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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.4 São Paulo out./dez 2021  Epub 12-Abr-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i4p1432-1459 

Dossiê: De que currículo precisamos em tempos de democracia fraturada

Pós-pandemia no Brasil:a necessária retomada e ampliação da democracia e a construção de um porvir curricular de qualidade social

Post-pandemic in Brazil:the necessary resumption and enhancement of democracy and the construction of a curricular horizon of social quality

Postpandemia en Brasil:la necesaria reanudación y expansión de la democracia y la construcción de um porvenir curricular de calidad social

i Doutora em Educação: Currículo pela PUC-SP. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Currículo. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Justiça Curricular (GEPEJUC). E-mail: tresponces@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-9959-2680.

iiDoutor em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Diretor de escola pública da Rede Municipal de Várzea Paulista (SP). E-mail: waraujo_ef@yahoo.com.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-3748-7185.


Resumo

Nos anos 2020-2021, o mundo ficou imerso no cenário de pandemia da Covid-19. Ao chegar ao Brasil, a crise sanitária encontrou o país em situação de crise político-econômico-social. Aborda-se o impacto dessas crises no contexto escolar, de modo especial o da escola pública, propondo uma reflexão a partir do campo do currículo. Contrapondo-se à ideia de que a recuperação de uma normalidade pós-pandêmica é desejável, busca-se mostrar a necessidade da constituição de um currículo sustentado em uma educação política democrática, que tenha como princípios: o reconhecimento e a valorização dos saberes dos sujeitos do currículo; uma formação profissional e política dos educadores, em destaque em educação em direitos humanos; e um pensamento esperançoso que vislumbre o não-existente para um porvir curricular alternativo.

Palavras-chave: Currículo; Pós-pandemia; Justiça Curricular; Democracia; Educação em Direitos Humanos

Abstract

In the years 2020-2021, the world faced the Covid-19 pandemic. When the virus reached Brazil, health crisis was added to a situation of political, economic and social crisis. This article discusses the impact of these crises in the school context, especially in the public school, proposing a reflection from the field of curriculum. In opposition to the idea that the recovery of a post-pandemic normality is desirable, we aim to present the need to establish a curriculum based on a democratic political education principled in: the recognition and appreciation of the knowledge of subjects of the curriculum; professional and political training for educators highlighting human rights education; and a hopeful thought that seeks the non-existent in an alternative curricular horizon.

Keywords: Curriculum; Post-pandemic; Curricular Justice; Democracy; Human Rights education

Resumen

El mundo estuvo inmerso en los años 2020-2021 en un escenario de pandemia Covid-19. Al llegar a Brasil, la crisis de salud puso al país en una situación de crisis político-económico-social. Se aborda el impacto de estas crisis en el contexto escolar, especialmente en la escuela pública, proponiendo una reflexión desde el ámbito curricular. Oponiéndose a la idea de que es deseable la "recuperación de una normalidad postpandemia", se pretende mostrar la necesidad de establecer un currículo basado en una educación política democrática, que tenga como principios: el reconocimiento y valoración de los conocimientos de los sujetos del curriculo; formación profesional y política para educadores, con énfasis en la educación en derechos humanos; y un pensamiento esperanzador que vislumbra lo inexistente para un futuro curricular alternativo.

Palabras clave: Currículo; Postpandemia; Justicia curricular; Democracia; Educación em derechos humanos

1 INTRODUÇÃO

É discurso corrente ouvir que, após a pandemia causada pela Covid-19, o mundo retornará ao novo normal, remetendo-o a uma roupagem pasteurizada do que se vivia antes do cenário pandêmico que já tirou a vida de mais de 4,5 milhões de pessoas no mundo - dentre essas mortes, mais de 600.000 ocorreram somente no Brasil.

Há em curso um processo de naturalização de um normal sustentado na invisibilização das desigualdades, no ódio à política e no rechaçamento de um Estado responsivo às demandas sociais, sobretudo, àquelas oriundas das vozes dos grupos marginalizados. Que normal é esse que se vivia em 2019? Normal para quem? A quem interessa o retorno e o discurso nostálgico desse passado vergonhoso de desigualdades?

Nesse normal pré-pandêmico, saudoso para alguns, havia no Brasil mais de 52 milhões de pessoas em situação de pobreza e mais de 13 milhões em situação de extrema pobreza (IBGE, 2020), mesmo, à época, o país sendo uma das 10 maiores economias e um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. Por mais paradoxal e abjeto que pareça aquele contexto, o atual é ainda pior. O Brasil voltou a ocupar um posto no Mapa da Fome (SANTOS, 2021) estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), posição que havia deixado para trás em sua história desde 2013.

Se o Brasil dividisse a sua riqueza anual produzida de forma igual pelo número de habitantes, cada família de quatro pessoas viveria com 3.600 dólares por mês (DOWBOR, 2017). O país com a sexta maior população do planeta e o quinto em área territorial destaca-se por ser o 9° mais desigual do mundo, sendo que os 10% mais ricos concentram a renda de 41,9% da população brasileira (SASSE, 2021). No estudo liderado pelo economista francês Thomas Piketty, o Brasil desponta como o primeiro no ranking da desigualdade no mundo, com os 1% mais ricos detendo quase 28% de toda riqueza nacional (BORGES, 2017).

Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam que, em 2019, havia no Brasil 12,6 milhões de desempregados e mais de 38 milhões de trabalhadores informais. Desses últimos, a maior parte com baixo nível de escolaridade, em condições precárias de trabalho e sem seguridade social1 (NERY, 2020). Infelizmente, com as políticas de austeridade fiscal iniciadas no governo Temer (2016-2017) e aprofundadas pelo governo Bolsonaro (iniciado em 2018), há atualmente no país mais de 14,4 milhões de desempregados e 5,6 milhões de desalentados. Tem-se ainda mais de 34 milhões de brasileiros atuando na informalidade (BARROS, 2021).

No que diz respeito à educação, os indicadores apontavam que 35,6% crianças frequentavam as creches e 92,9% a pré-escola em 2019, números aquém das metas de ampliação das creches e universalização da pré-escola estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE) (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2020).

Enquanto em 2019 havia em curso a universalização no ensino fundamental, mais da metade dos adultos não havia concluído o Ensino Médio, etapa final da Educação Básica. Grande parte desses era composta por negros e pardos (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2020). Os dados apontam que a principal justificativa daqueles que abandonaram os estudos se refere à necessidade de trabalhar para prover o sustento de si e de sua família (Ibidem). O Brasil tinha, ainda, a triste marca de 11 milhões de pessoas em situação de analfabetismo absoluto.

Em relação ao ensino superior, havia no país 8,6 milhões de universitários, aproximadamente 21% da população entre 25 a 34 anos (INEP, 2019), colocando o Brasil atrás de seus vizinhos Colômbia (30%), Chile (34%), Argentina (40%); bem abaixo dos 36% da média dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e a milhas de distância de Cuba, que ostenta o percentual de 50% da população adulta no Ensino Superior. A pequena ilha caribenha ainda tem o menor nível de analfabetismo da América, 0,2% (NITAHARA, 2019). De acordo com a OCDE, há uma relação direta entre o grau de escolaridade e o desenvolvimento econômico e social das nações.

