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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.18 no.1 São Paulo jan./maio 2020  Epub 30-Set-2020

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i1p158-179 

Artigos

A REFORMA EM CURSO NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E A NATURALIZAÇÃO DAS DESIGUALDADES ESCOLARES E SOCIAIS

THE REFORM UNDERWAY IN BRAZILIAN HIGH SCHOOL AND THE NATURALIZATION OF SCHOOL AND SOCIAL INEQUALITIES

LA REFORMA EN CURSO EN LA ESCUELA SECUNDARIA BRASILEÑA Y LA NATURALIZACIÓN DE LAS DESIGUALDADES ESCOLARES Y SOCIALES

Renan Santos FURTADOi 
http://orcid.org/0000-0001-7871-2030

Vergas Vitória Andrade da SILVAii 
http://orcid.org/0000-0002-3730-5938

1 Doutorando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA (PPGED). Professor da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará. E-mail: renan.furtado@yahoo.com.br.

2 i Doutorado (2012) em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora da Educação Básica na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará e Vice-Coordenadora de Pesquisa e Extensão da EA/UFPA. E-mail: vergasvitoria@yahoo.com.br.


RESUMO

Este artigo discute as mudanças definidas para o “novo” ensino médio brasileiro. O foco da análise recai sobre o aspecto que diz respeito à reforma curricular que instaura os itinerários formativos. Para dar conta desse propósito, levantamos o seguinte problema de pesquisa: a instauração dos itinerários formativos pode contribuir para o alargamento das desigualdades no sistema escolar? Partimos do pressuposto segundo o qual a oferta dos itinerários formativos vincula-se a uma das funções próprias aos sistemas de ensino, quais sejam: a de reprodução e de legitimação das desigualdades sociais e escolares. Por isso, do ponto de vista da abordagem teórica, fundamentamos o estudo da reforma curricular à luz da perspectiva dos sociólogos Pierre Bourdieu e Jean Claude-Passeron. Em termos metodológicos, produzimos um estudo cuja perspectiva pretendeu-se qualitativa. A investigação empírica sustentou-se sob o enfoque do documento da Lei 13.415/2017. Diante disso, elegemos a técnica de pesquisa análise documental com o propósito de examinar a estrutura discursiva presente na Lei. Desse modo, buscamos descrever, analisar e interpretar os enunciados do texto legal, percebendo o que subjaz às palavras, suas construções ideológicas e os discursos implícitos. Mais detidamente, a análise documental da Lei 13.415/2017 foi realizada mediante a seleção e exame de três dimensões caras aos propósitos deste estudo, são elas: 1. Aumento da carga horária e a implantação de escolas em tempo integral; 2. a proposta de formação integral dos alunos; e 3. o ideário de flexibilização da grade curricular que instaura a opção de escolha por itinerários formativos. Os resultados da pesquisa permitem-nos inferir que a função intrínseca aos sistemas de ensino de ocultar sua relação dissimulada com as classes sociais conecta-se ao objetivo, também oculto, da reforma do ensino médio e dos itinerários formativos, qual seja: propiciar aos estudantes das escolas públicas brasileiras uma formação diminuta cujo efeito é a possibilidade do alargamento e naturalização das desigualdades sociais e escolares.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma curricular; Itinerários formativos; Reprodução; Legitimação; Desigualdades escolares

ABSTRACT

This article discusses the changes defined for the “new” Brazilian high school. The focus of the analysis falls on the aspect that concerns the curricular reform that establishes the formative itineraries. To address this purpose, we raise the following research problem: can the establishment of training itineraries contribute to the widening of inequalities in the school system? We start from the assumption that the offer of training itineraries is linked to one of the functions inherent to education systems, namely: reproduction and legitimization of social and school inequalities. Therefore, from the point of view of the theoretical approach, we base the study of curriculum reform in the light of the perspective of sociologists Pierre Bourdieu and Jean Claude-Passeron. In methodological terms, we produced a study whose perspective was intended to be qualitative. The empirical investigation was based on the focus of the document of Law 13.415/2017. Therefore, we chose the document analysis research technique in order to examine the discursive structure present in the Law. In this way, we seek to describe, analyze and interpret the statements of the legal text, realizing what underlies the words, their ideological constructions and the speeches implicit. More closely, the documentary analysis of Law 13,415/2017 was carried out through the selection and examination of three dimensions dear to the purposes of this study. They are: 1. Increased workload and the establishment of full-time schools; 2. the proposal for integral training of students and 3. the ideal of flexibilization of the curriculum that establishes the option of choosing training paths. The results of the research allow us to infer that the intrinsic function of the teaching systems of hiding their disguised relationship with social classes is connected to the objective, also hidden, of the reform of high school and of the formative itineraries, namely: to provide students Brazilian public schools have a small formation whose effect is the possibility of widening and naturalizing social and school inequalities.

KEYWORDS: Curricular reform; Formative itineraries; Reproduction; Legitimation; School inequalities

RESUMEN

Este artículo analiza los cambios definidos para la "nueva" escuela secundaria brasileña. El enfoque del análisis recae en el aspecto que concierne a la reforma curricular que establece los itinerarios formativos. Para abordar este propósito, planteamos el siguiente problema de investigación: ¿puede el establecimiento de itinerarios de capacitación contribuir a la ampliación de las desigualdades en el sistema escolar? Partimos del supuesto de que la oferta de itinerarios formativos está vinculada a una de las funciones inherentes a los sistemas educativos, a saber: la reproducción y la legitimación de las desigualdades sociales y escolares. Por lo tanto, desde el punto de vista del enfoque teórico, basamos el estudio de la reforma curricular a la luz de la perspectiva de los sociólogos Pierre Bourdieu y Jean Claude-Passeron. En términos metodológicos, produjimos un estudio cuya perspectiva pretendía ser cualitativa. La investigación empírica se basó en el enfoque del documento de la Ley 13.415/2017. Por lo tanto, elegimos la técnica de investigación de análisis de documentos para examinar la estructura discursiva presente en la Ley. De esta manera, buscamos describir, analizar e interpretar las declaraciones del texto legal, dándonos cuenta de lo que subyace a las palabras, sus construcciones ideológicas y los discursos. implícito Más de cerca, el análisis documental de la Ley 13.415/2017 se llevó a cabo mediante la selección y el examen de tres dimensiones muy apreciadas para los propósitos de este estudio. Ellos son: 1. Mayor carga de trabajo y el establecimiento de escuelas a tiempo completo; 2. la propuesta de formación integral de los alumnos y 3. el ideal de flexibilización del currículum que establece la opción de elegir itinerarios formativos. Los resultados de la investigación nos permiten inferir que la función intrínseca de los sistemas de enseñanza de ocultar su relación encubierta con las clases sociales está relacionada con el objetivo, también oculto, de la reforma de la escuela secundaria y de los itinerarios formativos, a saber: proporcionar a los estudiantes Las escuelas públicas brasileñas tienen una pequeña formación cuyo efecto es la posibilidad de ampliar y naturalizar las desigualdades sociales y escolares.

