1 INTRODUÇÃO
Práticas pedagógicas em diferentes níveis da educação, especialmente na educação básica, demandam propostas capazes de desenvolver autonomia e habilidades de inovação junto aos professores em atuação e seus estudantes. Sob essa perspectiva, o contexto (pós)pandêmico tem explicitado desafios no campo educacional em escala global, em que as TDIC passaram, efetivamente, de coadjuvantes a meios mediacionais protagonistas do processo pedagógico (Vygotsky, 2007; 2008; Kurtz et al., 2020; 2021; 2022). O escritório das Nações Unidas no Brasil (Unicrio, 2020) tem apontado algumas das repercussões sistêmicas a esse respeito, pois envolvem inúmeros aspectos para além da educação em si, demandando esforços coletivos e colaborativos entre governos, setor privado e a sociedade civil, como também se verifica na agenda 2030 da ONU, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ONU Brasil, 2015).
Com base nesse contexto, e seguindo estudos de nosso grupo de pesquisa, “Mongaba: educação, linguagens e tecnologia”, o vínculo tecnológico no campo educacional passou a ser entendido como uma “marca” de inovação (Kurtz et al., 2022), pressupondo, além da mera utilização tecnológica, um contexto favorável à criatividade e ação do aluno, o que nem sempre se verifica na formação inicial de professores ou na educação básica (Kurtz; Silva, 2021).
Nesse sentido, a temática central da pesquisa realizada abrange uma praxiologia na formação de professores ainda distante, em certos contextos, de um processo veiculador de movimentos de inovação. Demanda a compreensão de que mudanças necessárias à educação brasileira cheguem à sala de aula, pois é nela que o processo de construção efetiva de cidadãos, engajados, competentes e empoderados socialmente, acontece. Sabemos, a partir de pesquisas anteriores (Kurtz et al., 2020; 2021; 2022), que o caráter unicamente instrumental envolvendo TDIC e educação, ou seja, a ênfase apenas no uso e no “ensinar sobre as TDIC” como algo divorciado do processo pedagógico é uma realidade advinda da própria formação inicial docente, com consequências bastante significativas à atuação desses profissionais na educação básica.
O “aprender com, sobre e através” das TDIC, de modo transversal e integrado às práticas sociais e às demandas vigentes no século XXI, com forte embasamento teórico quanto a seu caráter de instrumento cultural que altera o fluxo das ações humanas permanece bastante latente no cenário investigativo acadêmico na área educacional no Brasil, conforme nossos estudos têm apontado.
Dessa forma, conceitos e frameworks típicos da esfera tecnológica têm sido quase “naturalmente” associados à perspectiva de inovação em educação em diversas áreas, como o Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK), também chamado de Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo (Mishra; Koehler, 2006), que vem ganhando espaço na literatura nacional, mesmo que timidamente, não apenas vinculado ao escopo de inovação, mas do conhecimento necessário a todos os professores (Kurtz et al., 2022; Gutiérrez-Fallas et al., 2021; Herring et al., 2016; Mourlam et al., 2020; 2021; Ribeiro e Piedade, 2021; Soares et al., 2020).
Assim, de modo a verificar de que forma esse framework pode ser concebido e efetivamente difundido no contexto escolar, realizamos uma pesquisa com um grupo de professores de educação básica em seu percurso inicial em um curso de formação continuada no campo das tecnologias educacionais. O objetivo da pesquisa foi verificar o olhar desses profissionais quanto ao seu grau de letramento ou conhecimento de professor, considerando o TPACK como eixo norteador.
Esperamos auxiliar os profissionais em formação e em atuação na educação básica e também docentes e gestores de cursos de licenciatura, de modo a refletir sobre o cerne da composição dos currículos e modalidades de ensino sendo oferecidas ao redor do país em relação ao conhecimento de professor. Se estamos em um novo paradigma provocado por mudanças e rupturas nos processos de desenvolvimento e aprendizagem humana, novos referenciais pautam as formas de interação e práticas sociais. São necessários, portanto, novos desenhos pedagógicos e curriculares que pautem a relação de ensino e aprendizagem sustentada por teorias em contínua interação e colaboração entre todos os envolvidos.
2 TPACK E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: INDÍCIOS PARA (RE)PENSAR PROPOSTAS FORMATIVAS
Mesmo que, em uma sociedade conectada, multimodal, líquida e híbrida, indivíduos convivam com outras linguagens, como fotos, imagens, vídeos, músicas, animações, diagramas etc., reiterando o entendimento de que novos contextos introduzem novos tipos de aprendizes, há um enorme descompasso entre o que se faz e o que se diz que se faz quando o assunto envolve tecnologias no campo educacional.
Estudantes e futuros professores carecem de novos tipos de aprendizagens, exigindo, portanto, outra pedagogia, em que estudantes se apropriam dos designs digitais disponíveis (competência técnica) mas a extrapolam de modo a serem leitores e analistas críticos desses designs de modo a alcançarem possibilidades de “redesign”, ou seja, uma produção que se apropria dos recursos disponíveis para criarem sentidos transformados e transformadores, como Rojo e Moura (2019) apontam.
