1 INTRODUÇÃO
A relação entre pesquisas e políticas públicas obedece aos critérios de ordenamento. Por coerência, resultados de pesquisas conduzem a produção de políticas. Nessa lógica, assegura-se tomadas de decisões fundamentadas em evidências científicas. Por isso, são necessárias pesquisas para que se possa agir com alguma segurança.
Mason (2002), Yin (2011) e Cresswell (2012) são unânimes em concordar com a influência de pesquisas na mudança das práticas. No entanto, práticas podem condicionar mudanças nos caminhos e focos de pesquisas. Nos dois posicionamentos, mantêm-se a lógica. É na base dos problemas que nasce a necessidade de realizar pesquisas. Com isso, um problema pode emergir de uma situação latente ou de uma situação manifesta. No segundo caso, a prática em si possibilita tal desenvoltura. A fonte do problema da pesquisa emerge dentro do segundo quadro exposto acima.
Trabalhos teóricos desenvolvidos no âmbito do Mestrado em Educação/Currículo1 evidenciaram a presença de marcas de diversidade cultural no Plano Curricular do Ensino Básico, tais como: ensino bilingue, currículo local, disciplinas como Educação Musical e Educação Moral e Cívica (INDE/MINED, 2003). O Ensino Básico em Moçambique é constituído por três ciclos de aprendizagem, a saber: O 1º ciclo (1ª, 2ª e 3ª classe), 2º ciclo (4ª e 5ª classe), 3º ciclo (6ª e 7ª classe). Pela norma, os alunos devem ingressar-se na 1ª classe com 6 anos de idade e devem terminar a 7ª classe com 12 anos de idade. No entanto, há casos marginais, isto é, o Plano Curricular do Ensino Básico é o documento orientador para professores, representa o currículo prescrito.
Todavia, a partir do ano 2004, o Plano Curricular do Ensino Básico encontra-se desconetado do Plano Curricular de Formação de Professores para o Ensino Básico (GURO; BASTOS; DUARTE, 2019). Assim, “as instituições de formação de professores vêm atuando à margem das inovações curriculares do EB” (GURO; BASTOS; DUARTE, 2019, p. 211). Essa desarticulação atinge os pressupostos para valorização e a promoção da diversidade cultural no Ensino Básico (NHANTUMBO; NIVAGARA, 2018).
Nesse sentido, para solucionar o problema, Dias (2010) propõe a incorporação de uma didática da diversidade nos cursos de formação de professores. Desse modo, a proposta constitui uma base para a discussão sobre a diversidade cultural e o desenvolvimento profissional do professor. Há tendências de influenciar a mudança da realidade no âmbito da formação de professores. A proposta de Dias (2010) assenta em pressupostos referentes ao contexto do País que é multicultural. A segurança de tal mudança depende do volume de pesquisas conduzidas relativamente à temática.
Buscando ampliar o entendimento, desenvolveu-se a pesquisa com objetivos de retratar a produção científica sobre a diversidade cultural a partir de revistas moçambicanas de Educação. Em muitas pesquisas, a tomada de dados ocorre por meio de entrevistas e observações, ou melhor, dados produzidos no campo envolvendo sujeitos (pessoas). Desta feita, tomaram-se publicações como dados.
Para o efeito, foram levantadas as seguintes questões de pesquisa: Qual a tendência teórica das pesquisas sobre diversidade cultural? Qual a tendência metodológica das pesquisas sobre diversidade cultural? Qual o objeto de estudo mais privilegiado nas pesquisas sobre diversidade cultural? Que aspetos marcantes foram revelados a partir das pesquisas sobre diversidade cultural?
Responder a essas interrogações permitiu a verificação do nível de sincronia das pesquisas sobre diversidade cultural no contexto moçambicano. Ademais, sinalizou-se as direções consideradas na constituição dos documentos oficiais de âmbito educacional.
Levando em conta a natureza das questões, a pesquisa segue uma abordagem teórico-metodológica que passa a ser clarificada na seção seguinte. Também se aproveitou a revisão de literatura para discutir e situar conceitos como currículo e diversidade cultural.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Estado da arte ou estado do conhecimento?
