1 INTRODUÇÃO
A reforma do Ensino Médio (EM), amparada em algumas ações como a aprovação da Lei 13.415/2017, imprimiu mudanças para a última etapa da educação de base no Brasil. A primeira diz respeito ao aumento da carga horária dos estudantes para 3 mil horas. Dessas, 1800 horas serão destinadas para as disciplinas integradas às quatro áreas do conhecimento, propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e 1200 horas para os itinerários formativos. Essas mudanças estabelecem uma estrutura curricular comum a todas as escolas, e outra mais flexível, organizada pelo estudante, embasadas numa promessa de autonomia e de gestão do próprio processo formativo.
A partir dessa estruturação que imprimiu mudanças na estrutura e funcionamento da última etapa da educação de base, uma efervescente produção acadêmica vem se construindo, na tentativa de compreender os impactos desta reforma no contexto educacional brasileiro. Frente à potência política e pedagógica dessas mudanças, avaliamos ser necessário a realização de um mapeamento e consequente análise do que vem sendo investigado e/ou discutido sobre a reforma do EM. Essa necessidade se mostra mais relevante se considerarmos que ainda não há um estado da arte sobre essa produção. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo identificar e analisar os estudos acadêmicos envolvendo a reforma do EM publicados na área da Educação até 2020.
Estudos do tipo estado da arte são importantes por possibilitarem uma visão geral do que vem sendo produzido em uma determinada área e uma ordenação que permite aos interessados perceberem a evolução das pesquisas, bem como suas características e foco, além de identificar as lacunas ainda existentes sobre determinada temática (ROMANOWSKI; ENS, 2006). As contribuições das pesquisas permitem verificar a situação do conhecimento de determinada temática em um dado momento, possibilitando socializar as diversas informações, propondo o compartilhamento dos resultados das pesquisas, além de compreender as relações existentes entre elas, em termos de semelhanças e/ou contradições (FERREIRA, 2002).
Para contribuir com a construção do estado da arte sobre a reforma do EM, foi mapeado o que existe de produção publicada na forma de artigos, dissertações e teses na área da Educação, por se considerar serem estes os modos mais dinâmicos e abrangentes de disponibilização do conhecimento em rede. Como fonte de dados na busca por artigos foram utilizados dois repositórios: a plataforma de periódicos da Capes e o site da SciELO. Para o levantamento das teses e dissertações foi utilizado, como sistema de busca, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Como recorte temporal para este estado da arte foi definido o período entre os anos 2017 e 2020.
Os resultados do levantamento são apresentados e discutidos no presente artigo que está organizado em duas seções principais. Na primeira discorre-se sobre os caminhos metodológicos eleitos, especificando-se os processos utilizados para busca e seleção de artigos, teses e dissertações. Na segunda, estão sistematizadas a análise e as discussões acerca dos principais achados que contribuem para a realização do estado da arte sobre a reforma do EM, em especial sobre os aspectos teórico-metodológicos e os enfoques da produção analisada.
2 METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO DAS PRODUÇÕES
A escolha pelo recorte temporal se justifica por se entender que, como a reforma do EM teve início a partir de 2017, embora marcado por eventos anteriores, como é o caso da publicação da Medida Provisória 746/2016. Como final do recorte temporal foi escolhido o ano de 2020 por uma questão metodológica. Como este artigo foi produzido nos primeiros meses de 2021, quaisquer dados que considerassem o ano de escrita do presente texto seriam parciais, não refletindo a totalidade da produção anual, como é indicado para a composição de pesquisas do tipo estado da arte.
Os procedimentos empregados para localizar, sistematizar e analisar as produções encontradas a partir da seleção foram organizados para atender o objetivo principal deste trabalho e consistiram nas etapas descritas por Ferreira (2002). Para a autora, o exercício de realização de uma pesquisa do tipo estado da arte pressupõe planejamento e elaboração do protocolo de estudo, com a delimitação do tema e das fontes de buscas, execução do protocolo e organização dos resultados e, finalmente, a apresentação dos principais achados.
Como as bases de dados e, consequentemente, os procedimentos de busca de publicações são consideravelmente diferentes para artigos científicos e para teses e dissertações, optou-se por descrever separadamente os caminhos metodológicos para o levantamento de cada tipo de publicação analisada.
2.1 Artigos em revistas científicas
O Scientific Electronic Library Online (SciELO), foi escolhido como principal fonte de busca por ser esta uma importante base de dados com publicação das principais produções realizadas em âmbito nacional e internacional na área das ciências humanas (PACKER, 2011). Além dela, optou-se por estender a busca também no portal de periódicos do Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por ser igualmente uma expressiva base de dados que reúne conteúdos imprescindíveis para a discussão da temática.
A primeira plataforma explorada foi a SciELO. Para tanto foi utilizado como critério de inclusão a disponibilização de artigos científicos que tivessem indiscutível relação com o tema. Como critério de exclusão, considerou-se produções do tipo entrevista, relato, editorial, resenha e/ou resumo de obras publicadas.
Procedeu-se com uma busca utilizando-se o cruzamento entre os descritores “ensino médio” e “reforma”, com o operador booleano “and”. Importante destacar que, durante todo o processo de busca, foram utilizadas as aspas duplas nos descritores, combinando com os operadores booleanos. Conforme Bariani et al. (2007), essa é uma combinação facilitadora para o exercício de seleção dos artigos utilizados para o desenvolvimento do trabalho proposto.