PALABRAS CLAVE: Reforma curricular; Itinerarios formativos; Reproducción Legitimación Desigualdades escolares

1 INTRODUÇÃO

A Reforma do Ensino Médio foi veiculada no dia 22 de setembro de 2016 sob a forma da Medida Provisória (MP) nº 746.1 Conforme pormenorizado na Exposição de Motivos, o texto da MP encaminhado ao Congresso Nacional era claro quanto aos objetivos da Reforma, quais sejam: “dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio; ampliar progressivamente a jornada escolar deste nível de ensino e criar a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral” (BRASIL, 2016). No que se refere às propostas de reformulação curricular, as justificativas delineadas no mesmo texto da Exposição de Motivos aglutinaram-se em torno de quatro situações-problema: 1) o baixo desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática, conforme os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB; 2) estrutura curricular com trajetória única, cuja carga-horária compreende 13 disciplinas, considerada excessiva e a responsável pelo desinteresse e fraco desempenho dos estudantes; 3) a necessidade de diversificação e flexibilização do currículo, tomando por modelo os países com melhor desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA; e 4) o fato de que menos de 17% dos alunos que concluem o ensino médio acessam a educação superior (BRASIL, 2016).

Como se pode depreender, as situações-problema acima referidas, adotadas como argumentos que justificariam a reforma curricular no ensino médio, estão, por seu turno, subordinadas à questão do baixo desempenho obtido pelos estudantes brasileiros, em face dos índices de abandono e reprovação. Com efeito, os números sobre êxito escolar apresentados na Exposição de Motivos são reais e inquestionáveis. Conforme observou Barcellos et al. (p. 128, 2017), “o ensino médio apresenta de fato os piores números no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB e números de evasão preocupantes. O IDEB do EM estava em 3,5 pontos no ano de 2016, numa escala de 10 com média projetada de 4,0 pontos para o mesmo período”. Sem dúvidas, esses dados reforçam a preeminência de se viabilizar mudanças no ensino médio. Entretanto, há algo que não está posto e nos parece imprescindível. Ora, não há no texto da Exposição de Motivos da MP nº 746/2016 questionamentos sobre aspectos de ordem econômica, cultural, política e pedagógica que poderiam ser a chave explicativa para o desempenho insatisfatório dos estudantes brasileiros. Ao contrário, justifica-se a necessidade da reforma no ensino médio tomando como parâmetro dados estatísticos sobre abandono e reprovação.

Entretanto, o que subjaz aos dados e motivos para a realização da reforma apresentados na MP nº 746/2016? Segundo o nosso ponto de vista, o que está implícito é a lógica do gerencialismo educacional, baseado na ideia da escola como um espaço que deve ter seus resultados controlados como uma empresa (SHIROMA, 2018), e do neotecnicismo, que como teoria pedagógica compreende que a educação escolar necessita ser regulada por agentes externos que possam garantir a eficácia e o rendimento dos estudantes (SAVIANI, 2008). Enfim, essas parecem ser as ideias educacionais que subsidiam as justificativas da Reforma do Ensino Médio.

Essa discussão serve-nos como ilustração para introduzir um pressuposto teórico que nos é caro e que subsidiará nossa pesquisa: o fracasso ou sucesso escolar é tributário de condições que estão relacionadas à origem social e cultural dos estudantes (BOURDIEU, 2009; 2015). Segundo essa perspectiva, as disparidades sociais diante do êxito escolar se vinculam, sobretudo, às diferenças culturais. É necessário ter em vista as bases sociais do desempenho escolar. Ao que parece, os argumentos que viabilizaram a Reforma do Ensino Médio negligenciam tal pressuposto, e atuam partindo da premissa de que é possível padronizar e controlar o processo de ensino-aprendizagem sem levar em consideração as circunstâncias sociais e culturais dos estudantes (FREITAS, 2014; SÜSSEKIND, 2019).

Para os propósitos deste estudo, partimos da tese segundo a qual o “novo” ensino médio, da forma como foi aprovado na Lei 13.415/2017, tenderá a não modificar esse cenário de baixo rendimento que deu origem à Reforma, ao contrário, poderá manter as estatísticas negativas de êxito escolar e ampliará, ainda mais, as desigualdades sociais e escolares. A Reforma do Ensino Médio em curso pode propiciar formas particulares de distinção, tornando-se um elemento de diferenciação social.

A principal alteração para o currículo, e que é objeto de análise no presente artigo, diz respeito ao art. 36 da LDB nº 9.394/1996, que passou a ter a seguinte redação:

O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional (BRASIL, 2017).

Desta maneira, a Lei 13.415/2017 “parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular” (FERRETTI, 2018, p. 27). Como aponta Hypolito (2019), essas reformas educacionais contemporâneas partem da premissa de que a pobreza e as desigualdades sociais podem ser combatidas por via da modificação curricular e dos processos de aprendizagem. Além disso, como se pode constatar no art. 36 da LDB nº 9.394/1996, as alterações propostas não parecem sugerir proposições que revertam os índices de abandono e reprovação no ensino médio. Elas fazem referência a mudanças na organização curricular que prevê a oferta de variados itinerários formativos, “seja para o aprofundamento acadêmico em uma ou mais áreas do conhecimento, seja para a formação técnica e profissional” (MEC, 2018, p. 468). Conforme consta no texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os itinerários formativos são “estratégicos para a flexibilização da organização curricular do Ensino Médio, pois possibilitam opções de escolha aos estudantes” (MEC, 2018, p. 477).

A escolha entre os itinerários pelos jovens é mencionada no §12 do artigo 36, segundo o qual “as escolas deverão orientar os alunos no processo de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação profissional previstas no caput” (BRASIL, 2017). Expressa dessa forma, o parágrafo sugere que a escolha de um ou mais itinerários será realizada pelo(a) aluno(a). Entretanto, vale frisar que “a definição dos arranjos curriculares a serem definidos por um dado ente federativo é prerrogativa desse, não do aluno” (FERRETTI, 2018, p. 29). Nesse caso, os estudantes realizarão, tão somente, escolhas entre os itinerários formativos definidos pelos sistemas de ensino, que o farão tomando como referência realidades expressamente desiguais. Com base nisso, partimos do pressuposto segundo o qual a lógica de fracionar os conhecimentos no modelo de itinerários acarretará, em consequência, distintas formações que serão, inevitavelmente, subordinadas à situação socioeconômica dos/as alunos/as e às condições das instituições de ensino, podendo favorecer, desta maneira, a manutenção, legitimação e reprodução das disparidades sociais.