Ainda que o Brasil tenha elevado em 30 anos a expectativa de vida nas últimas décadas - chegando em 76,8 anos em 2018 - e apresentado uma acentuada queda na taxa de mortalidade infantil - passando para 12,4 mil por ano (IBGE, 2019) - quase 38% da população brasileira tinha alguma dificuldade de acesso à água em 2019 e mais de 22% dos que viviam na pobreza residiam com seis pessoas ou mais na mesma moradia, sendo que mais de 8% sequer tinham banheiro em casa (IBGE, 2020). Com esses dados, chega a ser um contrassenso imputar a essas pessoas a responsabilidade apenas individual pela higienização pessoal em tempos de pandemia.

Diante do tripé renda-escolaridade-expectativa de vida, apresentado acima, que compõe o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil ocupava em 2019 a 84ª posição entre 189 países onde o índice é aferido, caindo 5 posições em relação ao ano anterior (CRISTALDO, 2020).

O que se deseja é o retorno a essa sociedade desigual e injusta que invisibiliza grupos sociais e os impedem de ter uma vida digna? Que naturaliza a pobreza e a miséria, mesmo tendo capacidade para alimentar 1 bilhão de pessoas (DOWBOR, 2017)? Que, vergonhosamente, volta a ocupar, após 8 anos, o Mapa da Fome? Que numa cultura grafocêntrica nega o direito de seus compatriotas aprenderem a ler e a escrever, humilhando-os dia a dia? Que não garante condições sanitárias básicas para a proteção de todos? Que imputa a esses sujeitos a responsabilização pelo êxito, ou, na maior parte das vezes, pelo fracasso e pela miséria a que são submetidos?

O discurso saudosista do novo normal tem classe, tem cor e tem gênero. Aqueles que não o adotam, impactam-se com as desigualdades e buscam lutar pelas igualdades e direitos às diferenças. Ambas as opções estão imersas em interesses e emergirão de um campo de lutas por diferentes projetos de sociedade.

Não se trata de buscar o retorno ao normal ou ao novo normal, mas de constituir uma nova forma de convivência social e de compreensão do mundo, que tenha como paradigma a busca incessante pela superação das desigualdades que emanam do capitalismo, do patriarcado e do colonialismo (SANTOS, 2018) de modo a construir uma democracia de alta intensidade, que não descarta os ganhos históricos da democracia representativa e participativa e a amplia em todos os sentidos e espaços (SANTOS, 2016).

Diante do cansaço existencial2 que paira sobre a sociedade e reverbera distopias, a educação escolar como instituição escolhida pela humanidade para educar as novas gerações pode e deve ser capaz de criar outra proposição curricular sustentada em um conhecimento capaz de gerar vida digna; em cuidados garantidos pelo Estado como direitos sociais estendidos a todos os sujeitos do currículo; e na garantia de uma convivência democrática vivida no chão das escolas, que possa se espraiar para outros espaços onde imperam relações de poder desiguais, elementos que Ponce (2016, 2018) postula como dimensões da Justiça Curricular.

Sujeitos históricos são todos aqueles que fazem a história na medida em que não se conformam com o modo como a história os fez e, assim, agem na contracorrente para desviá-la de seu curso naturalizado, propondo caminhos alternativos de viver e conviver (SANTOS, 2016). Este estudo busca contribuir para pensar um currículo escolar em direção à Justiça Curricular (TORRES SANTOMÉ, 2013; PONCE, 2016, 2018) sustentada em direitos e que cause inconformismos perante qualquer tipo de desigualdade, buscando a sua superação.

Dividido em 4 seções, a primeira parte discute o cenário imediatamente anterior à pandemia, que inclui o Golpe de Estado ocorrido no Brasil em 2016. Na sequência, o texto discorre sobre a democracia desejada para o contexto pós-pandêmico. A seguir, enfoca-se a garantia e ampliação de direitos a partir das vozes daqueles que nunca tiveram seus direitos garantidos. Nessas três seções, a ancoragem teórica se dará a partir das proposições epistemológicas e políticas do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2002, 2011, 2016, 2018) e das conceituações e considerações sobre democracia e instituição de direitos estabelecidas pela filósofa brasileira Marilena Chauí (2008, 2012, 2014).

No quarto momento, voltando a rechaçar o discurso corrente sobre o retorno ao normal ou o novo normal, questiona-se de que currículo escolar precisamos em um cenário pós-pandêmico. Lança-se mão da ideia de Justiça Curricular como possibilidade de construção curricular coletiva que busca garantir e ampliar direitos sociais sustentados em um Estado responsivo às demandas sociais.

Finaliza-se este estudo com a apresentação de princípios curriculares fundamentais para o momento social do país que gerem um porvir curricular pautado na justiça social, considerada em seu sentido bidimensional que abrange a dimensão distributiva e de reconhecimento (FRASER, 2002).

2 O CENÁRIO IMEDIATAMENTE ANTERIOR À PANDEMIA NO BRASIL

Em tempos brasileiros hodiernos, mesmo sustentados em direitos sociais, individuais e políticos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, vive-se uma ruptura democrática que ocorreu em escalada, especialmente a partir de 2016, e que deu início ao declínio do país, envolvido em uma das piores crises institucionais e econômicas da sua história republicana.

Atrelada à persecutória operação denominada Lava Jato, em conluio com as mídias hegemônicas e com o apoio massivo das classes médias, que viam na ascensão social das classes populares promovidas pelas políticas de governos progressistas os seus privilégios serem ameaçados, setores da elite e da classe média hegemônica desferiram e fomentaram uma política de ódio (SOLANO, 2018).

Sustentado no moralismo de fachada de combate à corrupção (SOUZA, 2018), esses setores lançaram-se contra as políticas sociais e econômicas adotadas para a inclusão de classes até então esquecidas e demonizaram a política partidária e o próprio Estado, emoldurado por eles como ineficiente e de natureza corrupta.

O governo federal de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016), por meio do Programa Fome Zero, havia tirado mais de 40 milhões de pessoas da pobreza extrema, levando o Brasil ao reconhecimento internacional no combate à fome (MARINGONI; MEDEIROS, 2017); havia elevado o ganho real do salário mínimo entre os anos de 2003 a 2016 em mais de 74% (Ibidem) em conjunto com o pleno emprego atingido em 2014, constituindo uma nova classe trabalhadora que passou a ocupar espaços até então exclusivos da classe média nacional; entre eles, destaca-se o do Ensino Superior em universidades prestigiadas. O que era direito de apenas alguns começava a ser um direito de todos.

