1 INTRODUÇÃO
O Novo Ensino Médio ou a Reforma do Ensino Médio, como tem sido nomeado nas discussões empreendidas na literatura (Corrêa; Ferri; Garcia, 2022; Ferretti, 2018; Koepsel; Garcia; Czernisz, 2020; Motta; Frigotto, 2017; Ortega; Hollerbach, 2017; Wathierl; Cunha, 2022), vem se configurando desde a promulgação da Lei n. 13.415/2017 (Brasil, 2017). Lei que estabeleceu mudanças para esta etapa da Educação Básica em todo o território brasileiro, em especial no que se refere à organização curricular e à carga horária. A alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 9.394/1996 (Brasil, 1996), incluiu a oferta de itinerários formativos e a ampliação da carga horária de 800 horas em 200 dias letivos para, no mínimo, 1.000 horas distribuídas em 200 dias letivos até o final de 2022, alinhando-se ao que propõe a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018b) quanto ao desenvolvimento das competências dos aprendizes.
Em Santa Catarina, onde este estudo se situa, foi elaborado o documento curricular norteador denominado “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense” (CBTC) (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d), o qual está baseado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (Brasil, 2018a), na BNCC (Brasil, 2018b), no Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (Santa Catarina, 2019) e nos pressupostos da Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC) (Santa Catarina, 1991; 1998; 2005; 2014), esta que é resultado de uma produção conjunta e publicada há mais de três décadas, envolvendo especialistas e professores e, que se debruça a partir de três pilares fundamentais: i) a perspectiva da formação humana e integral do aprendiz; ii) o percurso formativo, atentando-se para a subjetividade constitutiva do aprendiz nos processos de aprendizagem ou ensinagem1 e na sua relação com o outro e; iii) a diversidade como princípio do trabalho inclusivo de todos e todas nos processos educativos. Participaram deste processo de elaboração do CBTC (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d), 363 professores de 120 escolas-piloto da rede pública estadual de Santa Catarina, as quais iniciaram a implementação do Novo Ensino Médio em 2020, além de especialistas que atuavam na Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina e em universidades e institutos privados e consultores de algumas áreas de conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Exatas e Naturais e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). Em consonância com a legislação brasileira para a Educação (Brasil, 1996; 2017), documentos nacionais (Brasil, 2018a; 2018b) e estaduais de Santa Catarina (Santa Catarina, 2019; 2021a; 2021b; 2021c; 2021d), em 2022, o Novo Ensino Médio passou a ser implementado em toda a rede pública catarinense, conforme também destacam alguns estudos que tomam o currículo como objeto de estudo (Pottmeier; Zonta; Guilherme; Caetano, 2022; Pottmeier; Caetano; Fischer, 2022).
Para este estudo, cabe destacar que novas práticas de trabalho e novas subjetividades (Geraldi, 2015)3 emergiram dos desafios ainda enfrentados no contexto escolar em decorrência dos reflexos da pandemia da Covid-19 ainda vivenciada em 2023 no contexto do Novo Ensino Médio e da influência expressiva das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) envolvendo novas/outras práticas de letramentos digitais (Pottmeier; Caetano; Fischer, 2022; Pottmeier, Fischer, no prelo). Influência esta a partir do uso diário de artefatos digitais como apoio nos processos de ensino e aprendizagem e na interação entre professor e estudante, tais como: e-mail pessoal e/ou institucional do estudante e do professor, WhatsApp, Google Classroom, dentre outros.
Diante de tal contexto, assentado em uma perspectiva dialógica da linguagem que compreende o sujeito social, histórico e perpassado por ideologias nos e pelos seus projetos de dizer em um dado cronotopo nas e pelas interações verbais com o outro (Bakhtin, 2011[1979]; Geraldi, 2013[1991]; 2015), nos estudos de letramentos que vislumbram as práticas sociais plurais dos sujeitos em um dado contexto de uso da linguagem, a qual é constitutiva destes sujeitos (Barton; Hamilton, 1998; Barton; Lee, 2015; Bartlett, 2014; Bloommaert; Smits; Yacoubi, 2018; Cope; Kalantzis, 2000; Corrêa, 2022; Fischer, 2007; Gee, 1996; 1999; Gourlay; Hamilton; Lea, 2014; Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020; Monte Mor, 2017; Rojo, 2012; Street, 1984; 1993; 2003; 2006; 2014) e do currículo, concebendo-o como contínuo e político (Ball, 1994; 2001; 2004; 2005; 2008; 2014; Silva, 2006; 2010), empreendemos uma pesquisa de abordagem qualitativa etnográfica no campo da Educação que busca compreender o que enunciam seis estudantes com idades entre 15 e 16 anos, inscritos no primeiro ano do Novo Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual de Santa Catarina sobre práticas de leitura e escrita na esfera escolar. Trata-se de um estudo de caso, de base etnográfica (Lillis, 2008), em que apresentamos o recorte temporal de uma pesquisa longitudinal (de 2022 a 2024) para abordar os dados e resultados neste artigo. Os estudantes foram convidados a participar de dois encontros dialogados realizados no primeiro e segundo semestres de 2022 para falarem sobre o uso da linguagem no que concerne à leitura e à escrita em diferentes esferas da atividade humana, incluindo a escolar.
Os letramentos são compreendidos, neste estudo, como práticas sociais plurais (Street, 1984; 1993; 2003; 2006; 2014) constituídas de processos sociais plurais (Corrêa, 2022; Street, 1984) que os sujeitos realizam a partir do uso de linguagens múltiplas ou multiletramentos (Cope; Kalantzis, 2000; Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020; Rojo, 2012 4) em diferentes esferas sociais da atividade humana (familiar, escolar, acadêmica, midiática, dentre outras). Tal concepção acerca dos letramentos emerge da pedagogia dos multiletramentos empreendida pelos estudiosos que integram o Grupo de Nova Londres e são afiliados aos Novos Estudos do Letramento. Este grupo já “[...] afirmava a necessidade de a escola tomar a seu cargo novos letramentos emergentes da sociedade contemporânea [...]” (Rojo, 2012, p. 12), pontualmente, aqueles relacionados às práticas e letramentos situados (Bartlett, 2014; Gee 1996; 1999), práticas locais ou práticas situadas (Barton; Hamilton, 1998; Barton; Lee, 2015), envolvendo práticas de escrita e de leitura familiar, escolar/acadêmica, digital, por exemplo, constituídas por gêneros primários (menos institucionalizados, que fazem parte do cotidiano)5, secundários (mais complexos, mais institucionalizados) 6 (Bakhtin, 2011[1979]), veiculados em suportes impressos, orais, digitais. Gourlay, Hamilton e Lea (2014, p. 3-4, tradução nossa7, grifos nossos) ao discutirem sobre os Novos Estudos do Letramento, refletem que
[...] Essa abordagem traz uma sensibilidade etnográfica ao estudo das tecnologias de comunicação e desenvolveu conceitos operacionais para observação e registro de encenações locais de práticas de letramento (por exemplo, eventos, procedimentos e rotinas e recorrentes - [...]. O uso destes conceitos mantém detalhes contextuais à frente, juntamente com observação próxima de exemplos empíricos em vez de afirmações retóricas. O objetivo é acessar as percepções e significados dos participantes para iluminar o comportamento observado em relação às práticas de letramento. Em sua abordagem ecológica, foca no desempenho dos eventos de letramento e nos papéis de todos os participantes, não apenas aprendizes.