Romanowski e Ens (2006) expõem as balizas norteadoras para produção de pesquisas do tipo estado da arte. Mais tarde, Goes e Fernandez (2018) também fixam balizas, com algumas diferenças em relação as anteriores. Contudo, concordam no seguinte: um estado da arte permite mapear a produção científica derivada de diversas fontes como dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários. Esse pormenor oferece possibilidades de reconhecer o que já foi publicado e que caminhos foram trilhados.
De acordo com Romanowski e Ens (2006, p. 38-39): “A realização destes balanços possibilita contribuir com a organização e análise na definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais”.
Portanto, são destacados dois aspectos divergentes. Por um lado, cria-se espaço para edificar um campo científico. Essa possibilidade repousa no volume de pesquisas desenvolvidas de modo disciplinado. Pois uma pesquisa do tipo estado da arte indica os principais temas, metodologias empregues, referenciais teóricos, instrumentos de recolha de dados, sobretudo um conjunto de lacunas derivadas das pesquisas.
Por outro lado, verifica-se o quanto as pesquisas influenciam as dinâmicas sociais. Esse vetor sustenta-se pela mudança operada nas consciências. Nesses termos, Ferreira (2002, p. 265) realça:
Nesse esforço de ordenação da uma certa produção de conhecimento também é possível perceber que as pesquisas crescem e se espessam ao longo do tempo; ampliam-se em saltos ou em movimentos contínuos; multiplicam-se, mudando os sujeitos e as forças envolvidas; diversificam-se os locais de produção, entrecruzam-se e transformam-se; desaparecem em algum tempo ou lugar.
No excerto acima, matiza-se que a produção de conhecimentos não é linear e, a dado momento, os conhecimentos taxados como verdadeiros e relevantes interferem na realidade dos sujeitos. Com o passar do tempo, eles se tornam, desajustados à realidade e, até, chegam a desaparecer. Com isso, um estado de arte ou estado do conhecimento produz imagem das pesquisas numa dimensão macro corpuscular.
Ferreira (2002) preocupa-se em destacar aspetos estruturais atribuidores do carácter metodológico ao estado da arte ou estado do conhecimento. Essencialmente, são pesquisas bibliográficas; a partir dos resumos e dados bibliográficos que permitem revelar uma das possíveis histórias de uma temática de produção científica num determinado espaço e tempo. De acordo com Costa e Carvalho (2014, p. 246) “o recorte temporal e espacial nesse método é necessário porque as análises feitas referem-se a concepções e práticas presentes em determinados contextos sociais, políticos, económicos, culturais etc.”. Portanto, o estado da arte ou do conhecimento tem um carácter pontual, mas se projeta a segmentos contínuos.
Tendo em conta a abrangência de fontes a serem utilizadas na pesquisa, segundo Romanoswki e Ens (2006, p. 40) “o estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vem sendo denominado de “estado do conhecimento”. Nesse contexto, a pesquisa desenvolvida sobre diversidade cultural, pelo fato de explorar apenas uma fonte: Revistas Moçambicanas de Educação, configura-se num estado de conhecimento. Conforme mencionam Costa e Carvalho (2014, p. 349) “a definição das fontes em que serão feitos os levantamentos é importante para dar confiabilidade ao trabalho, uma vez que se espera rigorosidade destas nas avaliações das produções que publicam”.
Os procedimentos metodológicos das pesquisas do tipo estado da arte são os mesmos aplicados às pesquisas do tipo estado do conhecimento. A diferença central reside no raio de abrangência das fontes. Todavia, esse fator não reduz a importância do estado de conhecimento em relação ao estado da arte. Ferreira (2002) prefere designar por estado da arte ou estado do conhecimento, no entanto, ao colocar os propósitos das abordagens, assegura que visam mapear e discutir produções académicas. Algumas razões conduzem a optar por estado de conhecimento em detrimento de estado de arte.
