1 INTRODUÇÃO
O título Humanismo, educação e tecnologia é mais do que um título, é um desafio: somos instados a criar um novo humanismo e uma nova educação, com o incremento exponencial das tecnologias da informação e da comunicação.
O humanismo, com todos os significados e matizes históricos que o termo significou, é, em suma, assumido, neste texto, como a confiança perene no ser humano - o homem e a mulher - como o centro dos significados e a fonte dos valores dos quais dependem as esperanças e a capacidade de construção da vida.
2 O DESAFIO TECNOLÓGICO
A tecnologia trouxe um desafio inesperado: a possibilidade de construção de um novo modo de saber, de viver, de comunicar-se, de aprender e de construir a vida, com a invenção e o uso acelerado de novas tecnologias da comunicação e informação. Concomitantemente, a tecnologia impôs a urgência de reconstruir o modo e a importância de manter a posição ética no valor privilegiado do ser humano, acima de todos os meios, antigos e novos, de realizar a vida humana.
Esse desafio atual renova a questão onipresente em todos os períodos da história, das revoluções científicas, da criação e da expansão dos novos instrumentos e meios, que modificaram e afetaram, profundamente, a vida e o bem-estar humano, e que reflui em todos os contextos dilemáticos da experiência humana. É um desafio que cada geração está obrigada a realizar. As tecnologias da informação e comunicação atualizam, pois, a recriação da vida humana. Embora seja um tema recorrente na história, é preciso ter presente: as tecnologias da comunicação suscitam provocações nunca antes imaginadas.
É, porém, a renovação de um histórico universal, científico, cultural e político que, hoje, interfere e transforma todos os recantos da vida e da cultura dos indivíduos, das sociedades e do mundo globalizado.
3 HUMANISMO NA HISTÓRIA
Essa questão já está presente na grande convulsão científica e cultural da Magna Grécia, quando os meios, o comércio, os transportes e a sociedade, abalados pela profusão de técnicas, de novos meios, de instrumentos, criaram um novo modo de vida. Os educadores, alcunhados filósofos, foram provocados e tiveram de responder à questão: qual o lugar dos seres humanos e da vida humana na sociedade, diante desse inesperado universo infinito de coisas e de descobertas novas?
De modo particular, faz-se presente, em um fato histórico emblemático, e decisivo para a cultura ocidental, o episódio de Salamina. Como avaliar a batalha de Salamina, um dos mais épicos episódios da história bélica? Temístocles e seu pequeno exército derrotam o maior exército da história antiga: Xerxes e todos os seus aliados, que já haviam devastado o Norte da Ática.
Foram os navios, as espadas, as couraças que decidiram a guerra? Ou foi o gênio humano, perspicaz e engenhoso, que forjou a sabedoria necessária para, usando os meios, garantir a vitória com um punhado de guerreiros? Esse episódio dramático está no princípio histórico que forjou o nascimento da democracia grega, origem da democracia euro-ocidental.
Platão ensinara os benefícios do bem saber - a sofia - distinta da mera opinião. O saber é fundamental, pois a confusão entre o sujeito que sabe e o que é ignorante pode conduzir à tirania e à ruína, na vida como na guerra. E Aristóteles completa: a sofia gera o saber bem fazer: a techné. A techné é a sabedoria capaz de fazer: fazer os atos, os fatos para se construir a vida salutar na pólis grega. O bem fazer resulta, pois, do bem saber.
Em todos os períodos históricos da humanidade, a questão do saber e o saber fazer, como um produto novo, engendrado pela sabedoria e pela criação humanas, mudaram os rumos da história, com as mais engenhosas e originais criações do espírito humano. E ensina: sabendo bem fazer, os meios e os fins dos objetos levarão a novas dimensões da vida. Por isso, Protágoras de Abdera, um professor-filósofo, professa, com lucidez peremptória: o homem é a medida de todas as coisas: daquelas que são por aquilo que são e das coisas que não são por aquilo que não são.
Tema reavivado no alvorecer do humanismo do Renascimento, convulsionado pela caducidade das tradições medievais e expansão dos meios do comércio globalizado, com as conquistas náuticas e com os novos meios de viver. O humanismo renascentista reaviva a importância do homem culto na construção da vida burguesa nascente. Tema retomado no alvorecer da idade moderna, com os iluministas repondo a razão universal como princípio fundamental de toda a ação humana e dos valores humanos. Na síntese de Hegel: o mundo e todas as coisas tangíveis ou imagináveis têm realidade, graças à razão humana. Em sua síntese, tudo que é real é racional e tudo que é racional é real, ou seja, é a razão humana - do homem e da mulher - que dá sentido e significado a tudo que existiu, existe ou existirá.
