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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 13-Nov-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e61645 

Dossiê Temático: “Currículo e tecnologias redes, territórios e diversidades”

Pistas para um Modelo Pedagógico para Educação OnLife com Foco no Personal Learning Environment (PLE)1

Clues for a Pedagogical Model for OnLife Education with a Focus on Personal Learning Environment (PLE)

Pistas para un Modelo Pedagógico de Educación OnLife Centrado en el Entorno Personal de Aprendizaje (PLE)

Daiana STEYERi 
http://orcid.org/0000-0003-0400-1783

Patrícia Scherer BASSANIii 
http://orcid.org/0000-0001-6362-6981

Patricia Alejandra BEHARiii 
http://orcid.org/0000-0001-6939-5678

i Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social. Bolsista Fapergs/Capes. E-mail: daiana-steyer@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0400-1783.

ii Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora titular da Universidade Feevale. E-mail: patriciab@feevale.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6362-6981.

iii Doutora (1994-1998) em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Titular da Faculdade de Educação e dos Cursos de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) e em Informática na Educação (PPGIE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: pbehar@terra.com.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-6939-5678.


Resumo

Os objetivos deste estudo envolvem identificar aproximações entre as perspectivas da Educação OnLife e Personal Learning Environment (PLE) e elaborar pistas que auxiliem na busca de um modelo pedagógico (MP) para práticas educacionais mediadas por tecnologia. A pesquisa, de abordagem qualitativa e eminentemente teórica, foi realizada em três etapas: a) levantamento teórico; b) estabelecimento de relações entre os enfoques Educação OnLife e PLE; c) definições das pistas para o modelo pedagógico com base no cruzamento dos dados. Identificou-se que as pistas delineadas podem ampliar aspectos do MP (Behar et al., 2019). As pistas podem ser sintetizadas em: trabalho cartográfico para práticas inventivas (organizacional); curadoria de conteúdo digital (conteúdo); acoplamento do humano com as tecnologias digitais (metodológico); tecnologias devem permear o enriquecimento do PLE (tecnológico).

Palavras-chave: ambiente pessoal de aprendizagem; Educação OnLife; modelo pedagógico

Abstract

The objectives of this study involve identifying approximations between the perspectives of OnLife Education and Personal Learning Environment (PLE) and elaborating clues that assist in the search for a pedagogical model (PM) for educational practices mediated by technology. The research, of qualitative and eminently theoretical approach, was carried out in three stages: a) theoretical survey; b) establishment of relationships between the OnLife Education and PLE approaches; c) definitions of the clues for the pedagogical model based on the crossing of the data. It was identified that the clues outlined can expand aspects of the PM (Behar et al., 2019). The clues can be synthesized into: cartographic work for inventive practices (organizational); digital content curation (content); the coupling of the human with digital technologies (methodological); technologies must permeate the enrichment of the ELP (technological).

Keywords: personal learning environment; OnLife Education; pedagogical model

Resumen

Los objetivos de este estudio consisten en identificar aproximaciones entre las perspectivas de Educación OnLife y Ambiente Personal de Aprendizaje (PLE) y elaborar pistas que ayuden en la búsqueda de un modelo pedagógico (MP) para prácticas educativas mediadas por tecnología. La investigación, con abordaje cualitativo y eminentemente teórica, se realizó en tres etapas: a) relevamiento teórico; b) establecimiento de relaciones entre los abordajes OnLife Education y PLE; c) definiciones de las pistas para el modelo pedagógico a partir del cruce de datos. Se identificó que las pistas esbozadas pueden ampliar aspectos del MP (Behar et al., 2019). Las pistas pueden resumirse en: trabajo cartográfico para prácticas inventivas (organizativo); curación de contenidos digitales (contenido); acoplamiento de lo humano con las tecnologías digitales (metodológico); tecnologías deben permear el enriquecimiento del PEL (tecnológico).

Palabras clave: entorno personal de aprendizaje; Educación OnLife; modelo pedagógico

1 INTRODUÇÃO

A expansão das tecnologias digitais e das redes de comunicação digitais favoreceu o surgimento de uma sociedade marcada pela conectividade. É um fato que tem proporcionado mudanças significativas na economia e no mercado de trabalho. Na área da Educação, vê-se cada vez mais a necessidade do impulsionamento de novos paradigmas, cenários de ensino e aprendizagem e novos modelos pedagógicos.

Os modelos pedagógicos podem ser definidos a partir de diferentes abordagens. O foco deste estudo está nas práticas mediadas por tecnologia. Desse modo, tem-se como base o conceito de modelo pedagógico (MP) para Educação a Distância que, conforme Behar et al. (2019), está diretamente ligado com as tecnologias digitais.

Para Behar et al. (2019, p. 3), “um modelo pedagógico é um conjunto de premissas teóricas a partir de uma base paradigmática, que pode explicar e orientar as ações pedagógicas do professor”. Nessa perspectiva, tais ações são convertidas em Estratégias Pedagógicas (EPs), as quais podem ser utilizadas nas atividades desenvolvidas em ambiente de ensino virtual. Além disso, o MP é constituído pela arquitetura pedagógica (AP) formada por aspectos organizacionais, de conteúdo, metodologia e tecnologia. É necessário também que se defina quem são os sujeitos participantes (Behar et al., 2019).

Os aspectos organizacionais se referem aos objetivos, ao tempo e ao espaço, ou seja, ao planejamento pedagógico. O aspecto de conteúdo diz respeito aos materiais utilizados e à temática na AP. Os aspectos tecnológicos se relacionam com os recursos e as ferramentas digitais. Por fim, o aspecto metodológico concerne ao modo como as tecnologias são utilizadas e como o conteúdo é elaborado durante o processo de ensino e aprendizagem. Isso engloba a maneira como os recursos tecnológicos são associados aos objetivos, técnicas e procedimentos de aplicação, além das diretrizes e sugestões de avaliação, de acordo com a estrutura adotada na abordagem pedagógica (Behar et al., 2019).