2.2 Currículo
O conceito de currículo sofreu mudança de significados ao longo do tempo. As primeiras indicações a respeito de o conceito, refere-se à definição etimológica oriunda do latim curriculum significando: caminhada, jornada, percurso. A definição etimológica revela uma sequência e continuidade tanto de uma ação quanto de uma meta (BAGIO; PERREIRA; COSTA, 2017; PACHECO, 2001; EGAN, 1978; MOULIM, 1974).
A análise da evolução do conceito de currículo realizada por Moulin (1974) aponta para a existência de cinco significados: currículo como conjunto de disciplinas, currículo como experiências, currículo como conteúdo da matéria, currículo como um plano e currículo como um sistema. Os diferentes significados emergem das definições de currículo. O Plano Curricular do Ensino Básico configura a noção de currículo como um plano.
Para Silva (2009), o currículo é um lugar, espaço, território. E nele está implicada uma relação de poder. Considera ainda o currículo como trajetória, viagem, percurso que retrata a nossa identidade como seres humanos. Nesse sentido, considera-se o currículo como artefato cultural que traduz valores, pensamentos e perspetivas de uma sociedade. Essa abordagem coloca uma apreciação política, sociocultural e suas implicações com a diversidade cultural (MELO, 2003). Conforme esse autor, como artefato cultural, o currículo faz parte das políticas centralizadas na cultura. Portanto, o currículo passa a ser uma ferramenta de seleção cultural, de disseminação de uma ideologia.
2.3 Diversidade e diversidade cultural
Autores como Pabis e Martins (2014) e Kadlubitski e Junqueira (2009) recorrem a definição epistemológica para clarificar a noção de diversidade. Eles concordam no seguinte: a palavra diversidade vem do latim diversitatee quer dizer diferença, dissemelhança, dissimilitude, divergência, contradição, oposição.
Segundo asseveram Kadlubistski e Junqueira (2009, p. 180-181), “o conceito de diversidade, trazido pelos dicionários e pelos autores da área, denota disparidade, variação, pluralidade, significando o contrário da uniformidade e da homogeneidade”. Etimologicamente, diversidade refere-se a falta de homogeneidade, o que conduz a noção de diferenças.
Essas diferenças podem manifestar-se a nível biológico ou cultural. Assim, emerge a categoria sintetizante: diversidade humana. Os seres humanos são diferentes entre si e ao mesmo tempo iguais entre si por algum nível ou cultural ou biológico.
A diversidade, então, constituiu historicamente uma legitimação das hierarquias culturais e políticas. E é por isso que se torna necessário inseri-la no campo da ética, no qual os povos construíram seus valores ao longo de sua história (KADLUBITSKI; JUNQUEIRA, 2009, p. 185).
Assim, historicamente, a cultura foi considerada como nível mais saliente da diversidade humana. Atualmente, “utiliza-se o termo ‘diversidade’ para advogar uma política de tolerância e respeito às diferentes culturas” (SOUZA; ALMEIDA, 2014, p. 6).
A seguir, elucida-se por que razão ainda é um desafio tornar a diversidade cultural algo consensual. Para tal, inicia-se por tecer algumas considerações sobre o conceito de cultura. Pelos vistos, está ficando claro o foco de interesse. Reconhece-se a existência da diversidade biológica, porém vai aprofundar-se a diversidade cultural. Resgatam-se, deste modo, alguns conceitos sobre cultura.
Conforme mencionam Pabis e Martins (2014), o senso comum utiliza a palavra cultura de duas formas distintas: (i) como sinónimo do conhecimento erudito; (ii) como sinónimo de etnias.
Na primeira acepção ‘possuem cultura as pessoas que detém o conhecimento sistematizado, utilizam vocabulário erudito, ouvem música clássica, assistem peças teatrais, filmes, apresentação de orquestras, fazem uso de etiquetas sociais etc.’(p. 22-23); na segunda acepção tem relação com as diferenças etnias ‘referem-se à cultura europeia, americana, africana, indígena etc.’(p. 22-23).
