1 INTRODUÇÃO
É fato que a pandemia de Covid-19 alterou todas as formas de relacionamentos cotidianos, sobretudo entre 2020-2021. Nesse período, o isolamento social foi a medida mais eficaz contra o contágio da doença, mesmo após a vacinação ter iniciado no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 11 de março de 2020, por meio do diretor geral Tedros Adhanon, que a Covid-19 tornara-se uma pandemia, devido sua rápida disseminação geográfica pelo mundo1.
No Brasil, os impactos da doença foram logo sentidos, tanto que, em fevereiro de 2020, antes de ser considerada uma pandemia, o Ministério da Saúde, então, dirigido por Luiz Henrique Mandetta, publicou a Portaria nº 188 de 03 de fevereiro de 2020, que declarava a “Emergência em saúde Pública de Importância Nacional [...] e conforme o artigo 2º estabelecer o Centro de Operações Emergenciais em saúde Pública (COE-nCOV) [...]” (Brasil, 2020).
A partir disso, uma série de atos administrativos foram emitidos pelo Ministério da Saúde a fim de tentar conter o avanço do vírus no País. Dentre essas medidas, houve a suspensão de atividades presenciais na Administração Pública Federal, e a autorização para que as atividades laborais fossem feitas em regime remoto2.
Nesse momento, em 2020, observa-se um estado de tensão e incerteza em todo o país, que reverberou fortemente, inclusive, na Amazônia. A pandemia da Covid-19 evidenciou com muita clareza a gigantesca carência de políticas públicas de acesso à saúde, saneamento básico e educação no território amazônico. A essas questões, agrega-se a pouca capacidade das regiões com municípios menores na garantia da oferta daqueles serviços de saúde, antes mesmo da pandemia (Nunes, 2021).
Houve a necessidade de suspender as aulas nas escolas de Educação Básica, assim como as universidades, os órgãos públicos e privados organizaram rotinas intercaladas de serviços e, em alguns casos, suspenderam o atendimento. Para além das questões de segurança e controle social, a pandemia interferiu consideravelmente no campo subjetivo dos sujeitos. No contexto amazônico, Muniz (2021, p. 876) destaca que:
Desde o mês de abril de 2020, a pandemia de COVID-19 tem encontrado terreno fértil na região amazônica. Além das grandes cidades da região, os interiores da floresta vivenciaram o rápido aumento no número de casos, contexto em que as desigualdades sociais e de acesso a serviços de saúde ficam ainda mais evidenciadas. No entanto, a preocupação de estabelecer barreiras para controle da contaminação e a necessidade de estruturar serviços de saúde não constituem novidade. Parte das medidas que são implementadas atualmente foram paliativos históricos da estruturação da saúde pública.
Além disso, Muniz (2021) assevera que a quarentena, atenção sanitária em portos e aeroportos, isolamento social e de cidades foram algumas das primeiras medidas a serem tomadas no combate à propagação do vírus. Para Muniz (2021, p. 877-878):
A Amazônia, onde o rio é rua, marcada por forte presença de povos tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, vê no contexto da pandemia atual que as assimetrias nos modos de viver, adoecer e morrer na região sublinham as discrepâncias históricas da cidadania no Brasil.
Ou seja, essas assimetrias atingiram, também, diretamente o sistema de ensino brasileiro, e reverberam em novas formas, estratégias e adequação nas maneiras de ensinar. Em conformidade com as disposições do Ministério da Saúde, o sistema educacional brasileiro optou pelo cancelamento temporário de atividades presenciais, e instituiu a possibilidade do uso das plataformas digitais para o desenvolvimento do Ensino Remoto Emergencial (ERE), isto é, um ensino que pudesse ser transmitido via online. Desse modo, a utilização de tecnologias da informação e comunicação e os cursos de capacitação, ofertados pelas Instituições do Ensino Superior (IES), fizeram-se necessários em um momento em que a única forma de encontros acadêmicos ocorria de modo virtual.
As Instituições do Ensino Superior foram diretamente impactadas pela política de quarentena do isolamento social, na medida em que todo o conjunto curricular dos cursos superiores foram reformulados nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Para Fantin (2020), pensar a educação como uma ação requer perceber o papel da mediação na relação entre o sujeito e cultura no sentido de ampliar o conhecimento de si, do outro e do mundo.