Os modelos pedagógicos estão inseridos em um contexto que busca, por meio das tecnologias digitais, aprimorar o processo de ensino. Neste trabalho, o contexto é o da Educação OnLife articulado ao conceito de Personal Learning Environment (PLE), como será visto mais adiante, para instigar as instituições, os estudantes, os professores, a repensarem o sistema educacional como ecossistema.

O conceito de MP adotado neste estudo é baseado na concepção previamente mencionada por Behar et al. (2019) e coloca a Educação OnLife como eixo norteador. Acrescenta-se que as premissas se concretizam em “uma ecologia não mais composta por sujeitos e objetos e torna contemporânea a ideia de uma forma comunicativa de habitar” (Di Felice; Bonami, 2019, p. 715). Isso significa que as interações entre sujeito e mídia, humano e técnica, humano e natureza (Floridi, 2015), ocorrem não apenas nas práticas pedagógicas e nas interações entre sujeitos, mas também na relação entre diferentes entidades.

Portanto, amplia-se o conceito de MP de Behar et al. (2019) para um conjunto de premissas teóricas baseadas em um paradigma específico, que têm a finalidade de explicar e guiar as práticas de ensino adotadas pelo professor nas interações entre membros de uma rede ecológica formada por atos conectivos transorgânicos2. Dessa forma, o conceito no qual este trabalho se baseia não se fundamenta em epistemologias aprioristas, empiristas ou interacionistas, mas em epistemologias conectivas e reticulares. Essas epistemologias afastam-se da teoria da ação exclusivamente humana, trabalham a lógica da rede e se distanciam das polarizações e centralidades (ora professor, ora conteúdo, ora aluno) (Schlemmer et al., 2021).

No entanto, por que pensar como eixo norteador a Educação OnLife? O termo OnLife foi oficialmente discutido publicamente, em fevereiro de 2013, no lançamento do Manifesto OnLife em evento inaugural realizado em Bruxelas pela DG Connect, a Direção-Geral de Redes, Conteúdos e Tecnologia da Comissão Europeia. O termo OnLife foi cunhado por Luciano Floridi com referência à nova experiência de realidade hiperconectada em que não faz mais sentido questionar se estamos on-line ou off-line (Floridi, 2013). O primeiro resultado de todos os esforços em torno do conceito foi resumido em um documento chamado Manifesto OnLife. Esse documento debate, entre outras questões, os impactos das tecnologias digitais na vida humana e, consequentemente, nos conceitos-chave como atenção, propriedade, privacidade e responsabilidade.

Floridi (2013) acredita que as tecnologias digitais não são meros instrumentos, mas forças ambientais que estão a afetar cada vez mais a concepção de quem nós somos, nossas interações, nossa concepção de realidade e nossas interações com a realidade. No conceito OnLife, entende-se que esses impactos mencionados se dão por grandes transformações e nossa percepção e entendimento das realidades são necessariamente mediados por conceitos. O conceito OnLife busca justamente fazer uma contribuição positiva para repensar esse mundo hiperligado e assim ter mais hipóteses para compreender problemas educacionais relacionados com as tecnologias digitais.

Diante desse cenário, entende-se como Educação OnLife “uma educação ligada, conectada (On) na vida (Life), a partir das problematizações do mundo presente, o que instiga a inventividade” (Schlemmer et al., 2021, p. 24). O conceito serve de eixo norteador porque vem justamente alterar qualitativamente os processos do ensinar e do aprender.

Nessa mesma linha de pensamento, traz-se também outro enfoque pedagógico, o conceito de PLE ou ambiente pessoal de aprendizagem, em português. O PLE é uma perspectiva que trata tanto da aprendizagem formal quanto da informal e se mostra como um enfoque relevante para entender como as pessoas aprendem no mundo atual, ou seja, como as pessoas se cercam da aprendizagem nos novos ecossistemas trazidos no conceito OnLife. O PLE, para Castañeda et al. (2023), serve como uma espécie de lente que nos ajuda a enxergar, a partir da ecologia do aprendizado, como as condições, os recursos e as oportunidades estão relacionados entre si no atual cenário digital.

O estudo aqui apresentado é o recorte de uma tese de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade Feevale, cujos objetivos são identificar as aproximações entre as perspectivas da Educação OnLife e do PLE e elaborar pistas que auxiliem na busca de um MP para práticas educacionais mediadas por tecnologia.

Considerando essas duas perspectivas educacionais e para atingir os objetivos propostos, o artigo foi dividido em quatro seções. A primeira trata de explicar o enfoque PLE e mostrar uma tendência pedagógica combinante com seus preceitos. Posteriormente, serão realizadas análises comparativas entre a Educação OnLife e o PLE, com o objetivo de verificar como essas abordagens influenciam a adoção de tecnologias, como se relacionam em uma sociedade em rede e como se adéquam aos tempos atuais. Além disso, busca-se compreender como esses dois enfoques podem ser integrados e combinados para potencializar o processo educativo. Após, relacionam-se as pistas indispensáveis para pensar um MP condizente com a atualidade. Por fim, fazem-se as considerações finais.

2 O PERSONAL LEARNING ENVIRONMENT (PLE) E A EDUCAÇÃO ONLIFE

Todas as pessoas possuem um ambiente pessoal que utilizam para aprender durante toda a vida. Essa aprendizagem ocorre a todo momento, independentemente do lugar ou da situação, pois as pessoas estão sempre fazendo conexões e relações, o que resulta em aprendizado constante. As interações, a forma de estar na cultura, têm se expandido e por isso há necessidade de voltar o olhar para o PLE e tirar o melhor proveito dele para nossa evolução.