Na primeira fase da busca, se alcançou o total de 29 produções. Com a intenção de aproximar as produções ao objetivo proposto, optou-se por analisar somente os artigos que, dentre as palavras-chave e os termos utilizados nos títulos, apresentassem relação com os descritores, ou ainda, que indicassem no resumo alguma relação com a temática. Nessa etapa, foram excluídos 12 artigos que, embora tratassem do EM e apontassem contribuições importantes para essa discussão, não mostravam relação direta com a reforma do EM. Como resultado do processo de exclusão, resultaram 17 artigos. Num segundo trabalho de busca, ainda se utilizando o operador “and”, foi introduzido o termo “Lei 13.415”. Como resultado foram encontradas duas produções as quais foram adicionadas para o processo de análise, já que apresentavam total relação com a temática.
Quanto à busca no portal de periódicos da CAPES, no que se refere aos termos utilizados, seguiu-se a mesma proposta, utilizando-se os descritores entre aspas duplas. Os primeiros descritores utilizados foram “ensino médio” e “reforma”, utilizando-se novamente o operador “and”, o que resultou em 22 artigos. Com a intenção de ampliar a busca, foi inserido o termo “novo ensino médio”, o que resultou em mais 13 artigos que também foram analisados.
2.2 Teses e dissertações
Para a busca de teses e dissertações foi utilizada a base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Junto com o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, a BDTD apresenta-se como um dos principais repositórios e sistemas de busca da produção científica de teses e dissertações defendidas no Brasil. Optou-se por realizar a busca apenas na BDTD por suas especificidades. Diferente do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, que é alimentado pelos programas de pós-graduação e visa ser um repositório de informações sobre a produção da pós-graduação no Brasil, a BDTD foi planejada e implementada para ser uma biblioteca digital, integrando os sistemas de informação de teses e dissertações das instituições brasileiras cadastradas e divulgando os textos integrais das produções, o que nem sempre acontece no Catálogo da CAPES (UNESP, 2021). A BDTD também possui funcionalidades que facilitam a busca combinada de descritores, além de permitir a geração de planilhas com os dados resultantes das buscas, o que contribui para a sistematização das informações em pesquisas do tipo estado da arte.
Foram utilizadas diferentes combinações de descritores para fazer o levantamento das teses e dissertações. Em alguns casos utilizou-se aspas duplas para direcionar a pesquisa. Em cada busca foi feita uma avaliação específica dos resultados, com critérios de exclusão que serão descritos adiante. No entanto, dois critérios de exclusão estiveram presentes em todas as buscas, já que estão ligados ao objetivo deste artigo: foram excluídos trabalhos que não tivessem por objeto central a reforma do EM e que não fossem ligados a programas de pós-graduação da área da Educação. Como área da Educação foram considerados programas com várias denominações, como Ensino ou subdivisões da área. Todas as buscas foram realizadas no mês de abril de 2021. É importante destacar que algumas teses e dissertações defendidas até o fim de 2020 podem não ter sido identificadas na busca, caso tenha havido demora no cadastramento dessas publicações nos repositórios das instituições de ensino.
A primeira busca realizada foi combinando os descritores “Ensino Médio” e Lei 13.415, utilizando-se o operador booleano “and”. Foram obtidos 31 resultados, dos quais foram descartados 15, considerando-se os critérios de exclusão já apontados, e selecionados 16.
A segunda combinação foi utilizando-se os descritores “13.415” e “lei”, com o operador booleano “and”. Foram obtidos 39 resultados, porém foi selecionado apenas um. Além dos critérios de exclusão já citados, também foram descartados os resultados que se sobrepunham com a primeira combinação de descritores, que constituíam a maior parte dos resultados.
A terceira busca realizada foi com o descritor “novo ensino médio”. Foram obtidos 18 resultados, dos quais apenas um foi selecionado, utilizando-se os mesmos critérios de exclusão da segunda busca.
Nas três primeiras combinações, foram analisados inicialmente os resumos dos trabalhos, os títulos e as palavras-chave para verificar se as teses e dissertações tinham por objeto central a reforma do EM.
A quarta e última combinação utilizada foi com os descritores “ensino médio” e “Reforma” com o operador booleano “and”. Essa busca alcançou 142 resultados. Devido a grande quantidade de textos, para selecionar os que eram pertinentes para o objetivo deste artigo, foi realizada uma sequência diferente para os critérios de exclusão. Primeiramente foram excluídos os resultados que se sobrepunham às buscas realizadas anteriormente. Depois, com a análise dos títulos e palavras-chave, foram descartados os trabalhos que não tinham por objeto central a reforma do EM. Como terceiro passo, foram desconsiderados os trabalhos que não eram ligados a programas de pós-graduação em Educação. Por fim, foi realizada análise dos resumos, semelhante ao que foi feito nas três primeiras buscas. Com isso, dos 142 resultados iniciais, foram selecionados apenas 6 trabalhos.
Utilizando-se as quatro buscas descritas, foram identificados um total de 24 trabalhos, entre teses e dissertações, defendidas entre 2017 e 2020 ligadas a programas de pós-graduação da área da Educação e que tinham por objeto central das pesquisas a reforma do EM.
3 APROXIMAÇÕES INICIAIS: O QUE INDICAM AS PESQUISAS QUE INTEGRAM O ESTADO DA ARTE?
Após o levantamento dos trabalhos nas bases de dados já citadas, iniciou-se o processo de análise da produção. Em um primeiro momento foi realizado um mapeamento da produção que compõe o estado da arte, no sentido de identificar a quantidade de trabalhos, o período de produção e onde estão sendo produzidos. No segundo momento, buscou-se construir uma análise que realizasse uma caracterização da produção sobre a reforma do EM, tanto em seus aspectos teórico-metodológicos quanto em relação aos enfoques adotados pelos pesquisadores e pelas pesquisadoras. As seções a seguir apresentam o resultado dessas análises.
