1 INTRODUÇÃO

No decurso da história da educação brasileira, considerando o contexto social, econômico, político e cultural, convencionaram-se diretrizes, normativas e outros aprimoramentos que emanam nos encaminhamentos atuais dados à educação no País. Nesse sentido, o modelo contemporâneo de educação deveria ser resultado das pesquisas realizadas nas áreas educacionais, sejam elas de formação docente ou de aprendizagem do alunado. Em alguma medida isso acontece, mas, certamente, podemos melhorar nesse aspecto.

A formação docente encontra embasamento em princípios norteadores que destacam o papel da pesquisa no processo formativo, conforme a Resolução CNE/CP n.º 1, de fevereiro de 2002, que instituiu as diretrizes da formação de professores para a atuação na educação básica¹ e em seu artigo 3.º, inciso III, prevê a pesquisa no processo formativo, pois ensinar requer não apenas a estruturação de conhecimentos, mas também a mobilização destes para a ação e a compreensão da construção desses mesmos conhecimentos. Essa regulamentação segue o “Educar pela pesquisa” defendido por ^{Demo (1997}), e uma de suas características é que ela é especificamente escolar e universitária. Dessa forma, abrange o meio acadêmico e o licenciando pode ser direcionado a ela, por exemplo, por meio do estágio.

O movimento de pesquisa no estágio iniciou-se em meados de 1990, diante de questionamentos a respeito da não dissociação entre teoria e prática, em uma visão mais abrangente que institui o estágio como uma investigação da prática pedagógica. Ao problematizar as situações observadas, elaborando projetos que auxiliam a compreender, desenvolvem-se habilidades de pesquisa e postura de pesquisador no licenciando e este analisa e amplia seu contexto de estágio (^{Pimenta; Lima, 2004}).

Ainda, conforme ^{Pimenta e Lima (2004}), a pesquisa no estágio não consiste em o estagiário dizer o que o professor deve fazer, mas sim que ele deve buscar a relação entre o conhecimento existente perante seus dados novos e assim adotar uma postura investigativa.

Também a Resolução CNE/CP n.º 2, de julho de 2015, que define as Diretrizes para a formação inicial em cursos de licenciatura e para a formação destaca a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, em seu capítulo II, artigo 5.º, inciso II, infere a pesquisa e a extensão como essenciais ao aprimoramento, ao exercício e à prática pedagógica. Outrossim, no capítulo II, artigo 8.º, incisos XI e XII, regulamenta que o egresso da formação inicial deverá realizar e usar instrumentos de pesquisa para construção de conhecimentos pedagógicos e científicos. Todas essas proposições legais respaldam a utilização da pesquisa como princípio formativo, corroborando os aspectos teóricos, e nos apontam que tal princípio como integrante da formação docente está presente há, aproximadamente, duas décadas em nosso país.

Contudo, nessa perspectiva do estágio com pesquisa, a pesquisa pode ser realizada em modalidades diversas, entre as quais destacamos a pesquisa sobre a própria prática e a pesquisa-ação.

^{Ponte (2002}) explica que a pesquisa sobre a própria prática possui dois objetivos distintos: 1. entender a essência dos problemas que afetam a prática; e 2. modificar aspectos da prática. O autor defende a pesquisa sobre a própria prática como fundamental para constituição da identidade docente e para gerar a reflexão, uma vez que, quando o professor se defronta com os desafios de sua prática, busca resolvê-los por meio da investigação. Também destaca que os licenciandos podem ser iniciados à pesquisa sobre a própria prática. Além disso, ^{Lima e Nacarato (2009}) destacam a sistematização e a importância do registro para uma análise contundente das práticas e que, quando socializadas, permitem o acesso aos saberes docentes por formadores de professores e outros professores.

Outra modalidade de pesquisa possível na formação e atuação docente é a pesquisa-ação, que ^{Tripp (2005}) define como um conjunto de técnicas reconhecidas, utilizadas para investigar a ação e orientar decisões acerca da prática, além de que deve atender aos critérios de pesquisa, comuns a outras formas de pesquisa acadêmica. Também ^{Franco (2005}) infere que na pesquisa-ação o exercício contínuo da “auto-observação” e da reflexão tem o intuito da transformação da realidade e, nesse sentido, as teorias sobre a prática e seus entendimentos são modificados, analisados e reconstruídos.