Isto posto, o presente artigo tem como objetivo discutir as mudanças definidas para o “novo” ensino médio por meio da Lei 13.415/2017 (cuja origem remonta à MP nº 746/2016). Mais detidamente, nosso foco de análise recai sobre o aspecto que diz respeito à reforma curricular que instaura os itinerários formativos. Para dar conta desse propósito, levantamos o seguinte problema de pesquisa: a instauração dos itinerários formativos pode contribuir para o alargamento das desigualdades no sistema escolar? A hipótese central desse estudo reitera que a oferta dos itinerários formativos se vincula a uma das funções próprias aos sistemas de ensino, quais sejam: a de reprodução e de legitimação das desigualdades sociais e escolares. O “novo” ensino médio e a oferta por itinerários formativos podem produzir uma variabilidade e instabilidade na forma como as escolas passarão a disponibilizar essa modalidade de ensino, com algumas escolas sendo capazes de oferecer todos os itinerários, outras apenas alguns, ou ainda estabelecimentos que ofertarão somente um. Tal prerrogativa, segundo o nosso ponto de vista, poderá servir de base para o alargamento das desigualdades sociais e escolares.

Cabe destacar que, até o presente momento, o Ministério da Educação não estabeleceu critérios mais rígidos para o cumprimento da reforma por parte das instituições de ensino. Ou seja, a escola que oferecer um itinerário estará cumprindo a reforma do mesmo modo que a escola que ofertar os cinco. Outro ponto, é que inexiste atualmente no Brasil uma discussão sobre o aumento do financiamento da educação básica, que é condição absoluta para o cumprimento de todos os itens apresentados no texto da Lei 13.415/2017.

Do ponto de vista da abordagem teórica, fundamentamos a análise da reforma curricular, que inaugura os itinerários formativos nas escolas do ensino médio, à luz da perspectiva dos sociólogos Pierre Bourdieu e Jean Claude-Passeron (2009; 2015), que tomam a escola como uma instituição social por meio da qual se mantêm e se legitimam privilégios sociais. Em termos metodológicos, produzimos uma pesquisa cuja perspectiva pretendeu-se qualitativa. O enfoque de nossa investigação empírica sustentou-se na análise do documento da Lei 13.415/2017 e na Medida Provisória (MP) nº 746, por isso, elegemos a técnica de pesquisa análise documental nos pressupostos do Cellard (2008). Conforme este autor, é possível que o documento enquanto objeto de análise possibilite compreender uma dada realidade, permitindo “acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social” (CELLARD, 2008, p. 295). Nossa proposta metodológica passa obrigatoriamente pela análise da estrutura discursiva presente na Lei 13.415/2017. Para tanto, descreveremos, analisaremos e interpretaremos os enunciados do texto, procurando perceber o que subjaz às palavras, suas construções ideológicas e os discursos implícitos.

Mais detidamente, a análise documental da Lei 13.415/2017 foi realizada mediante a seleção e exame de três dimensões caras aos propósitos deste estudo e que se destacam no corpo da Lei. As dimensões selecionadas e analisadas foram: 1. Aumento da carga horária e a implantação de escolas em tempo integral; 2. a proposta de formação integral dos alunos; e 3. o ideário de flexibilização da grade curricular que instaura a opção de escolha por itinerários formativos. A escolha por tais dimensões se justificam na medida em que são consideradas elementos que expressam as principais mudanças para o “novo” ensino médio brasileiro. Além disso, tais dimensões, segundo o nosso ponto de vista, apresentam contradições entre o sentido manifesto e o sentido oculto que, por isso, carecem de problematização.

Para dar conta da proposta geral deste artigo, estruturamos nossa análise em três partes. Na primeira, nos deteremos ao aspecto referente à reforma curricular que instaura os itinerários formativos. A meta aqui é verificar as vinculações entre tais itinerários e a função dos sistemas de ensino, tal qual estabelecida por Bourdieu e Passeron (2009; 2015), que supõem a instituição escolar como um espaço propício à manutenção da ordem social vigente. Na segunda parte, direcionamos o olhar sobre o texto da Lei 13.415/2017, cujo objetivo foi analisar as três dimensões acima referidas e desvelar, através de uma leitura crítica, as contradições e os paradoxos existentes entre o sentido manifesto e o sentido oculto contidos nas principais propostas de alteração da Reforma do Ensino Médio. Por último, faremos as nossas considerações finais.

2 OS ITINERÁRIOS FORMATIVOS E O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES ESCOLARES E SOCIAIS

As práticas educacionais, desnudadas pelos sociólogos Bourdieu e Passeron (2009; 2015), em especial, nas obras Os herdeiros (1964) e A reprodução (1970), desvendaram, amiúde, a seletividade educacional que exclui, segrega e marginaliza estudantes provenientes das classes populares, enquanto favorece e privilegia os estudantes mais dotados de capital econômico, social, simbólico e cultural2. Afinal, essa é “a lógica de um sistema [de ensino] que tem por função objetiva conservar os valores que fundamentam a ordem social” (BOURDIEU, 2015, p. 56). Bourdieu e Passeron (2015) deixam claro que a origem social se converte, portanto, em desigualdades escolares e reproduzem os sistemas de posições e dominação, pois é na escola que o legado econômico da família se transforma em capital cultural. Segundo a perspectiva desses autores, a escola deixa de ser uma instância neutra e transformadora, passando a ser vista também como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais. Onde se via igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu e Passeron (2009; 2015) passam a enxergar reprodução e legitimação das desigualdades sociais.

Provavelmente, a mais importante contribuição de Bourdieu e Passeron (2009; 2015) para a compreensão sociológica da escola tenha sido a de evidenciar que essa instituição não é isenta de valores sociais. Segundo Bourdieu (2009; 2015), a escola representa, basicamente, os gostos, as crenças, as posturas e os valores dos grupos dominantes. Apesar disso, a cultura transmitida pela escola é apresentada como ‘cultura universal’, dissimulando, desta forma, seu caráter arbitrário. Mantendo uma estrutura de dominação, ao se pautar no capital cultural das classes privilegiadas, a escola acaba, desta maneira, por exercer uma violência simbólica3 que favorece a exclusão dos que não o detém. Essa forma específica de violência se mostra, mais nitidamente, no processo de comunicação de conteúdos e na valorização de conhecimentos escolares que destoam dos valores das classes menos favorecidas. A violência simbólica a que o autor se refere é “essa coerção que se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (portanto, à dominação)” (BOURDIEU, 2007, p. 206), pois ela já se apresenta na forma incorporada.