Fantin (2020) destaca que em tempos de Covid-19, a multiplicidade de experiências permite pensar as diversas linguagens que devem estar presentes na formação docente, nesse sentido, as ideias digitais devem ser entendidas como um processo de tensão entre o tecnológico, ensino e o social. Lopes e Vieira (2020) avaliam ainda que a imersão do docente no universo da cultura digital o leva a perceber novos processos de construção do conhecimento em ações colaborativas.
Diante dessa assertiva, o objetivo deste artigo é o de discutir as representações dos professores de Licenciaturas do Campus Universitário de Bragança sobre o Ensino Remoto Emergencial (ERE) em tempos de pandemia da Covid-19, na Amazônia Bragantina. As representações de professores podem ser vistas como modos de identificar diferenças na partilha cultural de recepção de ideias, apropriações, representações.
O Ensino Remoto Emergencial está conectado às diversas plataformas digitais que apresentam sentidos e significados, onde podem ser analisados pela percepção dos sujeitos enquanto objetos da cultura. Nesse âmbito, foram utilizadas as representações teóricas de Chartier (1990) sob duas óticas: a primeira é a de ver uma coisa ou algo ausente, ou seja, presentificar o ausente. Já a segunda, é a utilização do objeto em seu sentido simbólico, este é partilhado por determinado grupo social, aquele que é possível inferir por reapresentar o ausente.
Para o auxílio teórico referente ao tema em tela, os autores consultados foram os que discutem a Nova História Cultural, as práticas de representações e o uso das tecnologias da informação, são eles: Burke (2005); Chartier (1991; 1990); Maciel (2019); Freire (1983); Fantin (2020); Lopes e Vieira (2020), dentre outros.
A nossa questão problema é: que representações os/as professores/as das licenciaturas do Campus Universitário de Bragança atribuíram ao Ensino Remoto Emergencial em tempos de pandemia da Covid-19, na Amazônia Bragantina, estado do Pará - Brasil? Para responder tal afirmativa, relaciona-se as lutas de representações contidas nas estratégias prescritas para o desenvolvimento do ERE nas IES com orientações via plataformas digitais, às apropriações dos professores universitários sobre os modos de ver esse ensino no contexto pandêmico.
2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
A pesquisa de campo empírico teve como lócus o Campus Universitário de Bragança da Universidade Federal Pará, instituído pelo Parecer nº 629 de 04 de agosto de 1987, que está localizada na região da Amazônia Bragantina, distante 210 km da capital Belém, estado do Pará, à margem esquerda do rio Caeté.
Segundo o Plano de Desenvolvimento da Unidade (PDU), atualmente, a oferta dos Cursos de Licenciatura nesse Campus, é o curso de Licenciatura em Pedagogia (Faculdade de Educação-FACED), História (Faculdade de História-FAHIST), Matemática (Faculdade de Matemática-FAMAT), Letras Língua Portuguesa (Faculdade de Língua Portuguesa-FALE) e Letras Línguas Estrangeiras (Faculdade de Línguas Estrangeiras-FALEST). Na Pós-Graduação Stricto sensu, há oferta dos Programas Linguagens e Saberes na Amazônia (PPLSA), Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT) e Mestrado e Doutorado em parceria com o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA).
Ressalta-se que no Campus Universitário de Bragança tem ainda o Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), que congrega os cursos de Licenciatura e Bacharelado de Ciências Biológicas, Ciências Naturais e Engenharia de Pesca, além dos cursos de Pós-Graduação de Mestrado e Doutorado em Biologia Ambiental. No entanto, se esclarece que o foco da pesquisa foi nos cursos de licenciatura registrados no Campus Bragança (CBRAG).
O campo de investigação sobre o Ensino Remoto Emergencial é discutido nesta pesquisa pela Abordagem da Nova História Cultural. A Nova História Cultural constitui-se por encontros interdisciplinares em diálogo com os fenômenos econômicos, políticos e educacionais por meio da cultura. Vale ressaltar que a Nova história Cultural passa a ser utilizada por historiadores a partir dos anos de 1980, como destaca Burke (2005), trazendo novos paradigmas para a historiografia.