Assim, se os modelos emergem no cerne de novos paradigmas, e, na educação os chamados “modelos pedagógicos” associam-se a teorias de aprendizagem, como a sociointeracionista de Vygotsky (2007; 2008), é fundamental atentar ao que configura metodologia de ensino em um contexto híbrido, como o que se desenha no presente e futuro no Brasil, e já há tantas décadas em outros países. A gestão ou curadoria do processo de ensino passa a ser, efetivamente, o foco do professor em meio a esse cenário inovador. A chamada “distância pedagógica” passa a ser entendida como “presença cognitiva” do estudante.
Nesse sentido, assumimos as TDIC como ferramentas cognitivas (Jonassen, 2000), ou seja, instrumentos que são adaptados ou desenvolvidos como parceiros intelectuais dos sujeitos, estimulando ou facilitando a aprendizagem de nível superior, no sentido vigotskiano, suportando novas formas de pensamento e raciocínio em sua zona de desenvolvimento proximal. A essa concepção coadunamos o indispensável papel de dimensões como pensamento computacional (PC), cultura maker (CM), gamificação (G), multimodalidade e metacognição, interligadas ao escopo do TPACK, dando continuidade ao que Pedro e Matos (2019) e Martins e Giraffa (2020) destacam quanto às competências docentes no contexto vigente e à chamada “tríade educacional contemporânea”.
Associamo-nos também ao “remix” trazido por Martins e Giraffa (2020) e o “redesign” de Rojo e Moura (2019), que prevê a associação de diferentes teorias e práticas pedagógicas significativas ao contexto cibercultural que veicule sentido no processo de ensinar e aprender a todos os sujeitos envolvidos de forma proativa e significativa. Martins e Giraffa (2020) classificam PC, CM e G como a tríade contemporânea por serem aquelas estratégias pedagógicas mais empregadas na realidade escolar. Partimos desse entendimento e aprofundamos um dos elementos que, a nosso ver, articula todos esses conceitos e metodologias subsequentes: o framework TPACK (Mishra e Koehler, 2006).
Partimos do pressuposto de que, dentre as mudanças provocadas pela disseminação das TDIC no âmbito educacional, está a constituição de competências que associam a dimensão pedagógica, de conteúdo à dimensão tecnológica, seguindo a proposta conceitual do TPACK (Figura 1).
Fruto de inúmeras pesquisas subsequentes pelos próprios criadores e por demais pesquisadores (Herring et al., 2016; Mourlam et al., 2020; 2021; Saubern et al., 2020; Gutiérrez-Fallas et al., 2021; Ribeiro e Piedade, 2021), o framework envolve, resumidamente, as seguintes dimensões associadas entre si, para além daquelas já difundidas por Lee Shulman na década de 1980: a) “conhecimento pedagógico do conteúdo”: envolve habilidades necessárias para proporcionar o ensino de um dado conteúdo através de práticas diversas que levem o aluno a aprender/compreender, com a transformação do conteúdo a ser ensinado através da interpretação do professor, representação e organização do material a ser utilizado para tanto; b) “conhecimento tecnológico de conteúdo”: maneira como tecnologia e conteúdo influenciam um ao outro, ou seja, o conhecimento de qual tecnologia serve de maneira mais adequada ao ensino e aprendizagem de um dado conteúdo e vice-versa; c) “Conhecimento tecnológico pedagógico”: entendimento de como ensinar e aprender pode ser alterado com o uso de uma dada tecnologia - ter a sensibilidade de diferenciar o que o aluno deixaria ou não de aprender com a introdução da tecnologia; e d) “Conhecimento tecnológico e pedagógico do conteúdo” (TPACK): reconhecer possíveis formas de ensinar e aprender com as TDIC em sala de aula; é a base do ensino efetivo com tecnologias e requer um conhecimento conceitual do uso dessas ferramentas, bem como do conhecimento prévio dos alunos e dos professores sobre tecnologias.
Mas, apesar de ser investigado e difundido em diversos países, o TPACK se mostra, no Brasil, ainda como algo distante dos currículos e das metodologias de ensino, tanto de educação básica como na formação inicial docente. E, em um contexto/paradigma caracterizado não mais pela separação tradicional e já ultrapassada entre “presencialidade” e “distância” nas práticas sociais e na educação, em que o hibridismo passa a ser o elemento protagonista, é fundamental que esses modelos estejam alinhados a tal contexto (Horn; Staker, 2015; Pedro; Matos, 2019; Vieira; Pedro, 2021).
É necessário ter esse escopo em mente para conceber os demais conceitos, como PC, por exemplo, cunhado por Papert na década de 1980 e popularizado por Wing (2006; 2011; 2014), que abrange um conjunto de processos mentais utilizados por profissionais da computação possíveis de serem desenvolvidos por todos, mesmo sem o uso de máquinas, abarcando dimensões como abstração e resolução de problemas de forma interdisciplinar (Ade-Ojo; Yacoub, 2019; Gualberto; Santos, 2019; Ribeiro, 2020).