Evidentemente, “numa sociedade dividida em classes”, a escola reparte, “com famílias desigualmente dotadas de capital cultural” (BOURDIEU; PASSERON, 2015, p. 245), conteúdos escolares “para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos” (BOURDIEU, 2015, p. 59). Agindo assim, a escola, portanto, desconsidera as desigualdades culturais entre os estudantes das diferentes classes sociais. É neste sentido que o fracasso escolar surge como socialmente necessário num sistema configurado em relações de dominação. Em razão disso, a escola “contribui de maneira insubstituível para perpetuar a estrutura das relações de classe e ao mesmo tempo para legitimá-la ao dissimular que as hierarquias escolares que ela produz reproduzem hierarquias sociais” (BOURDIEU; PASSERON, 2015, p. 244).

Dialogando com a perspectiva bourdieusiana, Francois Dubet (2003) desenvolve uma discussão bastante profícua, da qual não se pode prescindir, sobre a função da escola. Segundo esse autor, “é a própria escola que opera as grandes divisões e as grandes desigualdades” (DUBET, 2003, p. 34). Isso ocorre porque a escola é meritocrática, ou seja, “ela ordena, hierarquiza, classifica os indivíduos em função de seus méritos, postulando em revanche que esses indivíduos são iguais” (DUBET, 2003, p. 40). Ora, numa sociedade que postula o princípio de igualdade entre todos, “o mérito pessoal é o único modo de construir desigualdades justas, isto é, desigualdades legítimas, já que as outras desigualdades, principalmente as de nascimento, seriam inaceitáveis” (DUBET, 2004, p. 544). O resultado “normal” desse feito é a exclusão escolar. A escola democrática assegura, concomitantemente, a igualdade dos estudantes e a desigualdade de seus desempenhos escolares, integrando mais e excluindo mais que antes (DUBET, 2003).

Diante do fenômeno da exclusão escolar, Dubet (2004, p. 545) propõe a construção do que chama “igualdade de acesso”. Conforme pondera, “o fator de igualdade essencial é antes de tudo a redução das próprias desigualdades sociais”, considerando que escola nenhuma só será capaz de construir uma sociedade igualitária. Para o autor, não se garante justiça social sem antes se garantir um mínimo de amparo e assistência aos menos favorecidos. Neste sentido, é imprescindível salvaguardar “limites mínimos abaixo dos quais ninguém deveria ficar: é o caso do salário mínimo, da assistência médica, dos benefícios elementares que protegem os mais fracos da exclusão total” (DUBET, 2004, p. 546). Ademais, um sistema menos injusto deve estar alinhado com a proposta que afiança aquisições e competências consideradas basilares para a formação dos alunos ‘menos bons’ e ‘menos favorecidos’. Nesse contexto, “uma escola justa não teria a pretensão de fazer a triagem dos indivíduos de maneira tão definitiva; ela permitiria, aos que fracassaram ou saíram, tentar uma nova oportunidade” (DUBET, 2004, p. 547).

Esteando-se pela concepção teórica bourdieusiana, nossa análise a respeito dos itinerários formativos, como não poderia deixar de ser, é tributária do pressuposto que leva em conta as “relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações entre as classes” (BOURDIEU; PASSERON, 2015, p. 16). Para efeito deste estudo, partimos da constatação basilar segundo a qual existe uma correlação muito estreita entre as desigualdades sociais/culturais e as desigualdades escolares. Por isso, cabe-nos, nessa seção, demonstrar as conexões entre a proposta que inaugura os itinerários e a função dos sistemas de ensino, tal qual prescrita por Bourdieu e Passeron (2009; 2015). Segundo esses autores, “a função mais dissimulada e mais específica do sistema de ensino consiste em esconder sua função objetiva, isto é, dissimular a verdade objetiva de sua relação com a estrutura das relações de classe” (BOURDIEU; PASSERON, 2015, p. 248). Partindo desse entendimento, nossa análise nos permite inferir que o estabelecimento dos itinerários formativos no “novo” ensino médio reforça e deixa ainda mais evidente a função objetiva dos sistemas de ensino, a que se referiu Bourdieu e Passeron (2015), ou seja, ocultar sua relação com as classes sociais.

Mediante a proposta que instaura os itinerários formativos, a escola, doravante, poderá contribuir para manter e reproduzir, em escala ainda maior, essa estrutura que legitima as desigualdades, distribuindo de maneira desigual o capital cultural entre os grupos, posto que, com a limitação das escolhas pelos itinerários, nem todos os estudantes brasileiros terão acesso a todos os conteúdos. No campo escolar, o capital cultural dos estudantes condiciona suas carreiras no mundo do saber sistematizado, fazendo com que aqueles que já partem de uma situação favorável desde nascença mantenham suas posições. Segundo essa concepção, o capital cultural (privilégio de poucos) refere-se a um conjunto de recursos e competências disponíveis e mobilizáveis em matéria de “cultura dominante”4, que se impõe como “cultura legítima”5. Os(as) estudantes distanciados(as) desse aporte cultural teriam dificuldades em alcançar rendimentos escolares satisfatórios, visto que “os conhecimentos dos estudantes são tão mais ricos e extensos quanto mais elevada é a sua origem social” (BOURDIEU, 2015, p. 80).

Comumente, a escola confia ao capital cultural o elemento distintivo central para que se ordene e reordene as suas dominações e posições. Neste sentido, o capital cultural funciona como um recurso social, fonte de distinção e poder. Ele se torna um elemento de diferenciação social que permitiria o acesso a percursos escolares marcados pelo sucesso. Desta maneira, ele opera como um organizador hierárquico que condiciona as carreiras dos estudantes no mundo do saber sistematizado, fazendo com que aqueles que já partem de uma situação favorável mantenham suas posições. Portanto, a reforma que institui os itinerários formativos, ao limitar o direito ao conhecimento para a vasta maioria dos alunos do ensino médio público, visto que não há a obrigatoriedade dos estabelecimentos de ensino oferecerem todos os itinerários formativos, corrobora para que o acesso limitado ao conhecimento e à cultura alargue, ainda mais, as disparidades escolares no sistema educacional brasileiro. Por conseguinte, tal decisão institucionaliza a distribuição desigual de capital cultural entre os estudantes, potencializando a concepção de escola como reprodutora das desigualdades sociais.