Para Chartier (1990), a história cultural do social tem por objeto a compreensão das formas e dos motivos - ou, por outras palavras, das representações do mundo social - que, à revelia dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.
Para o desenvolvimento da pesquisa, selecionou-se um conjunto de atos administrativos do Governo Federal e da Universidade Federal do Pará (UFPA) que autorizou as instituições de ensino a realizarem atividades acadêmicas por meio das estratégias didático-pedagógica, de forma remota, a fim de dirimir possíveis prejuízos no calendário acadêmico dos anos de 2020-2021.
ATOS ADMINISTRATIVOS DO GOVERNO FEDERAL (MARCOS LEGAIS) | |
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BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº343, de 14 de março de 2020. | Que autoriza, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de Educação Superior integrante do sistema federal. |
BRASIL. Parecer nº 05. Ministério da Educação. | Reorganização do calendário Escolar e da Possibilidade de Computo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Parecer CNE/CP nº 05/2020. |
BRASIL. Parecer nº 11. Ministério da Educação. | Estabelece orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia. |
ATOS ADMINISTRATIVOS DA UFPA (MARCOS INSTITUCIONAIS) | |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. Resolução nº 5.294, de 21 de agosto de 2020. | Aprova, de forma excepcional e temporária, o Ensino Remoto Emergencial em diferentes níveis de ensino para os cursos ofertados pela Universidade Federal do Pará, em decorrência da situação de pandemia do novo Coronavírus - COVID-19, e dá outras providências. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. Resolução nº 5.453, de 14 de dezembro de 2021. | Resolução nº 5.453, de 14 de dezembro de 2021 estabelece o retorno pleno das atividades acadêmicas presenciais e revoga a Resolução nº 5.294, de 21 de agosto de 2020. |
ATOS DE GESTÃO (RELATÓRIOS E ARQUIVOS DE SISTEMAS INTEGRADOS DE GESTÃO) | |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Plano de Desenvolvimento de Pessoal (PDP). 2020. | Estabelece cursos de capacitação a serem ofertados pela UFPA em 2020. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Plano de Desenvolvimento de Pessoal-PDP. 2021. | Estabelece cursos de capacitação a serem ofertados pela UFPA em 2021. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Relatório de Gestão. 2020. | Congrega um conjunto detalhado de informações qualitativas e quantitativas sobre as ações realizadas pela UFPA no ano de 2020. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Relatório de Gestão. 2021. | Congrega um conjunto detalhado de informações qualitativas e quantitativas sobre as ações realizadas pela UFPA no ano de 2021. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Relatório de Gestão da PROEG. 2021. | Cursos de capacitação (na área acadêmica) para o Ensino Remoto Emergencial |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Relatório de Gestão do CAPACIT. 2020/2021. | Cursos de capacitação (na área acadêmica) para o Ensino Remoto Emergencial específicos para o Google Meet. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Sistema de Gestão Integrado de Recursos Humanos-SIGRH. Docentes lotados no Campus Universitário de Bragança. 2022. | Relatório de servidores lotados no Campus Universitário de Bragança. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Sistema de Gestão Integrado de Gestão Acadêmica-SIGAA. Docentes lotados no Campus Universitário de Bragança. 2022. | Relatório de discentes regularmente ativos da graduação no Campus Universitário de Bragança. |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. PRÓREITORIA DE PLANEJAMENTO. Campus Universitário de Bragança. Plano de Desenvolvimento da Unidade. 2017. | Informações específicas sobre o Campus Universitário de Bragança. |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.
De posse dessas informações dos atos sobre o ERE, partiu-se para a construção de um primeiro formulário de entrevistas, para identificar como foi construído o processo de adaptação dos docentes do Campus Bragança, especialmente os principais desafios impostos no Ensino Remoto Emergencial. Destaca-se que foi elaborado um formulário para levantar informações referentes ao Ensino Remoto Emergencial.