No alvorecer do capitalismo, escapando ao ideário dos fisiocratas, que viam a riqueza como produto da natureza, os economistas ingleses, sobretudo Adam Smith (2009), procuram desvendar a natureza e as causas da Riqueza das Nações: é o volume de bens, terras, castelos, o ouro, que fazem as riquezas? Não, afirma Ricardo (2010), a riqueza é fruto do trabalho humano, gerada pelo trabalho dos habitantes do Estado. São homens e mulheres que constroem os produtos e a riqueza das nações.
Este tema conflagrou todo o século XX: a disputa ideológica, política e militar pela posse e justa distribuição da riqueza e o esforço para criar um novo humanismo, capaz de afrontar a acumulação exclusiva de bens, em favor do reconhecimento dos que produzem essas riquezas. Um humanismo capaz de desvendar a arrogância dos possuidores à custa do trabalho, com todas as consequências, políticas e militares, que animaram os dois conflitos bélicos no século XX.
O trabalho humano, os novos meios de prover a vida, de si e dos outros, dignifica a existência, transforma em bem-estar e edifica a realização pessoal e social da humanidade. Os meios não são os fins, e todo equívoco nessa asserção pode levar multidões aos extremos da indigência, da escravidão material e legal.
4 AS CIÊNCIAS HUMANAS E UM NOVO HUMANISMO
No século XX, o nascimento das ciências humanas foi o grande desafio de reedificar a existência humana nos escombros de duas guerras que devastaram muito mais vidas do que em séculos precedentes. Os meios podem criar um mundo venturoso, mas os fins podem comprometer a vida e a felicidade da existência humana.
O desenvolvimento de novos meios, no século passado, criou fundadas esperanças de construir um mundo novo, pleno de novas possibilidades de recriação do modo de viver; mas, se os fins não são justos, os meios, sem finalidades justas, podem provocar a devastação de multidões humanas.
Foram as interrogações sobre a ventura humana que suscitaram esperanças e coragens para dar nascimento e incremento às ciências humanas, em todo século XX, repondo a questão da vida e dos valores que edificam a felicidade e o bem-estar de homens e de mulheres. Um retrospecto histórico do desenvolvimento e a relevância das ciências humanas no século XX mostra a importância dessas nascentes ciências na construção e na reconstrução da vida humana, arruinada pelas duas grandes guerras (CHIZZOTTI, 2016).
As ciências humanas foram decisivas para repor a relevância da vida e da ventura humana sobre os escombros do engano, da aniquilação brutal com todos os meios de destruição deliberada de multidões inocentes. As ciências humanas nasceram do desejo de restabelecer a primazia da vida humana e da decisão de criar uma humanidade nova. As ciências nascentes e as ciências revolucionadas deram origem a um novo humanismo construído pela educação, pela sociologia, pela antropologia e pelo incremento de todas as ciências humanas, empenhadas na edificação de uma nova humanidade.
O tema do humanismo, que agitou o mundo ocidental capitalista no século XIX e XX, toma um significado muito relevante no século XXI com as novas tecnologias e o mundo da produção, em uma nova fase do capitalismo. Um capitalismo que se tornou global, o único sistema sociopolítico do planeta, abarcando todos os países, nações, instituições e todas as atividades humanas. Será sem perspectiva de uma possibilidade substitutiva, como ocorria no século passado? O domínio planetário do capitalismo foi alcançado por diversas variantes, dentre as quais o desenvolvimento exponencial das novas tecnologias de comunicação e informação.
A vida humana e social foi convulsionada por novos meios e instrumentos que multiplicaram as possibilidades de informação, de transmissão, de conservação, de reprodução e de criação de intercâmbio com a natureza, com as pessoas, com o passado e o presente. Esses novos meios de informação e comunicação permitiram o acesso surpreendente e instantâneo ao acervo de conhecimentos, de bens materiais e simbólicos, de memórias e de diálogos, traduzidos, instantaneamente, em qualquer língua, provocando um impacto inesperado na comunicação e em todas as formas de interação da vida humana.
5 IMPACTOS NO COTIDIANO CIENTÍFICO
São evidentes alguns aspectos que afetam o cotidiano da vida acadêmica: as tecnologias transformaram nosso tradicional modo de conhecer e comunicar, de aprender e de ensinar, de criar e de conservar os conhecimentos, os instrumentos e os meios de interagir.