A partir do que enunciam Gourlay, Hamilton e Lea (2014), é importante entendermos que tais práticas de letramentos, especialmente, àquelas, vivenciadas no século XXI, diante do contexto da pandemia da Covid-19 (2020-2023) e da utilização mais frequente de TDIC, constituíram e constituem os sujeitos (gestores, professores, estudantes, famílias dos estudantes) nos, pelos e com multiletramentos diante da heterogeneidade de culturas e linguagens multissemióticas (envolvem o texto escrito, falado, a imagem estática e em movimento, o som) que circulam socialmente e comportam a vida cotidiana, religiosa, midiática, escolar/acadêmica dos sujeitos inscritos no século XXI (Cope; Kalantzis, 2000; Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020; Monte Mor, 2017; Rojo, 2012). Trata-se de “[...] atividades cotidianas digitalmente transformadas [...]” (Barton; Lee, 2015, p. 12), que são mediadas por textos multissemióticos e “[...] integram práticas online e offline [...]” (Barton; Lee, 2015, p. 14, grifos dos autores) que são marcadas por estes sujeitos nas mais variadas esferas sociais, para este estudo, como práticas de leitura e escrita no Novo Ensino Médio.
O presente artigo é constituído pela introdução que contextualiza essa nova configuração curricular do Ensino Médio, apresentando o aporte teórico-metodológico, baseado em uma abordagem qualitativa de cunho etnográfico em que esta pesquisa está alicerçada. Na segunda parte, discorremos sobre o currículo no Novo Ensino Médio na rede pública estadual catarinense. Adiante, na terceira seção, apresentamos os percursos metodológicos desta investigação. Na quarta, refletimos sobre o que discursivizam os aprendizes inscritos no Novo Ensino Médio sobre as práticas de leitura e escrita que realizam na esfera escolar e em outras esferas sociais da atividade humana. Por fim, seguem as considerações finais e as referências.
2 CURRÍCULO BASE DO TERRITÓRIO CATARINENSE
O CBTC (Santa Catarina, 2019; 2021a; 2021b; 2021c; 2021d) é resultado de um constructo coletivo e democrático entre especialistas, consultores e professores da Educação Básica, Educação Profissional e Tecnológica e Educação Superior de diferentes campos do saber, alicerçado nas DCNEM (Brasil, 2018a), na BNCC (Brasil, 2018b) e, em uma perspectiva Histórico-Cultural, cunhada pela PCSC (Santa Catarina, 1991; 1998; 2005; 2014), que orienta teórica e metodologicamente as práticas pedagógicas na rede pública catarinense há mais de três décadas.
No estado de Santa Catarina, os passos iniciais para o processo de implementação do Novo Ensino Médio, nomenclatura esta adotada pela rede pública catarinense, ocorreu em 2018, a partir da participação de “[...] 120 escolas-piloto em conformidade com o estabelecido na Portaria MEC nº 649/2018, que instituiu o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio [...]” (Santa Catarina, 2021d, p. 12). Em 2019, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina realizou encontros de formação para a produção escrita do CBTC (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d), trabalho coletivo este que foi suspenso em decorrência da pandemia da Covid-19 e da necessidade do afastamento social, em 2020 e, seguindo as regras sanitárias à época, retomado naquele mesmo ano por meio de encontros virtuais.
Os cadernos curriculares, nominados como “documentos orientadores” (Santa Catarina, 2021a) para o Novo Ensino Médio, foram distribuídos em um primeiro momento, em quatro volumes (impressos e digitalizados)8, produzidos por “[...] professores(as) e coordenadores(as) das 120 escolas-piloto do Novo Ensino Médio, profissionais das Coordenadorias Regionais de Educação [...]” contando ainda com o “apoio de técnicos(as) do Órgão Central da SED, profissionais da equipe ProBNCC (Programa de Apoio à Implementação da BNCC)” e especialistas do Instituto Iungo (Santa Catarina, 2021d, p. 13), a saber: Caderno I - “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 1 - Disposições Gerais”, constituído por textos introdutórios e gerais do Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense (Santa Catarina, 2021a); Caderno 2 - “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 2 - Formação Geral Básica”, que discorre sobre a Formação Geral Básica e por Área do Conhecimento do Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense (Santa Catarina, 2021b); Caderno 3 - “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 3 - Portfólio de Trilhas de Aprofundamento”, trata-se da parte Flexível do Currículo, em que é apresentado o Portfólio de Trilhas de Aprofundamento que fazem parte dos Itinerários Formativos no Território Catarinense, sendo 25 Trilhas de Aprofundamento ofertadas a partir do segundo ano do Novo Ensino Médio, conforme a matriz adotada pela instituição (Santa Catarina, 2021c); Caderno 4 “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 4 - Componentes Curriculares Eletivos: Novo Ensino Médio Construindo e Ampliando Saberes”, que também se inscreve na parte Flexível do Currículo e discorre sobre 25 Componentes Curriculares Eletivos em seu Portfólio, estes ofertados a partir do primeiro ano do Novo Ensino Médio, em acordo com a matriz curricular da escola (Santa Catarina, 2021d).
Os quatro volumes dos Cadernos do CBTC (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d) que, inicialmente, foram publicados no site da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina9 e, posteriormente, divulgados no suporte impresso, foram distribuídos nas Coordenadorias Regionais de Educação, nas escolas da rede pública de Santa Catarina que ofertam o Ensino Médio (referindo-se à matriz anterior) ou Novo Ensino Médio e para os especialistas, autores colaboradores deste currículo.
Em 2022, foram lançados outros dois volumes: Caderno 5 - “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 5 - Trilhas de Aprofundamento da Educação Profissional e Tecnológica”, direcionado para professores que atuam na Educação Profissional e Tecnológica, pontualmente no que tange aos Centros de Educação Profissional (Cedup) pertencentes à rede pública estadual catarinense (Santa Catarina, 2022a); Caderno 6 - “Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense: Caderno 6 - Trilhas de Aprofundamento Formação Docente - Curso Normal em Nível Médio - Magistério”, voltado para as escolas que têm ofertado esse curso integrado ao Ensino Médio (Santa Catarina, 2022b).
Além disso, com a implementação do Novo Ensino Médio em toda rede pública catarinense em 2022, houve a necessidade de melhor orientar os professores que atuam diretamente com o componente curricular Projeto de Vida a partir do Caderno intitulado “Roteiros Pedagógicos do componente Projeto de Vida”, objetivando nortear a prática pedagógica desses profissionais a partir das três dimensões a serem desenvolvidas no projeto de vida dos aprendizes (pessoal, social, profissional) (Santa Catarina, 2022c).