Mais recentemente, após algumas discussões sobre a natureza pedagógica/tecnológica do PLE, esse conceito passou a ser assumido como:

[...] uma lente ou estrutura que nos ajuda a entender e analisar a partir de uma perspectiva de ecologia do aprendizado como as condições, recursos e oportunidades de aprendizado estão relacionadas entre si no atual cenário digital [...], integrando experiências de aprendizado formais e informais, e como “uma realidade social e tecnológica” (Dabbagh; Castañeda, 2020, p. 3045).

Ao pensar que os jovens de hoje terão no futuro um contexto social complexo, no qual precisarão lidar com profissões ainda não imaginadas, é importante ter a consciência de que esses novos contextos exigirão respostas inéditas e, principalmente, a capacidade de buscar e rearranjar informações de forma adequada. Nesse sentido, o PLE pode desempenhar um papel importante.

Para Castañeda et al. (2023), esse movimento implica deixar de enxergar as tecnologias como meros instrumentos somente para o uso. Isso evidencia a necessidade de um modelo de sistema educativo diferente. Os autores indicam que não basta acrescentar tecnologias nas escolas, e sim pensar um contexto sociotécnico que responda às necessidades formativas dos cidadãos e que a educação básica formal garanta que o indivíduo exerça sua cidadania de forma plena.

Nesse sentido, os estudos atuais conectam o conceito de PLE à agência estudantil. Para Dabbagh e Castañeda (2020), essa conexão faz com que aconteça uma mudança do controle e propriedade de aprendizado para o aluno em que o PLE sirva de apoio a esse aprendizado. Para Castañeda e Tur (2020), a agência seria definida como a forma pela qual o aluno toma suas decisões sobre seu papel nas atividades, ou seja, ele possui uma capacidade autônoma de ação social.

Os estudos sobre a agência estudantil dizem que ela se caracteriza de duas formas: a primeira é aquela em que os seres humanos se tornam capazes de julgamento independente, transformam a educação sobre a base da ação agêntica e autônoma. Isso significa a capacidade das pessoas de agirem intencionalmente para alcançarem objetivos e metas, em vez de serem apenas objetos passivos das circunstâncias ou do ambiente. A segunda é a agência identificada como um fator crucial para a aprendizagem, compreendida como um sistema que afeta a aprendizagem ao longo da vida, incluindo o potencial de um comportamento autodirigido e o processo de agência do aprendiz (Castañeda; Tur, 2020).

A literatura mais recente identificou também um amplo conjunto de recursos e condições que serviriam para decretar a agência para a prática de cada indivíduo: estudo orientado para intencionalidade, carência, motivação; crenças de competências e habilidades para alcançar os objetivos desejados; atividades de participação, engajamento na aprendizagem (Castañeda; Tur, 2020). Alguns recursos relacionais que moldam a agência relacional incluem relações de poder (igualdade entre professor e aluno), apoio recíproco entre pares, ambiente, confiança e seguro (Castañeda; Tur, 2020).

A abordagem PLE deve, então, promover a integração desses recursos relacionais e situacionais, além de oportunidades para que os alunos consigam atingir sua agência. Ao utilizar ativamente seu PLE, os estudantes podem compreender que, atualmente, eles não só consomem informações, como também podem criar, compartilhar e refletir com sua comunidade. Um aluno que possui seu PLE bem desenvolvido e enriquecido tem a possibilidade de não só aprender com os outros, mas também de compartilhar aprendizagens. Isso requer muitas habilidades, estratégias e um profundo compromisso com sua própria aprendizagem e com os que fazem parte de seu contexto. A seguir, são apresentadas essas considerações, em um imbricamento com outro enfoque pedagógico necessário para o cenário digital atual, que é a Educação OnLife.

2.1 As aproximações da perspectiva da Educação OnLife com o Personal Learning Environment (PLE)

Segundo Dabbagh e Castañeda (2020), definir, manejar, conhecer e enriquecer nosso PLE é uma estratégia necessária para aprender eficientemente no século XXI. A constante evolução das tecnologias digitais e das formas de comunicação provocou uma grande mudança na economia, no mercado de trabalho, na sociedade em geral, impulsionando o surgimento de processos de ensino e aprendizagem modernos, de novos paradigmas, de processos de comunicação educacional inovadores. A perspectiva de Educação OnLife vem justamente marcar essa alteração das condições habitativas desse tempo.

2.1.1 O foco no uso das tecnologias digitais

Um dos primeiros tópicos para essa discussão é a Tecnologia Digital (TD) compreendida como ferramenta, recurso de apoio. O computador, por exemplo, utilizado como substituto do quadro-negro e do giz (Alves; Paladini; Schlemmer, 2021). Como se pode considerar a tecnologia como ferramenta de apoio se ela já faz parte do cotidiano de todas as pessoas de forma direta e indireta? Conforme Di Felice (2020), a tecnologia sempre teve um status destinado ao uso. Estavam sob controle, porém, depois dos processos de digitalização e das últimas gerações de conectividade, as tecnologias ganharam vida, interagindo entre si, de modo autônomo, transmitindo dados pela internet e experimentando uma condição comunicativa jamais vista. Logo, constata-se que os objetos, antes considerados meros instrumentos de auxílio e serviço, passaram por um processo qualitativo significativo de transformação, afetando, assim, a maneira como as pessoas se relacionam com o mundo.

Segundo Alves, Paladini e Schlemmer (2021), o computador e as tecnologias digitais não se limitam a ser meras ferramentas externas ao ser humano. Na verdade, elas constituem uma condição habitativa e provocam uma alteração significativa na própria ecologia. “Utilizar as TD somente como ferramenta, apoio, recurso, meio, pouco contribui para que os professores possam operar transformações nas metodologias e práticas pedagógicas e, consequentemente, no sistema escolar” (Alves; Paladini; Schlemmer, 2021, p. 38). Conforme os autores apontam, o emprego das tecnologias digitais implica transposições didáticas. Entretanto, ao aprimorar a apropriação dessas ferramentas, o professor pode estimular inovações, intensificar mudanças significativas e promover avanços, sobretudo no que tange aos processos de ensino e aprendizagem.