Para ambos casos, na perspetiva dos autores existe a tendência de hierarquizar, sinalizando a superioridade de uma pessoa em relação as outras, por outro ângulo, a superioridade de uma cultura em relação a outras. Acrescentando, as autoras sustentam a produção de uma relação de poder dentro da sociedade gerando, muitas das vezes, o preconceito bem como a injustiça curricular. Essa relação de poder influencia a constituição de um currículo não inclusivo.
Para Silva (2009), a escola não age pela inculcação da cultura predominante às crianças e jovens das classes dominantes. Ela age por um mecanismo, acabando por operar como instrumento de exclusão. O mesmo autor percebe que o currículo da escola está fundamentado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. Assim, as crianças das classes dominantes podem facilmente perceber esse código tendo em conta que durante toda a sua vida elas permaneceram submersas nesse código. Para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é obscuro, no sentido de que não pode ser compreendido.
Pabis e Martins (2014); Brasão et al. (2020) discordam do ponto de vista do senso comum a respeito do conceito de cultura. Por essa razão, uma das definições consensuais foi estabelecida por Tyler, que conceptualizou
cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, afastando o cultural do natural, [...] o homem é o único ser possuidor de cultura. E é justamente e graças à cultura, que a humanidade distanciou-se do mundo animal, mais do que isto, o homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas (TYLER apud BRASÃO et al., 2013, p. 88-89).
Desse modo, salienta-se o carácter social da cultura. Isso explica o dinamismo da cultura. Para Brasão et al. (2020) e Martinazzo, Smidt e Burg (2014), a cultura representa o modo de ver o mundo e estar no mundo. Por essa razão torna-se
evidente a demonstração que a nossa herança cultural sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria das comunidades (BRASÃO et al., 2020, p. 89).
Este fato conduz maior parte das pessoas a fixarem sua cultura como melhor em relação a dos outros. Porém, Nhantumbo e Nivagara (2018), referem que a cultura é construída na base de determinantes históricos e geográficos por isso, não concordam com a tese de superioridade de uma cultura sobre outra. Esse posicionamento dos autores está a favor do princípio da arbitrariedade das culturas.
Atualmente, a UNESCO opta por uma definição de cultura que se considera mais abrangente. Para esta organização
Cultura [...] é, o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2009, p. 4).
Com isso, a cultura inclui diversos aspetos inerentes aos homens enquanto grupos, elementos de um grupo social. Consoante rebatem Martinazzo, Smidt e Burg (2014, p. 9), “cultura é um fator condicionante que molda o homem enquanto indivíduo, fecundando as identidades individuais e sociais, abrangendo um conjunto de manifestações humanas”.
Na perspectiva de Kadlubitski e Junqueira (2009) atualmente a noção de diversidade cultural não carrega em si a condição epistemológica da noção de diversidade. Trata-se de um esforço de romper a negação das diferenças, contendo o diálogo como marca central. Na mesma direção, a UNESCO (2009) chama atenção que a diversidade cultural é um fato, não há como escapar, por isso, deve-se e, só resta, refletir sobre a convivência na diversidade.
Para Brasão et al. (2020, p. 91),
A diversidade cultural engloba essas diferenças culturais que existem entre as pessoas, como a linguagem, vestimentas, danças, heranças físicas e biológicas, assim como as tradições, bem como as sociedades organizam-se conforme a sua concepção de moral e de religião, a forma como interagem com o ambiente é identidade própria de um grupo humano em um território e em determinado tempo.
Essas manifestações culturais são expressas pelo homem/homens de determinada sociedade (MARTINAZZO; SMIDT; BURG, 2014). Por essa razão, as variações não devem constituir motivos de alarde, pois, dentro da sociedade há jogos de forças as culturais que só o espírito da diversidade pode unificar e apreciar.
3 METODOLOGIA
Autores como Romanowski e Ens (2006) e Goes e Fernandez (2018) propõem alguns passos a serem seguidos no momento de recolha e análise de dados. Contudo, nesse contexto, concorda-se com Goes e Fernandez (2018) quando asseguram a inexistência de uma norma padrão para a recolha e análise de dados numa pesquisa do tipo estado de arte ou estado de conhecimento. Cabe ao pesquisador explicitar os passos e justificar as razões que motivaram certas decisões.