A forte propaganda que envolvia a grande imprensa hegemônica fez o trabalho de desacreditar os partidos políticos envolvidos nesse trabalho de inclusão social. Por meio de um processo inquisitório reconhecido como Lawfare (FEITOSA; CITTADINO; LIZIERO, 2020), capitaneado por um Juiz de Direito3, representante dos interessados em calar aqueles que começavam a se fazer ouvir e ver, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que em 2018 liderava a disputa para a presidência da República4, foi acusado, julgado e condenado à prisão. A fragilidade da jovem democracia brasileira evidenciava-se, processo que culminara com a eleição do ex-capitão reformado do Exército, de perfil político extremista de direita, Jair Messias Bolsonaro.

O processo prosseguiu com a Reforma da Previdência, que subtraiu direitos dos trabalhadores, reduziu drasticamente os recursos para a ciência e a tecnologia (PIRES, 2020) e corroeu os recursos estatais com o programa de privatizações do Ministério da Economia. Todas essas ações foram acompanhadas de discursos de ódio com traços fascistas, que se valeram do medo, da ignorância e da manipulação das massas por meio de fake news. O cenário era disruptivo à democracia.

Desde o Golpe de 1964, que gerou uma ditadura civil-militar no Brasil, essa foi a maior crise democrática vivida em nosso país, e cujos efeitos ainda não foram avaliados em sua totalidade. Observe-se que todo esse processo está ocorrendo em meio a uma crise internacional da democracia representativa.

O regime político resgatado na modernidade para que o poder do povo fosse tomado como soberano, diante da Constituição e do tamanho dos Estados-nacionais, solidificou-se por meio da democracia representativa, que acaba por jogar no colo de uma elite política a incumbência de dar rumos à sociedade diante da possibilidade da irracionalidade das massas (AVRITZER, 2000). Esse elitismo democrático criou um distanciamento entre representantes e representados a ponto desses últimos não serem representados. Com isso, emerge o que Santos (2002, 2016) chama de patologia da representação.

O modo de vida individualista e de competitividade globalizada, a atual financeirização da economia e o consequente aprofundamento das desigualdades criam a distopia como modus operandi e estão no cerne do desvanecimento da democracia como o único regime político que admite o conflito como forma de ampliar o campo social e garantir direitos existentes e outros ainda por vir. Se a democracia não garante e amplia direitos, ela perde seu vigor e abre uma fenda perigosa para o surgimento de discursos de regimes políticos alternativos a ela.

Se, por si só, essa conjuntura social e política vivida já seria um desastre, junta-se a ela a pandemia causada pela Covid-19. Vive-se esse drama enredado por discursos e atitudes negacionistas do atual Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, o que torna o país uma nave em tempestade à deriva. A democracia está em xeque, os direitos foram subtraídos em um cenário pandêmico desolador. Neste imenso país de proporções continentais, o desastre econômico, político, sanitário e ético é desolador, e a educação escolar, um direito social conquistado a duras penas, não se manteve incólume. A pandemia aprofundou as desigualdades sociais e impactou o acesso à escolarização de qualidade social. O Brasil foi fortemente golpeado. Reconstruí-lo é uma tarefa necessária e urgente.

Diante da necessidade do isolamento, as escolas foram fechadas em 2020, os alunos passaram a estudar em casa e os professores tiveram que reinventar suas práticas. Mesmo com dados apontando que apenas 48% da população está conectada à internet (em sua maioria, por meio do aparelho celular) e que 46,5 milhões de domicílios não possuem acesso à rede (CETIC.BR, 2020), o ensino remoto por meio de plataformas digitais foi adotado por muitos gestores públicos sem hesitação, inclusive, com o crivo do Parecer 05/2020 do Conselho Nacional de Educação (CNE, 2020), documento que afirma contar com a criatividade de redes, escolas e professores no atendimento aos objetivos de aprendizagem e no desenvolvimento das competências e habilidades exigidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Não negando as capacidades inventivas e criativas dos docentes e da comunidade escolar, outros elementos não devem ficar à margem da discussão, como as condições precárias em que se encontram muitas escolas públicas, bem como as condições em que vivem boa parte de seus alunos e de suas famílias, que tiveram, também, que se organizar para auxiliar os filhos nos estudos em casa. O que sempre foi feito por meio da interação presencial na escola passou a ser feito em ambiente domiciliar com os educadores a distância. Abruptamente, alterou-se a percepção dos tempos, as formas de relacionamento social e o processo de ensinar-aprender. Se para aqueles que têm à disposição as tecnologias de informação e comunicação adequadas, além de condições materiais e de apoio familiar, a transição pôde ser mais tênue, sem deixar de ser sofrida, para a maior parte dos estudantes de escolas públicas, a realidade foi/é muito mais cruel.

O que fazer em relação ao processo ensino-aprendizagem? O que fazer em relação aos tempos escolares, agrupar 2 anos em 1? Seguir o calendário escolar do ano corrente, selecionando e priorizando habilidades e competências prescritas pela Base? Pautar-se no currículo e sistematizar nas ações didáticas as causas da situação vil que professores, alunos e comunidade escolar se encontram? O que deve ser priorizado no currículo em tempos brasileiros de pandemia e de pós-pandemia?

A função da escola não é educar olhando para trás, o olhar da escola precisa se fixar no horizonte histórico que se deseja, um futuro em que todos sejam sujeitos de direitos sociais, políticos e econômicos. Em que todos sejam considerados portadores naturais dos direitos humanos.

3 PÓS-PANDEMIA E A NECESSÁRIA RETOMADA QUALIFICADA DO CAMINHO DEMOCRÁTICO

Embevecidos por um discurso saudosista e conservador, alguns tentar convencer a sociedade sobre o retorno harmônico para o cenário político, social e econômico anterior à pandemia. Esta seção toma o caminho contrário, propondo a retomada qualificada de uma democracia fortalecida nos direitos existentes e na ampliação desses. É preciso retomar o caminho dando robustez à democracia vivida recentemente no Brasil desde os seus interstícios. Para isso, são necessários avanços teóricos e práticos no alargamento das concepções teóricas que direcionam as ações e nas práticas sociais que refundam teorias que vislumbram uma sociedade mais justa e igualitária.

Alinhados a correntes que criticam o elitismo democrático das teorias liberais constituintes da democracia representativa e elevando a participação popular nas decisões sobre a coisa pública, Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chaui são proeminentes pensadores da conjuntura social e política no mundo. Se o primeiro lança-se numa postura sociológica transgressiva às formas hegemônicas ocidentais e universalizadas de compreensão da realidade, propondo ferramentas analíticas para o reconhecimento e a valorização de conhecimentos invisibilizados pelo colonialismo, pelo capitalismo e pelo patriarcado, a segunda não hesita em se definir como uma marxista-leninista que lança mão de conceitos como ideologia, luta de classes, hegemonia e os determinismos economicistas na produção do conhecimento e da cultura.