No entanto, é necessário ter clareza de que, quando o assunto é articular ensino e tecnologia, para muitos educadores, o primeiro movimento é o de distanciamento, muitas vezes, atrelado a uma preocupação de caráter exclusivamente técnico e instrumental. Para muitos profissionais da educação, a temática em si torna-se algo bastante distanciada de reflexões articuladas a teorias e conceitos que permeiam e constituem a própria profissão docente, ou seja, há a preocupação em refletir sobre aspectos considerados próprios ao “ser professor de...”, mas, quando se trata do papel atribuído às TDIC na educação, o assunto passa a restringir-se ao “domínio de...”, como se esses instrumentos “orbitassem”, fossem externos ao processo pedagógico.
Assim, a lógica da CM e G associada ao PC compõem, em meio a outros elementos, obviamente, o TPACK necessário ao professor do século XXI. A primeira, como a chamada “experimentação, aprender fazendo”, situando o aluno como ativo e protagonista no processo de construção de conhecimento e resolução de problemas reais, e a segunda na utilização de recursos tecnológicos de forma lúdica na prática pedagógica em sala de aula, seja presencial ou não, em uma forma de aprendizagem baseada em jogos (com foco na experiência e nos desafios, não meramente no ato de jogar ou competir).
Mas esta “tríade contemporânea” pode ampliar-se, de modo a considerar a multimodalidade como um quarto eixo, no sentido de que, uma vez compreendido que os “textos” escritos, impressos ou digitais, não são mais produzidos apenas com signos escritos, mas sim envolvendo uma variedade de outros recursos semióticos dando origem à definição de multiletramento, nos termos de Rojo e Moura (2019). Multimodalidade envolve um campo que considera a produção de significados a partir de diversos modos de representação e comunicação muito além da linguagem falada ou escrita, portanto.
Com base nesse escopo conceitual, buscamos desenvolver um desdobramento ou proposta curricular que possa, no futuro, auxiliar a parametrizar a implementação deste framework no contexto escolar e mesmo na formação inicial de professores. Para além das intersecções previstas por Mishra e Koehler, buscamos um redesenho que efetivamente inclua uma gama de dimensões envolvidas no processo pedagógico, seja na educação básica, seja na superior, em cursos de formação de professores, como ilustra a Figura 2.
A proposta de implementação do TPACK em contextos formativos é teórica e metodológica e visa a integração entre os saberes conteudísticos docentes a seus saberes pedagógicos e tecnológicos. Além disso:
Envolve o ensino em todas as áreas a partir de um efetivo processo interdisciplinar em diálogo com o contexto multimodal com o qual os sujeitos e a escola interagem cotidianamente. O hibridismo surge como concepção do processo pedagógico e não como modalidade de ensino.
Prevê o efetivo exercício da interdisciplinaridade, com a transição do trabalho de uma “disciplina” para um “programa pedagógico”, envolvendo concepções de natureza conceitual e metodológica das áreas de conhecimento em seus pontos de aproximação, conferindo-lhes um efetivo processo de “mudança de comportamento pedagógico” pautado na resolução de problemas reais de modo integrado às TDIC. As respostas e soluções objetivas a problemas reais passam a ser o foco, e não mais o conteúdo/disciplinas isoladas.
Ocorre a partir do que orienta a legislação educacional e da efetiva sintonia entre os agentes da instituição escolar em uma perspectiva de mediação para potencializar o trabalho interdisciplinar com base no TPACK e materializar o processo educativo inserido em contexto multimodal.
Contempla conhecimentos necessários ao professor, considerando que sua atitude em relação à tecnologia é multifacetada e resulta da relação entre os três tipos de saberes e suas interfaces. A ideia é implementar a metodologia em espiral, iniciando sua integração ao percurso curricular no ensino fundamental com tecnologias mais simples e de maior familiarização, seguida de aplicações mais elaboradas ao longo dos anos até o final do ensino médio. O mesmo vale para currículos de licenciatura, a partir do que já preveem documentos vigentes.
A ideia é transcender a lógica de subutilização das TDIC ou mesmo de fragmentação ou atomização do estudo em uma ou outra disciplina simplesmente pelo receio ou desconhecimento por parte dos professores. Os computadores chegam às casas e às instituições providos de programas e aplicativos que se configuram exemplos de ferramentas cognitivas, fazendo com que possam ser utilizadas transversalmente nos currículos, tornando-se, ainda, um elemento que dispensa grandes investimentos financeiros, considerando que grande parte de escolas e cursos de licenciatura dispõem de laboratórios de informática, muitos, inclusive, não utilizados por todas as áreas da mesma forma.
É importante considerar que esses elementos, a nosso ver, estão todos intrinsecamente vinculados ao processo de metacognição como estratégia para o desenvolvimento do PC, como Silva et al. (2020) destacam, que, por sua vez, é um dos elementos que sustenta concepções e práticas teoricamente embasadas que integram o processo pedagógico ao campo das tecnologias educacionais e do TPACK em si. Como abordagem da educação cognitiva, a metacognição pode potencializar o processo pedagógico uma vez que viabiliza processos que estimulam e produzem sentidos para facilitar a significação realizada pelos sujeitos, contribuindo com o processo de elaboração conceitual, como Silva et al. (2020) apontam.