Iniciou-se por identificar revistas moçambicanas de educação que estivessem disponíveis na versão online. Essa decisão visava flexibilizar o acesso dos pesquisadores ao material. Com isso, foram identificadas as revistas expostas no quadro 1.
Nome da revista | Objectivo da revista |
---|---|
UDZIWI, Revista de Educação | Trazer artigos cujos focos temáticos principais sejam assuntos relacionados com a educação em qualquer nível de ensino. |
Revista Científica da UEM. Serie Ciências da Educação | Difundir os resultados das atividades científicas realizadas por docentes e investigadores da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e de outras instituições de ensino superior e de investigação. |
KULAMBELA - Revista Moçambicana de Ciências e Estudos da Educação. | Publicar resultados de pesquisas científicas desenvolvidas pelo corpo docente e estudantil da UP-MTZ nas várias áreas de conhecimento relacionadas aos cursos de graduação e pós-graduação nela ministrados, bem como estudos feitos por outros pesquisadores e estudantes não vinculados a UP-MTZ. |
Fonte: Organizado pelos pesquisadores, 2020.
A revista Udziwi teve o seu primeiro número lançado no ano 2010. Trata-se de uma revista de Educação tutelada pelo Centro de Estudos e Políticas Educativas (CEPE) da Universidade Pedagógica de Moçambique. Até ao momento de recolha de dados havia lançado 34 números. A Revista Científica da UEM, Série Ciências da Educação teve seu primeiro número lançado no ano 2012. É uma Revista tutelada pela Unidade Editorial da Universidade Eduardo Mondlane. Por ter uma periodicidade bianual, até ao momento da recolha de dados havia lançado 4 números.
A revista Kulambela teve seu primeiro número lançado no ano 2014. É uma revista tutelada pela Direção de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da extinta Universidade Pedagógica - Delegação de Montepuez, atualmente Universidade Rovuma Extensão de Cabo Delgado. Até ao momento de recolha de dados havia lançado 14 números. Cabe ressaltar que não foi possível obter todos os números dessa revista porque 5 dos 14 números não estavam disponíveis online, porém a considerou-se por englobar mais da metade dos números.
Cada revista possui seu ano de lançamento, por isso na definição do recorte temporal do material optou-se por janeiro de 2010 a junho de 2020. Considerou-se o ano de lançamento e última publicação da revista Udziwi. Há consciência de que outras escolhas seriam possíveis.
Foram descarregados e organizados os artigos em função da revista de origem. Para cada revista, determinou-se a distribuição dos artigos por número e a quantidade total de artigos publicados. Este exercício permitiu reconhecer a quantidade de artigos publicados por cada revista ao longo do período acima mencionado.
De seguida, por revista, leu-se títulos, resumos e palavras-chave de cada artigo de modo a identificar os que discorrem sobre diversidade cultural. A leitura dos resumos, obedeceu o pressuposto estabelecido por Ferreira (2002). Para a autora, o resumo deve ser lido como uma rede e não cadeia. Trata-se de ler resumos como “rede de vários fios que se cruzam, que se rompem, que se unem, que se questionam dependendo do ponto que se estabelece como partida em cada texto” (FERREIRA, 2002, p. 270). Foi essa postura que guiou a leitura dos resumos na pesquisa. Tendo sido identificados os artigos sobre diversidade cultural, leu-se o resto do texto de modo a identificar descritores como: base teórica, metodologia, objeto de estudo, principal contribuição ou aspeto marcante da pesquisa.
Em linhas gerais, tratou-se de uma pesquisa qualitativa de carácter bibliográfico. Por ter-se trabalhado com conteúdo manifesto, a análise de dados orientou-se pela técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Considerou-se por tendência, a incidência de uma determinada característica através dos artigos analisados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Quantidade de artigos publicados
O gráfico 1, expõe a produção científica de três revistas moçambicanas da área de educação no recorte temporal de janeiro de 2010 a junho de 2020.