Com a reforma e a designação dos itinerários formativos, novamente a burguesia brasileira se insere na tensão entre o ter que dar acesso ao mínimo de conhecimento para que os filhos e filhas dos trabalhadores continuem a reprodução do sistema do capital, e ao mesmo tempo devem garantir que esses conhecimentos não sirvam para a plena humanização e reflexão sobre as condições e origens sociais e culturais das desigualdades historicamente construídas na sociedade e cristalizadas nos sistemas de ensino. Podemos afirmar que é justamente essa racionalidade elitista que dá a mínima formação para os estudantes de camadas populares, fazendo com o que o próprio texto da Reforma do Ensino Médio secundarize campos de conhecimento impreteríveis para a humanização dos discentes, como a sociologia, a filosofia, a arte e a educação física. Isso reforça a tese de que, para a reprodução da sociabilidade vigente, bastaria aos filhos e filhas dos trabalhadores o que existe de mais básico e funcional na Matemática e na Língua Portuguesa.

Outro ponto é que, para a realização da distinção social e perpetuação das desigualdades historicamente construídas na sociedade brasileira, a reforma faz uso de um movimento ideológico no pleno sentido do ocultamento de uma parcela da realidade, por via de uma espécie de câmara escura (no sentido de uma visão parcial e orientada por interesses de classe) tal como apontam Marx e Engels (2007). Assim, temos a flexibilização do currículo, das escolhas e a educação em tempo integral como os aspectos mais ideológicos do projeto de ensino médio imposto para a juventude pobre.

Se a priori o termo flexibilização pode vincular-se à autonomia, liberdade de escolhas e protagonismo juvenil (KRAWCZYK; FERRETI, 2017), na prática teremos o rebaixamento da formação escolar e escolhas sempre condicionadas pela condição de cada sistema de ensino em ofertar ou não os itinerários do dito currículo flexível. No que diz respeito à proposta de educação em tempo integral, podemos nos perguntar de qual modo isso poderá ocorrer em um cenário cada vez escasso de financiamento e com uma prescrição arbitrária de conhecimentos e metodologias de ensino? É possível uma formação integral em conformidade com o estreitamento do currículo e com uma seleção de conteúdos baseada nos discursos mercadológicos?

Tais questões, a nosso ver, apresentam-se como respostas que dificilmente teremos da parte dos reformadores da educação orientados pela lógica do neoliberalismo. De fato, é preciso continuar “apostando”, como modo de resistência na formação/escolarização de alto nível permeada dialogicamente pelos saberes de todas as áreas do conhecimento e na mobilização popular protagonizada pela juventude oriunda das classes populares que não quer mais ter que escolher entre o trabalho e a escola, e que, por isso, tem se colocado nos últimos anos na dianteira das lutas sociais em defesa da escola e da educação pública e de qualidade para todos.

3 A LEI 13.415/2017 E AS CONTRADIÇÕES ENTRE O SENTIDO MANIFESTO E O OCULTO

A recente reforma do Ensino Médio, expressa na Lei 13.415/2017, promoveu mudanças significativas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Ao se analisar o texto da nova Lei, constata-se que as alterações centrais dizem respeito, sobretudo, a dois aspectos: 1. O aumento da carga horária anual, conforme o §1º do Art. 24: “a carga horária mínima anual [...] deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas [...]” (BRASIL, 2017).6 Vale ressaltar que o aumento da carga horária será viabilizado por meio da oferta de cursos em tempo integral, conforme o Art. 13: “fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral” (BRASIL, 2017); e 2. flexibilização curricular, tal qual se observa no já mencionado Art. 36: “o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos [...]” (BRASIL, 2017). O §7º do Art. 35-A lembra-nos, ainda, que “os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (BRASIL, 2017).

Em síntese, são duas ordens de mudanças: de um lado, aumento da carga horária e implementação de escolas em tempo integral; de outro, flexibilização do currículo, doravante, composto pela BNCC e por itinerários formativos, visando à formação integral dos estudantes.7 Reiteradamente, tais mudanças tiveram respaldos em duas justificativas fundamentais: a baixa qualidade do ensino médio brasileiro e a necessidade de tornar essa etapa da educação básica atrativa aos estudantes, que acumula dados de evasão e reprovação (BRASIL, 2016). Segundo nossa análise, ambas as justificativas não parecem guardar relação com as propostas de alteração apresentadas no texto na Lei. Indubitavelmente, o problema da baixa qualidade do ensino médio e a necessidade de torná-lo atrativo, com menos reprovações e abandono, não podem ser resolvidos com aumento da carga horária e com a flexibilização curricular, sem que se leve em conta outros aspectos, tais quais: “infraestrutura inadequada das escolas, carreira dos professores, incluindo salários, formas de contratação, não vinculação desses a uma única escola; ademais, ignora-se, que o afastamento de muitos jovens da escola [...] pode decorrer da necessidade de contribuir para a renda familiar” (FERRETTI, 2018, p. 26). Como se pode depreender, despontam contradições nos próprios argumentos que justificam a Reforma do Ensino Médio8.

Aliás, nossa análise nos permitiu, ainda, desvelar outras contradições presentes no corpo da Lei 13.415/2017. Após avaliar os artigos que compõem essa legislação, observamos diferenças que evidenciam discrepâncias entre o sentido manifesto e o sentido oculto nas principais alterações propostas para a Reforma do Ensino Médio. O objetivo dessa seção é desenvolver uma análise apontando tais contradições. A seguir, quadro 1 que expõe as dimensões analisadas por este estudo e propõe uma síntese com as contradições entre o sentido manifesto e o sentido oculto presentes na Lei 13.415/2017.

Quadro 1 Dimensões de análise e as contradições da Lei 13.415/2017 

Dimensão analisada Sentido manifesto na Lei 13.415/2017 Sentido oculto e contradições
Aumento da Carga Horária e implantação de escolas em tempo integral §1º do Art. 24: “a carga horária mínima anual [...] deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio [...]” Art. 13: “fica instituída, no âmbito do MEC, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral”. A Política de Fomento viabilizará a implantação de Escolas em Tempo Integral, visando o aumento da carga horária. Entretanto, o texto legal condiciona a transferência de recursos à disponibilidade orçamentária e sua definição por ato do Ministro da Educação.
Perspectiva que visa a formação integral dos alunos §7º do Art. 35-A: “os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais”. Concomitantemente, se propõe a integralidade formativa, mas o texto da lei não é claro quanto à obrigatoriedade de componentes curriculares importantes para tal formação, como educação física, artes, filosofia e sociologia.
Ideário de flexibilização da grade curricular que instaura a opção de escolha por itinerários formativos. Art. 36: “o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos [...]” No texto da Lei 13.415/2017, não há a obrigatoriedade de os estabelecimentos de ensino oferecerem todos os itinerários formativos. A prerrogativa de definição do itinerário a ser oferecido aos estudantes é do sistema de ensino, conforme contexto local e suas possibilidades.