Cada modalidade de pesquisa utilizada possui suas particularidades e linhas de pensamento, logo, seu uso na formação inicial contribui para que o estagiário consiga aproximar-se mais significativamente da teoria e da prática, ou mesmo evidenciar sua distância evocando a reflexão. A presente investigação traz o resultado de um levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)² e no Google Acadêmico³, demonstrando, a partir das análises, quais os principais obstáculos e convergências existentes em pesquisas acadêmicas que envolvem o estágio com pesquisa em cursos de licenciatura em Química⁴ ou com professores de Química. Optou-se por adotar o termo obstáculo cujo significado indica um impedimento a determinado movimento, e convergências porque se destacam, além de efetividades, aspectos propícios ao direcionamento dessas modalidades de pesquisas.

Por meio desta pesquisa bibliográfica buscou-se responder a indagação: Quais os obstáculos e as convergências do estágio com pesquisa em cursos de licenciatura em Química, considerando as modalidades ‘pesquisa sobre a própria prática’ e ‘pesquisa-ação’? O estágio pode ser realizado em várias modalidades de pesquisa, portanto neste artigo optou-se por duas, sendo elas a pesquisa-ação e a pesquisa sobre a própria prática, além do estágio com pesquisa como nomenclatura generalizante.

2 APORTE METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, com elementos da análise de conteúdo, em que as categorias são emergentes, advindas da necessidade do agrupamento de pontos comuns, no sentido de responder ao problema proposto. Trata-se também de uma revisão sistemática que segue algumas etapas para realização, conforme proposta de ^{Mendes e Pereira (2020}, p.196), a saber: 1.ª Objetivo e pergunta; 2.ª Busca dos trabalhos; 3.ª Seleção dos estudos; 4.ª Análise das produções; e 5.ª Apresentação da revisão. Nesta pesquisa, tivemos dois blocos de coleta e análise em separado: o primeiro evidenciou a pesquisa no estágio e o segundo, duas de suas possíveis modalidades de pesquisa. Na sequência, descrevemos com mais detalhes como se procedeu em cada um deles.

3 ESTÁGIO COM PESQUISA

Ao realizar a seleção das pesquisas nos dois portais, codificou-se com “I” as oriundas do Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e com “X”, as do Google Acadêmico. Ao todo, foram lidas 33 pesquisas. As características gerais dos trabalhos, no caso, sua codificação, o curso, os instrumentos utilizados, o ano e o tipo de trabalho, podem ser vistos no Quadro 3.

Ao realizar a leitura dos resumos das teses e dissertações obtidas no levantamento, foram evidenciados os obstáculos e as convergências no estágio com pesquisa, sendo alguns comuns entre os trabalhos analisados. Esse resultado pode ser visualizado no Quadro 4.

Nos trabalhos identificados, verificou-se que as pesquisas destacam obstáculos referentes à formação do professor que incluem as lacunas na formação didático-pedagógica dos licenciandos. Nesse sentido, a qualidade da formação inicial é fundamental para a melhoria da educação, devendo-se visar à superação dessas lacunas apontadas. Contudo, a identificação destas também indica que há um movimento para alcançar o aperfeiçoamento, uma vez que por meio da sua identificação é possível buscar caminhos para melhoria.

A racionalidade técnica apontada é um obstáculo pois gera a falta de reflexão crítica nas práticas pedagógicas, não contribuindo para movimentos de melhoria. Os impasses na pesquisa como um eixo formativo são diversos, por exemplo, carência de orientação, ou estruturação metodológica no âmbito das pesquisas, o que, dependendo do desajuste, pode descaracterizar o estágio com pesquisa e, além disso, as pesquisas apontaram os desafios na modalidade EaD.

Ademais, verificaram-se as convergências para o estágio com pesquisa e suas contribuições, conforme Quadro 5.

Observando as categorias apontadas, pode-se perceber que há convergências fundamentais para a formação, como a construção da identidade docente, o protagonismo do licenciando, a criticidade, que, como parte do processo de formação, resultam da interação entre o indivíduo, suas experiências e seu meio profissional.

Acerca da reflexão, oito pesquisas realizaram apontamentos sobre sua importância e seus aspectos, em que, por meio dela, infere-se a busca por um processo de formação pautado pela apreensão de significados e em constante reformulação visando o desenvolvimento do olhar crítico e fundamentado. Na categoria pesquisa, um aspecto apontado nas investigações foi a importância do estágio com pesquisa para a superação da dicotomia entre a teoria e a prática, em que a teoria enriquece o trabalho do professor, promovendo adequações em suas práticas.