Floridi (2013) destaca a atenção para a realidade hiperconectada que requer o reconhecimento de como intenções, atitudes, moralidade, percepções e até mesmo questões de corporalidade estão totalmente ligadas e entrelaçadas com as tecnologias em geral. Segundo o autor, as tecnologias superam a perspectiva do uso, da ferramenta de apoio, moldando-nos como seres humanos. Não se deve buscar um lugar transcendental fora dessas mediações.

Esse espaço é definido e evidenciado pelo PLE de cada indivíduo. Se a aprendizagem por meio da tecnologia concentra-se apenas no uso, na ferramenta que é utilizada e descartada, na aprendizagem tradicional, centralizada e comum a todos, ela se torna insuficiente.

Existem, portanto, alguns aspectos incompatíveis entre a aprendizagem por meio do uso e aquela que faz parte da ecologia em rede. Por exemplo, a aprendizagem que visa cumprir uma tarefa de “passar a limpo” ou “tornar mais bonito” versus a aprendizagem que se vale da tecnologia para tornar mais dinâmica, estimular a criatividade e a invenção. Há também a aprendizagem igual para todos, em que todos usam os mesmos recursos, versus a possibilidade de personalização e enriquecimento do PLE. A aprendizagem que depende apenas do professor como fonte única de informação versus a proliferação de diversas fontes de informações. A aprendizagem baseada na crença de que o conhecimento reside na cabeça das pessoas, usando a tecnologia como apoio versus a evidência de que o conhecimento depende de recursos externos com os quais estabelecemos relações e conexões em rede. Por fim, a aprendizagem que visa o aluno como espectador versus uma aprendizagem voltada para a agência estudantil, a produção de conteúdo e o compartilhamento.

Portanto, a aprendizagem por meio da tecnologia vai muito além do uso de ferramentas tecnológicas; nela são mobilizados atitudes e valores para o processo de aprendizagem. Nesse sentido, a Educação OnLife e o PLE instigam os novos modelos pedagógicos a ultrapassarem as ações de “uso” da tecnologia para ações que incluem estratégias, ferramentas e principalmente conexões (networking) que potencializem a aprendizagem. O currículo, a partir dessas abordagens, altera-se, pois, conforme Santos, Souza e Doina (2022), é ele que fomenta e determina, por meio de seu arcabouço teórico, que tipo de aprendizagens formarão os indivíduos pertencentes à sociedade digital atual.

2.1.2 O acoplamento do humano (professor) com as tecnologias digitais

Se já se sabe que aprender por meio da tecnologia não é simplesmente “usar” computadores, smartphones e tablets, é preciso considerar também que aprender por meio da tecnologia significa que não nos desenvolvemos somente na interação entre indivíduos. Aprende-se também nas interações entre humanos e diversas entidades (biodiversidade, dados sobre o clima, lugares, big datas etc.) conectadas e dependentes umas das outras, ou seja, estamos nos afastando das teorias exclusivamente humanas (Schlemmer et al., 2021). Para Alves, Paladini e Schlemmer (2021, p. 39), o que acontece, por exemplo, é o “acoplamento do humano (professor) com diferentes TD em rede, num mútuo agenciamento que emerge do ato conectivo transorgânico”. Nesse sentido, o humano se torna coprodutor a partir de seus mecanismos, estratégias, das conexões (networking) que utiliza para aprender, da compreensão das TD em rede, do imbricamento entre entidades humanas e não humanas.

Schlemmer, Di Felice e Serra (2020, p. 2) dizem que “interagir significa, portanto, além de trocar informações, alterar a própria condição habitativa, deslocando nossa sociabilidade, nossa geografia e nosso ser em ambientes informatizados”. Essas interações, às quais os autores se referem, já fazem parte do social. Um exemplo nesse sentido está na área dos estudos de software: o software mudou/vem mudando completamente a característica de nossas relações, nossas formas de viver e conviver (Bassani, 2022). É um novo tipo de convívio em que as relações são ilimitadas e conectadas. Dificilmente se encontrarão situações reais de aprendizagem que podem ser descritas como puramente face a face ou totalmente on-line. Conforme Castañeda, Attwell e Dabbagh (2022), a pandemia de Covid-19 demonstrou que os indivíduos descobriram uma fonte extraordinária de recursos para manter as interações, os mecanismos e as estratégias para aprender que antes não tiveram a oportunidade de experimentar. O confinamento em razão da pandemia fez emergirem muitas oportunidades para trabalhar e aprender de forma autônoma.

Portanto, não faz mais sentido pensarmos que a aprendizagem ocorre somente na interação humana e, assim, cada vez mais alimentamos nosso PLE com informações e relações que formam essas conexões. Para Castañeda et al. (2023), a aprendizagem ocorre na integralização de experiências em uma realidade tanto social quanto tecnológica. Corroborando essas questões, a Educação OnLife não se constitui por uma educação potencializada pelo digital, mas, sim, segundo Schlemmer e Di Felice (2020), pela digitalidade e conectividade, pelas propostas híbridas, orgânicas potencializadas pela interação humana e não humana, evidenciada ainda pela inventividade, pelas mudanças, transformações nas práticas e metodologias pedagógicas.

2.1.3 A inventividade como potencializadora de uma Educação OnLife

A Educação OnLife tem a inventividade como uma de suas grandes potencializadoras (Alves; Paladini; Schlemmer, 2021). A partir dos estudos de produção da subjetividade, Kastrup (2007) começa a definir, por exemplo, como nos constituímos como sujeitos, ou seja, porque eu penso o que eu penso, porque eu sou o que eu sou, como eu aprendi as coisas que eu acredito, como eu fui me formando como pessoa, questões-chave para o conceito de inventividade. Logo, aprender a partir das concepções de Deleuze (2003) é uma espécie de encontro com o signo. Signo, nesse caso, seria aquilo que nos afeta, aquilo que nos causa algum impacto. Aprender como encontro de signos seria aprender com aquelas coisas que afetam a questão do sensível, por exemplo, produzir uma obra de arte, nessa hipótese, gera uma aprendizagem que motiva, que toca, que faz sentido.