Resguardadas as especificidades e as ancoragens teóricas de cada autor, ambos compreendem a democracia em seu sentido lato e contra-hegemônico como um valor que aperfeiçoa as relações humanas e que insere demandas sociais marginalizadas por meio do debate entre as diferenças, sendo esse o ponto central para a superação da sociedade desigual e injusta. É assim que os dois teóricos articulam democracia como o regime de direitos com vistas à emancipação.

Santos (2011) propõe uma racionalidade definida por ele como cosmopolita, fundada em três procedimentos que podem credibilizar outras formas de ser e compreender a realidade: a sociologia das ausências, a sociologia das emergências, e a tradução intercultural e política como alternativas que se somam à da racionalidade científica ocidental, que, até o momento, vem se arrogando o direito de ser a única forma de apreensão da realidade. O autor valoriza as experiências sociais alternativas que vêm gerando conhecimentos sobre economia, meio ambiente, direito, formas e procedimentos democráticos que nascem da luta contra as injustiças geradas pelo colonialismo, pelo patriarcado e pelo capitalismo. Essas experiências estariam localizadas no Sul epistemológico e político do globo terrestre.

A sociologia das ausências é definida como uma postura científica transgressiva que visa tornar visíveis as diversas experiências sociais que são tratadas como não-existentes. Ele compreende que, para disputar o poder político, é preciso credibilizar essas experiências, enfrentando a credibilidade exclusiva dos saberes e práticas sociais hegemônicas. Com isso, expande-se o domínio das experiências sociais disponíveis, dilatando o presente ao transformar objetos impossíveis em possíveis, e, com base neles, ausências em presenças (SANTOS, 2018).

Além de ampliar as experiências do presente, Santos (2010, 2018) propõe que se faça uma ampliação simbólica dos saberes, das práticas e dos agentes, de modo a identificar as tendências de futuro. Buscam-se pistas, sinais, traços em tudo que existe por meio da dilatação do presente, acenando para algo que possa vir a acontecer. Juntam-se ao real as possibilidades e as expectativas futuras que ele comporta, ampliando-o por intermédio da contração do futuro. Santos (2010, 2011) define esse procedimento como sociologia das emergências.

Enquanto a sociologia das ausências reconhece, torna visíveis e credibiliza experiências reais, expandindo o presente diante da riqueza de práticas sociais e de seus agentes, a sociologia das emergências revela-se pela ampliação simbólica de sinais (em contextos reais) que possam apontar para um futuro que não seja a repetição do presente. Debruçadas sobre essa postura científica transgressiva, multiplicam-se as experiências sociais credíveis que podem criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo, com coerência e articulação, em busca de convergências éticas e políticas que acenem para um outro mundo possível. O autor define esse processo como tradução intercultural e política (SANTOS, 2010).

Ao valorizar outras formas de compreender a realidade para além dos cânones científicos ocidentais, as teorizações hegemônicas sobre a democracia como regime político eficaz no governamento das sociedades modernas por meio do sufrágio e do modelo representativo em partidos políticos apresentam-se como limitadas, já que se sustentaram em um localismo do Norte global, deflagrando a dimensão epistemológica do poder (SANTOS, 2011).

Para o sociólogo português, a luta pela democracia pode/deve ocorrer em todo processo de transformação de relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada (SANTOS, 2016). Portanto, a democratização dos saberes e a busca por inteligibilidade recíproca entre eles passa a ser condição para a luta contra o poder desigual.

Afastando-se daqueles que defendem a democracia como método de aferição de vontades estabelecidas periodicamente e circunscritas ao Estado, Santos (2011) propõe ainda o seu espraiamento para outros espaços onde imperam relações de poderes desiguais. São eles: o espaço doméstico; o espaço da produção; o espaço do mercado; o espaço da comunidade; o espaço da cidadania; e o espaço mundial. De acordo com o autor, a partir de todos esses espaços emanam formas de opressão sustentadas no capitalismo, no colonialismo e no patriarcado.

A democratização dos saberes que emanam da luta e para a luta, a convergência ética e política entre eles, bem como a democratização de todos os espaços são princípios da democracia de alta intensidade, que prevê, ainda, outro princípio: a ação rebelde ou ação-com-clinamen5.

Diferentemente da ação conformista que reduz o realismo ao que existe, o rebeldismo é a ação turbulenta de um pensamento turbulento e criativo. A ação-com-clinamen é o desvio do conformismo, é a inclinação rebelde promovida por subjetividades desestabilizadoras que não recusam o passado, mas o assumem e o redimem pela forma como dele se desvia, e, nesse movimento, dá sinais de um porvir alternativo.

A reinvenção epistemológica da democracia, dos espaços onde deve se fazer presente e das práticas engendradas por rebeldias competentes alarga o espaço da participação e da deliberação de grupos marginalizados, dá visibilidade às suas necessidades e lutas, e pavimenta o caminho para a garantia e ampliação de direitos. Eis o cerne da democracia, a criação de direitos reais, de direitos existentes e de novos direitos (CHAUI, 2008). É o único regime político que admite e legitima os conflitos, trabalhando sobre eles.

Na perspectiva da filósofa brasileira, os direitos têm como pressupostos os interesses e carências de diferentes grupos sociais, não obstante, distanciam-se na medida em que:

Um direito [...], ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque é universalmente reconhecido como válido para um grupo social - como é caso das chamadas minorias (CHAUI, 2012, p. 150).

A materialização dos direitos ocorre quando esses são instituídos como leis, conferindo legitimidade à democracia, que, como forma social de existência coletiva aberta ao tempo, ao novo, não cessa de trabalhar seus conflitos e divergências internas. Abre-se, assim, o campo social para que, por meio dos direitos adquiridos, os desiguais conquistem a igualdade perante as leis, que, junto com a liberdade de pensamento, de expressão, das escolhas individuais e da defesa contra as injustiças, junto com o direito de participação no poder, constituem-se como os grandes direitos definidores da democracia desde sua origem (CHAUI, 2012).

As lutas por esses direitos basilares criaram as condições para que outros grupos ocupassem espaços que, até então, não continham suas necessidades e interesses, reivindicassem a sua ampliação por meio da participação no poder decisório e, na disputa democrática, criassem novos direitos.

[...] a abertura do campo dos direitos, que define a democracia, explica porque as lutas populares por igualdade e liberdade puderam ampliar os direitos políticos (ou civis) e, a partir destes, criar os direitos sociais - trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, lazer, cultura -, os direitos das chamadas minorias - mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, indígenas -, o direito à segurança planetária - as lutas ecológicas e contra as armas nucleares; e, hoje, o direito contra as manipulações da engenharia genética. Por seu turno, as lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à censura, à tortura, direito de fiscalizar o Estado por meio de organizações da sociedade (associações, sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos) e direito à informação pela publicidade das decisões estatais (CHAUI, 2012, p. 152).