Acerca das dissertações e teses específicas do curso de licenciatura em Química, a pesquisa (I5) apresenta como discussão o estágio realizado de modo interdisciplinar, ou seja, o projeto do licenciando pode ser orientado por professores de química, biologia, ou física, dependendo do projeto. Assume-se a pesquisa-ação como modalidade de pesquisa, os instrumentos de coleta de dados foram gravações de entrevistas, vídeos de aulas, relatórios e diários de estágio. Traz vários capítulos sobre o estágio, um deles destaca o histórico, bem como o momento atual, em que se denota a importância de atrelar a pesquisa ao estágio. Infere como características do estágio curricular supervisionado naquela instituição a interdisciplinaridade e a pesquisa; demonstra uma estrutura sólida e articulada entre os cursos; destaca a falta de um eixo formativo específico para a docência; entre outros resultados.

Verificou-se também que em nenhuma dessas pesquisas há a ênfase em qual modalidade o estágio deva ser realizado. Outrossim, nenhuma analisa elementos de pesquisa, simplesmente assume-se desenvolver pesquisa no estágio e, em seguida, trabalha-se nesse sentido. Assim, a Resolução CNE/CP n.º 1, de fevereiro de 2002, destaca em seu artigo 7.º que a formação deverá constituir, dentro de sua instituição, a própria identidade (^{Brasil, 2002}), o que justifica a não especificidade. Dessa forma, exploraram-se duas modalidades, sendo uma na perspectiva da pesquisa sobre a própria prática e outra na perspectiva da pesquisa-ação.

As duas modalidades podem ser complementares, porquanto a pesquisa-ação é uma modalidade abrangente que pode incluir uma pesquisa sobre a própria prática, quando esta modificar algum aspecto da realidade do estudante e o tiver como participante ativo da pesquisa, evocando o problema e investigando com o pesquisador. Contudo, as duas modalidades possuem aspectos específicos, que podem ou não ser explorados conjuntamente, e nesta investigação optou-se pelo olhar a cada uma.

4 CONCLUSÃO

Por meio desta pesquisa bibliográfica, buscou-se responder a indagação: Quais os obstáculos e as convergências do estágio com pesquisa em cursos de licenciatura em Química, considerando as modalidades ‘pesquisa sobre a própria prática’ e ‘pesquisa-ação’?

No estágio com pesquisa, acerca dos obstáculos identificados, as lacunas na formação didático-pedagógica precisam ser superadas em razão da necessidade da melhoria da qualidade da formação inicial, uma vez que as mudanças e melhorias que precisam ser realizadas no âmbito da escola são, em parte, resultado das concepções de ensino e aprendizagem provenientes do processo formativo dos profissionais que nela atuam. A racionalidade técnica apontada gera a falta de pensamento crítico acerca das práticas pedagógicas, dificultando um movimento de reconstrução constante. Além disso, dependendo dos impasses identificados na pesquisa como um eixo formativo, pode ser que o estágio com pesquisa não seja efetivo.

Nas categorias que convergem ao estágio com pesquisa referente à formação, identificaram-se a construção da identidade docente, o protagonismo docente, a criticidade, que, como parte do processo de formação, resultam da interação entre o indivíduo, suas experiências e seu meio profissional.

Há o destaque para a categoria reflexão, em que oito pesquisas realizaram apontamentos sobre sua importância e seus aspectos, pois, por meio dela, infere-se a busca por um processo de formação pautado pela apreensão de significados e em constante reformulação, visando o desenvolvimento do olhar crítico e fundamentado. Na categoria pesquisa, um aspecto identificado foi a importância do estágio com pesquisa para a superação da dicotomia entre a teoria e a prática, em que a teoria enriquece o trabalho do professor, promovendo adequações nas práticas.

Nas modalidades de pesquisa investigadas, também se constataram os obstáculos e as convergências que as direcionam. No caso da pesquisa sobre a própria prática, verificou-se que pouco se realiza pesquisa por professores possuindo como sujeitos os alunos do ensino médio (nível de ensino em que a Química é disciplina curricular). Acerca dos obstáculos identificados pelas pesquisas sobre o professor podemos observar que, em razão de se tratar de pesquisa sobre a própria prática, os apontamentos evocam características específicas de seu próprio desenvolvimento, que é o que caracteriza essa modalidade, mas que por vezes pode não ser ampliado ao contexto educacional e formativo maior. Alguns pontos podem também estar intimamente relacionados ao contexto, por exemplo, a jornada de trabalho dos docentes.