O livro, por exemplo, discurso escrito por um autor, disposto em partes e posto à venda por um agente, suplantara, no século passado, todas as formas escritas precedentes: o rolo, o manuscrito, o livro de Gutenberg e as obras impressas. Foram construídas, também, grandes bibliotecas e centros de conservação e de disponibilização dessas obras em muitos países. A internet, nascida em 1969, com o nome de Arpanet, e ampliada e difundida na década seguinte, trouxe, inesperadamente, tudo que fora escrito e gravado para um computador disposto à nossa mesa.
O computador criou um novo patamar científico de produção, de disponibilização e de leitura de todo o acervo de conhecimentos produzidos pelo engenho humano, postos em circuitos eletrônicos e, como consequência, nunca se leu e se escreveu e se publicou tanto os textos escritos, as imagens e os sons, como neste começo de século.
Dentre os impactos trazidos por essa revolução, uma delas transmudou a consideração e a avaliação científica dos docentes na atividade acadêmica. Os intelectuais foram, abruptamente, atingidos. Viram mudar o modo de considerar-se o reconhecimento acadêmico: sua reputação científica deixou de ser a reverência pelos títulos e pelos louvores. O prestígio acadêmico tornou-se a quantidade de textos científicos, veiculados pelos periódicos científicos. O que Pierre Bourdieu (2011) anunciara sobre o “homo academicus”, isto é, a porfia do intelectual, para sustentar-se entre os pares em um campo científico, traduziu-se, com o advento da internet, no fragor das disputas pelo prestígio acadêmico, um novo preceito para atribuir-se consideração ao mérito acadêmico entre os pares: a veiculação e a quantificação da produção científica, atestada pelo número de artigos científicos, publicados em periódicos qualificados.
A urgência de garantir o reconhecimento da reputação na vida acadêmica, por meio da difusão de produções científicas, difundidas em periódicos qualificados, tornou-se absoluta. Assim, a internet trouxe um novo padrão de reputação acadêmica e deu azo a um modismo que se tornou internacional, o publish or perish, a compulsão por publicações, por vezes repetitivas, redundantes e pouco criativas, a fim de garantir o renome acadêmico por meio da publicação de textos científicos em periódicos qualificados.
A quantidade de produtos veiculados pelos meios tecnológicos tornou-se um padrão, quase absoluto, na confrontação pelo prestígio acadêmico, à custa de uma corrida aflitiva por publicações, de uma disputa feroz entre os pares e de estratagemas extravagantes de elevação do autorreconhecimento no universo científico.
6 AS TECNOLOGIAS E A EDUCAÇÃO
O advento de uma nova cultura, trazida pelas tecnologias da comunicação, abriu novos horizontes para a educação: o ensino e a aprendizagem, a docência e a pesquisa, os conteúdos e os currículos escolares, a formação e a avaliação, e as finalidades históricas dos sistemas nacionais de educação foram, decisivamente, provocados pelos novos meios de comunicação.
As novas tecnologias, pois, afetaram todos os horizontes da educação; elas, porém, não vieram para obscurecer a finalidade histórica da educação, constrangida, pela sua própria natureza, a criar uma via venturosa para todo educando e a edificar as bases para uma vida humana feliz e um virtuoso convívio solidário.
Nesses novos tempos, foram muitas as vidas dedicadas a construir a vida social. Uma das atividades mais dinâmicas na construção da vida foi e é a educação, estendida, e ampliada, na vida moderna, gratuitamente para todos os cidadãos. Convém que os bens culturais sejam disponibilizados, gratuitamente, para toda a sociedade e a todos deve-se garantir o acesso livre aos bens materiais e culturais por todos os meios, inclusive os digitalizados, para edificar-se um novo modo de viver, de comunicar-se e se conviver. Em suma: uma nova cultura e um novo humanismo, no qual a vida humana constitua a fonte dos valores e as bases para alcançar-se o mais alto grau de sua realização da existência humana.
É possível selecionar os rumores que trouxeram a questão do novo humanismo, provocado pelos novos conhecimentos difundidos pelas novas tecnologias. Em um primeiro instante, a questão de uma nova sociedade foi introduzida por Peter Drucker (2001), um perito administrador, que, extasiado, declarou, em A Sociedade, o começo de uma nova era, denominada por ele, uma nova sociedade do conhecimento.