É, por isso, condição necessária para que professores e alunos de licenciatura, por exemplo, tomem consciência de seus processos cognitivos empregados no ato de ensinar e aprender. Tais aspectos envolvem uma forte associação epistemológica de base que, a nosso ver, reitera a perspectiva vigotskiana da constituição e desenvolvimento histórico-cultural do sujeito, especialmente quanto aos aspectos de interação com o mundo, que se dá de forma mediada, assumindo as TDIC como instrumentos culturais mediacionais, que interferem tanto no desenvolvimento cultural como também biológico/cognitivo dos sujeitos (Kurtz et al., 2020).
Assim, a perspectiva da educabilidade cognitiva, discutida na literatura já há certo tempo (Dalmina et al., 2016; Fonseca, 2018; Gonçalves, 2010; Pea e Kurland, 1984), se associa e encapsula, de certa forma, todos os conceitos ora apresentados, no sentido de situar a metacognição como protagonista em um processo sistematizado de interação intencional que viabilize o surgimento e amadurecimento das funções mentais superiores. A consciência, portanto, é um elemento central ao que apresentamos neste estudo, uma vez que as dimensões do PC, TPACK, cultura maker e gamificação, em interação com o contexto cibercultural e multimodal vigente, pressupõem competências e habilidades como abstração, generalização, pensamento algorítmico e avaliação, que são funções mentais superiores e, por isso, precisam ser instituídas e “experienciadas” de modo integrado e consciente no processo formativo.
3 METODOLOGIA: CONTEXTO DA PESQUISA, CONSTITUIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A pesquisa é de base metodológica mista, aliando procedimentos quantitativos e qualitativos em seu escopo ao averiguar percepções docentes quanto ao papel das tecnologias no ensino, em diferentes áreas, a partir de seu grau de envolvimento, adesão, resistência e conhecimento docente em torno das TDIC em perspectiva educacional. Para tanto, solicitamos a um grupo de professores de educação básica que respondessem ao mapeamento de seu TPACK materializado na adaptação do questionário proposto e já validado por Schmidt et al. (2009 apudHerring et al., 2016).
Participaram da pesquisa 45 professores da rede pública estadual de ensino da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul, envolvidos em um curso de formação continuada voltado a tecnologias educacionais, seguindo o escopo epistemológico apontado neste artigo. Destes, 93% são do sexo feminino e possuem, em sua maioria, faixa etária entre 40 e 50 anos de idade (58%) e 30 e 40 anos de idade (29%). As faixas etárias menos representativas foram 20 a 30 anos de idade (11%) e acima de 51 anos (1%). Vinculam-se às áreas de Letras (31%), Matemática (15%), História (8%), Pedagogia (7%), Química e Biologia, ambas com 6% dos participantes. Dentre os participantes, 44% informaram possuir pós-graduação lato sensu; 24%, mestrado acadêmico e 11%, doutorado. Os demais 21% informaram que não possuem pós-graduação.
De modo a associar às áreas investigadas no questionário, organizamos as áreas de formação e atuação docente em: 1. Matemática/Exatas; 2. Letramento/Pedagogia; 3. Ciências/Química e Biologia; e 4. Humanidades/Letras/História. A análise foi realizada a partir de escala Likert de cinco pontos (Mattar, 2021), técnica usada para analisar as respostas dos participantes e, neste contexto, avaliar suas atitudes em relação ao uso das tecnologias no escopo educacional. Esse recurso foi adotado na pesquisa por associar, em perspectiva metodológica e analítica, tanto elementos de Matemática Aplicada como de Psicologia, ao viabilizar análise de entendimentos e possibilidades representadas nas respostas dos sujeitos participantes. Tipicamente associada a abordagens quantitativas, é, no entanto, facilmente adotada em pesquisas mistas.
O instrumento possui uma escala ordinal que permitiu aos participantes selecionarem uma opção de resposta em escala que varia de concordância total a discordância total em relação a cada uma das 46 afirmações apresentadas, com opções de resposta variando de "discordo totalmente" a "concordo totalmente", com "não concordo nem discordo" como intermediária. Posteriormente, foi realizada Análise Descritiva das respostas com o objetivo de descrever e resumir os dados constituídos pelas respostas para análise e interpretação em diálogo com a teoria apresentada (Sampieri, 2013). A análise descritiva foi realizada em conjunto com a coleta de dados e foi empregada para examinar a distribuição desses dados e identificar padrões e tendências. Na próxima seção, serão apresentadas as análises realizadas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para fins de organização dos dados compilados e descritos, utilizamos a seguinte nomenclatura, a partir do questionário utilizado como instrumento de constituição dos dados. Assim, as 46 questões foram “rotuladas” a partir do agrupamento associado a um tipo de conhecimento vinculado ao TPACK: Conhecimento Tecnológico (CT1 a CT6); Conhecimento de Conteúdo (CC7 a CC18); Conhecimento Pedagógico (CP19 a CP25); Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (CPC26 a CPC29); Conhecimento Tecnológico de Conteúdo (CTC30 a CTC33); Conhecimento Tecnológico Pedagógico (CTP34 a CTP42); e Conhecimento Tecnológico Pedagógico de Conteúdo (TPACK43 a TPACK46).