Com base no gráfico 1, foram publicados 349 artigos. Cerca de 71,9 % publicados na da Revista Udziwi, 21,7% na revista Kulambela e os demais 6,3% na Revista Científica da UEM. Para produzir uma asserção generalista precisa-se considerar que as periodicidades das revistas nem sempre foram mesmas.
Por exemplo, a Revista Udziwi, de 2010 a 2015 publicou quatro números por ano, tendo em média 14,8 artigos por ano. Ao passo que a Revista Kulambela, em seus primeiros números era trimestral e depois passou a quadrimestral. Sem perder de vista aspectos técnicos, o gráfico 1 elucida que a Revista Udziwi possui maior número de artigos publicados no período em referência.
O outro pormenor que se destaca com base no gráfico 1 é a fraca presença de artigos que versam sobre diversidade cultural. No cômputo geral, são 4 artigos num total de 349, isso corresponde a 1,14%. O quadro 2, expõe aspectos inerentes aos artigos identificados.
Autor | Título do artigo | Palavras-chave |
---|---|---|
Hildizina Norberto Dias | Currículo, cultura e diferença: rumo à criação de uma | currículo, cultura, diferença, Didáctica da Diversidade |
Ana Verdial | O currículo local na turma multicultural | Sem indicação |
Pedro Bila | A Literatura Oral no Ensino Básico moçambicano: revalorização da cultura autóctone | Ensino Básico, Ensino Bilingue, Literatura Oral, língua, cultura autóctones. |
Félix Alexandre Nhambe | Formação de Professores do Ensino Primário no Contexto da Diversidade Cultural - um olhar aos professores de Língua Portuguesa | Currículo. Formação de Professores. Didáctica da Diversidade. Diversidade cultural |
Fonte: Organizado pelos pesquisadores, 2020.
Os três primeiros autores publicaram seus artigos na Revista Udziwi em números diferentes. O último autor publicou na revista Kulambela. O quadro nº 2 evidencia um baixo número de publicações sobre diversidade cultural, num país multicultural. Dessa forma, cabe interrogar: por que razão essa temática não tem merecido atenção de muitos pesquisadores moçambicanos? Tendo um Sistema de Ensino Básico cercado de problemas de diferentes índoles, não deveria ser a diversidade cultural um marco para debates efervescentes? O Plano Curricular do Ensino Básico entrou em vigor no ano 2003, existem pesquisas que sustentaram as estratégias de implementação e disseminação do paradigma multicultural? De onde nascem as marcas de diversidade cultural contidas no Plano Curricular do Ensino Básico? Enfim, podem ser colocadas mais questões.
4.2 Tendência teórica
O substrato teórico que orientou os quatro artigos foi o multiculturalismo. Nessa acepção, pode-se compreender que se caminha em direção a um currículo sustentado pelas Teorias Pós-críticas. De acordo com Souza e Almeida (2014), a Teoria Pós-critica do Currículo enfatiza um currículo multicultural, no qual salientam a identidade, alteridade e diferença. Nessa perpectiva, a escola reconhece e valoriza culturas de diferentes grupos. Para Pabis e Martins (2014), a palavra multiculturalismo refere-se a dois aspectos distintos: (i) existência de diferentes grupos socioculturais numa comunidade política; (ii) campo de debates no interior da filosofia política e da política contemporânea. Nesse caso, os quatro artigos exploram a primeira visão.
A colocação de Pabis e Martins (2014) pode ser resumida pela asserção de Martinazzo, Smidt e Burg (2014, p. 10) “compreender e conviver com as diferenças culturais constitui o foco central do multiculturalismo”. Nos quatro artigos da pesquisa, a diversidade cultural é entendida como uma estratégia que permite reconhecer e respeitar diferenças.
4.3 Tendência metodológica
Os quatro artigos apresentam abordagem qualitativa de investigação. Segundo (MERRIAM, 2009; YIN, 2011; CRESWELL, 2012), numa pesquisa qualitativa, o interesse está relacionado ao significado que os sujeitos atribuem a uma determinada realidade. Este pormenor oferece abertura para que visões de mundo possam emergir. O outro aspecto comum aos quatro artigos foi a opção pela pesquisa bibliográfica.
