolas, apesar de isso implicar a prestação de contas. As atividades de prestação de contas associadas à concretização de metas refletem na gestão, como ressalta uma das acadêmicas:

Os TEIP em particular têm uma monitorização muito regular das suas atividades Porque a escola tem que prestar contas, tem mais recursos, tem mais dinheiro, tem mais técnicos, tem que ter resultados. Os resultados são resultados de natureza acadêmica, mas também social e, nomeadamente, nestes de baixar as taxas de indisciplina e do abandono escolar (A3).

A partir dos relatos apresentados, evidenciam-se efeitos e mais-valias da política TEIP com efeitos positivos para os alunos, para o território educativo e para a sociedade. Percebe-se, ainda, que a continuidade da política vem provocando mudanças na cultura organizacional, alterando crenças e propiciando modos de trabalho mais coletivos e colaborativos. Dessa maneira, é possível reconhecer, além desses aspectos, o valor social do combate ao abandono escolar, que por si só justifica os recursos acrescidos.

Apesar disso, faz-se necessário um cuidado para que a valorização dos recursos acrescidos não se sobreponha a aspectos de natureza pedagógica e de promoção do sucesso escolar (FERREIRA; TEIXEIRA, 2010). Por outro lado, fazendo um balanço geral e recorrendo a Canário (2004), notam-se efeitos positivos da política TEIP em nível micro - no trabalho desenvolvido nas escolas e nos agrupamentos - e em nível meso - no âmbito da regulação local da política.

As experiências relatadas em prol do combate ao insucesso escolar em territórios marcados por múltiplos e complexos problemas sociais demonstram coerência com os princípios legais. Verifica-se convergência entre o discurso legal e os depoimentos dos entrevistados quanto à finalidade da política de discriminação positiva, que consiste na busca da equidade na educação. Nesse sentido, a política alinha-se a uma Reforma Educativa, expressando-se de forma coerente na prática das escolas e dos agrupamentos como uma estratégia de territorialização que visa a uma educação orientada para a justiça social e curricular.

Assim, é possível afirmar que a política TEIP denuncia a existência de uma realidade social de precarização, bem como provoca e cria uma dinâmica com mais-valias condizentes com o discurso político promulgado legalmente e com as premissas da justiça social e curricular. Apesar dessas mais-valias não serem suficientes para eliminar as diferenças e desigualdades sociais, o acréscimo de recursos, destacadamente a contratação de assistentes sociais e animadores, que atuaram como mediadores na relação agrupamentos/escolas e famílias, contribuíram para a diminuição do abandono escolar. Esta situação, combinada e integrada com estratégias de flexibilização curricular, teve efeitos positivos na promoção das aprendizagens, minimizando o insucesso e maximizando o sucesso escolar.

4.5 Fatores Dificultadores

Os fatores que dificultam a política TEIP podem ser classificados como externos, isto é, aqueles sobre os quais a escola não tem poder de atuar, e internos, ou seja, aqueles sobre os quais a escola tem poder de atuar. Como fatores externos, evidenciaram-se: o contexto socioeconômico e cultural, o efeito dos rankings, a relação com a academia, as descontinuidades da política e a ausência de políticas de gestão de pessoas.

O contexto socioeconômico e cultural constitui, na visão de uma das acadêmicas, um problema para a política TEIP: “a verdade é que, em Portugal, a frequência das escolas públicas está relacionada com a zona de residência, e, portanto, claro que uma escola que fica no bairro social tem uma população escolar diferente da que fica num bairro de elite.” (A2).

O contexto e o ambiente familiar a ele associado implicam alguns condicionamentos que dificultam o alcance de determinados resultados, como realça uma das acadêmicas:

Eu diria que não é pobreza econômica que está aqui em causa, mas é muito mais uma pobreza cultural e falta do suporte familiar que leva a que estes jovens não invistam na escola. A escola não faz parte do projeto de vida das famílias e, portanto, não faz parte do projeto de vida dos seus filhos e a escola tem, aqui, um duplo papel, eu diria, o de formar, o de formar os alunos, de instruir, de educar, mas também de tentar estratégias para os ganhar para a escola. É contexto com grandes fragilidades, nomeadamente, volto a referir, no suporte familiar às crianças, que eu acho que é um dos fatores mais problemáticos destes contextos, a ausência de suporte familiar às crianças. Há crianças que não o têm e há crianças e jovens que vivem por sua conta e risco, e, portanto, a escola tem também aqui um papel de educar e de cuidar destes jovens, destas crianças (A3).