Outros pontos revelam que a análise de si demonstra o reflexo da formação do professor, como a falta de embasamento científico nas aulas, a qual infere uma formação carente, em que os obstáculos presentes precisam ser discutidos no sentido de enriquecer a formação no ensino superior. Há também a influência da gestão escolar na prática do professor, conforme apontado na discussão.

As convergências denotam a reflexão, no que se refere a seu registro, sua promoção e a transformação da prática por meio dela; a reflexão é fundamental para o pensamento crítico que evoca os aspectos da própria prática que precisam de reestruturações ou pequenas mudanças; também sinalizam para a construção da identidade docente que é fundamental na formação inicial; a ampliação da formação demonstra que essa modalidade de pesquisa pode ser utilizada como uma possibilidade de formação continuada, entre outros aspectos. A categoria escola destaca convergências que foram resultado, possivelmente, de reestruturações da prática que impactaram diretamente o ambiente escolar, a exemplo da melhoria na comunicação entre alunos e professores.

Na pesquisa-ação, os obstáculos evidenciados revelam que na reflexão é bem evidente a necessidade de avanço no sentido de promovê-la tanto no âmbito curricular quanto nas instituições de ensino superior, o que vem ao encontro do processo formativo dos estudantes. Outro obstáculo apontado foi referente à formação; são aspectos, por exemplo, a dificuldade de ensino e aprendizagem na formação inicial, que abre uma gama de reflexões sobre a estruturação dos cursos superiores e de que forma estão atendendo as necessidades de formar futuros docentes de modo a promover abordagens diferentes das tradicionais.

São evidentes no âmbito da pesquisa-ação aspectos diversos que influenciam a prática, não sendo específicos no tangente a características de aula, se comparada à pesquisa sobre a própria prática, que coloca, por exemplo, a carência de cientificidade nas práticas dos professores. Isso se deve ao objeto da pesquisa sobre a própria prática ser a prática do professor, enquanto a pesquisa-ação não é necessariamente a prática, ou seja, pode evocar outros aspectos.

Acerca das convergências, verificou-se a contribuição para a reformulação do currículo, o qual fundamenta o processo formativo de cada profissional. Nesse sentido, ao pensar em um currículo para preparar um futuro docente, ele deve estar alinhado ao perfil profissional que se almeja formar, o que deve resultar no modo de condução de sua prática.

Acerca da escola, a pesquisa-ação converge para uma interação maior entre alunos e professores, buscando a ruptura com processos em que o professor é um transmissor de conhecimentos. Ainda, há a promoção da reflexão presente nas convergências relativas à pesquisa-ação. Acerca do docente, a pesquisa-ação converge para a construção de sua identidade, o que é fundamental na formação inicial. A pesquisa-ação visa, com o aporte de uma investigação fundamentada, promover uma ação que propicie alguma transformação naquela situação estudada, logo, a categoria currículo evoca mudanças estruturais na formação como um todo.

De modo geral, percebemos pontos de encontro entre as diferentes modalidades de pesquisa no estágio ou de desenvolvimento do estágio com pesquisa, sendo possível ressaltar a promoção da reflexão em ambas (pesquisa sobre a própria prática e pesquisa-ação), embora seja mais presente a reflexão sobre si mesmo e sobre sua própria formação entre os trabalhos desenvolvidos na perspectiva da pesquisa sobre a própria prática. O olhar voltado ao professor e à sua formação está presente em todos os grupos de análise. Na pesquisa-ação, há uma ênfase maior, se comparada às demais análises, de resultados que mostram as contribuições das modalidades de pesquisa para a escola e o currículo, e este último nem sequer aparece como categoria nas demais análises.

Quanto aos obstáculos que ainda precisam ser superados nas diferentes abordagens que a pesquisa recebe no estágio, são comumente identificados nas três análises realizadas aspectos relacionados à formação de professores, ou seja, as investigações desenvolvidas com apoio de qualquer uma das abordagens de pesquisa referendam problemas na formação de professores, o que pode indicar que esses problemas precisam ser mais bem abordados nos currículos e práticas formativas. Ainda, apontamos que desenvolver o estágio com pesquisa é uma maneira interessante para conflitar a formação oferecida aos futuros professores com sua prática profissional.

Nesta pesquisa, em uma tentativa de diferenciação de achados relacionados às lacunas e aos obstáculos evidenciados nos trabalhos investigados, evidenciamos que pesquisas desenvolvidas sob a égide da pesquisa sobre a própria prática apontam para aspectos mais intrínsecos ao sujeito professor e seu fazer docente na escola, enquanto a pesquisa-ação revela lacunas e obstáculos mais relacionados ao currículo e à escola, em um contexto mais amplo.