4.1 Conhecimento Tecnológico (CT)
A dimensão envolvendo o CT abrange o conhecimento acerca de determinadas tecnologias e envolve a capacidade do professor em reconhecer a possibilidade de trabalhar um dado conteúdo, associando-o a seu conhecimento pedagógico e desenvolvido de forma integrada a uma dada tecnologia que potencialize a aprendizagem, como ilustra a Tabela 1.
Questões | DT | D | NCND | C | CT | Média | Variância (V) | Desvio Padrão (DP) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CT1 | 2,22% | 8,89% | 15,56% | 28,89% | 44,44% | 4,04 | 1,15 | 1,07 |
CT2 | 0,00% | 4,44% | 11,11% | 40,00% | 44,44% | 4,24 | 0,67 | 0,82 |
CT3 | 0,00% | 6,67% | 13,33% | 40,00% | 40,00% | 4,13 | 0,78 | 0,88 |
CT4 | 2,22% | 11,11% | 22,22% | 31,11% | 33,33% | 3,82 | 1,17 | 1,08 |
CT5 | 4,44% | 13,33% | 17,78% | 20,00% | 44,44% | 3,87 | 1,54 | 1,24 |
CT6 | 2,22% | 13,33% | 15,56% | 28,89% | 40,00% | 3,91 | 1,28 | 1,13 |
Fonte: Autores da pesquisa.
A análise evidenciou leve dispersão das respostas dos participantes nas questões CT4 a CT6 que tratam do hábito, conhecimento e habilidades técnicas para uso das TIC. Diferem das primeiras três questões sobre a resolução de problemas técnicos, a capacidade em aprender sobre tecnologia, acompanhar o lançamento e estar envolvido com esses recursos, em que os participantes situam suas respostas, majoritariamente e com menor dispersão em “concordo” e “concordo totalmente”. Já nas últimas três (CT4 a CT6), sinalizam uma tendência aparente em não ter muita aproximação com as tecnologias no que se refere a conhecer e estar frequentemente envolvido (“brincar”) com esses recursos.
4.2 Conhecimento de Conteúdo (CC) e Conhecimento Pedagógico (CP)
A dimensão CC envolve o conhecimento sobre o objeto a ser ensinado e aprendido, os conteúdos desenvolvidos em sala de aula. A Tabela 2 ilustra a análise realizada a partir de cada área do conhecimento acerca da autopercepção dos participantes sobre seu conhecimento, forma de pensar e estratégias para diversificar o entendimento sobre seu próprio campo de atuação.
Tenho conhecimento suficiente sobre (área) | Consigo utilizar forma (da área) de pensar | Tenho várias maneiras e estratégias de desenvolver meu entendimento sobre (área) | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
MAT | HUM | CIEN | ALF | MAT | HUM | CIEN | ALF | MAT | HUM | CIEN | ALF | |
DT | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
D | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 7,14% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
NC/ND | 6,25% | 13,64% | 41,67% | 21,43% | 0,00% | 5,56% | 33,33% | 14,29% | 14,29% | 13,33% | 18,18% | 21,43% |
C | 62,50% | 50,00% | 25,00% | 42,86% | 64,29% | 50,00% | 25,00% | 64,29% | 57,14% | 46,67% | 54,55% | 50,00% |
CT | 31,25% | 36,36% | 33,33% | 28,57% | 35,71% | 44,44% | 41,67% | 21,43% | 28,57% | 40,00% | 27,27% | 28,57% |
Média (M) | 4,25 | 4,23 | 3,92 | 3,93 | 4,36 | 4,39 | 4,08 | 4,07 | 4,14 | 4,27 | 4,09 | 4,07 |
Variância (V) | 0,31 | 0,45 | 0,74 | 0,78 | 0,23 | 0,35 | 0,74 | 0,35 | 0,41 | 0,46 | 0,45 | 0,49 |
Desvio Padrão (DP) | 0,56 | 0,67 | 0,86 | 0,88 | 0,48 | 0,59 | 0,86 | 0,59 | 0,64 | 0,68 | 0,67 | 0,70 |
Fonte: Autores da pesquisa.
Com médias (M) e variâncias (V) muito próximas entre as três questões solicitadas para cada área, evidenciando certo equilíbrio no entendimento dos participantes sobre o conhecimento de conteúdo em todas as áreas envolvidas. Chamam atenção as respostas para a afirmação “tenho conhecimento suficiente sobre minha área”, especialmente na área de Ciências, com significativa concentração de respostas voltadas para a centralidade (“não concordo nem discordo”) e na área de Alfabetização até mesmo com uma indicação de discordância acerca de seu conhecimento sobre a área.
Ao observarmos os desvios destas duas áreas, podemos verificar que são os maiores neste grupo de questões. A área de Ciências se destaca nesta análise também por indicar 33% das respostas em “neutralidade” na questão acerca do usar a forma específica da área de conhecimento para pensar, sugerindo uma relativa falta de segurança sobre o pensamento da área em questão.