No concernente aos modelos de matrizes curriculares ofertados pelas escolas no Novo Ensino Médio, a “Matriz Estendida A”, compreendida também como Integral, vislumbrando à Educação Integral, tem sido uma das mais adotadas pela rede pública estadual de Santa Catarina, segundo apontaram os estudos de Pottmeier e Fischer (no prelo). A referida matriz é composta por 31 horas/aula semanais, sendo ofertada em quatro dias com seis aulas cada e um dia com sete aulas, sendo 25 da Formação Geral Básica e seis aulas dos Itinerários Formativos, quais sejam: Projeto de Vida, Língua Estrangeira e Componentes Curriculares Eletivos a partir do primeiro ano e, Trilhas de Aprofundamento, a partir do segundo ano. Destacamos que no segundo ano do Novo Ensino Médio há uma redução da carga horária para a Formação Geral Básica que passa a ser de 15 aulas por semana, e há um aumento na carga horária dos Itinerários Formativos, com as dez aulas acrescidas às Trilhas de Aprofundamento.
Em relação à Educação Integral, a partir do que é desenhado e anunciado na Matriz curricular aqui apresentada no contexto desta pesquisa, dialogamos com um estudo documental realizado por Amorim e Ferri (2021) sobre o que preconizam as leis em vigor e as propostas de reorganização curricular do Novo Ensino Médio, envolvendo três países da América do Sul (Brasil, Chile e Argentina) sobre a concepção de Educação Integral. As autoras revelam que tal conceito “[...] tem sido utilizado como alternativa à fragmentação da escola pública nos discursos de implantação das políticas públicas neoliberais” (Amorim; Ferri, 2021, p. 750). Além disso, as autoras evidenciaram que os documentos curriculares destes três países, previam “[...] o aumento da jornada escolar, relacionando assim o termo integral à ampliação do tempo desta jornada. Para além deste uso do termo, os aspectos relacionados a ele revelam também a preocupação com a definição de formação humana destes documentos.” (Amorim; Ferri, 2021, p. 750). Ou seja, não está claro em tais documentos o que é formação humana integral no Novo Ensino Médio.
Ao trazermos esta apresentação sobre o currículo no território catarinense, tensionamos, uma vez mais, questionamentos que são constitutivos também de/em nossa formação inicial, continuada, de nossa prática pedagógica como professoras da Educação Básica, do Novo Ensino Médio, como formadoras destes e de futuros profissionais da Educação e como pesquisadoras nas áreas das Ciências da Educação e das Ciências da Linguagem: Currículo de quê? Currículo para quê? Currículo para quem?
São questões que reverberam em nossas vozes no dia a dia em que realizamos nossas leituras e discussões relacionadas ao currículo e o que isso implica na vida dos aprendizes que frequentam o atual Ensino Médio e de professores mais experientes e, os que iniciam agora diante deste novo/outro cenário educacional que ainda vivencia a pandemia da Covid-19, que ainda se depara com enfrentamentos e desafios nos e com os processos de ensino e aprendizagem.
De acordo com Ferri (2022), neste contexto da produção dos documentos curriculares, considerou-se a meta 3 do Plano Nacional de Educação (2014-2024) (Brasil, 2014) e do Plano Estadual de Educação (2015-2024) (Brasil, 2015) quanto ao acesso e aos direitos e objetivos de aprendizagem do público-alvo do Ensino Médio, adolescentes entre 15 e 17 anos, em que apesar de alcançada, apenas 79,4% está matriculada nesta etapa de ensino. Segundo a autora:
Em relação à estratégia 3.2, que trata da implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino médio, as informações disponíveis na página da SED-SC dão conta do processo de elaboração do Currículo do Território Catarinense para o Ensino Médio, cujo documento foi entregue para análise e homologação do Conselho Estadual de Educação (CEE-SC), em dezembro de 2020 (Ferri, 2022, p. 636).
Baseados em Ball (1994; 2001; 2004; 2005; 2008; 2014) e Silva (2006; 2010) que há muito tempo problematizam e escrevem sobre as políticas e teorias do currículo (tradicionais, críticas e pós-críticas), há uma preocupação por parte destes autores e, que, com eles concordamos no tocante aos contextos (de produção, de influência, de prática) e à identidade que constitui o currículo, no que se refere também à identidade daquele ou daqueles que farão parte da implementação do currículo, como o experienciado por nós com o currículo do Novo Ensino Médio (2020-2023).
Nessa perspectiva, defendemos que uma ação é lançar o olhar sobre e para o contexto de produção dos documentos curriculares, outra é pensar sobre e com o cotidiano de aprendizes e de professores do Novo Ensino Médio. A partir deste tensionamento, precisamos considerar as diferenças entre professores mais experientes e os novatos e de como tem sido traduzido e compreendido este currículo no contexto da Educação Básica e da formação de professores. Professores mais experientes têm se deparado com novos/outros instrumentos tecnológicos direcionados para o suporte digital, assim como tem ocorrido também com professores mais jovens. Muitos ainda têm encontrado desafios e tensões para essa mudança na prática pedagógica.
Professores recém-formados têm chegado às escolas com outra bagagem metodológica já ancorada em tais processos de uso da leitura e da escrita digitais, mas que também não podemos garantir que esteja se efetivando na prática pedagógica e em acordo com o que discorre a BNCC (Brasil, 2018b) e o (CBTC) (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d) pela, ainda, falta de experiência na docência, no contexto da sala de aula da Educação Básica. E, destacamos que, apesar de um currículo que ouviu muitos destes professores, as realidades encontradas por estes, em muitos casos, não condizem com o currículo no que tange à sua aplicabilidade. Esses casos envolvem a desigualdade social, digital, econômica, cultural, linguística etc.
Por um lado, ao compreendemos o currículo como um ato político, este marca e exige uma posição daqueles que constroem/elaboram o documento a partir das escolhas que são feitas, como sinalizado no CBTC (Santa Catarina, 2019, p. 12) pelo grupo que o produziu ao assumi-lo “[...] no princípio da educação integral, por entender, que por meio dela, prover-se-á uma formação que visa a cidadania, a emancipação e a liberdade [...]”. Tais escolhas teórico-metodológicas implicam pensar no sujeito-estudante como social, histórico e ideológico (Bakhtin, 2011[1979]). Um aprendiz que está sempre em desenvolvimento no/pelo percurso formativo “[...] ao longo de sua vida escolar, tanto quanto ao longo de sua vida [...]” e que “[...] significa considerar a singularidade dos tempos e modos de aprender dos diferentes sujeitos [...]” (Santa Catarina, 2019, p. 13) e a diversidade como princípio formativo.
De outro lado, segundo nos ressalta Silva (2010, p. 15), “O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”. Escolhas essas que são partes constitutivas do CBTC (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d; 2022a; 2022b; 2022c).
Depreendemos que há primeiro uma construção coletiva quando os especialistas e professores são convocados a participar deste processo de produção do currículo catarinense em que também são convidadas instituições e organizações do terceiro setor. Em um segundo momento ocorre a materialização do plano teórico e das intencionalidades pedagógicas e políticas presentes nesse currículo. Por fim, ocorre a publicização dos seis volumes do CBTC (Santa Catarina, 2021a; 2021b; 2021c; 2021d; 2022a; 2022b; 2022c) por parte da Secretaria de Estado de Educação de Santa Catarina para toda a rede pública de ensino. Entretanto, não podemos perder de vista o que considera Ferri (2022, p. 643), quanto à
[...] centralidade que a BNCC assumiu na rede de políticas públicas, formada com institutos e organizações do terceiro setor, que tem atuado em várias frentes das políticas curriculares no Estado de Santa Catarina e, igualmente, em todo o país. Esta rede é caracterizada, principalmente, pela interação entre os setores públicos e privados, que têm atuado fortemente na implementação das novas organizações curriculares.