Apesar do insucesso de universalização equânime dos bens nessa nova sociedade, nas últimas décadas do século passado, o Tratado da União Europeia, consagrado pelo Acordo de Lisboa no ano de 2000, assumiu, como objetivo básico dos países pertencentes ao bloco de nações, que compunham o tratado, tornar o conhecimento um patrimônio universal dos europeus - única garantia de criar um novo sentido comum e solidário, no século nascente, ao menos, entre as nações europeias, frente à crescente hegemonia norte-americana e asiática. O termo ganhou fortuna, com a ideia de que a velocidade de transformação dos novos meios criou uma nova cultura de comunicação, a partir de dispositivos miniaturizados, compactos, disponíveis e transportáveis.
As tecnologias transformaram os textos em imagens: o livro e todo material escrito, gravado ou esculpido, foram digitalizados, e um grande acervo de informações do passado e do presente foi conservado em bibliotecas e grandes centros de preservação de documentos, dispostos em bibliotecas nacionais, em museus e em bases de dados; foram digitalizados e disponibilizados, em grande parte, gratuitamente. As grandes obras atuais e seculares foram digitalizadas e disponibilizadas por meios tecnológicos, graças ao projeto Gutenberg e outros mais que se seguiram. Bibliotecas que tiveram decisiva importância nos séculos precedentes, para a conservação de acervos, digitalizaram, também, todos os documentos e, assim, entraram no circuito tecnológico e puderam estar à frente de qualquer pesquisador, sem que fosse preciso enfrentar os trâmites burocráticos de acesso aos centros de documentação ou mover-se em viagens longas e até impossíveis.
As transformações foram tão céleres e constantes que trouxeram interrogações sobre seus efeitos e suas possibilidades no presente e no futuro. Surgiram os tecnófilos e os tecnófobos, interrogando sobre os efeitos dessa transformação. Os tecnófilos exaltaram esse novo meio de conhecer e de produzir novos conhecimentos. Os tecnófobos argumentaram que os novos meios invadiram o recesso da vida, imantaram a imaginação, criaram múmias ambulantes com seu talismã, à mão, dialogando com suas fantasias particulares. A hostilidade à novidade desses novos meios, porém, tem sido, progressivamente, suplantada pelos benefícios trazidos pelas novas tecnologias.
A nova techné, retomando a noção aristotélica, o modo perfectível de fazer e de comunicar, revolucionou nossa vida nesse começo de século, tendo presente que ela está, também, concentrando, de modo inédito, o saber, a riqueza, os novos processos de acumulação do saber, de apropriação dos bens, e de um modo novo de produzir e de concentrar a riqueza e o poder, movendo, progressivamente, o centro do mundo da informação e do capitalismo para outro eixo geográfico - o Oriente - em processo capitaneado pela China e pela Índia.
7 HORIZONTES DE UMA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
Há dois eixos e efeitos da revolução científica que as tecnologias estão provocando: o incremento da inteligência artificial e a aceleração da concentração da riqueza. Primeiro, as tecnologias avançam na construção da Inteligência Artificial (IA), chamada pela Comissão Europeia de a nova eletricidade, pela similaridade do impacto transformativo que a eletricidade trouxe, no século passado, em todas as atividades humanas. Tanto a inteligência artificial neural, baseada na reflexologia behaviorística e mecânica dos instintos ou a baseada na lógica formal e, sobretudo, a inteligência artificial baseada no conhecimento, trarão um impacto profundo na cultura, na educação e no mercado de trabalho, assim como nas competências requeridas e nas práticas de ensino e de aprendizagem. Por isso, a inteligência artificial tornou-se prioridade cientifica da China, apoiada por grandes aportes de recursos públicos, para alcançar a hegemonia mundial nessa área científica, na próxima década. O desenvolvimento acelerado de novas e originais tecnologias transformará muito nosso atual modo de ensinar, de aprender e toda nossa cultura atual.
Sem criar expectativas hipotéticas ou imaginar um futurismo irrealista, a terceira geração da Inteligência Artificial prevê novos meios e novas aplicações na análise e na translação de processos e de imagens, promoverá a autonomização de automóveis, de trens, de máquinas agrícolas e militares; identificará a qualidade do solos, do clima e dos rios; dimensionará processos produtivos, as colheitas, os custos e os preços; e, enfim, dará nova dinâmica, em tempo instantâneo, às transações econômicas e financeiras e um avassalador meio de concentração capitalista, acompanhada pelo declínio de dois símbolos do capitalismo do século XX: o fim da supremacia do motor à combustão e a derrocada da hegemonia do petróleo, anunciando o fim de um período do capitalismo (MILANOVIC, 2019; BÉJAR, 2019) e o anúncio do nascimento de uma nova era de um novo capitalismo.