3.1 Quem e onde está se falando sobre a reforma do Ensino Médio?
A tabela a seguir apresenta quantitativamente os resultados da distribuição da produção dos artigos, teses e dissertações publicados por ano.
Ano | Portal de Periódicos Capes | Plataforma da SciELO | Total de artigos | Biblioteca Digital Brasileira de Tese e Dissertações | Total de Teses e Dissertações | |
Dissertações | Teses | |||||
2017 | 09 | 04 | 13 | 02 | - | 02 |
2018 | 10 | 05 | 15 | 03 | 02 | 05 |
2019 | 09 | 04 | 13 | 12 | 01 | 13 |
2020 | 07 | 04 | 11 | 04 | - | 04 |
52 | 24 |
Fonte: Autores (2021).
Observando-se a tabela 1, que trata da distribuição de artigos com base no ano de publicação, percebe-se que houve um aumento expressivo no número de publicações nos anos de 2018 e 2019. Esse aumento pode ser justificado pela crescente discussão na mídia envolvendo o tema do EM o que mobilizou instituições e pesquisadores a participarem do debate.
Em relação às teses e dissertações, a tabela 1 mostra que há uma produção muito maior de dissertações (21) do que de teses, apenas três, no período analisado. Um dos motivos do baixo número de dissertações e teses pode ser em razão do próprio recorte do levantamento de dados definido para o presente estudo. Considerando-se que a Medida Provisória que institui a reforma do EM foi assinada em setembro de 2016 e transformada em lei em fevereiro de 2017, as primeiras pesquisas de doutorado que poderiam ter por objeto central essa reforma, em tese, deveriam começar a ser defendidas a partir do final de 2020, ou ainda a partir de 2021, o que foge ao referido recorte temporal. Dessa forma, é possível que nos próximos anos haja um aumento nas defesas de teses que tenham como objeto a reforma do EM. Essa afirmação ganha sentido quando se analisa os dados da tabela 1, que indica o índice de dissertações, e que se observa um salto considerável nas defesas em 2019, quando se encerra o ciclo das pesquisas iniciadas em 2017, possivelmente mobilizadas pela lei que, no mesmo ano, instituiu a reforma do EM.
Ainda em relação à tabela 1, percebe-se um movimento de estabilidade na produção de artigos e de crescimento nas dissertações até 2019, notadamente interrompido em 2020. O ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia de COVID-19, o que impactou nas diversas (senão todas) áreas da vida, inclusive na produção acadêmica. Não foram encontrados dados específicos sobre o impacto da pandemia na produção acadêmica sobre a reforma do EM mas pode-se fazer algumas inferências a partir de estudos e informações sobre esse impacto na produção científica de uma maneira geral, indicando declínios consideráveis no contexto nacional (LAUDA-RODRIGUES et al., 2020).
Um elemento que ajuda a explicar, especialmente a diminuição das teses e dissertações em 2020, é a prorrogação das bolsas de pós-graduação da CAPES pelo prazo de até seis meses (BRASIL, 2020). Ou seja, mestrandas (os) e doutorandas (os) que tinham o prazo para defesa até dezembro de 2020 poderão concluir suas pesquisas até junho de 2021.
O impacto da pandemia na produtividade dos e das cientistas apresenta particularidades. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontou que na produção de cientistas no Brasil os grupos mais afetados foram mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (especialmente com até 12 anos de idade) (BARRADAS, 2020).
A Educação é uma área com a maioria de profissionais do sexo feminino. A título de exemplo, pode-se utilizar os dados do Censo da Educação Superior de 2017 (MEC; INEP, 2018), em que as mulheres representavam 70,6% das matrículas em cursos de Licenciatura, o curso de Pedagogia representava 44,7% das matrículas desses cursos, divididas entre 660.917 mulheres e 53.428 homens. Nesse sentido, é possível supor que a pandemia pode ter interferido significativamente na produção acadêmica de boa parcela dos pesquisadores, mas especialmente das pesquisadoras em Educação. Pode-se, ainda, somar a este quadro, o fato de muitas e muitos pós-graduandos na área de Educação serem profissionais da Educação (por exemplo, nos Mestrados Profissionais das mais diversas áreas) e terem que lidar, junto com as transformações da pandemia comum a todas as pessoas, com o novo formato de ensino remoto ou híbrido, impactando ainda mais a sua produtividade acadêmica.
Com base nos dados obtidos, dentre os periódicos1 que mais apresentaram publicações do tipo artigo científico sobre a temática, destacam-se oito, conforme mostrado no gráfico a seguir.
No que tange a produção de teses e dissertações, o gráfico 2 apresenta a distribuição das produções conforme as Universidades a que são vinculados os programas de pós-graduação onde foram defendidos os trabalhos. Já, o mapa 1, considerando-se os mesmos dados, apresenta a distribuição geográfica dessas Universidades em relação ao território brasileiro.
É importante destacar que os dados que constam no gráfico 2 e no mapa 1 referem-se às teses e dissertações encontradas no levantamento realizado, conforme descrito na seção que trata da metodologia. É possível que outros trabalhos tenham sido defendidos no período entre 2017 e 2020 e não tenham sido identificados na busca realizada por diversos motivos, como por exemplo: não estavam indexados no repositório consultado, foram indexados com termos de busca diferentes dos que foram utilizados, foram indexados após a busca ter sido realizada, entre outros; e, por isso, não aparecem representados no gráfico e no mapa citados.