Fonte: Elaboração própria

Nossa análise se inicia com a primeira dimensão, acréscimo da carga horária anual e a implementação gradativa do ensino médio em tempo integral nas escolas das redes pública e privada. Para atender tal demanda, há, indubitavelmente, a necessidade de investimento financeiro de grande monta. O prolongamento do tempo de estadia dos alunos na escola reclamará incrementos em infraestrutura, bem como nos quadros de professores e outros profissionais da educação, imprescindíveis ao andamento da rotina escolar. Entretanto, tal proposta pode se tornar inviável uma vez que ela vem acompanhada por um pacote de cortes em gastos públicos e limitações orçamentárias, cujo principal dispositivo é a emenda constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos por 20 anos. Embora a Lei tenha previsto o estabelecimento da Política de Fomento que viabilizará a implantação de Escolas em Tempo Integral, paradoxalmente, o § 2º do Art. 13 deixa claro que a “transferência de recursos será realizada anualmente [...] respeitada à disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação” (BRASIL, 2017). Como se pode notar, o texto legal condiciona a transferência de recursos à disponibilidade orçamentária e sua definição por ato do Ministro da Educação.

No limite, assistimos, mais uma vez, com a promulgação da Reforma do Ensino Médio, a máxima do modelo gerencial de aspiração neoliberal que fundamenta as políticas educacionais no Brasil desde a década de 1990, ou seja, é possível fazer mais e aumentar o rendimento escolar dos estudantes com menos gastos públicos e investimentos em educação (SHIROMA, 2018). Nesse sentido, se do ponto de vista da defesa da plena humanização dos sujeitos por via do trabalho educativo é inconcebível pensar a melhoria do rendimento escolar sem o necessário investimento no setor, para os empresários, grande mídia, instituições privadas e organismos multilaterais (UNESCO, BANCO MUNDIAL, ONU, OCDE etc.), é perfeitamente possível melhorar o desempenho dos estudantes apenas por via da otimização dos gastos e do controle e responsabilização dos agentes escolares (professores e gestores principalmente) pelos seus supostos fracassos.

No que se refere à segunda dimensão, formação integral dos alunos, instala-se, segundo nossa análise, outra contradição bastante significativa. Concomitantemente, propõe-se a integralidade formativa, mas o texto da lei não é claro quanto à obrigatoriedade de componentes curriculares importantes para tal formação, como educação física, artes, filosofia e sociologia, enquanto o ensino de matemática e língua portuguesa é obrigatório durante todo o ensino médio, como se pode notar no texto que segue:

Art. 35-A § 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia (BRASIL, 2017).

§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas (BRASIL, 2017).

Ao se analisar os § 2º e § 3º, constata-se que, apesar de as disciplinas educação física, arte, sociologia e filosofia estejam presentes no texto da lei, há uma discrepância referente à abordagem dada a esses conteúdos e aos demais correlacionados à matemática e à língua portuguesa. Como se percebe, às últimas, o termo utilizado é “ensino”, às primeiras o emprego é “estudos” e “práticas”, sem maiores detalhes que deixem claro a intencionalidade dos termos. A partir daí, podemos supor que esses conteúdos poderão ser “estudados” e “praticados”, mas não necessariamente “ensinados”? Nessa mesma linha de raciocínio, podemos presumir, ainda, que tais estudos e práticas poderão ser dissolvidos em outros componentes curriculares de forma transversal, como sugere o §7º do Art. 2º: “a integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais” [...] (BRASIL, 2017). Vale frisar o que o parágrafo revela: será facultado aos sistemas de ensino o trabalho com projetos e pesquisas envolvendo tais temas. Não é algo prescritivo. Isto posto, podemos questionar: é possível uma formação integral dissociada da construção de um pensamento crítico e reflexivo via ciências humanas, artes e práticas corporais?

De acordo com Krawczyk e Ferreti (2017) e Hernandes (2019), existe, na estruturação do texto da Reforma do Ensino Médio, uma latente sinalização para o recuo da formação teórico-crítica da juventude brasileira. Assim, a reforma opera com a falsa premissa de que as escolas brasileiras são repletas de conteúdos que conseguem dialogar com as demandas do mundo do trabalho. Sendo assim, a função social da escola como espaço no qual a juventude possui o direito de se apropriar dos diferentes conhecimentos produzidos historicamente pelo conjunto da humanidade é diretamente colocada em segundo plano pela reforma. Pois, além da seleção arbitrária dos conhecimentos que os estudantes devem aprender, a reforma faz coro com as políticas de ajuste fiscal e de desinvestimento econômico na educação escolar.

Ademais, essa aparente concepção que valoriza a integralidade da formação é desvirtuada quando se observa o §8º do Art. 35-A. Nele, é descrito quais expectativas devem ser atingidas pelo aluno ao final do ensino médio:

§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (BRASIL, 2017).

É contraditório prever que a formação do aluno deva ser integral quando, ao final do ensino médio, ele deverá apenas mostrar-se apto em determinadas áreas, em detrimento das demais. Conforme se percebe, o referido parágrafo da Lei anuncia que o aluno deverá demostrar domínio dos princípios científicos e tecnológicos e ter conhecimento das formas contemporâneas de linguagens. Algo bastante reducionista e simplista.

Vale ressaltar que educação integral é aquela que coincide com o desenvolvimento completo do ser humano multidimensional. Ela visa promover uma aprendizagem plena e corporificada por posições educativas intencionais, viabilizando experiências capazes de desenvolver habilidades cognitivas, afetivas, físicas, éticas e sociais. Sob essa perspectiva, a educação integral supõe a produção de um projeto pedagógico, formação do quadro docente, infraestrutura e meios para sua implantação. A este respeito, as autoras Silva & Boutin (2018, p. 530) desvelam que:

a reforma que integra a educação integral no chamado Novo Ensino Médio tem como compromisso uma formação mais técnica e menos propedêutica, servindo dessa forma ao jogo de interesses que rege a sociedade do capital, pois contribui para a formação do homem produtivo, do homem massa, distanciando-se do conceito de ominilateralidade que pressupõe uma formação efetivamente integral.