Esse mesmo aspecto é mencionado por uma das entrevistadas que atua na direção:

Em termos culturais, eles ainda se assumem como uma etnia diferente [ciganos e presidiários], mas eu penso é que há ali realidades sociais muito semelhantes e que são comuns a uma série de famílias e que têm situações muito precárias, têm o pai preso, eles estão com o tio e depois o tio também desaparece. Não é só isso, às vezes, algumas famílias estão em fuga, depois fogem para a França porque têm lá algum familiar, ou vão para a Espanha, e nós perdemos o rastro do aluno e pedimos às autoridades. E não sabem da mãe, nem do pai, nem da tia, nem ninguém consegue situar, e a autoridade diz que já fez o que tinha a fazer, não consegue. Temos crianças que ficam praticamente analfabetas, sobretudo as raparigas que são as mais vulneráveis aqui, porque os pais de algumas famílias ciganas não querem que as filhas estudem, ainda no século XXI, não querem que as filhas estudem porque podem ser atraídas pela cultura não cigana (D3).

Ao mesmo tempo, no entanto, esses entrevistados relatam a falta de compreensão quanto ao perfil apresentado por essas escolas e, consequentemente, aos resultados obtidos nos rankings: “porque as escolas, para serem TEIP, é porque têm determinado perfil. Uma escola que está a lutar pelo ranking dos nacionais, para ter a classificação máxima, os 20, não tem o mesmo perfil de um TEIP” (D2).

É um horror, é um horror, desde que começaram os rankings, escolas começaram a ter rótulos, e, mesmo que nós digamos que os rankings valem o que valem, a opinião pública marca logo as escolas por eles. Nós podemos ter uma visão dos rankings muito relativizada, mas depois, há uma visão muito, muito estratificante das escolas (D3).

Os efeitos positivos da política TEIP mensurados pela redução significativa do abandono escolar, do absenteísmo e da retenção são condicionados pelo valor social frente à supervalorização dos resultados acadêmicos como medida do sucesso escolar, conforme indica o seguintes excerto:

[É] O indicador mais difícil de alcançar, porque há muitas variáveis em jogo: falta de hábitos de estudo pra estas crianças, dificuldade; digamos, estou sempre a dizer esta ideia, mas é a falta do suporte familiar e de estímulo, digamos, uma adesão maior à escola e às atividades da escola. Tudo isto faz com que a escola, por muito trabalho que faça, e faz, no âmbito da mediação socioeducativa, no âmbito da mediação pedagógica, ações tutoriais, muitas ações que a escola, que as escolas TEIPs desenvolvem, nem sempre conseguem alcançar estes resultados que desejavam em termos do sucesso acadêmico, e é o calcanhar de Aquiles de qualquer escola e destas escolas em particular (A3).

Como já referido, a pertença a um TEIP implica a existência de um compromisso para que sejam melhorados os resultados dos alunos e os problemas que a escola enfrenta. Para isso, recebem recursos adicionais. No entanto, atingir as metas definidas nem sempre é fácil, como revela a seguinte afirmação:

Um exemplo: uma escola tem 40% de insucesso no nono ano, em matemática, põe como uma meta conseguir que esse insucesso diminua em 10% ou em 20% e tem de, portanto, ir mostrando, nos seus relatórios, o que fez e como é que se está próxima daquela meta; qual era o seu ponto de partida e como melhoraram, e se tem havido alguma melhoria. Apesar de tudo, quando se comparam os resultados finais, por exemplo, nas provas de exames, exames finais, com as outras escolas não TEIP, a verdade é que elas continuam a mostrar piores resultados acadêmicos do que as escolas não TEIP, mas na verdade, na minha ótica, é injusto dizer que aquelas escolas não tenham progredido, porque a verdade é que o ponto de partida é muito diferente (A2).