Corroboramos com a reflexão de Ferri (2022), Aguiar e Dourado (2018), os quais apontam que a BNCC (Brasil, 2018) caminhou na contramão do Plano Nacional de Educação (2014-2024) (Brasil, 2014), quando elencou dez competências gerais a serem desenvolvidas nos processos de ensino e aprendizagem, buscando “formar” um sujeito para o mercado de trabalho a partir de uma perspectiva neoliberal, portanto, um estudante visto como “mercadoria”. Essa reflexão se evidencia no plano prático a partir das formações continuadas para professores e da divulgação de materiais didáticos que instigam a formação de um futuro trabalhador empreendedor, engajado, proativo, o que em muitos contextos não se efetiva pela desigualdade social, cultural, econômica, por exemplo. Trata-se de um plano prático em que o currículo é aplicado, em que se realiza uma tradução, conforme discute Ball (1994) sob a perspectiva de três arenas: i) o contexto de produção dos documentos norteadores (textos/discursos políticos hegemônicos)10; ii) o contexto de influência (discursos que circulam globalmente a partir de grupos de interesse como organismos e agências internacionais e nas mídias) e quanto à sua aplicabilidade; iii) o contexto de prática (conflitos e tensionamentos do que é interpretado e traduzido dos documentos hegemônicos quando vivenciados na prática).
Essas três arenas implicam pensar, segundo aponta Ball (2001, p. 103), para “[...] um conjunto de tecnologias de políticas que “produzem” ou promovem novos valores, novas relações e novas subjetividades nas arenas da prática [...]” e moldam os atores sociais que nela se inscrevem a “[...] novas práticas de trabalho e novas subjetividades de trabalhadores [...]”. Concordando com o autor, trata-se de “formar” um sujeito que se molda na atualidade, pelas tecnologias digitais pelo impacto causado pela pandemia da Covid-19 na consolidação de tais tecnologias diante de uma crise estrutural do capitalismo (iniciada na década de 1970) e que tem influenciado diretamente nos modos operandi do capital e do trabalho (atividade humana) (Antunes; 2020; 2022).
É esse sistema capitalista que embasa os documentos curriculares nacionais e estaduais que vêm formando e exigindo um trabalhador ou servidor digital (Antunes, 2022) que é produto da uberização, do trabalho digital e da Indústria 4.0. São novas subjetividades de trabalhadores vistos como sujeitos coisificados constituídos pela “[...] individualização, a invisibilização e a eliminação completa dos direitos do trabalho [...]” (Antunes, 2022, p. 27, grifos do autor), diante de um contexto digital e de um currículo que ao buscar “flexibilizar” a atividade humana, o trabalho, desestabiliza, desorganiza e fragmenta tanto o trabalho quanto o trabalhador. Nesse sentido, é o capital que determina e molda as subjetividades constitutivas do indivíduo (do estudante e do professor) e das ideologias hegemônicas que “educam”, “treinam”, “ditam as regras”, a “falsa sensação de bem-estar”, de “incompetência”, de “fracasso”.
Neste sentido, o lançamento de um olhar para o contexto em que se insere cada estudante que chega na esfera escolar, assim, como entender a sua subjetividade constitutiva, seu lugar de fala, de enunciação. Isto, pois em tempos pandêmicos se pode evidenciar, a partir do que vivenciamos em meados de março de 2020 com a disseminação rápida do novo coronavírus e com a necessidade de se manter o distanciamento e o isolamento social que, muitos estudantes e suas famílias e os próprios professores acabaram sentindo reflexos mais acentuados em relação aos processos de ensino e aprendizagem exigidos pelo ensino remoto.
Apesar dos dados apresentados pela Agência Brasil, conforme aponta Nitahara (2021, s./p., acréscimo nosso) demonstrarem o aumento do uso de tecnologias digitais no território brasileiro durante a pandemia de Covid-19, “[...] passando de 71% dos domicílios com acesso à internet em 2019 para 83% no ano passado [2020], o que corresponde a 61,8 milhões de domicílios com algum tipo de conexão à rede [...]”, e o acréscimo do “O uso de plataformas para atividades de ensino e aprendizagem nas escolas urbanas subiu de 22% em 2016 para 66% em 2020 e 82% das escolas brasileiras possuem acesso à internet, sendo de 98% nas áreas urbanas e de 52% nas rurais [...]” (Nitahara, 2021, s./p.), dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad TIC), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, apontaram que 21,7% da população com idade acima de dez anos ainda não tinha acesso à internet.
Dentre os motivos do não acesso no pré-pandemia (2019) estão a ausência de conexão, “[...] 4,3 milhões não acessavam a internet, quase todos eles da rede pública (95 9%, ou 4,1 milhões). Na rede de ensino privada, 174 mil estudantes com ao menos 10 anos de idade estavam desconectados no pré-pandemia [...]” (Exame, 2021, s./p.). Além disso, “A posse de aparelho celular era ainda menos comum, 9,7 milhões de estudantes não tinham o aparelho, sendo 8,8 milhões deles (91 7%) frequentadores da rede pública de ensino [...]” (EXAME, 2021, s./p.). Tais dados demonstram, já passados três anos do início da pandemia da Covid-19, que ainda há desafios a serem superados em relação à qualidade do acesso da internet e do desenvolvimento de práticas de letramentos digitais de seus usuários (estudantes e professores), conforme sinalizaram os dados de nossa pesquisa, que serão apresentados na seção de análises deste artigo.
Isto requereu uma tentativa de aproximação, dentro daquilo que era possível ser posto em prática por parte da escola a partir do trabalho realizado por gestores, supervisores, coordenadores, professores com os estudantes e com as famílias desses estudantes. Por exemplo, organizar e encaminhar conteúdo e atividades pedagógicas no suporte impresso para estes aprendizes, o que vai ao encontro dos estudos empreendidos por Assis, Komesu e Fluckiger (2021) ao se pensar nos efeitos da Covid-19 em práticas de letramento acadêmico e por Grimes, Fischer e Fermino (2020) acerca das perspectivas letradas em tempos de distanciamento social na voz de estudantes inseridos em um Projeto de Letramento de uma escola estadual de Santa Catarina. Neste sentido, refletimos sobre o que já se vem discutindo há décadas, quanto ao acesso, à permanência e às aprendizagens de estudantes advindos de contextos sociais, culturais, econômicos, linguísticos e digitais muito heterogêneos. No cenário da pandemia da Covid-19, tensionamos: Educação para quem? Qual currículo? Para quem?