Ao analisar o mapa pode-se perceber que a produção de teses e dissertações sobre a reforma do EM está espalhada por boa parte do país, o que nos leva a pensar que essa discussão é de interesse amplo. Apesar de alguns estados concentrarem uma produção mais intensa, como é o caso do Paraná e de São Paulo, quando se observa a produção por região do Brasil, percebe-se que há uma produção equivalente em termos quantitativos nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, com sete trabalhos em cada uma delas. Por outro lado, chama a atenção a baixa produção na região Centro-Oeste e a inexistência de trabalhos sobre a temática na Região Norte. De acordo com dados de 2019 do GEOCAPES2, essas duas regiões são as que contam com menor número de programas de pós-graduação na área da Educação, o que ajuda a entender a menor produção.
Em relação à vinculação das teses e dissertações por Universidades, percebe-se que a produção se concentra em instituições públicas (entre as listadas, apenas uma das instituições é privada.), principalmente em Universidades federais, embora haja também a presença de Instituições de Ensino Superior estaduais. O gráfico 2 também mostra uma produção pulverizada, com a maioria das Universidades tendo apenas um trabalho sobre a reforma do EM em programas de pós-graduação. Neste aspecto, a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) se destaca com quatro pesquisas de dissertação, duas do Programa de Pós-Graduação em Ensino, em Foz do Iguaçu, e duas do Programa de Pós-Graduação em Educação, na cidade de Cascavel. É no campus Cascavel da Unioeste o único lugar onde se encontrou dois trabalhos orientados pelo mesmo docente. Além dos dois programas da Unioeste, o único programa com mais de uma produção vinculada é o Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também com duas dissertações.
A partir da análise da distribuição geográfica e da vinculação por Universidade das teses e dissertações identificadas, pode-se dizer que a reforma do EM é um tema de interesse de pesquisas de pós-graduação em praticamente todo o país. No entanto, não foi possível identificar algum centro de pesquisa que se mostrou como referência no debate até o momento, uma vez que a produção apresenta uma característica de pulverização. Pode-se inferir, com base nessa característica, que a produção sobre a reforma do EM evidencia mais os resultados de pesquisas individuais do que aquelas desenvolvidas por grupos de pesquisa. A única exceção que se destaca é a Unioeste, especialmente o campus Cascavel. Mesmo assim, por se tratar de apenas dois trabalhos com o mesmo orientador não pode ser considerado um destaque no debate.
3.2 O Que está se falando sobre a Reforma do Ensino Médio?
Como forma de caracterizar a produção sobre a reforma do EM levantadas, optou-se pelos seguintes marcadores: i) aspectos teóricos (matrizes teóricas e principais referenciais); ii) aspectos metodológicos (corpus documental analisado, técnicas e instrumentos de coleta e forma análise de dados); e iii) enfoques dos trabalhos analisados. Essa análise foi feita a partir da leitura das palavras-chave e dos resumos, tanto dos artigos quanto das teses e dissertações. Quando os resumos não evidenciaram essas questões, realizou-se, também, a leitura dos textos de introdução dos trabalhos.
3.2.1 Aspectos teóricos e metodológicos das pesquisas sobre reforma do Ensino Médio
Dos trabalhos analisados, ressalta-se que todos utilizam a abordagem qualitativa. Mesmo que alguns dados quantitativos tenham sido discutidos em algumas produções, todos os elementos são analisados com base em perspectivas qualitativas. A partir de André (2006), entende-se que esse é um movimento característico no contexto educacional e que privilegia análises que abrangem a compreensão/interpretação dos significados de textos e documentos atribuídos pelos sujeitos às suas práticas, considerando, sobretudo, as múltiplas características do contexto em que estão incluídos.
Nas produções que explicitam seu/s fundamento/s teórico-metodológico/s destaca-se como predominante a opção pela teoria histórico-crítica e sua concepção dialética, expressa em diferentes denominações. Do mesmo modo, aquelas produções que não explicitam essa característica nos resumos, apontam tendências claras pela mesma opção, podendo ser percebida no discurso defendido na apresentação dos objetivos da pesquisa bem como na escolha dos autores utilizados como principais referências. Entre os/as autores ligados a essa perspectiva teórica os mais citados são: Demerval Saviani, Acácia Zeneida Kuenzer e Gaudêncio Frigotto.
Em relação às teses e dissertações, não obstante haver predominância de abordagens histórico-críticas, outras perspectivas teóricas se mostram presentes com indicação nos resumos ou nos textos de introdução. Bourdieu aparece como principal referencial em quatro trabalhos, associado a outros autores, com destaque para Gramsci em duas dessas produções. A abordagem do ciclo de políticas, de Bowe, Ball e Gold3, aparece como base em um dos trabalhos. Uma dissertação mostra-se ligada às perspectivas pós-críticas, com influência de trabalhos de Foucault. Hannah Arendt é a principal referência teórica em um dos trabalhos analisados. Um dos trabalhos utiliza Paulo Freire como referencial e outros autores do campo da Sociologia da juventude. A teoria do Estado Amplo de João Bernardo4 também aparece como referencial em uma das dissertações. Como característica teórica da produção que analisa a reforma do EM até 2020, portanto, se destacam perspectivas histórico-críticas, embora não se possa desconsiderar a presença de outras abordagens nos trabalhos.
No que diz respeito às metodologias de análise, ressalta-se a utilização de diferentes alternativas, com o predomínio da opção pela análise de conteúdo e apenas duas produções que tem como base a análise do discurso. Cabe destacar que algumas produções não explicitam a metodologia de análise.