Questões | DT | D | NC/ND | C | CT | Média | Variância (V) | Desvio Padrão (DP) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CP19 Sei como avaliar o desempenho dos alunos em sala de aula. |
0,00% | 2,22% | 8,89% | 42,22% | 46,67% | 4,33 | 0,53 | 0,73 |
CP20 Consigo adaptar meu ensino - baseado no que os alunos estão compreendendo ou não. |
0,00% | 0,00% | 11,11% | 46,67% | 42,22% | 4,31 | 0,44 | 0,66 |
CP21 Posso adaptar meu estilo de ensino a diferentes aprendizes. |
0,00% | 0,00% | 4,44% | 60,00% | 35,56% | 4,31 | 0,30 | 0,55 |
CP22 Consigo avaliar a aprendizagem do aluno de diferentes maneiras. |
0,00% | 0,00% | 6,67% | 57,78% | 35,56% | 4,29 | 0,34 | 0,58 |
CP23 Consigo adotar uma gama de abordagens de ensino em sala de aula. |
0,00% | 2,22% | 13,33% | 51,11% | 33,33% | 4,16 | 0,53 | 0,73 |
CP24 Estou familiarizado/a com entendimentos e equívocos mais comuns dos alunos. |
0,00% | 4,44% | 17,78% | 53,33% | 24,44% | 3,98 | 0,60 | 0,77 |
CP25 Sei como organizar e manter a gestão da sala de aula. |
0,00% | 0,00% | 6,67% | 62,22% | 31,11% | 4,24 | 0,32 | 0,56 |
Fonte: Autores da pesquisa.
Já quanto à dimensão ilustrada na Tabela 3, referente ao conhecimento pedagógico (CP), os dados parecem mais homogêneos envolvendo esta dimensão associada a metodologias e métodos de ensino e aprendizagem e concepções teóricas aprofundadas. Chamam atenção as questões CP19, CP23 e CP24 que evidenciaram um desvio padrão (DP) mais elevado que as demais, contendo mais ocorrências de discordância e um movimento (CP23 e CP24) de “neutralidade” (não concordo nem discordo).
4.3 Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (CPC) e Conhecimento Tecnológico de Conteúdo (CTC)
A Tabela 4 representa a análise realizada nas dimensões CPC e CTC, respectivamente, evidenciando, no primeiro caso, certa homogeneidade nas respostas quanto à percepção dos participantes em selecionar abordagens de ensino adequadas para orientar o pensamento e aprendizagem dos estudantes.
Posso selecionar abordagens de ensino adequadas para orientar pensamento e aprendizagem dos estudantes em (área) (CPC26 a CPC29) | Conheço tecnologias que posso usar para compreender e ‘fazer’ (a área) (CTC 30 a CTC 33) | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
MAT | ALF | CIEN | HUM | MAT | ALF | CIEN | HUM | |
DT | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
D | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 8,33% | 3,85% |
NC/ND | 7,69% | 23,08% | 23,08% | 11,11% | 7,69% | 23,08% | 25,00% | 11,54% |
C | 69,23% | 61,54% | 53,85% | 55,56% | 46,15% | 38,46% | 33,33% | 38,46% |
CT | 23,08% | 15,38% | 23,08% | 33,33% | 46,15% | 38,46% | 33,33% | 46,15% |
Média | 4,15 | 3,92 | 4,00 | 4,22 | 4,38 | 4,15 | 3,92 | 4,27 |
Variância (V) | 0,28 | 0,38 | 0,46 | 0,40 | 0,39 | 0,59 | 0,91 | 0,66 |
Desvio Padrão (DP) | 0,53 | 0,62 | 0,68 | 0,63 | 0,62 | 0,77 | 0,95 | 0,81 |
Fonte: Autores da pesquisa.
Esse aspecto confronta, em certa medida, a relativa fragilidade apresentada na análise envolvendo o CP, conforme apresentamos na seção 4.2, uma vez que está diretamente ligado à intersecção entre o conhecimento conteudístico com o pedagógico, envolvendo habilidades necessárias para proporcionar o ensino de um dado conteúdo através de práticas diversas que levem o aluno a aprender/compreender.
Já a análise do CTC diz respeito à maneira como tecnologia e conteúdo influenciam um ao outro, ou o conhecimento de qual tecnologia serve de maneira mais adequada ao ensino e aprendizagem de um dado conteúdo e vice-versa. Também apresenta certa homogeneidade nas respostas, com leve inclinação à centralidade (não concordo nem discordo) na área de Ciências (23% das respostas), com maior desvio padrão, indicando maior distribuição ou dispersão das respostas. Novamente, percebemos a área de Ciências com maior distribuição das opções de resposta. É possível constatar, por exemplo, que 25% dos entrevistados desta área não concordam nem discordam com a afirmação “Conheço tecnologias que posso usar para compreender e ‘fazer’ (a área)”. Isso fica evidente no maior DP (0,95). A área de Matemática parece ter maior consenso sobre o CTC, apresentando o menor DP (0,62) entre as áreas pesquisadas.