O formulário inicial foi construído para a aplicação de um questionário3 via Google Forms, encaminhado por e-mail. O questionário ficou disponível no período de 01 de setembro de 2022 a 10 dezembro de 2022. Conforme a organização do questionário, os dados foram obtidos da seguinte forma: 01 docente da Faculdade de Educação; 01, na Faculdade de História; 02, lotados na Faculdade de Matemática; e, por fim, a Faculdade de Letras Língua Portuguesa 01 docente efetivo, e totalizou 05 docentes lotados nas 05 faculdades do Campus Universitário de Bragança.
Cabe ressaltar que foram utilizados pseudônimos para não identificar os seres humanos que responderam o questionário via Google Forms. Essa é uma forma de manter a conduta ética da pesquisa4. Os professores foram nomeados ao vínculo do seu Curso, referente às suas Faculdades, tal como segue: FH1, referente aos docentes da Faculdade de História; FE1 e FE2 para os professores da Faculdade de Educação; FM1 e FM2 para os professores da Faculdade de Matemática; FLP1 e FLP2 para os docentes da Faculdade de Língua Portuguesa; por fim, FLE1, FLE1 e FLE3 para os professores da Faculdade de Línguas Estrangeiras.
A técnica de análise dos dados foi operacionalizada pelas representações teóricas e metodológicas de Chartier (1990), no campo das práticas e das apropriações dos sujeitos, e foram articuladas com o refinamento teórico das teias do conhecimento em Freire (1983). Essa relação intrínseca permitiu a construção da teia imagética, constituída pelas representações dos professores sobre o ERE no Campus Universitário de Bragança, Amazônia Bragantina.
Igualmente, Maciel (2019) destaca que a representação em Chartier (1990) não distancia-se de algumas categorias freireanas porque a estabelece no que os sujeitos fazem de si em suas práticas culturais, ou seja, processos que constroem representações sobre alguma coisa ou alguém, onde o movimento é “[...] extrair as representações mais significativas dos sujeitos, a partir das práticas culturais com os objetos de comunicação e escolares [...]” (Maciel, 2019, p. 84).
2.1 Ensino Remoto Emergencial nos cursos de Graduação da Universidade Federal do Pará, campus universitário de Bragança
Os professores do Ensino Superior do Brasil tiveram um enorme desafio no que se refere à adaptação do Ensino Remoto Emergencial (ERE), pois, foi difícil entender as dinâmicas impostas pela pandemia de Covid-19 para o processo de ensino no momento das aulas online. Tal fato, relaciona-se ainda pela apropriação de conceitos tecnológicos que muitos professores não tiveram acesso durante sua formação pedagógica (aqui abrange todos os cursos de licenciatura). Desse modo, houve a necessidade de a UFPA oferecer cursos de capacitação que abordassem a perspectiva da cultura digital.
Assim, para identificar os modos como os professores representam o Ensino Remoto Emergencial na Universidade Federal do Pará no Campus Universitário de Bragança, foi preciso conhecer inicialmente os marcos legais que nortearam o ERE durante o contexto pandêmico da Covid-19 nas IES.
2.2 Marcos legais do Ensino Remoto Emergencial no Brasil: entre desafios e estratégias do ERE no Ensino Superior
Em 2020, com a explosão de casos de Covid-19, o isolamento social foi a alternativa mais viável para conter a contaminação do novo Coronavírus, sendo que as atividades presenciais foram todas paralisadas. O campo da teoria e da prática e a formação docente ‘sofreram’ inúmeras adequações curriculares, pois, a forma de ensinar e aprender - sobre o prisma de novas apropriações dos docentes em relação aos códigos tecnológicos a serem usados durante o Ensino Remoto Emergencial - também apresentavam limites, como exemplo, o uso da internet. Desse modo, tudo aquilo prescrito nas literaturas pedagógicas, teve que ser ampliado com novas discussões, adaptações e superação das mais diversas dificuldades que surgiram no campo educacional.
Na Universidade Federal do Pará (UFPA), o isolamento social e a suspensão de atividades presenciais foram regidos por primar pela vida dos docentes, discentes e técnicos, evitando aglomeração de pessoas. Entende-se, ainda, que ao trazer o desenvolvimento das representações dos professores universitários sobre o Ensino Remoto Emergencial, se está também analisando o funcionamento dos diferentes grupos envolvidos na comunidade acadêmica da UFPA, atravessado pelas práticas docentes com o ERE no Campus Bragança. Essa articulação está associada ao que Chartier (1990, p. 25) propõe sobre:
[...] o trabalho de classificação e delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais à realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente das práticas que visam reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas (sic) graças às quais uns, representantes, (instâncias colectivas (sic) ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade [...].