Trata-se de uma educação, que apesar das discussões e dos investimentos em políticas afirmativas e de inclusão nas duas últimas décadas, as quais foram e são importantes para as transformações do currículo e dos sujeitos, ainda há sujeitos que vivem à margem da sociedade que desconhecem ou pouco sabem o que é pobreza, desigualdade social. Então, “O que esperar do Novo Ensino Médio?” como problematizam Corrêa, Ferri e Garcia (2022, p. 15). Segundo as autoras,
Se as políticas curriculares implementadas nos sistemas educacionais dependem de ajustes para integrar o currículo ao planejamento e à prática docente, diante do movimento articulado pelos documentos que compõem a reforma do ensino médio poderia prevalecer uma fragilização do currículo e da formação dos/das jovens, uma vez que a proposta é que os conteúdos estejam subordinados ao desenvolvimento das competências (Corrêa; Ferri; Garcia, 2022, p. 17-18).
Compreendemos, a partir do que discutem Corrêa, Ferri e Garcia (2022) que há ainda uma educação e um currículo arraigados, marcados, constituídos social e culturalmente pela desigualdade de oportunidades, pela falta de compreensão de diferentes modos e ritmos de aprendizagens, direcionado para o desenvolvimento das competências e de um sujeito formado para o “mercado de trabalho”. Apesar das discussões coletivas, como é o caso do currículo catarinense, que tem sinalizado um olhar que tem se voltado para a inclusão de todos, para a aprendizagem de todos e, que observamos esforços e tentativas de mudança social voltados para a dignidade humana, ainda há muito a ser avançado, discutido, superado no cenário educacional brasileiro e catarinense. Um currículo que, nas palavras de Silva (2006, p. 64, grifo do autor), “[...] tal como a linguagem, não é um meio transparente, que se limita a servir de passagem para um “real” que o conhecimento se torna presente [...]”, uma representação e, portanto, uma transcrição de como ele é aplicado, sentido e vivenciado na prática por gestores, coordenadores, professores, estudantes e famílias dos estudantes. De acordo com o autor,
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (Silva, 2010, p. 150, grifos do autor).
Assim, entendemos que é nesse espaço de disputas, de tensionamentos, de problematizações, a qual comporta uma arena de vozes (Bakhtin, 2011[1979]) que também nos identifica e identifica ao outro e o próprio currículo e, na e pela escola, nas e pelas relações humanas e dialógicas, como aquele, apesar das lacunas e dos desafios, ainda é capaz de mudar as distintas realidades destes aprendizes. Para muitos/as estudantes, talvez seja a única possibilidade para isto, agora com seu ingresso no Novo Ensino Médio.
3 METODOLOGIA
A metodologia a qual se inscreve esta investigação é a de abordagem qualitativa baseada na etnografia linguística fundada por Lillis (2008). Para a autora, os estudos sobre e com a linguagem, consideram a linguagem e a cultura sendo analisadas conjuntamente e, que, vai exigir do pesquisador, analisar a linguagem em um dado tempo espaço. Lillis (2008) destaca que não é possível realizar esta análise, afastando-se de conhecimentos sobre o contexto, ou seja, sobre aquilo que os sujeitos fazem/realizam sobre e com a escrita e a leitura, pois isto não nos permitiria compreender sobre práticas de letramentos que são legitimadas/validadas/aceitas ou não em determinados contextos em que são produzidos na/pela e com a interação com o outro.
Neste sentido, ao buscarmos considerar o discurso do currículo da rede pública catarinense e os discursos dos estudantes a partir de uma perspectiva dialógica e de estudos do letramentos, o fizemos utilizando os seguintes procedimentos para a obtenção dos dados a serem analisandos, quais sejam: i) mediante prévia autorização da gestão da escola campo desta pesquisa e apresentação da aprovação do número no comitê de ética para a realização desta pesquisa na rede pública catarinense11, foi feito um convite presencialmente (face a face) durante às aulas de Língua Portuguesa aos/às estudantes matriculados no primeiro ano do Novo Ensino Médio, em 2022, que teriam interesse e disponibilidade para participar da pesquisa no horário do contraturno, logo após seu horário de aula na instituição campo desta pesquisa, ii) uma das pesquisadoras deste estudo realizou dois encontros dialogados com seis estudantes matriculados/as no primeiro ano do Novo Ensino Médio em 2022.
Os dois encontros foram realizados no primeiro e segundo semestres de 2022. O primeiro realizado em 06 de julho de 2022 e, o segundo, em 10 de agosto de 2022. Ambos ocorreram após o horário de aula dos estudantes, em uma sala de aula, nas dependências da instituição, a qual pertence à rede pública de Santa Catarina, localizada em uma região periférica de um município do Vale do Itajaí/SC. Estes encontros foram gravados utilizando-se um aparelho celular e as transcrições do conteúdo foram realizadas a posteriori. O primeiro encontro teve duração de 30 minutos e o segundo teve duração de 60 minutos. Os dois encontros foram orientados pelo texto (Lillis, 2008), por meio de quinze questões norteadoras que trataram sobre as práticas de leitura e de escrita na escola e em outras esferas sociais da atividade humana.
Participaram seis estudantes, sendo dois do sexo masculino e quatro do sexo feminino, com idades entre 15 e 16 anos que frequentavam o primeiro ano do Novo Ensino Médio em 2022, os quais são identificados neste artigo como Estudante 1, Estudante 2, Estudante 3, Estudante 4, Estudante 5, Estudante 6. A escolha desses participantes deu-se a partir do convite feito para os estudantes que frequentam o primeiro ano do Novo Ensino Médio, sendo estes seis os interessados em participar da pesquisa, o qual lhes foi solicitada a autorização por meio do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e, respectivamente de seus responsáveis que também assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme aprovado pelo Comitê de Ética da instituição onde esta pesquisa se vincula12.
A análise e discussão dos dados sobre as práticas de leitura e de escrita dos estudantes do primeiro ano do Novo Ensino Médio foram guiadas pelas aproximações teórico-metodológicas enunciativo-discursivas e dos estudos dos letramentos, conforme seguem na próxima seção.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados a partir do que enunciaram os seis adolescentes que frequentavam o primeiro do Novo Ensino Médio em 2022, fundamentam-se a partir de perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem (Bakhtin, 2011[1979]; Geraldi, 2013[1991]; 2015), em que se considera o lugar e o tempo em que este sujeito enuncia, sobre o que e a quem ele dirige seu discurso no tocante às práticas de letramentos. Além disso, nos ajudam a compreender, na análise dos dados, o que discursivizam estes estudantes, os estudos de letramentos (Barton; Hamilton, 1998; Barton; Lee, 2015; Bartlett, 2014; Bloommaert; Smits; Yacoubi, 2018; Cope; Kalantzis, 2000; Corrêa, 2022; Fischer, 2007; Gee, 1996; 1999; Gourlay; Hamilton; Lea, 2014; Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020; Monte Mor, 2017; Rojo, 2012; Street, 1984; 1993; 2003; 2006; 2014), perspectiva esta que coaduna com a dialogia proposta por Bakhtin e seu Círculo, quando vislumbramos um sujeito constitutivo social, histórica e ideologicamente na, pela e com a linguagem e, que, portanto, é heterogêneo (Bakhtin, 2011[1979].