Em relação às fontes de pesquisa utilizadas, chama a atenção o fato de aproximadamente 70% assumir como base a análise documental. Supõem-se que a opção nas pesquisas, pela análise de documentos e textos, predomine em razão de a reforma do EM tratar-se de um evento relativamente recente. Os primeiros estudos se debruçam especialmente na crítica aos textos oficiais publicados ao longo do processo de implementação do novo EM, a partir de 2017. Outra hipótese é que num futuro próximo, as pesquisas se dedicarão a analisar os contextos de prática em experiências de implantação no novo EM. Algumas delas, podem, inclusive, já estar em andamento.
Ainda, no que se refere ao número de produções que tem como base a análise documental, percebeu-se, ao ler os resumos, que os textos que servem de aporte para as discussões e que são citados repetidas vezes nos resumos são, respectivamente: Lei 13.415/2017, Medida Provisória 748/2016, BNCC e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Nessas produções, que têm como fonte os documentos, há indicações de que a análise se baseia nos registros presentes em outros documentos, como as fontes extraídas dos “relatórios legislativos, sites de parlamentares, documentos de conselhos estaduais de educação, manifestos de instituições de alunos e professores e notícias de jornais de grande circulação” (LIMA; SPERANDIO; COSTA, 2020, p. 35).
Apesar da predominância pela análise documental, em quase metade dos trabalhos, combinada à análise bibliográfica, as teses e dissertações também se debruçam sobre os sujeitos impactados pela reforma do EM, se ocupando de ouvi-los em cerca de um terço dos trabalhos, especialmente a partir de 2019. Utilizando-se de questionários e entrevistas e, em casos pontuais, escritos de professores e grupo focal, as pesquisas buscam conhecer o acesso à informação, o nível de conhecimento, o envolvimento nas consultas públicas, os anseios, as opiniões e visões dos sujeitos ligados à realidade escolar sobre o impacto da reforma. Professores, estudantes e gestores (como diretores de escola e coordenadores de curso), foram ouvidos de forma equânime, enquanto a equipe pedagógica foi ouvida em apenas um dos trabalhos analisados. Mesmo assim, considerando o conjunto das produções analisadas, são poucos os trabalhos que têm como foco os sujeitos do contexto escolar na reforma do EM. Esse recorte, ainda pouco explorado, se mostra como potencialidade para futuras produções, especialmente a partir da implementação mais efetiva do chamado Novo Ensino Médio.
Diferente dos artigos, nos quais prevalecem estudos que se utilizam apenas da análise documental, o que se observou nas teses e dissertações foi a utilização de corpus documental mistos. Essa combinação de instrumentos, técnicas e fontes de pesquisa pode ser justificada, supomos, tanto pela necessidade de diferentes perspectivas para olhar o objeto investigado, quanto pela necessidade de uma análise mais aprofundada, o que é compreensível quando se trata de uma temática complexa como a reforma do EM, especialmente em pesquisas de maior fôlego como dissertações e teses.
3.2.2 Enfoques recorrentes nas pesquisas sobre a reforma do Ensino Médio
Dada a amplitude do debate que envolve a reforma do EM a produção analisada estabelece a discussão sobre esse movimento na educação brasileira a partir de diferentes enfoques. A imagem a seguir (Figura 1), no formato de nuvem de palavras, foi gerada a partir das palavras-chave mais frequentes nos artigos, teses e dissertações analisados. O tamanho de cada palavra no diagrama está ligado à quantidade de vezes que aparece nas palavras-chave. O termo com maior recorrência foi “Políticas Educacionais” (apareceu 15 vezes). As palavras com tamanho menor aparecem com frequências menores. A análise dessa nuvem de palavras, em nosso entendimento, serve como uma porta de entrada para a identificação dos enfoques mais recorrentes na produção sobre a reforma do EM entre 2017 e 2020.
A partir da análise das palavras-chave mais recorrentes na produção sobre a reforma do EM complementada pela leitura dos resumos, foi possível agrupar os trabalhos em quatro enfoques recorrentes: “políticas”, “currículo”, “educação profissional” e “juventudes”.
O enfoque “políticas” é expressão constante e, por isso, perpassa toda a produção sobre a reforma do EM analisada. Na maior parte das vezes aparece de forma entrecruzada com outras expressões, indicando constituir enfoque predominante em cerca de 40% 6 dos trabalhos analisados. Na figura 1 é possível observar uma série de palavras-chave associadas à ideia de políticas, evidenciando que os trabalhos tecem discussões sobre a reforma por este viés de análise. Observa-se, assim, que o enfoque “políticas” pode ser desdobrado em recortes mais específicos, tais como: Políticas Educacionais; Políticas Públicas; Políticas Curriculares. Outras palavras-chave, por sua vez, indicam a relação da reforma com o capital, tanto em âmbito nacional quanto transnacional ou global, a exemplo de expressões também recorrentes nos trabalhos tais como: Neoliberalismo; Capitalismo; Crise Econômica; Crise do Capital; Mercantilização; Privatização; Empresariado; Organismos Internacionais; Banco Mundial; BID; Financiamento; Condicionalidades.
O segundo enfoque mais presente nas produções analisadas é “currículo”, representando aproximadamente 30% da produção. Assim como o das políticas, o enfoque do currículo aparece de forma difusa nas palavras-chave, com termos diversos que remetem à discussão curricular. Conforme pode ser observado na figura 1, há termos mais diretos como “Currículo”, “Política curricular” e “Reformas curriculares”, assim como outros termos que trazem maior especificidade à discussão sobre currículo, como “Integração curricular”, “Estado, currículo e hegemonia”, “Flexibilização” e uma série de trabalhos que remete ao debate sobre a BNCC.