Ao contrário disso, seria o pensamento pronto, aquele pensamento que a família, a escola, a sociedade, leva a aprender, por exemplo as fórmulas matemáticas. Kastrup (2007) entende que o corpo sente as coisas que o afetam ou não e, no contexto da aprendizagem inventiva, só se aprende o que nos afeta como sujeitos. Quando se pensam nas fórmulas matemáticas prontas necessárias para aprender no Ensino Médio, por exemplo, Kastrup (2007) diz que se trata de uma aprendizagem recognitiva, ou seja, aquela aprendizagem que se é obrigado a aprender, a decorar, a repetir, que vai sendo introduzida a partir da recognição. A recognição serve justamente para suprir alguma demanda, porém, para a autora, a mente precisa de mais, ela necessita estar em movimento.

Retomando a ideia de encontros com signos de Deleuze (2003) e Kastrup (2007), afirma-se que a vida é construída mediante diversas experiências e situações que nos afetam e nos transformam, moldando nossa forma de pensar. Nesse sentido, o aprendizado é um processo que ocorre por meio desses encontros, uma passagem, um acontecimento, que envolve o sensível e o avesso da recognição. Nessa mesma linha de pensamento, a perspectiva do PLE traz a relação da agência estudantil individual em que o estudo é orientado para o significado, ou seja, ele é expresso em diferentes modelos de agência como a intencionalidade, a motivação intrínseca, ou seja, o aluno precisa ser motivado, ser tocado de algum modo, para que ele consiga estabelecer relações e constituir sentidos a seus aprendizados (Castañeda; Tur, 2020).

Nesse contexto, cabe ao professor na instituição atuar como agente impulsionador, servindo como elo e apresentando ideias para que os alunos possam experimentá-las. No entanto, é importante destacar que o professor não tem o poder de moldar a vida de seus alunos. Ele não é o responsável pelo controle desse processo, mas aquele que, em vez de simplesmente entregar problemas, instiga a invenção de problemas. A aprendizagem acontece em cada um de uma forma diferente, depende dos encontros que essas pessoas terão durante a vida. Por essa razão, entende-se a cognição como invenção de si e do mundo, não é uma política da verdade, e sim uma política da perspectiva, ou seja, constrói-se o mundo a partir da perspectiva pessoal em uma transversalização ética com as outras pessoas ou coisas. É na relação com as outras pessoas, na relação com as coisas, com os mecanismos, com as estratégias, ou seja, com o PLE, que se cria e molda o mundo. Na perspectiva do PLE (Castañeda; Tur, 2020), essa política é denominada como agência contextual, em que o aluno pode fazer escolhas entre vários itinerários, possibilidades e métodos de trabalho.

Entretanto, a escola muitas vezes vai minimizando a possibilidade do indivíduo de criar outras formas de ser e estar no mundo, vai estabelecendo convenções, construindo perspectivas sobre o que é ou não verdade. O que a aprendizagem inventiva propõe é que se criem as próprias visões sobre o mundo dentro de uma transversalização ética. É conceber modos de existência que abram espaço para o pensamento continuar em movimento e em perpétua criação.

Nesse sentido, surge a possibilidade de usar o PLE para criar e desenvolver o próprio mundo, levando em conta que o PLE não é somente um espaço digital, mas também inclui espaços não técnicos ou físicos (Castañeda; Attwell; Dabbagh, 2022). Podem-se adotar as ferramentas digitais, os mecanismos, as estratégias, o networking, como impulsionadores para propiciar outras perspectivas utilizando a invenção, que traz a capacidade de criarmos coisas novas todos os dias sem regras, sem leis. Castañeda e Tur (2020) chamam de agência individual das crenças da competência, que inclui percepções de conhecimento suficientes para alcançar os objetivos desejados, pois não há limites para nossa capacidade de criar coisas novas.

Portanto, ao se considerar que a aprendizagem inventiva implica estar em constante movimento para criar novos mundos, o PLE de cada indivíduo deve estar relacionado a suas habilidades de aprendizagem e ao contexto educacional em que ele está inserido, o qual reflete a atualidade em constante transformação e movimento (Kastrup, 2015, p. 96). Nesse sentido, a aprendizagem é vista como experimentação, um processo que implica movimentar o PLE do indivíduo para que seu conhecimento seja enriquecido, manipulado, inventado, reinventado, conectado e, sobretudo, ativo. Os modelos pedagógicos e as práticas educacionais em geral devem contribuir para a formação de sujeitos críticos, autônomos e inventivos, e não apenas reprodutores que se adaptam passivamente a diferentes situações.

2.1.4 A mediação nos percursos de aprendizagem

Para atender às demandas relacionadas a todas as questões abordadas até o momento neste estudo, é imprescindível que os modelos pedagógicos atuais criem ambientes férteis, com base na interação, para poderem crescer e evoluir. É preciso discutir sobre o lugar que ocupa o professor nesse sistema educacional. Para Schlemmer e Moreira (2020), o professor deve assumir a postura de orientador e mediador da aprendizagem, pois assim ele respeita o tempo e o ritmo de cada aluno. Na abordagem do PLE, isso se encaixa nos recursos relacionais que moldam a agência relacional e incluem o apoio mútuo entre os pares e as relações recíprocas entre os estudantes e os professores.

No entanto, em práticas educacionais que envolvem propostas híbridas e orgânicas, é comum que os educadores enfrentem dificuldades para realizar a remixagem e a organização do conteúdo disponível na web. Assim, surge o conceito de curadoria de conteúdo digital. “A curadoria de conteúdo envolve o processo de buscar e de selecionar, entre a grande quantidade de informações disponível na Web, um conjunto de conteúdos e apresentá-los de forma significativa e organizada em torno de um tema específico” (Bassani; Magnus, 2020, p. 6). A curadoria depende totalmente das competências e a principal característica do curador é a de mediador, o que está em consonância com a sociedade contemporânea.