Deste modo, depreendemos a partir do que sinalizam os participantes desta pesquisa que apesar deste contexto de vivência da pandemia da Covid-19 e do uso constante das tecnologias digitais na vida cotidiana, dos estudos, do trabalho das pessoas, há obstáculos que precisam ser refletidos para serem superados, a exemplo do acesso à internet de qualidade e o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita de professores e de estudantes. Sobre isto, vejamos este excerto do primeiro encontro dialogado realizado no dia 06 de julho de 2022 com os seis estudantes matriculados no primeiro ano do Novo Ensino Médio, quando questionados se realizavam leituras em plataformas digitais e/ou utilizavam recursos digitais na escola e em que momentos faziam isso.
Estudante 6: Na escola também. Quando um professor que tá passando matéria ou quando eles permitem [professores] a gente usar o celular na sala de aula...
[...]
Estudante 3: Geralmente, eles [os professores] deixam lendo... não no celular.
Estudante 2: Isso aí, deixam lendo. Não deixam muito no celular.
[...]
Pesquisadora: Então, estas leituras realizadas na escola se referem ao suporte físico?
[...]
Estudante 2: É principalmente, porque a maioria dos professores não deixa mexer no celular.
Estudante 1: A questão do digital na escola é difícil.
[...]
Estudante 6: Eu digo também que a escola é bem desatualizada querendo ou não, porque o mundo inteiro está sendo modernizado, tem um monte de aparelhos eletrônicos e a escola está cada vez ficando mais pra trás nisso. Não deixar a gente usar o celular sendo que a gente já convive já diariamente, porque não entrar em contato [com o celular] dentro da sala de aula também?
Estudante 2: Podia usar como uma ferramenta pra melhorar o ensino ainda.
[...]
Estudante 4: É, porque a escola ganhou uns tablets, computadores, quadro digital, mas ainda falta recurso como uma internet melhor, porque não adianta de nada a gente tem tablet, mas não tem internet.
Estudante 3: A gente vai lá em cima [na sala de informática] mexer, nem no computador, não funciona nada [por causa da internet].
Pesquisadora: Lá na sala de informática, né?
Estudante 4: É, porque não tem internet.
[...]
Pesquisadora: E em outras situações, vocês utilizam os recursos digitais?
Estudante 2: E agora, que nem agora na Educação Tecnológica ou a gente usa os computadores lá em cima [no laboratório de informática] ou, às vezes, é mais fácil acessar pelo celular pra editar alguma coisa pequena mesmo.
Estudante 6: É que normalmente não tem internet, não funciona e daí a gente usa o celular.
Pesquisadora: O problema aí é a internet?
[...]
Estudante 6: E, acessibilidade, porque como tem uns computadores que não têm os planos do powerpoint, excel e o word, o plano office ali.
Estudante 3: Tem uns [computadores] que também nem ligam.
[...]
Pesquisadora: E, na escola, quando vocês precisam fazer algum trabalho ou alguma atividade de qualquer área do conhecimento, vocês utilizam tecnologias, esses recursos digitais ou chegaram a utilizar?
Estudante 6: Depende o professor.
Estuante 2: O Google Tradutor (risos).
Estudante 6: Depende do professor. Inglês e Espanhol.
Estudante 2: Em Espanhol a professora não deixa usar o celular.
[...]
Pesquisadora: Tem que ser o impresso?
Estudante 4: Se ela ver uma pontinha do celular...
Estudante 2: Se ela vê tu com celular assim no bolso, ela já vai lá e recolhe.
Pesquisadora: Então, como dicionário, vocês não utilizam recurso tecnológico?
Estudante 4: Ela não deixa.
Estudante 2: Não. No começo do ano ela disse que a gente ia poder usar até agora cada vez que ela entra na sala se ela ver um celular, ela vai tirar.
Estudante 3: Até em cima da mesa [o celular] virado assim... ela passa e pega.
Apesar de haver recursos que chegaram nas escolas da rede estadual, pontualmente, àquelas que passaram a ofertar o Novo Ensino Médio em 2022, os estudantes sinalizaram que não tinham acesso à internet ou a uma internet com boa qualidade. Fato este vivenciado também no início do ano letivo de 2023 por mais de 30 mil escolas públicas que ainda estavam sem acesso à internet, conforme apontado por Amorim (2023, s./p.). Segundo afirmou a repórter da CNN Brasil:
[...] dados do Mapa da Conectividade na Educação, produzido pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, mostram que 30.024 escolas municipais e estaduais - de um total de 138.803 no país - não estão conectadas à rede mundial de computadores.
Além disso, segundo informações divulgadas pela Tic Educação 2021, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), durante a pandemia da Covid-19, “[...] 91% dos mais de 1.800 professores consultados em todo o país, apontaram a falta de dispositivos e acesso à internet nos domicílios dos alunos como uma das principais dificuldades enfrentadas durante [...]” este período, assim como a qualidade da conexão da internet acabou dificultando o trabalho pedagógico, conforme afirmaram 72% dos profissionais que atuaram na Educação à época (Amorim, 2023, s./p.). Registros estes que impactaram e impactam diretamente nos processos de ensino e aprendizagem de crianças que frequentavam o segundo ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental e que apresentaram dificuldades nas práticas de leitura e escrita, que “[...] passou de 15,5%, em 2019, para 33,8% em 2021 [...]”, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (Amorim, 2023, s./p.). Tais aspectos acerca da falta de acesso à internet e à utilização de instrumentos digitais, acabaram reforçando a desigualdade social e digital ainda vivenciada em 2023.
Nessa direção, os estudantes participantes deste estudo, se queixaram de que os computadores instalados na sala de informática não funcionavam ou não possuíam aplicativos do pacote Office da Microsoft como editor de texto, planilhas e slides. Reforçaram ainda que a utilização do suporte digital para práticas de leitura e de escrita de textos se configura como sendo uma proposta difícil, e em nossa compreensão, é uma realização complexa, vistas as frágeis condições reais de trabalho no contexto investigado. Isto se manifesta, ainda, de um lado, pois há instrumentos para a realização de uma prática pedagógica envolvendo tecnologias digitais na utilização do Google Tradutor nas aulas de línguas, e, de outro lado, por haver impedimentos na práxis pedagógica também no que se referiram os estudantes quanto à proibição do aparelho celular durante algumas aulas para fins pedagógicos. Esses dados sinalizam a reprodução de discursos oficiais antes da pandemia da Covid-19 e continuam reverberando em 2022, não considerando os novos documentos curriculares do Novo Ensino Médio citados neste artigo.
Essa reprodução de discursos decorre, em parte, pela resistência da utilização destes artefatos culturais (Heath, 1982) digitais nos processos de ensino e aprendizagem por parte de alguns professores e também pela legislação vigente quanto ao uso do celular, tanto do professor quanto do estudante, conforme rege a Lei n. 14.363/2008 (Santa Catarina, 2008, s./p.) que proíbe o uso do celular na sala de aula, conforme descrito no Art. 1º “Fica proibido o uso de telefone celular nas salas de aula das escolas públicas e privadas no Estado de Santa Catarina”.