4.4 Conhecimento Tecnológico Pedagógico (CTP)
A Tabela 5 representa a dimensão do CTP e envolve o entendimento de como ensinar e aprender pode ser alterado com o uso de uma dada tecnologia. Nesse contexto, chama atenção a questão CTP36, com DP=1,14, que se distancia das demais ao demandar um olhar sobre o curso de licenciatura realizado e de que forma o curso de formação inicial auxiliou o docente a associar e refletir sobre como as tecnologias podem influenciar as abordagens de ensino adotadas.
Questões | DT | D | NC/ND | C | CT | Média | Variância (V) | Desvio Padrão (DP) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CTP34 Posso escolher tecnologias que qualificam as abordagens de ensino para uma aula. |
0,00% | 2,22% | 15,56% | 44,44% | 37,78% | 4,18 | 0,59 | 0,77 |
CTP35 Posso escolher tecnologias que potencializam a aprendizagem dos alunos em uma aula. |
0,00% | 2,22% | 11,11% | 42,22% | 44,44% | 4,29 | 0,56 | 0,75 |
CTP36 Meu curso de formação de professores fez com que eu pensasse mais profundamente sobre como as tecnologias podem influenciar as abordagens de ensino que emprego em sala de aula. |
4,44% | 11,11% | 8,89% | 37,78% | 37,78% | 3,93 | 1,31 | 1,14 |
CTP37 Estou pensando criticamente sobre como usar tecnologia em minha sala de aula. |
2,22% | 4,44% | 4,44% | 46,67% | 42,22% | 4,22 | 0,80 | 0,89 |
CTP38 Posso adaptar o uso das tecnologias que estou aprendendo a diferentes atividades de ensino. |
0,00% | 0,00% | 4,44% | 55,56% | 40,00% | 4,36 | 0,32 | 0,56 |
CTP42 Posso escolher tecnologias que qualifiquem o conteúdo de uma aula. |
0,00% | 0,00% | 6,67% | 48,89% | 44,44% | 4,38 | 0,37 | 0,61 |
Fonte: Autores da pesquisa.
A questão CTP37, com DP de 0,89, evidencia ser outro aspecto associado ao “pensar criticamente” sobre as TDIC e seu efeito no ensino. Assim como em CTP36, esta sugere entendimentos mais distribuídos, ou seja, a falta de consenso sobre este aspecto, seja na formação inicial, seja no momento atual de prática efetiva do docente. Já em CTP34 há o maior percentual (15,56%) de respostas “não concordo e nem discordo”, sugerindo incertezas sobre a seleção de recursos tecnológicos “a serviço” do objeto ou metodologia de ensino.
4.5 Conhecimento Tecnológico Pedagógico de Conteúdo (TPACK)
De modo geral, a partir das médias calculadas, fica evidente a concentração das respostas em relação à concordância referente ao TPACK. É possível observar maior distribuição/dispersão nas respostas na área de Humanas (DP 0,77). Por outro lado, a maioria das respostas se concentra abaixo da concordância total.
Posso ensinar atividades que combinem, de forma adequada, (conhecimento específico da área), tecnologias e abordagens pedagógicas. TPACK43 a TPACK46 | ||||
---|---|---|---|---|
MAT | ALF | CIEN | HUM | |
DT | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
D | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 3,70% |
NC/ND | 0,00% | 12,50% | 13,33% | 7,41% |
C | 73,33% | 56,25% | 53,33% | 40,74% |
CT | 26,67% | 31,25% | 33,33% | 48,15% |
Média | 4,27 | 4,19 | 4,20 | 4,33 |
Variância (V) | 0,20 | 0,40 | 0,43 | 0,59 |
Desvio Padrão (DP) | 0,44 | 0,63 | 0,65 | 0,77 |
Fonte: autores da pesquisa.
Assim, a partir dos resultados da análise descritiva, foi possível elaborar uma compreensão mais detalhada do nível de conhecimento e habilidades tecnológicas dos professores da educação básica, participantes da pesquisa, em um movimento de autopercepção.
Quanto ao CT, verificamos maiores incertezas envolvendo elementos quanto ao hábito, conhecimento e habilidades técnicas para uso das TIC, assim como quanto à aproximação com as tecnologias (“brincar” com elas), enquanto há maior segurança sobre resolução de problemas técnicos, capacidade em aprender sobre tecnologia, acompanhar o lançamento e estar envolvido com esses recursos. Sugere que o processo de prospecção e diversificação de tecnologias seja limitado, com o predomínio de utilização de recursos tecnológicos mais familiares e/ou adotados pelas redes e escolas. Talvez o “brincar” enquanto processo de experimentação e até mesmo de metacognição (Kurtz et al., 2020) precise ser mais explorado, tanto nos cursos de formação inicial como continuada a partir desses elementos.
A análise das dimensões CC e CP colocou em destaque as áreas de Ciências (professores de Química e Biologia) e Letramento (Pedagogia), em elementos associados à autopercepção sobre conhecimentos na área, sugerindo relativa falta de segurança sobre o pensamento do campo em questão, até mesmo com discordância acerca de seu conhecimento sobre a área. Quanto ao CP, verificamos maior indecisão. Avaliar, adotar abordagens de ensino diferenciadas e estar familiarizado com os equívocos mais comuns dos alunos parecem ter sido dimensões que mais desafiaram parte dos participantes, explicitando possíveis fragilidades nesses aspectos.