Entretanto, como a ampliação de direitos pode dissolver o privilégio de alguns, acirram-se as disputas e criam-se mecanismos, regras e barreiras para evitar a participação ou conclamá-la para atuar sobre coisas que são cada vez mais banais para a reprodução do poder (SANTOS, 2011), fragilizando a democracia por dentro de suas estruturas por meio de forças econômicas supranacionais e antidemocráticas que a descaracterizam dentro da legalidade institucional e minam os direitos sociais e econômicos sustentados na distribuição social dos excedentes captados pelo Estado. A Emenda Constitucional 95/2016 (que estabelece um Teto de Gastos públicos), a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência e a negligência no cumprimento das metas estabelecidas no PNE em 2014 são exemplos emblemáticos do desvanecimento dos direitos e do cerne da sociedade democrática.

A noção de competências emergentes do projeto econômico político neoliberal e a transformação das forças produtivas no século XXI acentuam as desigualdades entre os detentores do saber (os competentes) e os despossuídos das competências exigidas pela sociedade capitalista, criando barreiras que impedem a participação popular. O capital intelectual, sustentado na ciência, na tecnologia e no uso competitivo do conhecimento nos processos produtivos, emoldura-se como o conhecimento competente restrito a especialistas (CHAUI, 2014), que, por sua vez, dá o direcionamento ideológico, definindo o que vale como saber e o que não vale, quem pode pronunciá-lo, quem são os seus receptores, colocando a democracia de base popular à parte, elegendo apenas os laureados como competentes.

O recrudescimento da pedagogia das competências, a intensificação do individualismo e da meritocracia e a responsabilização dos professores (políticas de accountability), enfatizados em nome do direito de aprendizagem, estabelecidos na versão aprovada da BNCC em 2018, dão sinais de que a educação escolar, mesmo como um direito social previsto constitucionalmente, não está incólume às transformações do que se toma como direito, quem pode conferi-lo e sob quais interesses e carências ele se sustenta diante do capitalismo de vertente neoliberal.

Nessa perspectiva política sustentada no encolhimento da esfera pública e na ampliação da esfera privada, o Estado deixa de garantir direitos sociais que passam a ser tratados como serviços que devem ser regulados pelo mercado (CHAUI, 2014). O direito universal e indistinto à educação passa a ser um privilégio, que apenas os dotados de poder econômico poderão adquirir.

A crítica de Chaui (2014) ao discurso competente e a seus efeitos excludentes coadunam-se no horizonte político às considerações sobre a diversidade epistemológica na qual a democracia deve estar assentada, proposta por Santos (2011, 2018), o que aponta para o reconhecimento e para a valorização de outras formas de compreensão da noção de direitos.

Santos (2018) aponta também algumas tensões provocadas pela concepção hegemônica de direitos humanos: 1) a tensão entre as concepções liberais que definiram os direitos individuais (civis e políticos) e as aspirações socialistas que fomentaram os direitos coletivos (sociais), sendo a primeira pensada a partir de um indivíduo moderno, racional, nortecêntrico, e a segunda a partir de coletivos sustentados na igualdade que descaracterizava a diferença. Ambas foram universalizadas a partir de um localismo europeu que ignorou a existência de outras formas de compreender o indivíduo e o próprio sentido dos coletivos; 2) a tensão entre a razão do Estado e a continuidade dos direitos humanos nos processos de justiça de transição das ditaduras às democracias, em que pactos de anistia, como os que ocorreram no Brasil, tensionam a validade dos direitos humanos, especialmente considerando os que clamam por justiça; 3) a tensão entre o princípio da igualdade e o princípio da diferença - afinal, os direitos foram criados com base na igualdade e não no reconhecimento da diferença; 4) a tensão entre o direito ao desenvolvimento e o direito à autodeterminação, esse reconhecido pelo direito internacional, que protege os povos ancestrais em seus bens territoriais e culturais, tendo em vista que o desenvolvimento capitalista desenfreado tem invadido o direito à terra de muitos povos (SANTOS, 2018).

As tensões aventadas por Santos anunciam que a concepção de direitos deve ser ampliada a partir da perspectiva daqueles que não têm direitos, ou seja, dos grupos excluídos, impedidos de serem o que são por concepções universalizantes pautadas em direitos que invisibilizaram seus saberes sobre direitos, dignidade humana, libertação e emancipação. É a partir de suas carências, interesses, anseios e saberes que deve ser construída uma nova perspectiva de direitos concebida contra-hegemonicamente.

Tem-se então o aporte teórico para a retomada qualificada da luta pela democracia pós-pandemia: uma democracia de alta intensidade sustentada na democratização dos saberes e dos espaços, envidadas por rebeldias competentes que não cessem de lutar por participação e pela garantia de direitos existentes, assim como pela constituição de novos direitos, a partir da perspectiva daqueles que não tiveram direitos. A escola como instituição escolhida pela humanidade para educar às novas gerações pode e deve ser capaz de proposições curriculares sustentadas na democratização das relações, na garantia de direitos e em um Estado responsivo às demandas sociais.

4 O QUE A ESCOLA TEM A VER COM ISSO? DE QUE CURRÍCULO PRECISAMOS?

Buscou-se caracterizar nas primeiras seções deste artigo que o cenário pandêmico brasileiro foi vivido sob um regime totalitário, usurpador, que gerou situações bárbaras e inconcebíveis em pleno século XXI: de fome, de mortes, de doenças, de descrédito do poder público, de desprezo pela dor alheia, de desapreço pela palavra, de banalização do horror. Viveu-se um processo de genocídio do povo pobre, especialmente por descaso e ganância do governo federal e seus comparsas. O Brasil teria vivido um Auschwitz a céu aberto que foi se desenhando durante os anos 2020/2021?

Theodor Adorno, ao escrever sobre a educação escolar e a emancipação (ADORNO, 2020), logo após a Segunda Guerra Mundial, demonstrava a sua indignação perante os atos genocidas cometidos pelo governo nazista de Adolf Hitler e perguntava-se como os seres humanos teriam permitido e convivido anos a fio com toda aquela barbárie. O que os fazia presenciar o genocídio e conviver passivamente com atos tão desumanos, tristes, inimagináveis? Nessa busca por respostas, o autor depositou fortemente na educação escolar - mas, não somente nela - uma esperança de construir uma sociedade sem barbáries.

Ele escreve naquele momento:

Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação [...] Milhões de pessoas inocentes foram assassinadas de uma maneira planejada (ADORNO, 2020, p. 129-130).

A questão que dá o título a esta seção demanda outras: Que sociedade se quer? Educa-se para quê? Para quem? Por quê? De que se tem que lançar mão para alcançar os fins humanos desejados?

Na busca e na luta por uma sociedade democrática sustentada em uma perspectiva ampliada de direitos com vistas à emancipação e à justiça social, pode-se pensar numa concepção de currículo escolar que reconheça a pluralidade cultural da sociedade, valorize as diferenças, fortaleça a construção coletiva e busque inspirações em experiências históricas democráticas de educação, que não faltam na história brasileira (PONCE, 2018; PONCE; ARAÚJO, 2019). Uma concepção que eleve os saberes dos menos favorecidos para além do trato folclórico, estereotipado e fragmentado, no qual não se consideram em profundidade os mecanismos históricos, políticos e sociais de formação e de exclusão de identidades (CONNELL, 1997), analisando os conteúdos de forma crítica e valorizando no currículo saberes culturais comprometidos com um mundo mais humano, justo e democrático (TORRES SANTOMÉ, 2013). Denominada Justiça Curricular, essa concepção de currículo compreende o mundo a partir de conhecimentos sustentados em epistemologias que promovam a justiça cognitiva (SANTOS, 2011, 2018).