O enfoque “educação profissional” representa cerca de 15% do total dos textos analisados. Entre as palavras-chave que remetem a esse enfoque se destaca justamente a expressão “Educação Profissional” como a mais utilizada, mas outros termos também orbitam em torno dessa discussão, como: “Ensino Médio Integrado”, “Ensino Técnico”, “Integração curricular”, “Politecnia” e mesmo as que apontam a relação “Trabalho-Educação”, que perpassam boa parte da discussão sobre a reforma.
Por fim, dentre os enfoques identificados, o que se mostrou menos predominante foi “juventudes”, presente em aproximadamente 10% dos trabalhos. A palavra-chave mais recorrente relativa a esse enfoque foi “Juventude”, associada a outras como: “Culturas juvenis”, “Movimento estudantil” e “Ocupação de escola”, as duas últimas ligadas a um protagonismo jovem nas lutas sociais no campo educacional.
Combinada à análise das palavras-chave, a leitura dos resumos e, em alguns casos, das introduções dos artigos, teses e dissertações permite perceber as nuances e também as convergências da produção em cada um dos enfoques do estudo e da discussão sobre a reforma do EM.
Em relação ao enfoque “políticas” constata-se haver uma concentração de pesquisas que indicam um alinhamento da proposta definida pela reforma do EM com interesses políticos e econômicos guiados por discursos hegemônicos. Cabe reforçar que essas produções apresentam em suas discussões elementos de análise que tratam tanto das questões referentes à estrutura das instituições de ensino, indicando a necessidade de alterações na rotina, na contratação de professores, na estruturação do currículo, até discussões que revelam quais interesses políticos e econômicos se colocam em favor da formulação de novas promessas educacionais segundo as agendas internacionais neoliberais (FERRETI, 2018).
Ainda nesta linha, observa-se haver algumas convergências nas produções que tratam da reforma do EM sob o enfoque das políticas. Uma delas afirma que a reforma se alinha à lógica neoliberal, cuja influência transita do contexto nacional ao global. A reforma do EM como influência dos Organismos Internacionais, em especial do Banco Mundial, é, entre outros, foco de trabalhos como os de Fornari (2020), de Barbosa (2019), e de Costa e Silva (2019), sendo que esse último também analisa a influência do empresariado brasileiro, que, por sua vez, é tema central do trabalho de Quadros (2020).
A reforma do EM vista como definição de uma proposta de formação da juventude para o mercado de trabalho aparece como outra convergência nas pesquisas com enfoque nas políticas. Reconhecida como a “corrosão do direito à educação no contexto de crise do capital” (LIMA; MACIEL, 2018, p. 179), a reforma do EM pode ser considerada como um projeto em favor da qualificação para o trabalho urbano e industrial (COELHO; SOUZA, 2018), isso porque, há forte influência de grupos empresariais mobilizados por setores econômicos hegemônicos que buscam garantir uma configuração para a formação da juventude brasileira. Configuração essa que tem como base uma organização curricular padronizada.
Para Leme, Ruiz e Garcia (2019) essa proposta da formação para o trabalho reforça a oferta de uma educação que atende aos interesses do empresariado e se afasta do ideal de formação humana. O que está explícito, segundo os autores, na proposta dos itinerários formativos que, por meio de slogans sedutores, propõe a oportunidade de escolha, quando, na verdade, enfraquece a ideia de educação de base e aproxima a grande parcela de menos favorecidos ao mercado produtivo.
A alteração das bases de sustentação ideológica e política do país (THIESEN, 2019) é discutida nas produções de Ramos e Frigotto (2016), de Coelho e Souza (2018) e de Furtado (2020), quando problematizam o cenário de disputas em que a reforma do EM se apresenta. Para esses autores, a conjuntura nacional à época do lançamento das medidas que viriam a se tornar a reforma do EM foi reflexo do aprofundamento da crise política e econômica no país, marcado por golpes inconstitucionais, por corte de verbas e reformas trabalhistas.
Sob essa ótica, é possível perceber que as mudanças propostas para o EM não foram isoladas. Elas foram conjuntamente arquitetadas sob interesses que ultrapassam o contexto educacional. Coelho e Souza (2018) reconhecem esses efeitos econômicos e afirmam que a reforma do EM, que propõe a reorganização das políticas educacionais voltadas a interesses privatistas, faz parte de um projeto que não é inédito, uma vez que projetos como esse emergem ciclicamente no Brasil. O que demonstra que a reforma do EM e suas configurações têm raízes históricas e por isso, é reconhecida como um movimento de retrocesso que tende a aprofundar a dualidade estrutural do EM no Brasil (SILVA, 2020).
Os trabalhos analisados cuja discussão tem como enfoque “currículo” constroem as proposições relativas à reforma curricular em duas dimensões. A primeira apresenta uma discussão do currículo no contexto micro, observando-se a organização curricular com ênfase nas particularidades do exercício do magistério e nas condições de autonomia didático-pedagógica das escolas, bem como a influência no processo de formação de professores. A questão da organização espaço-temporal é discutida e aponta indícios preocupantes sobre a estrutura das escolas públicas e o possível cerceamento dos direitos de escolha de alguns estudantes esteve presente nas discussões que indicam os itinerários formativos como elementos representantes desse processo.