Já as dimensões CPC e CTC evidenciaram, no primeiro caso, um movimento paradoxal se considerarmos a análise da dimensão CP. Fica o questionamento, em meio à análise, sobre os participantes manifestarem concordância e concordância total em saber selecionar abordagens de ensino adequadas para orientar o pensamento e aprendizagem dos estudantes (CPC) e imparcialidade ou discordância de conhecimento envolvendo aspectos avaliativos, abordagens de ensino e equívocos dos alunos (CP).
O CTC evidenciou em análise um entendimento mais consolidado, por parte dos participantes, no que diz respeito à integração entre tecnologia e conteúdo, considerando a afirmativa apresentada nesta dimensão, acerca do conhecimento tecnológico para “compreender e fazer a área específica”. Novamente, a área de Ciências é destaque com maior distribuição das opções de resposta, com 25% dos entrevistados apontando não concordarem nem discordarem da afirmação, enquanto Matemática parece ter maior consenso sobre o CTC, possivelmente, pela utilização desses recursos de modo intrínseco ao fazer pedagógico desse campo de conhecimento e/ou dos contextos nos quais os participantes atuam.
Na dimensão de CTP, os participantes apontam lacunas em sua formação inicial quanto aos processos pedagógicos associados ao contexto tecnológico, para além da esfera instrumental, de uso, mas também de reflexão e pensamento crítico a esse respeito, como temos verificado em estudos anteriores (Kurtz et al., 2020), e incertezas sobre a seleção de recursos tecnológicos “a serviço” do objeto ou metodologia de ensino adotada.
Por fim, a análise do TPACK evidenciou maior distribuição/dispersão nas respostas na área de Humanas, indicando dúvida a respeito da intersecção/associação/integração entre os três tipos de conhecimento, mas a íntima (e necessária) relação entres as três dimensões referentes ao conhecimento de professor, segundo Mishra e Koehler (2006), ainda não parece ser de plena compreensão no universo dos professores participantes.
5 CONCLUSÃO
A inovação de pensamento e consequente ação no campo da formação de professores e do desenvolvimento de currículos alinhados a diferentes teorias pedagógicas carecem ser mais articulados a condições que propiciam e desencadeiam a criatividade em um contexto cibercultural (Kurtz et al., 2021; 2022). Agir e mobilizar conhecimentos coletivamente em prol do meio ambiente, da paz mundial, de melhores condições de alimentação, do bairro, da cidade, do país, até a criação e desenvolvimento de games ou aplicativos em diversas áreas são práticas naturais para uma pequena parte da população. É essencial que seja uma realidade advinda e potencializada na/pela educação básica e superior, especificamente na formação de professores, ao inserir a tecnologia no aprender e agir ‘com’, ‘sobre’ e ‘por meio’ desses instrumentos culturais.
Os resultados da pesquisa evidenciam que, de certa forma, professores de diferentes áreas do conhecimento atuantes na educação básica, no contexto investigado, possuem incerteza quanto ao seu conhecimento envolvendo o uso de TDIC de modo integrado para fins educacionais. Se há, de um lado, maior segurança sobre resolução de problemas técnicos, de outro parece haver limitações quanto à experimentação tecnológica e metacognição envolvendo seu papel docente. Nesse cenário, duas áreas se destacaram quanto à autopercepção dos participantes envolvendo seu conhecimento de área e quanto à indecisão envolvendo conhecimento pedagógico, especialmente em processos avaliativos e formativos, apesar de, paradoxalmente, haver maior segurança na escolha de abordagens que orientem o pensamento e a aprendizagem dos estudantes.
Esses elementos reiteram o que a literatura analisada neste artigo sugere, especialmente quanto à crucial necessidade de propiciar, no contexto pedagógico, situações que viabilizem criatividade e criação, “experienciação” de professores e alunos, bem como a efetiva integração de conhecimentos, associando teorias educacionais ao campo tecnológico e sua respectiva epistemologia. Pensamento computacional, cultura maker, gamificação, multimodalidade e metacognição demandam competências e habilidades que precisam ser desenvolvidas desde a formação inicial dos professores, sugerindo uma profunda revisão curricular e das políticas públicas a esse respeito.
O TPACK configura, nessa perspectiva associativa e integrada, um movimento interessante, possível de ser implementado no contexto escolar e superior, nos cursos de licenciatura, desde que pessoas efetivamente engajadas nessas discussões e proposições sejam protagonistas em seus contextos profissionais. Todos os participantes da pesquisa relataram, após a realização do curso de formação continuada, atitudes e experiências protagonistas, de coragem, ousadia e determinação ao experimentar, avaliar e avaliar-se enquanto sujeitos extremamente envolvidos e engajados com seu desenvolvimento pessoal, profissional, bem como de seus estudantes. Agradecemos imensamente sua participação. Uma publicação futura deverá contemplar esse contexto de formação continuada em si.