Além da ênfase dada ao conhecimento escolar como um dos produtores de vida digna, Ponce (2018) compreende a Justiça Curricular a partir de outras duas dimensões: o cuidado com todos os sujeitos do currículo, para que se viabilize o acesso ao pleno direito à educação de qualidade social, o que envolve a afirmação de direitos; e a convivência escolar democrática e solidária, para que se consolidem valores humanitários e se crie uma cultura de debate democrático e de respeito ao outro na escola e para além dela.

Na busca por adensar o conceito de Justiça Curricular e materializá-lo nas práticas curriculares possíveis, Ponce e Araújo (2019) destacam que o conhecimento crítico como dimensão da Justiça Curricular deve estar assentado, também, na valorização e no reconhecimento de saberes emergentes dos grupos excluídos (indígenas, quilombolas, movimentos sociais etc.). Conhecimentos que nasceram da luta contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado e que, atrelados a outros conhecimentos, podem ser instrumentos de resistência a barbáries e representar novas possibilidades de ampliação do olhar humano para a vida. O conhecimento sobre o mundo é maior do que o da compreensão científica ocidental sistematizada nos currículos escolares hegemônicos, o que não significa excluí-los desse lócus.

Os saberes emergentes da luta contra a dominação devem estar articulados aos conhecimentos científicos, aos saberes populares dos territórios, aos conhecimentos míticos, às emoções, enfim, a outras racionalidades, estabelecendo uma relação horizontal entre eles em que o critério de escolha do que deve ou não deve ser ensinado não seja dado a priori pela ciência ocidental, mas definido pela prática de resistência e de esperança que fomenta.

O conhecimento é plural, expandindo na linguagem e nas ações as possibilidades de experiências. Traduzir entre os grupos as experiências sociais do presente, estabelecendo entre estas os pontos em comum e as diferenças, contribui para que não se descaracterize e inferiorize a diversidade entre os saberes e suas origens. Com essas práticas, criam-se condições para processos emancipatórios. Ancora-se o currículo não apenas no aspecto cognitivo, mas também no corporal, nas percepções e nas emoções dos sujeitos que dele fazem parte. A justiça curricular afirma a necessidade de um conhecimento significativo para a vida do educando que lhe permita compreender e agir no mundo (PONCE; ARAÚJO, 2019, p. 1060).

Que saberes devem ser selecionados e/ou priorizados no currículo escolar em tempos de pandemia e de vertiginosa subtração de direitos?

Desde a aprovação da BNCC e a negligência no cumprimento das metas estabelecidas no PNE, o direito à educação no Brasil foi deslocado para o que a BNCC compreende por direito à aprendizagem, imputando aos professores a responsabilização pelos resultados aferidos em testes de larga escala (CÁSSIO, 2019). A política de responsabilização e a meritocracia incrustadas no direito à aprendizagem individualizam o fracasso e o êxito aos moldes da sociedade competitiva capitalista, em que vencedores têm direitos garantidos e perdedores vivem naturalmente à margem da sociedade.

Em tempos de pandemia, o direito à aprendizagem pode, ainda, guinar para o direito de aprender o mínimo ou aprender conhecimentos selecionados pelos dirigentes educacionais atuais, alinhados ao mercado de trabalho, em uma sociedade com postos de emprego de pouquíssimo valor agregado ou, mesmo, sem postos de trabalho suficientes para atender à demanda por empregos. Afinal, não há tempo a perder, as aprendizagens essenciais precisam ser recuperadas, sobretudo, em escolas públicas que permaneceram fechadas durante boa parte dos anos de 2020 e 2021!

Na contramão do projeto educacional hegemônico, defende-se uma educação que paute conhecimentos sobre direitos (civis, políticos, sociais, humanos) sob a perspectiva daqueles que não têm os direitos que garantam a sua própria condição (SANTOS, 2018). Necessita-se introduzir no currículo escolar uma área de conhecimento também já desenvolvida no Brasil, a da Educação em Direitos Humanos6. O direito dos impedidos de SER deve percorrer toda a Educação Básica por meio de uma organização didática que convirja ética e politicamente com outros conhecimentos com vistas à emancipação. Os temas geradores7 pensados e colocados em ação por Paulo Freire são um caminho de organização didática e política nessa direção. Essas preocupações não descartam os conhecimentos consensualmente considerados fundamentais pelas escolas que estão contemplados em documentos históricos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) (2013), mas devem dar direcionamento às priorizações feitas a partir deles. A construção do currículo na escola por meio do Projeto Político Pedagógico como ação que se propõe pensá-la a partir de múltiplas vozes, mediadas pela vivência democrática e coletiva, é um dos caminhos para uma apropriação crítica das DCNs.

Além da dimensão do conhecimento, a Justiça Curricular como proposta de um currículo emancipatório considera importantes mais duas dimensões: o cuidado e a convivência democrática.

A dimensão do cuidado (PONCE, 2018; PONCE; ARAÚJO, 2019) apresenta-se como a garantia e a ampliação de direitos individuais e coletivos dos sujeitos do currículo sob a responsabilidade de um Estado responsivo às demandas sociais, especialmente as de grupos marginalizados. Assim como o conhecimento, o cuidado no cotidiano das escolas deve ser definido sob a perspectiva daqueles que não são cuidados e sofrem com os efeitos das políticas de responsabilização individualista pelo cuidado de si e da desresponsabilização do Estado. O cuidado é extensivo a todos os sujeitos do currículo.

Vale destacar que a reconceitualização nas formas de viver, interagir e aprender, alteradas pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, acentuadas durante a pandemia, exige que a democratização digital seja também um direito garantido, assim como devem ser revistos outros contratos que garantam e ampliem direitos trabalhistas, tendo em vista o excesso de trabalho docente agudizado pela necessidade de gravação de videoaulas e comunicação com os alunos e famílias via redes sociais, eventos que ocorreram a partir das novas relações sociais estabelecidas. O direito à educação, assim como o direito ao trabalho em boas condições, ocorre quando o direito de ser cuidado dignamente é amplo e irrestrito, contemplando todos os sujeitos da educação.

Desse modo, para Ponce e Araújo (2019), a dimensão do cuidado no currículo escolar tem como horizonte uma educação de qualidade social para todos, ou seja, uma educação inconformista, rebelde e competente que transforme relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada (SANTOS, 2016). Ter-se-á, assim, uma educação democrática curricularizada8, praticada nos espaços escolares e espraiada para tantos outros, o que implica em outra dimensão a ser considerada na busca da Justiça Curricular: a da convivência democrática.