Ainda sobre essa questão, Koepsel et al. (2020) aponta que as áreas de conhecimento, elementos norteadores das DCNEM, encontram-se diluídas na proposta dos itinerários formativos e que a aprovação da BNCC é vista como um retrocesso no que diz respeito à organização do currículo do EM, uma vez que tem como base a promoção do desenvolvimento por competências. Tudo isso envolto pelo discurso da flexibilização curricular como promessa de enfrentamento dos velhos dilemas do EM brasileiro, como o alto índice de abandono e insucesso dos estudantes. Fazendo coro a essas críticas, Zank (2020, p. 13) aponta que “a formação proferida à juventude a partir da atual reforma se mostra mais como adestramento de habilidades e esvaziamento de conteúdos, distante, portanto, de objetivar a formação integral dos indivíduos”.
Esse mesmo tom de críticas se faz presente em uma série de trabalhos que tem como foco o impacto da reforma do EM e da BNCC nas disciplinas escolares. Se destacam, nesta discussão, pesquisas que se dedicam a analisar a disciplina de Educação Física, vista por Soares (2017) como ameaçada e por Beltrão (2019) como disciplina com seus objetos de ensino dissolvidos, e a de Filosofia (COSTA, 2018; SILVA, 2019), defendida como componente curricular especialmente importante na formação humana e cidadã dos jovens e também ameaçada a partir da reforma e da aprovação da BNCC.
Do ponto de vista macro, a questão do currículo entendido como “tecnologia social a serviço de ações hegemônicas e/ou contra hegemônicas” (FERRETI; SILVA, 2017, p. 26) é problematizado nas produções que apontam um tensionamento entre sociedade política e sociedade civil, acentuado pelas disputas de poderes. Nesse sentido, reconhece-se que há crítica de todas as produções sob esse enfoque à padronização do currículo, à fragmentação da aprendizagem e ao processo aligeirado de formação dos jovens estudantes proposto pela BNCC.
Destaca-se que a problematização de ambas as dimensões curriculares, presentes nas produções analisadas, contribuem para o entendimento que a reforma do EM indica um esvaziamento do currículo para esta etapa e que esse processo aponta tendências que podem resultar na corrosão do direito à educação (LIMA; MACIEL, 2018). Ou ainda, conforme já anunciava Frigotto (2016), que essa reforma é um ataque contra as conquistas alcançadas na perspectiva da formação integrada dos jovens brasileiros.
Sobre a produção publicada envolvendo o enfoque “educação profissional”, chama atenção a concentração de artigos em dossiês específicos com pesquisas realizadas ou em andamento sobre os Institutos Federais. Essas produções apontam algumas inquietações que a reforma do EM propõe a essa rede de ensino, o que para Henrique (2018) pode afetar a proposta de integração entre EM e Educação Profissional, política que vai de encontro ao direito de educação básica comum e igual para todos. Na mesma linha, o trabalho de Curi; Giordani (2019) apresenta dados de uma pesquisa que trata da alteração da estrutura desse nível de ensino e retoma a discussão entre formação técnica e profissional. A pesquisa aponta que os documentos oficiais que orientam a reforma do EM propõem a divisão entre formação geral e formação técnica, e a consequência disso é a desvinculação de conhecimentos gerais e conhecimentos técnicos.
No trabalho de Ferreti (2018), além das questões que tratam da organização curricular com relação à educação profissional que denunciam o afastamento da proposta de educação de base, há uma análise que busca aproximar as mudanças curriculares com relação às concepções da educação profissional com a proposta de formação de trabalhador que se pretende formar. O autor cita que há um momento ou um movimento de retrocesso da democracia que o país tem vivenciado, lembrando, em particular, do cerceamento de direitos trabalhistas. Apontando total convergência com as produções discutidas, o trabalho de Abrantes (2019) aponta a influência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) nas políticas de educação profissional no Brasil, em especial na Lei 13.415/2017, destacando que essas passaram a servir aos interesses do mercado.
As produções associadas a este enfoque problematizam o contexto de flexibilização do trabalho e a necessidade de formação para o trabalho que a reforma do EM impõe. No entanto, a partir disso, lançam um olhar sensível a parcela de jovens que encontram no ensino profissionalizante uma oportunidade de formação integral aliada à formação profissional. Para além das questões que tratam das imposições da reforma, há uma explícita preocupação com o futuro desses jovens.
Por fim, há o conjunto de trabalhos que discute a reforma do EM sob o enfoque “juventudes”. O trabalho de Silva (2018) apresenta a concepção de juventude em diferentes documentos de políticas educacionais e constata que a reforma do EM não deixa explícita essa concepção, percebendo os jovens apenas como futuro, um devir, e não como agentes ativos no presente escolar. Já a pesquisa de Hilário (2019) analisa o enunciado “educação para a vida e para o trabalho” em diferentes reformas do EM, dentre elas a mais recente. O autor destaca que, nessa lógica, a escola tem um papel predominante na formação desses sujeitos, reforçando que a ideia de vida se confunde com a de trabalho. Essa análise pode indicar que os documentos oficiais que conduzem a reforma do EM apontam para uma redução importante quanto à concepção de juventude.
Essa questão é reafirmada nas produções que apontam críticas a reforma do EM e discutem as implicações das políticas educacionais voltadas à “massificação do processo de ensino e aprendizagem” (LEME; RUIZ; GARCIA, 2019, p. 69). A ideia do protagonismo juvenil é um termo presente nessas discussões, anunciado nas publicações dos documentos oficiais, com eco na BNCC e presente nas entrelinhas do conjunto de competências proposto. Para Costa (2020, p. 45)
A relação protagonismo juvenil e escola expressa na Reforma do Ensino Médio ressalta a ideia de protagonismo juvenil, aliada às intencionalidades do modelo neoliberal e centra-se na ideia de participação dos jovens como aquele que sabe se relacionar nos seus coletivos, aquele que busca seu próprio caminho, que é responsável por si só pela construção de seu projeto de vida e que assume as responsabilidades “cidadãs” na solução dos problemas sociais encontrados.