Segundo tensiona Moran (2013) sobre esse enfoque dos artefatos digitais, há entraves quanto a romper com as amarras do ensino que ainda direciona suas práticas para um único lugar, aquele que legitima uma prática pedagógica tradicional, centrada no conhecimento validado pelo professor. De acordo com o autor, “As tecnologias digitais móveis desafiam as instituições a sair do ensino tradicional, em que o professor é centro, para uma aprendizagem mais participativa e integrada [...], mantendo vínculos pessoais e afetivos [...]” (Moran, 2013, p. 30). Tais instrumentos digitais promovem maior autonomia e engajamento do estudante com seus pares mediados pelo professor. O que corrobora para práticas digitais de leitura e escrita que são constitutivas dos estudantes e, também, dos professores no século XXI, na Era das TDIC, o que permite lançar um olhar para diferentes espaços de aprendizagem (familiar, religioso, dentre outros) dos quais esses sujeitos utilizam a linguagem para e com a interação com o outro, como também destacam Ribeiro e Vecchio (2020) acerca do uso das tecnologias digitais na escola em tempos de pandemia de Covid-19.
As práticas de letramento digitais que fazem parte do cotidiano destes estudantes e são veiculadas na esfera escolar no tocante à utilização do celular como recurso tecnológico para interagirem, para realizarem atividades de cunho pedagógico, assumem um carácter fundamental em suas vidas, porque apontam para a subjetividades constitutivas destes adolescentes, de como eles aprendem e apreendem o conhecimento nesta esfera social. Nesta direção, Vicentini (2019) defende a possibilidade de uma conexão entre práticas de letramentos realizadas na escola e fora dela, a exemplo de games online, na modalidade multiplayer, os quais podem posicionar estudantes também como jogadores em aulas de línguas.
Práticas sociais de leitura e escrita que direcionam para um querer dizer (Geraldi, 2013[1991]) a partir de diferentes gêneros e suportes discursivos digitais ou ainda de letramentos vernaculares, locais ou autogerados (Barton; Hamilton, 1998) que reverberam a partir das enunciações destes estudantes na esfera escolar e, em que, se poderia a partir deles, desenvolver o repertório linguístico e cultural nas, pelas e com as estratégias de dizer (Geraldi, 2013[1991]). Letramentos estes demonstrados pelos estudantes os quais destoam daqueles oportunizados neste espaço de conhecimento institucionalizado em que circulam os letramentos autônomos (Street, 2003; 2014), os letramentos dominantes (Barton; Hamilton, 1998), que estão mais expostos e influenciam os outros (Barton; Hamilton, 1998) nas e pelas relações de poder daqueles podem dizer, quando dizer e onde dizer. Neste outro recorte, os estudantes relataram a sua experiência com a lousa digital utilizada pela professora do componente curricular Projeto de Vida:
Estudante 6: A gente só usou uma vez.
Pesquisadora: Vocês lembram quando usaram?
Estudante 2: Era no Projeto de Vida.
[...]
Estudante 2: Ela [a professora] dava as opções aí tinhas as soluções, tinha que escolher.
Pesquisadora: Fazer um link entre opções e respostas?
Estudante 2: É. Aí tu ia lá e clicava na resposta certa.
O ensino, a partir do que discursivizam os aprendizes, recai ainda para uma prática pedagógica em que transpõe do impresso para o digital uma atividade de identificação/fixação, que ao invés de escrever a resposta correta no papel, se clica a resposta certa na lousa digital, o que restringe a interação entre professor e estudantes. Compreendemos, a partir disto, que as práticas de letramentos são amplas e abstratas e envolvem um “[...] julgamento das pessoas sobre letramento, construções e discursos do letramento, como falam sobre e como constroem sentidos com e para o letramento. São processos internos, mas determinados por processos sociais, que interligam [...] ideologias e identidades sociais.” (Fischer, 2007, p. 27) e, portanto, são constitutivas da subjetividade do sujeito, tanto do estudante quanto do professor.
Neste sentido, a subjetividade, ou singularidade do sujeito diante dos processos de ensino e aprendizagem, segundo discute Candau (2012, p. 2023), precisa ser “[...] articulada a identidades plurais que enriquem os processos pedagógicos e devem ser reconhecidas e valorizadas [...]” e, não o contrário, quando lhe são atribuídos sentidos negativos, classificatórios e excludentes por tratar-se de “[...] construções históricas e sociais” [...] atravessadas por relações de poder.” (Candau, 2012, p. 239). Contudo, ao passo que há tentativa de influenciar os estudantes, por parte da escola, estes não se sentem parte do processo, não negociam, não constroem sentidos e conhecimentos conjuntamente.
O que discursivizam estes adolescentes, pode ser caracterizado pelo que Bakhtin/Volóchinov (2017[1929]) nominam de forças centrífugas, aquelas “[...] configuradas pela tensão e abertura, revelando, ideologicamente, as relações sociais efetivas, relacionadas à vida [...]” (GEGe, 2009, p. 49). Ou seja, estas forças são perpassadas por signos linguísticos inscritos em uma ideologia materializada no discurso desses estudantes, o de não aceitarem o contexto pedagógico do qual estão inseridos, portanto, o da não conformação, o da não acomodação diante da falta destes recursos tecnológicos e da proibição do uso do celular na sala de aula. Para Bakhtin/Volóchinov (2017[1929], p. 93) “[t]udo que é ideológico possui significação sígnica [...]”, no caso destes estudantes, representa uma ideologia que quer romper o que se tem vivenciado na esfera escolar, quando estes aprendizes clamam por mudanças buscando romper o que é a eles ofertado por parte da instituição de ensino e, o que de fato esta pode lhes ofertar neste momento, diante da mobilização de forças centrífugas (Bakhtin/Volóchinov, 2017[1929]).
Caminhando nesta direção, Moran (2013, p. 31) já dizia que “[...] com as tecnologias atuais, a escola pode transformar-se em um conjunto de espaços ricos de aprendizagens significativas, presenciais e digitais, que motivem os alunos a aprender ativamente [...]”, isto, ainda de acordo com o autor, porque “[... as tecnologias digitais facilitam a pesquisa, a comunicação e a divulgação em rede [...]”. Trata-se de uma proposta anunciada pelo autor há anos, adiantando os novos currículos, contudo, sem considerar, sob um ponto de vista, os desafios para transformação destes espaços de aprendizagem, como a falta de acesso à internet, a infraestrutura elétrica e tecnológica. Sobre isto, a literatura tem mostrado, em certos contextos, uma ressignificação das práticas de letramentos acadêmicos envolvendo tecnologias digitais na Educação Superior por parte de professores (Mendes, 2017) e, de acadêmicos de curso de licenciatura em Letras (Miranda, 2016). Tem apresentado mobilizações no concernente à formação inicial e continuada quanto às práticas de letramentos acadêmicos mediadas por letramentos digitais a partir da criação do Programa de Apoio a Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (Life) financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Gonçalves, 2018). Tem tecido reflexões acerca das práticas de letramentos e gamificação no contexto da educação formal e não formal, envolvendo estudantes de escola pública com nível intermediário de inglês que participavam de um clube de inglês (Vicentini, 2019). Entretanto, no contexto investigado, de onde emergem os dados em análise no presente artigo, está longe de as TDIC fazerem sentido à escola.