A teoria de Chartier (1991) ajuda no entendimento das diferentes representações dos professores universitários sobre as normas vigentes, prescritas pelos documentos institucionais (as estratégias), às práticas de adequação e as diferentes apropriações dos docentes em relação à linguagem tecnológica com o ERE do Campus Universitário de Bragança.
Nesse sentido, o Ministério da Educação, desde a oficialização do vírus enquanto pandemia global, instituiu uma série de marcos legais (prescritos), que autorizaram a realização de atividades educacionais do ensino remoto. Considera-se que há a necessidade de evidenciar esses atos administrativos, pois são eles que, juridicamente, permitiram a realização de atividades no ensino brasileiro.
Informa-se que esta pesquisa enfatiza os atos instituídos pelo Ministério da Educação (MEC), apenas os voltados para o Nível Superior para organizar cronologicamente as medidas que tornaram possíveis o Ensino Remoto nas Instituições Federais de Ensino Superior5.
Para amenizar os impactos, causados pela pandemia de Covid-19, o MEC autorizou a substituição de disciplinas presenciais por aulas que utilizem tecnologias que possibilitem o ensino não presencial. A medida foi publicada no Diário Oficial da União em 17 de março de 2020, tal como consta na Portaria nº 343:
O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição, e considerando o art. 9º, incisos II e VII, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, resolve:
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.
1º O período de autorização de que trata o caput será de até trinta dias, prorrogáveis, a depender de orientação do Ministério da Saúde e dos órgãos de saúde estaduais, municipais e distrital.
§ 2º Será de responsabilidade das instituições a definição das disciplinas que poderão ser substituídas, a disponibilização de ferramentas aos alunos que permitam o acompanhamento dos conteúdos ofertados bem como a realização de avaliações durante o período da autorização de que trata o caput.
Art. 2º Alternativamente à autorização de que trata o art. 1º, as instituições de educação superior poderão suspender as atividades acadêmicas presenciais pelo mesmo prazo6.
Essa Portaria foi um dos passos iniciais (principal marco legal) para uma série de outros atos administrativos do MEC que procuraram adequar o sistema de ensino brasileiro às atividades remotas, de modo que não prejudicasse o andamento curricular da educação formal no Brasil. Dessa forma, em 28 de abril de 2020, é emitido o Parecer nº 05 (Brasil, 2020, p. 5), cuja finalidade é a reorganização do calendário escolar da Educação Básica e Superior no País, com algumas possibilidades de cumprimento da carga horária mínima, estabelecida pela LDB, que seriam:
A reposição da carga horária de forma presencial ao fim do período de emergência;
A realização de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação) enquanto persistirem restrições sanitárias para presença de estudantes nos ambientes escolares, garantindo ainda os demais dias letivos mínimos anuais/semestrais previstos no decurso;
A ampliação da carga horária diária com a realização de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação) concomitante ao período das aulas presenciais, quando do retorno às atividades.
Dessa forma, percebe-se que o MEC possibilitou que os sistemas de ensino pudessem constituir suas estratégias quando da suspensão das atividades presenciais e suas respectivas reposições de carga horária exigida em lei. Essa medida criou mecanismos para que as instituições de ensino organizassem, a partir de suas realidades locais, as medidas que julgassem mais adequadas para mitigar os impactos da Covid-19 na educação.