O projeto educativo e o estabelecimento de metas coerentes com o compromisso de prestação de contas apresentam-se em determinadas situações como um esforço intensificado de trabalho burocrático que obstaculiza a avaliação diagnóstica para a promoção de melhorias.

Outro aspecto que nesta análise não pode ser ignorado é que, tendo em vista a complexidade dos limites e condicionantes de ordem macro associados com os avanços da política TEIP, as descontinuidades dessa medida decorrentes da alternância de partidos políticos nos governos constituem um problema, como sinaliza um dos entrevistados:

Mas eu acho que aqui o que estava faltando no nosso país é consolidar as boas políticas e as boas práticas. Nós temos em Portugal um governo ora de direita, ora de esquerda, ou seja, uma democracia reina, e, passados quatro anos, temos o governo de direita, que foi o que aconteceu há quatro anos atrás; neste momento temos um governo de esquerda. O importante, é, é, é, é cimentar algumas bases da educação (D1).

É referida, também, a importância do acompanhamento continuado e suporte aos professores:

Difícil, e eu percebo também, também alguns professores que se sentem desamparados, também há que ter políticas de acompanhamento, mais sistemáticas, mais individualizadas, mais fortes; é preciso haver um acompanhamento muito particular (D3).

O perfil do corpo docente configura um aspecto preocupante em termos de sensibilização para mudanças pedagógicas, conforme pode ser percebido no relato da entrevistada D3:

Ahn, tem a ver muito com este olhar de que eu dou às minhas aulas, eu apresento os meus conteúdos, eu dou o programa, mas depois não reflito sobre a aprendizagem que os alunos fazem. Há muitos docentes que ainda estão muito mais focados no programa do que nos alunos, do que nas pessoas que tem pela frente. E isto é uma crítica que não podemos deixar de fazer, porque há uma grande, eu não quero usar a palavra resistência, porque não gosto da resistência, mas há uma grande dificuldade em aceitar, ou em perceber, que de fato há alunos para quem a escola lhes diz pouco; tem que ser utilizada uma outra abordagem para eles conseguirem, realizar as aprendizagens, desenvolver as competências, mas, com uma outra abordagem.

Como se depreende dos relatos dos entrevistados, o Programa TEIP, para cumprir os objetivos a que se propõe, precisaria minorar alguns dos obstáculos com que convive. Exemplo disso são as situações em que às escolas e aos professores é outorgada a tarefa de, além de promover a aprendizagem dos alunos, cuidar desses alunos e apoiá-los em seus problemas sociais e familiares. Nessa tarefa, também os professores precisariam ser apoiados e acompanhados.

Por isso, a alternância e descontinuidade de políticas constitui um problema que dificulta a concretização de medidas de justiça curricular e social. Como já evidenciado, a ausência de uma Política de Estado condiciona medidas orientadas para a promoção de justiça curricular que são refém da ideologia, dos valores e das concepções dos partidos que ocupam o poder. Essa situação talvez justifique, em parte, os achados identificados por Nata, Pereira e Neves (2014) e Ferraz, Neves e Nata (2018) quando concluem que os resultados acadêmicos dos alunos das escolas TEIP estão muito longe dos estudantes das escolas não TEIP.

Nesse sentido, é possível afirmar que a construção de processos de melhoria exige apoio e tempo para avaliar efeitos e, a partir dessa avaliação, para delinear novos procedimentos. A alteração de concepções e orientações políticas constitui, desse modo, mais um fator que justifica a própria medida e que está associado a desigualdades estruturais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o título deste artigo “TEIP no espelho: uma política portuguesa para promoção do sucesso escolar fundada na justiça social e curricular”, reverberamos que o conceito de sucesso escolar implica a inclusão de populações marcadas por problemas econômicos e sociais e uma aprendizagem para todos e com todos. Nesse sentido, as medidas de superação do insucesso escolar - sinalizado por taxas significativas de reprovações, absentismo, retenções, indisciplina e abandono, que afetam predominantemente alunos de classes menos favorecidas socialmente e residentes em territórios com maiores problemas sociais - constituem uma questão de justiça social e curricular.