Quanto à flexibilização da grade curricular que inaugura a opção de escolha por itinerários formativos, terceira e última dimensão de nossa análise, revelam-se, da mesma maneira, uma série de outras contradições. O contexto em que se instaura a Lei 13.415/2017 é marcado por um discurso que enaltece a flexibilização do currículo do Ensino Médio mediante a condução das “vocações” e “escolhas” dos estudantes. Segundo Maria Helena Guimarães de Castro (2016), à época secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), os itinerários formativos favorecem a valorização do protagonismo juvenil, afinal, será o próprio estudante que terá a possibilidade de fazer escolhas, de forma autônoma e dinâmica, a partir de seu projeto de vida. Conforme defende Castro (2016), os estudantes escolherão, conforme sua vocação, entre as áreas de linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e a formação técnica e profissional. Sob esta ótica, incorpora-se à proposta de flexibilização do currículo, discursos naturalizados como o de que a escolha provém de uma “vocação” interior e inata, ignorando a condição de construção histórica dessa vocação.

Segundo os argumentos da então secretária-executiva do MEC, os itinerários formativos são, de fato, bastante atrativos, ao menos como descritos no texto da Lei. Entretanto, análises mais rebuscadas refutam a tese de que a escolha vocacionada por esses itinerários promoveria o que se defende como protagonismo juvenil ou a autonomia dos estudantes. Os autores Ferreti e Silva (2017, p. 394) lembram-nos que a escolha por itinerários formativos não passa de uma proposta falaciosa na medida em que ela é impraticável. Por exemplo, no Brasil hoje “existem próximo a três mil municípios com uma única escola pública de Ensino Médio, o que inviabilizaria a escolha por parte dos estudantes”. Em consequência, esses autores entendem que a fragmentação do ensino médio em itinerários formativos optativos fere “o direito ao conhecimento para a ampla maioria dos estudantes que se encontram no ensino médio público” (FERRETI; SILVA, 2017, p. 394).

Na mesma linha de argumentação, os autores Mesquita e Silva (2017, p. 5) apresentam uma discussão bastante interessante sobre “vocação e escolha”. Segundo argumentam,

No Brasil, comunidades carentes de recursos de natureza variada não veem outra escolha a não ser ingressar no sistema público de ensino como uma oportunidade de ascensão social. Ao garantir um falso poder de escolha e, portanto, uma autonomia ilusória ao jovem na condução do chamado projeto de vida, instaura-se um elo com os agentes que os farão acreditar nesse poder de escolha.

Como discutido na introdução deste artigo, no texto da Lei 13.415/2017, não há a obrigatoriedade de os estabelecimentos de ensino oferecerem todos os itinerários formativos. A prerrogativa de definição do itinerário a ser oferecido aos estudantes é do sistema de ensino, conforme contexto local e suas possibilidades. Diante disso, podemos deduzir que um dos parâmetros que definirão tais possibilidades será a disponibilidade de professores. Provavelmente, os sistemas optarão pelos itinerários para os quais dispõem de mais docentes. O/a aluno/a será levado/a a “escolher” o itinerário que a escola terá capacidade de oferecer de acordo com suas limitações infraestruturais e de pessoal. Desta maneira, “se a escola só for capaz de oferecer um único itinerário, será esse que o aluno irá, sem alternativas, seguir. Como resultado, nem todos terão acesso a todos os conteúdos, aumentando a já imensa desigualdade de nosso sistema educacional” (BARCELLOS et al., 2017, p. 131). Esses terão, conforme nosso ponto de vista, acesso a um ensino médio mínimo, com uma formação, igualmente, mínima. Tal dispositivo reitera e incorpora o acesso desigual ao conhecimento e à cultura, podendo, com isso, alargar, ainda mais, as desigualdades sociais e escolares.

4 CONCLUSÕES

A tese segundo a qual a escola não apenas instrui, mas também contribui para a conservação das desigualdades sociais, configura-se, de algum modo, “numa verdade que não gostamos de ouvir” (BOURDIEU, 1983, p. 17). Ora, ‘não gostamos de ouvir’, pois, afinal, refletem verdades que confrontam nossas certezas mais arraigadas. As análises levadas à cabo por Bourdieu e Passeron revelaram “coisas ocultas e reprimidas” sobre a função da escola na sociedade (BOURDIEU, 1983, p. 17). Tais análises ilustraram duas características “antigas” da sociologia: a do desvelamento e da desnaturalização dos fenômenos sociais. Utilizar essas características a favor das análises do social é, por vezes, “dizer que as instituições preenchem funções diferentes daqueles que lhes são oficialmente atribuídas” (MASSON, 2014, p. 107). Não se pode tomar como fato consumado o que as instituições dizem de si mesmas (ou o que a escola diz de si mesma). Ao contrário, o que se almeja, ao se estudar instituições, é “ver o que se esconde atrás da fachada, da vitrine oficial” (MASSON, 2014, p. 107). E o que vemos atrás da fachada oficial da escola? De um lado, “a correlação entre sucesso escolar e a origem social” (BOURDIEU, 1983, p. 17); de outro, reprodução das desigualdades sociais (BOURDIEU, 2009; 2015). Tomando essa linha de raciocínio como referência, podemos perguntar, da mesma forma, o que se enxerga atrás da fachada oficial da reforma do ensino médio e da proposta que instaura os itinerários formativos? O objetivo deste artigo foi apresentar respostas possíveis a essa questão.

As propostas de alterações do Ensino Médio brasileiro, por meio da Lei 13.415/2017, denotam elementos discrepantes e paradoxais, que poderão, além de inviabilizar sua implementação nas escolas públicas de todo o Brasil, alongar, ainda mais, as disparidades educacionais nessa etapa da educação básica. A reforma do ensino médio “traz em seu âmago a marca da desigualdade estrutural que caracteriza historicamente a organização educacional e escolar brasileiro” (ARAÚJO, 2019, p. 53). De um lado, a reforma se deu na perspectiva de se reverter quadros negativos de êxitos escolares e, de outro, se valeu de incrementos que tornassem o ensino médio mais estimulante aos estudantes. Contudo, as propostas de mudanças levadas a cabo pela reforma estão longe de sanar os problemas intrínsecos ao ensino médio do país, eles são estruturais, sociais e históricos. Impossível que tais problemas, tão peculiares e repletos de nuances e sutilezas de todas as ordens, possam ser sanados mediante uma proposta de reforma curricular que apresenta incongruências e contrassensos como essa que emergiu por meio de uma Medida Provisória. Nunca é demais reiterar, que essa reforma “traz, como uma de suas marcas, a forma antidemocrática como foi implementada, conduzida e aprovada” (ARAÚJO, 2019, p. 56).