4.4 Objectos de estudo privilegiado
Os objetos de estudo variam de autor para autor. O esquema abaixo evidencia a preocupação de cada um dos autores.
Em suma, pode-se compreender que o objeto de estudo privilegiado é o Currículo, embora seja da formação de professores e do Ensino Básico. As definições de currículo foram sofrendo metamorfoses ao longo do tempo em virtude das transformações políticas, económicas e sociais. No entanto, atualmente, coexistem duas definições principais: uma que defende o currículo como produto das experiências escolares; outra que defende o currículo como processo ou vivências escolares em curso. Em ambos casos é preciso considerar que “o currículo emite visões sociais particulares e interessadas, produzindo identidades individuais e coletivas” (SOUZA; ALMEIDA, 2014, p. 3).
4.5 Aspetos marcantes
Foram considerados como aspetos marcantes algumas revelações apontadas pelos autores dos artigos no decurso do texto. Algumas delas se assemelham a contribuições. O quadro 3, traz a tona tais elementos.
Inserir em todos cursos de formação de professores imersos num contexto multicultural a disciplina denominada diversidade cultural que vai permitir reflectir sobre a relação currículo e cultura; A diversidade cultural precisa ganhar expressão numa turma multicultural cabendo ao professor identificar estratégias mais abrangentes. O que representa "local" no currículo local não se subordina apenas a localização geográfica, sob pena de incorrer a aculturação; Documentos de suporte do Ensino Básico incorporam os géneros da literatura oral, contudo faltam materiais produzidos a luz da matriz cultural bantú. A Literatura Oral dos Programas de Educação Bilingue valoriza a cultura autóctone; Todas as línguas devem concorrer para a formação do homem, cabendo o desenho de uma política linguística que favorece a tal intenção e formação de professores para actuar em contextos multilingues e da diversidade cultural. |
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
Portanto, são expostos diversos apelos que caminham na promoção da diversidade cultural. Brasão et al. (2020, p. 94) reconhece que
No contexto escolar diante de todos os problemas enfrentados, sabemos que trabalhar com igualdade as diferenças não é uma tarefa fácil para o educador, pois para fazê-la é necessário sem dúvida, ter a compreensão e a percepção de como a diversidade se manifesta em seu contexto.
Alguns aspetos marcantes expostos pelos artigos salientam manifestação da diversidade cultural no contexto escolar. Nessa direção, Martinazzo, Smidt e Burg (2014) argumentam que um trabalho pedagógico deve ser desenvolvido em relação à diversidade cultural.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Plano Curricular do Ensino Básico entrou em vigor, no mínimo, 6 anos antes das Revistas de Educação aqui analisadas terem lançado seus primeiros números. Com isso, não há requisitos que permitem reconhecer a contribuição dessas revistas no processo de elaboração daquele instrumento curricular.
Cogita-se a possibilidade das asserções sobre diversidade cultural patentes no documento terem origem externa ao contexto nacional. Esse posicionamento não é conclusivo, pois não se tem informação sobre o que foi produzido em Moçambique quanto à diversidade cultural antes do ano 2003. Abre-se, desse modo, uma oportunidade para realizar um estado de arte sobre diversidade cultural retrocedendo no tempo.
De 2010 a 2020, as três revistas somam quatro artigos sobre diversidade cultural. Embora as preocupações se apresentem de forma diferente, entende-se que o objeto de estudo é o currículo. Dois dos artigos optam por reforçar uma disciplina no currículo de formação de professores e outros dois tocam no currículo local envolvendo práticas culturais e literatura oral. De modo geral, embora em menor número relativamente ao universo, os artigos se sincronizam do ponto de vista teórico e metodológico.
Para terminar, a temática sobre diversidade cultural nas revistas analisadas possui uma imagem cumulativa diminuta e distante. Sugere-se um incremento de pesquisas sobre a temática porque só assim pode-se ter segurança na mudança que se deseja operar. Outra sugestão é a criação de eventos científicos com diversidade cultural como pano de frente e do fundo.