Fazer curadoria de conteúdo não é só organizar links, mas envolve colocar o conteúdo em contexto de organização, anotação e apresentação, ou seja, a curadoria de conteúdo é um processo que envolve três partes, conforme a perspectiva de Kanter (2014). Primeiramente, o curador busca conteúdo e informações relevantes, depois ele procura adicionar valor às informações, apropriando-se delas, e, por último, compartilha com sua rede de contatos de forma que todos possam compreender e aplicar.

Bassani e Magnus (2020) procuraram relacionar a curadoria como atividade de aprendizagem na cultura digital, articulando com os estudos do PLE. O PLE ou ambiente pessoal de aprendizagem é um conjunto de ferramentas, fontes de informações e atividades, que cada um utiliza de forma assídua para aprender (Castañeda; Adell, 2013). O PLE é constituído por três componentes principais: ler, produzir e compartilhar. Na perspectiva do ler, objetiva-se acessar as fontes de informações consideradas potencializadoras de conhecimento. No âmbito do produzir, almeja-se o pensar por meio de práticas atribuindo sentido. No contexto do compartilhar, busca-se instigar as trocas por meio da formação de redes.

A proposta teórico-metodológica cunhada por Magnus (2018) apresenta a curadoria de conteúdo digital subdividida em três etapas e relacionadas às do PLE. A primeira etapa é chamada Curadoria Preliminar. Nesse estágio, que é inicial, ocorrem a busca, a seleção, a organização dos dados que podem ser transformados em informações e em conhecimentos, o que requer iniciativa e curiosidade. A segunda etapa, designada de Curadoria Significativa, parte da remixagem das informações, da reflexão e da autoria das informações obtidas por meio dos dados. Elas se tornam conhecimentos com atribuição de sentidos que, por sua vez, podem se tornar novos conteúdos digitais. Essa segunda etapa propicia o produzir no contexto do PLE. A terceira e última fase é denominada Curadoria Consolidada e prevê o diálogo, o monitoramento e o compartilhamento dos conteúdos digitais disseminados na web, ressaltando a cultura do compartilhamento. Esse é um dos principais traços da curadoria de conteúdo, uma vez que oferece a possibilidade de o indivíduo ampliar e consolidar sua rede pessoal de aprendizagem.

Essas são estratégias que evidenciam que a mediação pedagógica possui uma função especial, em que somos desafiados a contemplar as novas formas de conectar, de aprender e de ensinar, de decidir quais conhecimentos devem ser selecionados ou não por intermédio do currículo. Sendo assim, as práticas pedagógicas devem considerar esses imbricamentos e, a partir delas, emergem metodologias inventivas, como veremos a seguir.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Neste estudo, adotou-se uma abordagem metodológica qualitativa e eminentemente teórica, com o objetivo de explorar e compreender as nuances e os aspectos conceituais subjacentes ao tema em questão.

Primeiramente, foi conduzido um levantamento teórico abrangente sobre o conceito de PLE e sua relação com a Educação OnLife. Por essa análise aprofundada, buscamos compreender as bases conceituais, as perspectivas e as interseções entre essas duas abordagens educacionais em um contexto contemporâneo.

Por fim, foram definidas as pistas para o modelo pedagógico por meio de um processo de análise que envolveu o cruzamento dos dados coletados. Mediante essa abordagem, foi possível identificar as interseções e as relações entre os diversos conjuntos de dados obtidos. Essa análise cruzada permitiu a formulação de pistas para a elaboração de um modelo pedagógico consistente e adaptado ao contexto em questão.

4 DISCUSSÕES

O presente artigo buscou identificar aproximações entre as perspectivas da Educação OnLife e do PLE e elaborar pistas que auxiliem na busca de um MP para práticas educacionais mediadas por tecnologia. Essas pistas poderão auxiliar professores da educação básica a desenvolverem práticas educativas condizentes com o cenário atual.

O conceito de modelo pedagógico aqui apresentado tem como base a definição de Behar et al. (2019). Contudo, neste trabalho, amplia-se o conceito compreendendo as interações entre membros de uma rede ecológica formada por diversas entidades humanas e não humanas. Entende-se também que as pistas identificadas no Quadro 1 poderão amplificar os aspectos pertencentes ao MP.

O Quadro 1 apresenta os registros do que se consideram aproximações entre as perspectivas OnLife e PLE.