Na mesma linha, as contribuições de Araújo (2018) apontam que a reforma do EM levanta o debate a respeito da profissionalização como parte da formação para a vida dos jovens sob interesses de ordem neoliberal.
Outro ponto que merece destaque em relação aos jovens é a onda de protestos e reivindicações organizada em função das mudanças impostas pela reforma do EM. O movimento de ocupação das escolas no Paraná é destaque no trabalho de Steimbach (2018). Na visão do autor há legitimidade no movimento, já que foi protagonizado por jovens e marcou a resistência à hegemonia estatal.
Depreende-se que a produção a partir desse enfoque, embora tímida, apresenta potencial quando se propõe a analisar o papel desses jovens frente aos discursos oficiais e problematizar questões centrais da reforma do EM. As juventudes são entendidas, nos trabalhos dos pesquisadores, como implicadas em direitos sociais, com interesses e necessidades que, sob diferentes aspectos, não são reconhecidas pela reforma.
4 CONCLUSÃO
Considerando-se a abrangência das discussões que cercam o EM na atualidade, sobretudo a partir da reforma, pretendeu-se, por meio de um estado da arte, (re)visitar estudos desenvolvidos por pesquisadores e pesquisadoras da área da Educação, considerando-se algumas variáveis previamente definidas, nos limites que um trabalho desta natureza impõe. A importância de desenvolver e socializar os resultados desse estudo justifica-se pela ausência de trabalhos desta tipologia.
A análise da produção que considerou o recorte temporal 2017-2020 indicou que há convergências entre os pontos discutidos nos trabalhos do tipo artigos científicos, teses e dissertações que tratam da reforma do EM. Destaca-se que, embora sob diferentes perspectivas teóricas e metodológicas a partir de diferentes problemáticas, as produções se complementam na medida que tecem críticas aos métodos, aos meios e aos fins que se destina tal reforma.
Percebeu-se que a produção acadêmica da área da Educação sobre a reforma do EM tem um caráter de denúncia dos interesses envolvidos em uma escala macro em sua concepção, marcada pela análise dos documentos basilares desse processo, além de uma forte crítica às mudanças que se anunciam na estrutura e organização do EM e na formação da juventude, especialmente da escola pública. Essa linha crítica, característica em toda a produção analisada, destaca que os interesses que permeiam a reforma do EM apresentam total alinhamento com a lógica neoliberal, cuja influência transita do contexto nacional ao global, com influências e/ou interferências diretas na produção da política curricular para o EM.
O estado da arte sobre a reforma do EM mostrou que há uma continuidade das discussões sobre o tema. Questões anunciadas nas produções iniciais (2017 e 2018), como os itinerários formativos, as competências expressas na BNCC, a lógica da formação para o trabalho, entre outros, são retomadas de modo recorrente nas pesquisas e ainda, são aprofundadas com a exploração de diferentes problemáticas, relacionadas, em muitos casos, com textos, documentos e legislações que tem sido oficializadas no decorrer desse período.
Embora reconhecendo essa continuidade na produção sobre a reforma do EM, pode-se destacar algumas lacunas. Não foram encontradas pesquisas que tratam de aspectos positivos relacionados à reforma do EM, tampouco pesquisas que indicam potencialidades desse movimento para a formação dos jovens estudantes, o que pode indicar que há um certo consenso no meio acadêmico a respeito deste tema. Da mesma forma, não foram encontradas pesquisas que discutem as implicações da reforma no contexto da prática. Esse segundo ponto pode ser reflexo da produção sobre a reforma do EM, que ainda está em construção em alguns estados brasileiros e, em outros, está em processo de implementação.
A exemplo da continuidade da produção sobre a reforma do EM, é importante citar a publicação do dossiê “A reforma do Ensino Médio na contramão da democracia” da revista “Trabalho necessário” (SILVA; ARAÚJO, 2021), lançado no momento de finalização do presente artigo. Por fugir do recorte temporal definido para este estado da arte, os artigos publicados no dossiê não entraram na análise, mas são importantes de nota, uma vez que representam o que há de mais recente no debate em torno da reforma do EM. De forma semelhante ao que foi destacado neste artigo como perfil da produção, os trabalhos do dossiê apontam para uma visão crítica sobre a reforma, destacando a influência do empresariado e dos ideais neoliberais nesse processo. Por outro lado, o dossiê traz um conjunto de trabalhos que buscam discutir a implementação da reforma em alguns estados, contribuindo para preencher a lacuna identificada de pesquisas que abordam as implicações da reforma do EM no contexto da prática e apontando novos rumos para esse debate sobre o EM brasileiro na atualidade.
Com base na análise realizada entende-se que, ao passo que a reforma for colocada em prática em todo o país, este será um tema propulsor de diferentes debates e estudos e a produção acadêmica resultante poderá apresentar novas características. Nesse sentido, o estado da arte que compreende o momento inicial da produção sobre a reforma do EM se mostra importante de ser registrado, para que, futuramente, possa servir de ponto de partida para análises e acompanhamentos das transformações e dos avanços nas discussões acerca da reforma que promete mudanças complexas, inclusive de racionalidade e finalidades para a formação da juventude brasileira.