Para os referidos autores, a convivência democrática deve ser prevista no currículo escolar emancipatório em todos os seus espaços. Envolve conhecimentos sobre outras formas e procedimentos democráticos sustentados na diversidade de saberes que coexistem e devem ser reconhecidos e valorizados. A convivência democrática deve ser vivida no chão da escola, dando primazia à sua concepção participacionista, sem abrir mão de procedimentos que articulem representação e participação, como os conselhos escolares, os grêmios estudantis, conferências lúdicas e orçamentos participativos.

A convivência democrática ocorre como exercício cotidiano nos espaços escolares, onde, admitindo e elevando os conflitos e as divergências, abre-se um campo social para que direitos sejam garantidos, ampliados (CHAUI, 2008) e todos os sujeitos sejam reconhecidos como sujeitos históricos inconformados com a história que os constituiu e que, ao mesmo tempo, sejam considerados competentes para a proposição de um porvir alternativo. Além de um procedimento efetivo na resolução de divergências, a convivência democrática é talhada como um valor caro ao aperfeiçoamento das relações sociais, onde o reconhecimento das diferenças impinge o reconhecimento da igualdade de direitos. A convivência democrática torna-se um ato pedagógico emancipatório.

No âmbito das disputas pelo projeto de sociedade e da centralidade nas políticas educacionais que os currículos ocuparam nos últimos anos, a barreira quase inexpugnável da educação como privilégio é confrontada, e, assim, abre-se uma fenda para que uma educação de qualidade como um direito universal de todas/os possa emergir.

Conhecimento, cuidado e convivência democrática são dimensões da Justiça Curricular, que se apresenta como uma perspectiva contra-hegemônica, já que em tempos obscurantistas e de aviltamento à democracia, afirma o imperativo ético do bem comum e o respeito às diversidades. Em tempos de elevação de privilégios, propõe direitos. Em tempos de Estado autoritário transgressor de valores éticos, que se apresenta como adepto da economia-política neoliberal, preconiza a democratização com horizonte na democracia de alta intensidade (SANTOS, 2016). Em tempos de pandemia e no pós-pandemia, em que se alteraram as formas de educar, posiciona-se a favor de uma educação sustentada em direitos sociais e outros direitos emergentes dos territórios com vistas à justiça social.

Envolto a esses elementos, afirma-se que o currículo escolar deve estar balizado por uma educação política emergente de questões atuais, que levem os sujeitos escolares a tomarem posições e a saber debatê-las democraticamente.

5 POR UM PORVIR CURRICULAR DE QUALIDADE SOCIAL

Não há democracia sem igualdade social, sem direitos à alimentação de qualidade, à moradia digna, a agasalhar-se do frio e do calor excessivo, sem escolas socialmente justas, enfim, sem condições dignas para viver, pensar e construir coletivamente o mundo, espera-se, cada dia mais justo.

A proposta da Justiça Curricular é que o currículo das escolas do Brasil deste momento, final de 2021, seja considerado e proposto a partir das suas três dimensões: 1) a dimensão do conhecimento, que deve contemplar estudos a partir de critérios de formação de cidadania plena, com valores voltados à democracia de alta intensidade; 2) a dimensão do cuidado com todos os sujeitos do currículo. Quem tem fome, sede, dor, frio, não ensina e não aprende. Não há desenvolvimento curricular sem vida digna, sem que a vida seja considerada como o bem maior da humanidade e, portanto, sem o provimento das condições para sua plenitude; 3) a dimensão da convivência democrática. Em uma sociedade que, nos últimos anos, criou/aprofundou uma cultura individualista, de competição, que fez seus cidadãos, especialmente durante eleições, terem uma vivência político-partidária pautada no ódio ao adversário, gerando nas famílias fissuras difíceis de serem superadas, deve-se priorizar em seus currículos escolares o aprendizado da convivência democrática e solidária. Temos, no Brasil de hoje, muitas urgências. Escolares, alimentares, de convivência, de saúde etc. Arregaçar as mangas e ir à luta é imperativo! Por nós, adultas/os, pelas crianças, jovens e pessoas idosas.

A concepção de democracia defendida nos currículos escolares pode ser aquela concebida por Santos (2016, p. 133): “A democracia para mim é todo processo de transformação de relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada. Onde quer que haja luta contra o poder desigual, há processo de democratização”.

A luta a que se refere não ocorre somente contra a exploração da força de trabalho, mas, também, contra o patriarcado, que, além do espaço da produção, tem seu criadouro no espaço doméstico, e contra o poder do colonialismo, que invisibiliza saberes e outras formas de estar no mundo. O efeito do êxito dessas lutas são processos emancipatórios (SANTOS, 2011) que ensejam em direitos a partir daqueles que não têm ou nunca tiveram seus direitos reconhecidos.

A constituição de um currículo escolar que vise uma educação política democrática não prescinde de conhecimentos científicos e saberes historicamente acumulados, mas o faz em articulação com outros conhecimentos oriundos dos territórios9 inseridos, como apresentado na dimensão do conhecimento proposta pela Justiça Curricular.

De acordo com as idades, temas como a globalização cultural e econômica, bem como a teoria política econômica neoliberal e seus efeitos catastróficos para o meio ambiente e para a vida humana, podem ser curricularizados nas escolas, lançando mão, inclusive, das diversas pesquisas científicas que abordam a temática.

A subcidadania10 provocada pelo desemprego estrutural e enxugamento do Estado e de direitos sociais pode ser retratada pelos próprios subcidadãos dos territórios e das escolas, e sistematizada pelas propostas curriculares. Com isso, podem ser estabelecidas convergências éticas e políticas entre as vivências e os saberes.

É um processo que envolve formação profissional e política de professores e de outros sujeitos do currículo; formação de excelência.

Tendo em vista a massificação dos cursos de licenciatura, o estreitamento da formação em serviço impingido pelo estudo das competências da BNCC e a corrida pelas melhores posições no ranqueamento das escolas promovida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a ação de formação está prejudicada.

Como todo momento de crise traz em si limites e possibilidades, tem-se uma possibilidade de repensar o papel das escolas e expandi-lo. A escola, as redes escolares, as diretorias de ensino e similares, que têm como tarefa social educar os estudantes, podem e devem se preocupar, também, em educar seus educadores. Em um grande movimento de organização coletiva e de reivindicação por formação cidadã e melhores condições de trabalho, será possível promover algumas mudanças. Não se tem ilusão de que seja de um dia para outro, mas é preciso pensar o não existente. Não está posta a formação de professores e de outros agentes educacionais, como é necessário. No entanto, é preciso inventá-la e lutar por ela. É preciso a ousadia. As utopias são absolutamente necessárias! O inverso é se conformar com o mundo distópico.

Recuperar as emoções, os inconformismos, as angústias, as rebeldias ainda desorganizadas; e que às vezes são manipuladas pelo medo e pelo ódio fomentados por fake news. Dar a elas uma organicidade e um sentido em torno de uma luta a ser definida pelo coletivo é uma alternativa possível.