Tomando por base o que se ver atrás da “vitrine oficial” da reforma do ensino médio e dos itinerários formativos, afirmamos que o esforço deste artigo foi demonstrar que a prerrogativa teórica que considera a instituição escolar como um lugar favorável à manutenção e reprodução das desigualdades sociais (BOURDIEU; PASSERON, 2015) encontra respaldo empírico no aspecto da reforma curricular que instaura os itinerários formativos e sua ilusória opção de escolha. Ora, a função própria aos sistemas de ensino de ocultar sua relação dissimulada com as classes sociais vincula-se ao objetivo, também oculto, da reforma do ensino médio e dos itinerários formativos, qual seja: propiciar a estudantes, impedidos de fazer “escolhas”, uma formação diminuta baseada em realidades sociais demasiadamente desiguais, elevando, dessa maneira, as desigualdades e as injustiças que serão reproduzidas e legitimadas pelo próprio campo educacional. Como se pode depreender, a reforma “não respeita as capacidades e interesses diferenciados dos jovens, mas visa naturalizar as desigualdades” (ARAÚJO, 2019, p. 53). Embora a Lei 13.415/2017 não tenha sido implantada em sua completude, fazer uma análise crítica de suas proposições é algo da qual não se deve prescindir. Por isso, a partir daqui, cabe novos estudos que deem conta da repercussão prática e das diversas configurações da Lei nas escolas de ensino médio do Brasil.

Por fim, reafirmamos que do ponto de vista da plena humanização dos estudantes por via do trabalho educativo, da valorização dos professores, do trabalho colaborativo e contextualizado com o tempo e espaço no qual ocorre, da autonomia das instituições de ensino na construção dos seus currículos e da defesa da juventude pobre que acredita na escola como espaço de apropriação e reflexão sobre a cultura de modo não distintivo, a Reforma do Ensino Médio não atende os nossos interesses.

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NOTAS

1 Frente ao dispositivo Medida Provisória, Ramos & Frigotto (2016, p. 36) ressaltam que ela só é aplicada em “situações de emergência nas quais o executivo tem a prerrogativa de tomar uma decisão, sob a condição de que esta seja afirmada ou rejeitada, no todo ou em parte, mediante a sua conversão em Projeto de Lei, ou mesmo não sendo apreciada pelo Congresso Nacional no prazo regimentalmente definido para tais casos. Ora, o ensino médio dispõe de uma legislação completa e atual”. Ademais, vale frisar que a Reforma do Ensino Médio, decorrente de uma medida provisória (MP 746/2016), “foi objeto de crítica já a partir dessa origem autoritária, a qual provocou inúmeras ocupações de escolas públicas do país por parte dos alunos nelas matriculados, dirigidas tanto à forma quanto ao conteúdo da política educacional proposta” (FERRETTI, 2018, p. 25).

2 Bourdieu (2004) toma o espaço social como um campo de lutas simbólicas onde os agentes constroem estratégias para se manter ou melhorar sua posição social. Essas estratégias estão diretamente vinculadas à posse de diferentes tipos de capital. São quatro: o capital econômico, tomado em termos dos bens e serviços a que ele dá acesso; o capital social, definido como o conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pelo agrupamento familiar; o capital simbólico, que é a medida do prestígio e/ou carisma que se possui em determinado campo; além do capital cultural institucionalizado, formado basicamente por títulos escolares.

3 Por meio deste conceito, “foi possível demonstrar que as desigualdades sociais são multiplicadas pela escola perenizando uma verdadeira aristocracia escolar, que tende a desenvolver estratégias de auto-(re)produção” (VALLE, 2013, p. 426).

4 É importante observar que a “cultura dominante ou, mais especificamente, o modo dominante de lidar com a cultura é valorizado pela escola, usado como critério de avaliação e hierarquização dos alunos e, ao mesmo tempo, negado, dissimulado. Os alunos oficialmente estariam sendo julgados, exclusivamente, por suas habilidades naturais” (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2002, p. 32).

5 Apesar de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente reconhecida como a ‘cultura legítima’, como a única universalmente válida.

6 Passou “das atuais 800 horas para o ensino fundamental e médio (distribuídas por ao menos 200 dias de efetivo trabalho escolar), para 1.400 horas” (BARCELLOS et al., 2017, p. 130).

7 É importante observarmos que tanto no período de aprovação da BNCC como da Reforma do Ensino Médio o Brasil era governado por um grupo que atuava eminentemente nas pautas das reformas neoliberais e da retirada do Estado do campo das políticas públicas. Com isso, o discurso base era de que mesmo com a contenção de gastos, as reformas educacionais poderiam ajudar na formação de uma juventude mais conectada com as relações de trabalho hoje estabelecidas. Contudo, tivemos uma derrota ainda maior do ponto de vista dos trabalhadores nas eleições de presidenciais de 2018 com a chegada ao poder de um grupo político explicitamente neofacista e adepto de todas as pautas ultraconservadoras levantadas pela extrema direita internacional. Nesse cenário, não temos dúvida de que, para além do enfrentamento do ajuste fiscal e das políticas de austeridade econômica que afetam os mais pobres, principalmente dos países “subdesenvolvidos” ou em “desenvolvimento”, adentraremos cada vez mais no campo educacional em discussões que questionam a própria necessidade da escolarização e do processo de ensino-aprendizagem. O que temos em vista é a implantação nas diversas redes e sistemas de educação de uma BNCC e de uma Reforma do Ensino Médio com aspiração ainda mais neoconservadora, evidenciando as desigualdades sociais e culturais e promovendo pautas racistas, machistas, homofóbicas, xenofóbicas, contra os povos originários e de ataque direto à condição juvenil.

8 O que podemos afirmar é que a Reforma do Ensino Médio do modo como está colocada na verdade expressa como concepção acrítica de educação (SAVIANI, 1999), que credita todas as mudanças educacionais a suposta melhora dos processos de ensino-aprendizagem e de organização curricular (SOUZA NETO, 2019). Além disso, é provável que novamente presenciemos uma reforma educacional fazer uso de leis para legitimar e legalizar a precarização do trabalho docente (PIOVEZAN; DAL RI, 2019), pois, em nenhum momento a reforma sugere que os professores terão suas carreiras rediscutidas devido o suposto aumento da carga-horária de ensino e das suas tarefas cotidianas nas escolas.

Recebido: 29 de Outubro de 2019; Aceito: 26 de Fevereiro de 2020

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