A política TEIP é uma política de discriminação positiva que se alinha, em seus princípios e propósitos, com os conceitos de justiça social e curricular e que, da forma como se concretiza, apesar dos problemas que a atravessam, tem promovido, no contexto de escolas/agrupamentos de escolas, movimentos de mudança e mais-valias nos modos de pensar e de atuar de professores e diretores. Nas práticas curriculares e organizacionais desenvolvidas, entre limites e possibilidades, tem contribuído, gradativa e pontualmente, para a indução e promoção de justiça social e curricular sustentada pela territorialização das políticas educativas, isto é, pela percepção da escola como uma instituição curricularmente inteligente (LEITE, 2003) e capaz de tomar decisões para intervir nos problemas com os quis convive.

Relacionada com a intenção de constituir uma política de discriminação positiva, está a sua orientação por princípios de justiça social (TORRES SANTOMÉ, 2013), o que requer o reconhecimento das desigualdades e dificuldades de alunos pertencentes a grupos sociais em situação de risco ou que sofram algum tipo de discriminação. No caso deste estudo, destacaram-se grupos sociais que habitam bairros sociais e possuem vários problemas familiares.

De um modo geral, a política TEIP e o contexto escolar a que este estudo deu voz se empenham na luta a favor dos direitos humanos, aceitam a diversidade e as diferenças, anunciam e denunciam as injustiças e promovem práticas curriculares e organizacionais alinhadas com a justiça social e curricular, promovendo, assim, uma inclusão que, ao mesmo tempo, é excludente em relação as situações de origem. No entanto, como ficou evidente, essa concretização nem sempre é fácil. Apesar disso, é importante fazer justiça em relação à relevância da política, uma vez que existem mais-valias visíveis que sinalizam efeitos positivos da medida ao longo dos anos, especialmente no tocante à minimização do insucesso escolar, ainda que não se atinjam os mesmos níveis acadêmicos de escolas não TEIP.

Tais situações permitem perceber os limites decorrentes de condicionantes de natureza estrutural das melhorias obtidas no sucesso escolar. Nota-se, a esse respeito, a existência de tensões entre a dimensão do cuidar, proteger e promover o desenvolvimento pessoal e social e propiciar uma educação de qualidade para todos e com todos, que gere aprendizagem e sucesso escolar.

A medida política TEIP, no bojo de uma escola democrática para todos, constitui uma política de discriminação positiva e de enfrentamento das desigualdades educacionais sustentada pela equidade. Dessa maneira, juntamente com outras políticas de inclusão escolar e programas de promoção do sucesso escolar, promove processos de mudança curricular e organizacional alinhados aos conceitos e princípios de justiça social e curricular. Ressalta-se, assim, que práticas curriculares de flexibilização, articuladas com medidas de acompanhamento e intervenção durante os primeiros sinais de abandono escolar, produzem efeitos positivos e significativos na minimização do insucesso e na maximização do sucesso escolar.

Em síntese, este estudo evidenciou que a procura da uma justiça curricular promotora da justiça social precisa continuar a ser objeto de atenção, isto é, manter-se na agenda da educação, já que sua concretização exige profissionais abertos a mudanças que exerçam o seu poder de agência e de decisores curriculares. Como utopia, pode-se pensar que, com o tempo, seja possível abrir as portas dos territórios e de escolas/agrupamentos TEIP para uma integração social e uma autêntica educação inclusiva.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

Os agrupamentos de escolas são unidades organizacionais dotadas de órgãos próprios de administração e gestão, constituídas por estabelecimentos de educação pré-escolar e de um ou mais níveis e ciclos de ensino, isto é, de educação básica e secundária, com um Projeto Educativo comum. O intuito da constituição desses agrupamentos engloba, entre outros aspetos, criar condições para percursos escolares integrados e para articulação curricular entre níveis e ciclos educativos de escolas com proximidade geográfica (Decreto n.º 137, de 02 de julho de 2012).

Recebido: 09 de Julho de 2019; Aceito: 25 de Agosto de 2019

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