Um ensaio para a resposta pode ser dado a partir de duas correntes do conhecimento aventadas por Santos (2007). Uma ligada à razão, denominada pelo autor corrente fria; e a outra, à emoção, postulada como corrente quente. Embora ambas sejam importantes e todos os homens e mulheres as carreguem consigo, o autor destaca que comumente se trabalha mal a corrente ligada à emoção, que é responsável por constituir a ousadia necessária para transgredir “[...] a corrente fria é a consciência dos obstáculos; a corrente quente é a vontade de ultrapassá-los. As culturas distinguem-se pela primazia que dão à corrente fria ou à corrente quente” (SANTOS, 2007, p. 65).

A formação profissional deveria tratar dos inconformismos que atravessam as escolas, sistematizá-los na formação em serviço, e, elevar a corrente quente, a fim de que se radicalizem as possibilidades pedagógicas do momento, ou seja, caminhe-se em direção ao inédito-viável (FREIRE, 2014) de uma formação política no cotidiano das escolas. Retome-se a proposta já existente em nossa história brasileira de oferecer formações de educadores em direitos humanos. Retome-se a proposta também existente em nossa história brasileira de oferecer educação em direitos humanos no currículo escolar da Educação Básica.

Retome-se a experiência exitosa de formação profissional guiada pela emancipação dos sujeitos que foi empreendida por gestores da Secretaria de Educação de Várzea Paulista entre os anos de 2005 a 201211, denominada formações emancipatórias. Naquela experiência de gestão da educação, propiciaram-se formações que foram além do como ensinar, problematizaram-se os conhecimentos e a realidade vivida. Os professores desvelaram as teorias que habitavam suas práticas ao mesmo tempo em que valorizaram os saberes presentes na escola, ressignificando seu papel como sujeitos do conhecimento.

Ainda sobre essa experiência, o autor concluiu que, no reconhecimento e na valorização dos saberes de professores e comunidade, articulados a discussões democráticas e elementos da democracia participativa e representativa, constituiu-se um legado imaterial que forjou subjetividades rebeldes, capazes de se indignarem, e competentes para propor alternativas democráticas. Essa é uma condição para reinventar a sociedade.

A formação de subjetividades rebeldes, competentes e democráticas, e o reconhecimento e a valorização dos saberes dos territórios são princípios caros para uma educação política democrática a ser sistematizada nos currículos escolares, que traz em si as possibilidades de desvelar as tramas sociais que impedem os sujeitos do currículo de compreenderem que o espaço curricular é um espaço em disputa política. É, portanto, legítimo disputar esse espaço em nome da democratização da educação, da sociedade, da alimentação, da moradia, da saúde, etc.

A educação política é necessária. A educação é política e, neste momento, é necessário afirmá-la na prática como um ato político (FREIRE, 2014) pela democracia. A educação democrática é também utópica, exige uma consciência antecipatória (SANTOS, 2018) que aponte possibilidades de um futuro melhor com ações cotidianas sistematizadas nos currículos das escolas que vislumbrem outro mundo possível. Promover a utopia, vivendo-a na pujança do sentido emancipatório, é um ato educacional; é imperativo alimentá-la do conceito de esperança concebido por Paulo Freire (2011).

Tomando a esperança como necessidade ontológica, como imperativo ético e histórico dos seres humanos, Freire (2011) destaca a sua constituição na prática, na ação transformadora, na crítica ao mundo vivido e no anúncio de outra realidade, onde homens e mulheres não sejam impedidos de SER. É uma esperança ativa, crítica, que se faz ao caminhar por meio de uma educação libertadora.

Em uma sociedade ilhada por distopias, medos e retrocessos civilizacionais, que afrontam os brasileiros, educar para a esperança e alimentar as utopias, emerge como outro princípio a ser considerado para a priorização da educação política democrática. A proposta da Justiça Curricular pressupõe a concomitante educação política dos educadores (pautada na ciência política) porque desenha um porvir curricular que contém o enfrentamento das desigualdades e o respeito às diversidades como seus princípios. Seu horizonte é a justiça social considerada em seu sentido bidimensional que abrange a dimensão distributiva e de reconhecimento (FRASER, 2002).

Não há possibilidade de desejar voltar ao normal ou ao novo normal. Deseja-se superar os vírus, as desigualdades, os preconceitos, as injustiças, a fome, a ignorância, a má política, etc. Deseja-se um outro mundo, um outro país, mais justo e mais solidário. Deseja-se uma escola que faça bem, que amplie horizontes, na qual também se possa ser feliz. E ela é possível!

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 Observe-se que, logo após o golpe político-jurídico-midiático, ocorrido em 2016 (SINGER et al., 2016), que gerou o processo de impeachment da então Presidente Dilma Rousseff, o país é impactado pela Emenda Constitucional 95/2016 - que limita os gastos públicos por 20 anos - e pela Reforma Trabalhista, sancionada em 2017, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Se, na primeira, o discurso oficial exaltava a necessidade de enxugamento das contas públicas e do próprio Estado, a segunda prometia a modernização das relações e contratos de trabalho, além da criação de novos postos. Observe-se, ainda, que tanto uma quanto a outra fizeram parte do nostálgico normal.

3 Sérgio Moro.

4 Foram muitas as versões dos fatos. Tomam-se aqui palavras da sentença proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre Sérgio Moro, que inocentou o ex-presidente: “Ex-juiz que atuou como parte de acusação na Operação Lava-Jato contra o ex-presidente Lula, condenando-o a mais de 8 anos de prisão, o que, em sequência, impediu-o de disputar a eleição presidencial de 2018” (SCHREIBER, 2021).

5 Santos (2010) recorre a Lucrécio para estabelecer uma metáfora com o conceito de clinamen. É o que faz com que os átomos deixem de parecer inertes e revelem um poder de inclinação, isto é, um poder de movimento espontâneo.

6 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/aidamonteiro/textos.htm. Acesso em: 16 jul. 2021.

7 A construção coletiva de temas que serão estudados ao emergirem na realidade concreta inserida. Ver mais em Freire (2014).

8 Distante de espontaneísmos ou de experiências que ocorrem pontualmente, acredita-se que a democracia deve ser sistematizada no currículo como um valor ético que eleve o bem comum.

9 O conceito de território é aqui tomado conforme o geógrafo brasileiro Milton Santos (1996), que propõe sua compreensão ampliada. Trata-se de um composto de diferentes formas geográficas, biológicas, culturais, onde as sociedades constroem seus símbolos e definem suas identidades culturais. O reconhecimento dos territórios pode emergir como um princípio e uma diretriz de uma educação política democrática.

10 Santos (2011) faz alusão à subcidadania, citando os sujeitos que não alcançaram os direitos do contrato social estabelecido na Modernidade.

Recebido: 18 de Outubro de 2021; Aceito: 22 de Novembro de 2021

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