Quadro 1 Aproximações das perspectivas OnLife e PLE 

OnLife PLE
Educação OnLife “uma educação ligada, conectada (On) na vida (Life), a partir das problematizações do mundo presente, o que instiga a inventividade” (Schlemmer et al., 2021, p. 24). PLE é como uma lente ou estrutura que nos ajuda a entender e analisar, a partir de uma perspectiva de ecologia do aprendizado, como condições, recursos e oportunidades de aprendizado estão relacionados entre si no atual cenário digital (Castañeda et al., 2023).
A perspectiva OnLife compreende que as tecnologias digitais e as redes não são encaradas como ferramentas, mas como forças ambientais que afetam nossa autoconcessão (Schlemmer; Moreira, 2020). As tecnologias deixam de ter um papel meramente instrumental dentro do sistema educacional e vão muito além de ser ferramentas que tornam o modelo educacional que já conhecemos para mostrar a necessidade de um modelo educacional radicalmente diferente (Castañeda; Adell, 2013).
O acoplamento do humano com as tecnologias digitais em que essa interação significa, além de trocar informações, alterar a própria condição habitativa, deslocando nossa sociabilidade, nossa geografia e nosso ser em ambientes informatizados (Schlemmer et al., 2021). A integralização de experiências de aprendizado formais e informais, em uma realidade social e tecnológica (Castañeda et al., 2023).
Cognição inventiva é aprender como encontro de signos, ou seja, seria aprender com aquelas coisas que afetam, que nos tocam, que produzem significados e nos fazem sentido. Agência individual em que o estudo é orientado para o significado: expresso em diferentes modelos de agência como intencionalidade, carência e/ou motivação intrínseca.
Cognição como invenção de si e do mundo, construção do mundo a partir da perspectiva de cada indivíduo (Kastrup, 2015). Agência contextual em que há oportunidades para fazer escolhas: entre várias possibilidades, itinerários, ou métodos de trabalho (Castañeda; Tur, 2020).
Compreensão de aprendizagem que não se restringe à solução de problemas, mas a concebe como um processo de invenção de problemas (Schlemmer et al., 2021). A perspectiva do PLE diz que devemos ensinar a resolver problemas, e não apenas as soluções para os problemas conhecidos (Castañeda; Adell, 2013).
Formação de cidadãos críticos, sujeitos inventi vos, e não meros repetidores, que se adaptam e suportam as diversas situações (Kastrup, 2015). Agência individual em que as crenças de competência incluem percepções de conhecimento suficiente e habilidades; crenças sobre meios de obter os objetivos desejados ou ter know-how (Castañeda; Tur, 2020).
O professor deve assumir a postura de orientador e mediador da aprendizagem (Schlemmer; Moreira, 2020). Para os autores, ao assumir essa postura, o professor respeita o tempo e o ritmo de cada aluno. Agência relacional que abrange as relações de poder, incluindo igualdade entre estudantes e relações recíprocas entre professor(es) e alunos (Castañeda; Tur, 2020).
A perspectiva OnLife possibilita ao professor desenvolver as competências necessárias à docência na atualidade, as quais vão muito além das competências digitais trabalhadas de forma isolada (Schlemmer; Moreira, 2020). A abordagem do conceito do PLE focaliza o desenvolvimento de competências concretas como a competência digital, o aprender a aprender competência, ou abordagens específicas para o desenvolvimento profissional dos professores (Castañeda et al., 2023).

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Conforme o Quadro 1, pode-se observar que, para um MP condizente com o cenário atual, é necessário conceber uma educação coerente com as tecnologias dessa era, em uma realidade hiperconectada. Para tanto, necessita-se utilizar o PLE que auxilia a compreender e analisar, a partir da ecologia do aprendizado, como os recursos, as conexões e as condições estão relacionados entre si no cenário digital atual (Castañeda et al., 2023).

É necessária uma educação que não considera as TD como ferramentas ou meros instrumentos, mas como forças ambientais que modificam o habitar e que afetam a forma como se ensina e se aprende (Schlemmer; Di Felice; Serra, 2020). Utilizar as TD como ferramenta ou recurso pouco contribui para desenvolver inovações e, por consequência, as práticas pedagógicas se constituem como mais do mesmo.

Para Castañeda et al. (2023), a aprendizagem acontece na integralização de experiências em uma realidade tanto social quanto tecnológica. Schlemmer et al. (2021) também afirmam que a interação entre humano e entidades transorgânicas altera nossa condição habitativa, deslocando nossa sociabilidade, nossa geografia, transformando-nos efetivamente também do ponto de vista educacional.

Outro ponto essencial para se pensar a educação no cenário atual é a aprendizagem inventiva, que, para Kastrup (2015), é aprender com o encontro de signos, seria aprender com aquelas coisas que afetam, que tocam, que produzem significados, que fazem sentido e que instigam a invenção de problemas. Também desse ponto de vista, Castañeda e Tur (2020) chamam a atenção para a agência individual em que o estudo é orientado para o significado, ou seja, para o aprendizado que causa motivação e que tenha intencionalidade.

Nesse sentido, olhando para a cognição da invenção de si e do mundo (Kastrup, 2015), tanto o professor quanto o aluno são capazes constantemente de escrever suas próprias histórias, pois constroem seus mundos a partir de sua perspectiva. Para Castañeda e Tur (2020), isso ocorre quando os indivíduos desenvolvem sua agência individual, ou seja, as possibilidades de fazer escolhas em seu próprio aprendizado.

Outra pista que se destaca neste trabalho é a compreensão de que a aprendizagem não se restringe à solução de problemas, mas à invenção deles, e não às soluções para antigos problemas (Kastrup, 2015), ou seja, trabalhar no nível da experiência da problematização (Schlemmer et al. 2021). Castañeda e Adell (2013) não chamam de invenção de problemas, mas assinalam que é necessário sair do senso comum, buscar ensinar e resolver problemas novos que estão surgindo no cenário atual, e não a resolução de problemas já conhecidos.

Para o desenvolvimento de competências nos indivíduos, de modo que possam viver em um mundo contemporâneo que se caracteriza pela sociedade em rede, é fundamental considerar a adoção de um MP que proporcione a formação de sujeitos inventivos e críticos, e não apenas repetidores de conteúdo. Castañeda e Tur (2020) nomeiam isso de agência individual em que o sujeito cria suas próprias percepções, conhecimentos e habilidades ou possuem o que os autores chamam de know-how, que está diretamente relacionado com habilidade e eficiência na execução de determinada atividade.

No entanto, é imprescindível também discutir o papel que o professor ocupa em um contexto de abundância de informações, em um cenário em que a digitalidade transforma nossos métodos e formas de conhecimento. Para Schlemmer e Moreira (2020), o professor deve assumir o papel de orientador e mediador da aprendizagem. Desse modo, deve haver aí uma agência relacional que, segundo Castañeda e Tur (2020), envolve as relações de poder, incluindo a igualdade e as relações recíprocas entre professor e aluno.