Aliado a isso, o MEC procurando adequar ainda mais a situação imposta pela pandemia emitiu, em 07 de julho de 2020, o Parecer nº 11 (Brasil, 2020, p. 21), em que estabelece orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia. Segundo o documento, a flexibilização curricular acadêmica:
[...] deverá considerar a possibilidade de planejar um continuum curricular de 2020-2021, quando não for possível cumprir os objetivos de aprendizagem previstos no calendário escolar de 2020, como indicado no Parecer CNE/CP nº 5/2020. É importante que o replanejamento curricular do calendário de 2020 considere as competências da BNCC e selecione os objetivos de aprendizagem mais essenciais relacionados às propostas curriculares das redes e escolas e, no caso de opção para continuidade de 2020-2021, as instituições deverão definir o planejamento de 2021 incluindo os objetivos de aprendizagem não cumpridos no ano anterior. Recomenda-se também a flexibilização dos materiais e recursos pedagógicos; ênfase no ensino híbrido e o aprendizado com base em competências de acordo com as indicações da BNCC. [...] é importante prever a possibilidade de antecipar o início do ano letivo de 2021 para assegurar o desenvolvimento dos objetivos de aprendizagem que porventura não tenham sido cumpridos no ano de 2020, de forma a garantir as aprendizagens futuras, o pleno desenvolvimento das competências e habilidades da BNCC e a formação integral de todos os estudantes. Isso significa a possibilidade de ampliação dos dias letivos do calendário escolar de 2021, tal como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a BNCC, por meio da antecipação do início do ano letivo, ampliação da carga horária diária como também pela continuidade das atividades remotas em complementação às aulas presenciais.
O documento aponta também que é necessário rever os critérios adotados nos processos de avaliação com o objetivo de evitar o aumento da reprovação e do abandono escolar, reconhecendo que as decisões acerca dos critérios de promoção são de exclusiva competência dos sistemas de ensino, das redes e de instituições, no âmbito da autonomia respectiva, responsáveis pela aplicação do processo avaliativo.
A recomendação foi o de adotar medidas que minimizem a evasão e a retenção escolar, possibilitando ainda a opção das famílias pela continuidade das atividades não presenciais nos domicílios em situações específicas, como existência de comorbidade entre os membros da família ou outras situações particulares, que deverão ser avaliadas pelos sistemas de ensino e escolas. Interessante notar, que tanto o Parecer nº 05, quanto o nº 11 destacam que há a importância da formação de professores para o uso de novas tecnologias, assim como a necessidade de viabilizar o acesso à internet gratuita para todas as instituições da rede pública de ensino (Brasil, 2020, p. 22-25).
Nesse sentido, a partir desse conjunto de atos administrativos, o Governo Federal, por meio do MEC, autorizou novas estratégias didático-pedagógica, para as universidades tomarem as medidas cabíveis no que se refere ao ensino no período pandêmico. Assim, acompanhando a Portaria nº 343, a UFPA, por meio de autorização do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão que publicou a Resolução nº 5.294, de 21 de agosto de 2020, que trata da oferta do ERE7. Segundo o documento, a medida procura oferecer um ensino mais flexível diante das dificuldades provenientes da Covid-19.
Inicialmente, a medida seria para abranger um período inicial de 14 de setembro de 2020 até 28 de fevereiro de 2021.
§ 1º. Ensino Remoto Emergencial (ERE) compreende um conjunto de estratégias didático-pedagógicas que prescindem do compartilhamento de um mesmo espaço físico entre docentes e discentes e que podem ser efetivadas a partir de:
I. Realização de atividades por meios digitais (salas de webconferência; videoaulas exibidas ao vivo ou gravadas; conteúdos em diferentes linguagens e formatos organizados em ambientes virtuais de ensino e aprendizagem; correio eletrônico; sites de redes sociais; aplicativos de mensagens instantâneas, entre outros);
II. Adoção de técnicas e estratégias e de materiais didáticos com orientações pedagógicas divulgados por meio de canais acessíveis aos(às) estudantes;
III. Organização e apresentação de um conjunto de orientações para realização de atividades pelos(as) discentes (leituras dirigidas; resolução de exercícios; desenvolvimento de projetos e de pesquisas; trabalhos em equipe; produção de conteúdo em diferentes linguagens e formatos; cursos de formação e capacitação em diversas temáticas, entre outras), conforme disponibilidade das unidades e subunidades acadêmicas, em diálogo entre discentes, docentes e técnicos;
IV. Estabelecimento, por meios digitais, de canal de contato direto entre estudantes e docentes responsáveis, para organização de atividades de Ensino Remoto Emergencial (ERE), apresentação de cronograma e esclarecimento de dúvidas no decorrer de sua realização (SIGAA; correio eletrônico; ambiente virtual de ensino e aprendizagem; site de rede social; aplicativo de mensagens instantâneas, entre outros), de acordo com as condições estabelecidas entre docentes, discentes e técnicos (Resolução nº 5.294/CONSEPE/UFPA/2020).