8 PERSPECTIVAS EM CURSO
Nesse universo de questões novas, uma interrogação pertinente é identificar se foram os novos meios tecnológicos que provocaram uma mudança social e cultural no modo de vida, na produção científica, na educação e na ciência e, em suma, na construção de um humanismo renovado, ou foram os desejos humanos que, usando novos meios, dinamizaram a produção e, sobretudo, a acumulação em um novo estágio do capitalismo. Em síntese: Foram os meios tecnológicos que promoveram esse novo estágio do capitalismo ou foi a dinâmica do capitalismo que propiciou o surgimento de uma nova cultura tecnológica para extremar a acumulação capitalista?
Uma avaliação consistente não pode desconhecer a força dos desejos, a lógica da produção, a utilidade dos meios para garantir um processo produtivo, apoiado na acumulação capitalista, para elevar as vantagens da acumulação. Os meios tecnológicos foram a pedra angular de uma nova dinâmica da produção e da acumulação capitalista. Não se pode desconhecer que foi o capitalismo renovado que criou novos meios de informações e de circulação financeira e imprimiu uma dinâmica nas informações instantâneas, nos processos produtivos e na dinâmica da acumulação de bens, mas também nas translações instantâneas de riquezas e de circulação de grandes capitais
9 OUTRAS PERSPECTIVAS
Como em outros tempos, as humanidades e a educação ingressam nesse confronto para reconhecer e edificar um novo humanismo no qual os novos meios permitam construir novos e originais meios de vida e todas as pessoas possam ter as informações verídicas para fazer suas opções fundamentais de vida venturosa: construir sua identidade humana, seus meios de realizar sua vida, manter a convicção ética no valor do outro e sua certeza de que a vida é um dom supremo e merece ser bem vivida, partilhada e, sobretudo, ser feliz.
Nesse momento histórico, surge a oportunidade, também histórica, dessa geração, dispondo de novos e inventivos modos de gerenciar as informações, escapar das ilusões propagadas pelos meios de circulação de informações e apropriar-se desses novos e inventivos meios de comunicação, difundi-las por multimeios, para edificar as bases de um novo humanismo. As vidas humanas têm o direito de ter informações fidedignas e meios tecnológicos para edificar uma nova etapa do bem-estar humano, dispondo, para isso, de um grande conjunto de informações que, outrora, compilados e armazenados em grandes edifícios inacessíveis, agora tornaram-se disponíveis sobre uma mesa ou miniaturizados em um iphone, à mão. O iphone, longe de ser um objeto devocionário de culto e de devoção, deve tornar-se um símbolo de edificação de um novo modo de vida - a partilha cotidiana de nossas vidas.
Não convém exaltar o incremento dos meios tecnológicos se eles não favorecerem a realização dos fins de toda vida humana: a participação efetiva nos bens necessários à realização de uma vida digna. O culto dos meios, meramente funcionais, pode extinguir a consciência dos fins de todas as vidas e apagar o objetivo de formar uma nova cultura do bem-estar humano, fundamento de um novo humanismo. Perder a finalidade universal de todas as vidas pode gerar uma hidra tentacular que concentra os conhecimentos e as riquezas produzidas em poucas e cultas mãos. A techné, a arte de bem fazer, não pode restringir-se aos resultados funcionais da ação: se restringir-se às finalidades funcionais do capitalismo e confinar-se ao lucro, passível de ser acumulado indefinidamente, estarão arruinadas as esperanças de um novo humanismo. As novas tecnologias, expressões máximas da arte de fazer moderna, não podem ser apropriadas para a arte de acumulação extrema da acumulação capitalista.
Um novo humanismo supõe, no mundo contemporâneo, que as riquezas produzidas pelo engenho humano devem destinar-se à felicidade de todos e não se restringir àqueles que agiram para alcançar o fim máximo da acumulação do esforço humano, transformado em capital, doravante, financeiro.
A construção de um novo humanismo supõe um esforço criador de utilizar o novo conhecimento trazido pelo incremento e pela difusão das novas tecnologias, criar um caminho virtuoso de repartição justa e universal de um novo conhecimento e uma nova cultura, que se traduza na justa repartição dos conhecimentos e da riqueza produzida por novos e originais modos de recriar a vida.