Tem-se, com base nos estudos de Castañeda et al. (2023), Schlemmer e Moreira (2020), Castañeda e Tur (2020), Schlemmer et al. (2021), Kastrup (2015) e Schlemmer, Di Felice e Serra (2020), um suporte na articulação entre a Educação OnLife e o PLE. Entende-se também, conforme discutido na introdução deste trabalho, que o MP tem o propósito de fornecer orientação para as abordagens de ensino utilizadas pelo professor durante as interações (Behar et al., 2019). Essas interações, nesse caso, seriam entre membros de uma rede ecológica, constituída por atos de conexão transorgânicos.

As pistas aqui elaboradas poderão ampliar os aspectos organizacional, metodológico, tecnológico e de conteúdo. O aspecto organizacional, segundo Behar et al. (2019), está relacionado com o objetivo de aprendizagem, com a interação entre os sujeitos, o espaço e tempo. Esse aspecto pode ser subsidiado por um trabalho cartográfico, buscando, por meio da experiência, a invenção de problemas, e não a resolução de problemas já conhecidos. A interação, nesse caso, deve levar em conta, além da aprendizagem entre sujeito e objeto, a aprendizagem na interação entre diversas entidades humanas e não humanas. O espaço e o tempo também podem ser alterados, confundindo o real com o virtual.

O aspecto de conteúdo relaciona-se com os conteúdos e o formato que serão apresentados e a avaliação dos conteúdos. O aspecto pode ser ampliado com um trabalho de curadoria de conteúdo digital, valendo-se das três etapas relacionadas ao PLE: primeira, a leitura e a busca e seleção dos conteúdos; a segunda, a remixagem e a apropriação dos conteúdos; a terceira, o compartilhamento dos conteúdos.

O aspecto metodológico relaciona-se com a estrutura e o procedimento das aulas, assim como a forma pela qual são empregados as tecnologias e o conteúdo ao longo do processo (Behar et al., 2019). Esse aspecto pode ser ampliado com o acoplamento do humano (professor) com diversas TD em rede, o que pode ser demonstrado pela inventividade, transformação nas metodologias e práticas pedagógicas.

O aspecto tecnológico está relacionado com os recursos tecnológicos utilizados, ambiente virtual de aprendizagem e suas funcionalidades. O aspecto pode ser ampliado por meio do enriquecimento e desenvolvimento do PLE, usado tanto para aprender quanto para compartilhar as aprendizagens.

A agência estudantil pode ser bem desenvolvida em todos os aspectos do MP, em que podem ser aprimoradas as motivações intrínsecas, as crenças das próprias competências e as relações recíprocas entre os participantes.

Tomando como referência esses estudos, essa articulação pode ser sintetizada em quatro principais pistas para o desenvolvimento de um MP para práticas educacionais mediadas por tecnologia, conforme Figura 1.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Figura 1 Pistas que auxiliam na busca de um modelo pedagógico para práticas educacionais mediadas por tecnologia 

A Figura 1 sintetiza as pistas para o aspecto metodológico de um MP.

Pista 1) Trabalho cartográfico para que se desenvolvam práticas educacionais inventivas (Kastrup, 2015) - essa pista está relacionada ao aspecto organizacional. Pista 2) O aspecto de conteúdo pode ser ampliado por meio da curadoria de conteúdo digital (Magnus, 2018). Pista 3) O acoplamento do humano com as tecnologias digitais (Schlemmer; Moreira, 2020) - está relacionado ao aspecto metodológico. Pista 4) As tecnologias devem permear o enriquecimento do PLE (Castañeda et al., 2023), ampliando, assim, o aspecto tecnológico. A Figura 1 também demonstra que a agência estudantil permeia todos os aspectos do MP.

Na próxima sessão, apresentam-se as considerações finais do trabalho.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na pesquisa realizada, atingiu-se o objetivo de identificar as aproximações entre PLE e Educação OnLife e elaborar as pistas para o MP. Por conseguinte, compreendeu-se que os aspectos organizacional, metodológico, tecnológico e de conteúdo do MP (Behar et al., 2019) podem ser ampliados com base nos dois conceitos.

Entendeu-se que a consciência sobre a forma como se aprende é fundamental para replicar esses mecanismos em novas situações de aprendizagem. Para tanto, é necessário promover a agência estudantil, a apropriação da tecnologia, o enriquecimento e a manutenção do PLE. Conforme mencionado na introdução deste trabalho, para alcançar objetivos que estejam de acordo com a era digital e hiperconectada, o desenvolvimento do conteúdo e do currículo ao longo do processo não deve focar apenas a resolução de problemas já conhecidos, mas também a invenção de novos problemas.

Como referido, os novos problemas vão além da interação aluno-professor-objeto. Portanto, um MP para práticas mediadas por tecnologia deve considerar a interação com outras variáveis, tais como meio ambiente, dados e robôs, para uma aprendizagem mais abrangente e compatível com a atualidade.

As aproximações entre as duas abordagens demonstram uma visão disruptiva com relação à forma como compreendemos na sociedade digital em rede. Vê-se, nas pistas elaboradas, uma forma de construção de um MP coerente com esse tempo.

Como perspectivas futuras, pretende-se desenvolver um MP, ampliando os aspectos metodológico, tecnológico, organizacional e de conteúdo por meio das pistas identificadas neste trabalho.

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NOTAS:

1 Agradecimentos: CNPq e FAPERGS pelo apoio financeiro e concessão de bolsas.

2 Neste trabalho, toma-se como entendimento de atos conectivos transorgânicos: “Uma infoecologia cuja qualidade transorgânica expressa as dimensões híbridas do infovíduo e da infomatéria. Assim, a superação da concepção antropocêntrica do social e o desenvolvimento da concepção de uma ecologia não mais composta por sujeitos e objetos, torna contemporânea a ideia de uma forma comunicativa de habitar que, inspirada na concepção do habitar de M. Heidegger, descreve cada entidade, humano e não-humano, não a partir da sua natureza, mas a partir da sua coabitação e do seu ‘ser-ser’ (o ato)” (Di Felice; Bonami, 2019, p. 715).

Recebido: 10 de Abril de 2023; Aceito: 05 de Agosto de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

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