Depreendemos ainda, neste outro trecho do diálogo, que para além da falta de acesso à internet, alguns estudantes sinalizaram que não conseguem mais ter acesso à conta institucional utilizada no ensino remoto durante a pandemia da Covid-19 e, que muitos professores, buscam por utilizá-la, no ensino presencial, como um recurso de aprendizagem em sua prática pedagógica, conforme afirma a Estudante 6:
O professor de Física tentou fazer uma prova com a gente pelo estudante online ali, né? Ali pelo classroom, só que muita gente não tinha acesso. Ele manda conteúdo. Ele e o professor de Filosofia, mas agora com o professor de Filosofia a gente criou um grupo no whatsapp com todos os integrantes da sala e ele manda alguns assuntos, vídeos, coisas sobre o ENEM etc.
A partir do que aponta a Estudante 6, os próprios professores têm desafios quanto ao uso das tecnologias digitais quando se trata do envio de material do seu componente curricular ou atividades pedagógicas por meio do e-mail institucional do aluno, o qual está cadastrado em uma conta do Gmail, para fins de uso da ferramenta Google Classroom ou Google Sala de Aula, sala esta que é criada pelo professor e que os estudantes só podem ter acesso mediante um e-mail institucional ou que tenha uma outra conta no Gmail. Contudo, na rede pública estadual catarinense se tem orientado os professores desde o período de distanciamento e isolamento social a utilizarem seu e-mail institucional, inclusive, professores admitidos em caráter temporário (ACT) devem realizar o cadastro no ato da sua apresentação na unidade escolar em que irão atuar naquele ano letivo. Neste caso, o professor de Filosofia vai buscar outras alternativas para compartilhar os conteúdos e atividades deste componente curricular a partir de um aplicativo que é de uso comum dos estudantes, conforme apontaram os adolescentes, como é o caso do WhatsApp que tem funcionado nessas aulas. Aqui, também é preciso problematizar as condições de produção de trabalho deste profissional que atua com estudantes do Novo Ensino Médio. Por tratar-se de um tema recente no campo da Educação ainda há poucas pesquisas que têm discutido sobre a formação inicial e continuada de professores que atuam no Novo Ensino Médio ou Reforma do Ensino Médio.
Entretanto, o que podemos depreender a partir dos discursos dos estudantes dos ditos e não ditos e da vivência como professoras e pesquisadoras da Educação Básica, que há uma sobrecarga de trabalho para esses profissionais decorrente dos componentes curriculares da formação geral básica e dos itinerários formativos (projeto de vida, segunda língua estrangeira, componentes curriculares eletivos, trilhas de aprofundamento) seja em relação ao planejamento das aulas, seja em relação à estrutura com a qual este profissional se depara na sala de aula, como aqui foi apontado pelos estudantes. Ainda sobre a estrutura e as tecnologias digitais, em março de 2023, o secretário de Educação de Santa Catarina, professor Dr. Aristides Cimadon, em entrevista a NDMais (2023, s./p.), afirmou:
Nos deparamos com o almoxarifado com uma quantidade imensa de materiais. Infelizmente, constatamos que não podemos instalá-los, pois as escolas não possuem tomadas adequadas e nem outras questões elétricas para instalação. Por isso, temos dificuldade de encaminhar para as escolas.
De acordo os dados levantados pela Secretaria de Educação de Santa Catarina (SED/SC) e repassados ao NDMais (2023, grifos dos autores) na qual a tem como título da reportagem “SC tem R$ 49 milhões em equipamentos parados e 83% das escolas com estrutura elétrica defasada” e, subtítulo “Cerca de 700 escolas não têm tomadas adequadas para instalar lousas digitais e novos computadores”, estes vão ao encontro daquilo que externalizam os estudantes no decorrer do primeiro encontro dialogado e, que reverberam em tais discursos a realidade do que vivenciam na esfera escolar, assim como sinalizam para os muitos desafios enfrentados por seus professores quanto ao uso das tecnologias digitais. Esta consciência por parte da Secretaria de Educação de Santa Catarina (SED/SC), a partir do que enuncia o professor Dr. Aristides Cimadon, que já compôs o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC) por três mandatos, exige ações necessárias e urgentes, as quais foram destacadas pelo secretário na sessão plenária do referido Conselho no dia 28 de fevereiro de 2023.
Nós estamos fazendo um planejamento para os próximos quatro anos da educação catarinense para entregar uma educação com alto valor agregado. Isso inclui o investimento na infraestrutura, no ensino técnico e profissional, e muitas outras coisas que estamos trabalhando. Queremos trabalhar com uma metodologia de escuta da ponta, perceber como eles estão se sentindo, isso é fundamental (Kleinebing, 2023).
Deste modo, entendemos que é preciso também, em estudos futuros e, aqui já sinalizamos para isto, pesquisas que venham a se debruçar sobre o lugar de onde fala e de onde enuncia este professor que atua no Novo Ensino Médio, como este se constituiu até este momento de implementação do Novo Ensino Médio, seja sobre a sua formação inicial, continuada, seja no tocante ao acompanhamento pedagógico que teve ou não teve no decorrer da sua trajetória na Educação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou compreender o que enunciam estudantes inscritos no primeiro ano do Novo Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual de Santa Catarina sobre práticas de leitura e escrita na esfera escolar. Os resultados apontaram que o currículo, construído coletivamente por especialistas e professores, contempla a formação humana e integral, no que tange à teoria, mas na sua aplicabilidade, ainda há lacunas, pontualmente, direcionadas para a formação continuada de professores que atuam no Novo Ensino Médio e a estrutura das escolas, que apesar dos investimentos, ainda requer melhorias e processos de ensino e aprendizagem mais inclusivos.
Inclusão esta que pode ser compreendida a partir do que enunciaram os estudantes matriculados no primeiro do Novo Ensino Médio quanto à dificuldade de acesso à internet, à utilização de instrumentos digitais oferecidos pela escola, como os computadores que não ligavam ou não possuíam aplicativos para o trabalho pedagógico efetivo com estes sujeitos. Assim, evidenciamos a partir dos dizeres dos estudantes que as práticas de letramentos em suportes digitais constitutivas da sua subjetividade, ainda têm sido pouco desenvolvidas na escola, ao contrário do suporte impresso.
Consideramos, que a partir do universo da pesquisa envolvendo estudantes do Novo Ensino Médio da rede pública catarinense, encontramos limitações para as conclusões aqui apresentadas, uma vez que por tratar-se de um estudo de caso com seis aprendizes de uma escola localizada na região do Vale do Itajaí/SC, podemos compreender o lugar de onde falam/enunciam estes sujeitos em um dado tempo e espaço. E, que, deste modo, não podemos generalizar aos demais estudantes das outras escolas pertencentes à rede pública catarinense quanto às suas práticas de leitura e escrita ao utilizarem ou não as tecnologias digitais e em quais esferas sociais da atividade humana fazem isto (em casa, na escola, nas mídias, dentre outras). Ademais, apesar de alguns avanços, compreendemos que há barreiras estruturais e de formação docente quanto ao uso de tecnologias digitais no cotidiano do Novo Ensino Médio, da escola pública catarinense.