Desse modo, a partir da Resolução em tela, fica esclarecido que os professores da UFPA necessitaram (re) pensar, necessitaram (re) criar e (re) inventar formas de transmissão de ensino para discentes da Graduação, principalmente, nesse momento em que a tecnologia da informação e comunicação constituiu-se como uma aliada para que os alunos são ficassem em sua totalidade prejudicados.
Assim, a UFPA, ao absorver a efervescência do desenvolvimento tecnológico, construiu uma nova relação de ensino-aprendizagem que abrange habilidades relacionadas ao contexto digital e o uso responsável das ferramentas de transmissão em tempo real.
Dias e Pinto (2020) inferem que o uso das tecnologias educacionais frente à pandemia é indiscutível, foi a saída mais viável para evitar atrasos ainda maiores na educação brasileira, em todos os níveis, daí a necessidade de os espaços educacionais adequarem-se ao ensino remoto.
Nesse sentido, no período epidemiológico da Covid-19, os órgãos educacionais seguiram a orientação para utilizar as ferramentas tecnológicas para fins educacionais, cujo objetivo principal era o de fortalecer mecanismo de contato entre docentes e discentes, especialmente entre os anos de 2020-2021. O próprio Parecer nº 5 do CNE (Brasil, 2020, p. 9) indicou que as Instituições de Nível Superior fizessem a:
1 Reorganização dos ambientes virtuais de aprendizagem e outras tecnologias disponíveis nas IES para atendimento do disposto nos currículos de cada curso;
2 Realização de atividades on-line síncronas de acordo com a disponibilidade tecnológica;
3 Oferta de atividades on-line assíncronas de acordo com a disponibilidade tecnológica; estudos dirigidos;
4 Realização de testes on-line ou por meio de material impresso a serem entregues ao final do período de suspensão das aulas;
5 Utilização de mídias sociais de longo alcance (WhatsApp, Facebook, Instagram etc.) para estimular e orientar os estudos e projetos.
O Ensino Remoto Emergencial (método de ensino utilizado majoritariamente pela UFPA) caracterizou-se por uma mudança no sistema educacional (desenvolveu atividades síncronas e assíncronas), durante a pandemia de Covid-19. Nesse sentido, o objetivo não foi o de “criar” uma nova modalidade de ensino, e sim oferecer a possibilidade de acesso aos conteúdos educacionais em tempos de isolamento social, onde há uma adaptação curricular para se adequar à nova realidade. Segundo a Resolução nº 5.294 do CONSEPE/UFPA (2020, s/p)8:
Art. 3º. O Ensino Remoto Emergencial (ERE) prevê o desenvolvimento de Atividades Acadêmicas síncronas e/ou assíncronas.
§ 1º. Atividades Acadêmicas síncronas são aquelas que possibilitam a interação simultânea entre participantes, que se encontram em espaços físicos diferentes, mas conectados, via internet, a um mesmo ambiente virtual, para o estudo de conteúdos diversos e demais atividades de ensino-aprendizagem.
§ 2º. As Atividades Acadêmicas síncronas podem ser desenvolvidas por meio de plataformas de webconferência disponíveis na UFPA, tais como Conferência Web RNP, Google Meet e Microsoft Teams, além da possibilidade de utilização de ferramentas síncronas, tais como o Chat (bate-papo) do SIGAA e do Moodle, aplicativos de mensagens instantâneas como WhatsApp e Telegram ou transmissões ao vivo pelo YouTube, entre outros recursos.
§ 3º. Atividades Acadêmicas assíncronas são aquelas que podem ser realizadas por meio de plataformas, ferramentas digitais e outras estratégias de interação não digital, que possibilitem a comunicação não simultânea entre participantes que se encontram em espaços físicos diferentes, dentro de um prazo pré-estabelecido pelos(as) docentes responsáveis pela atividade, pré-estabelecidos e acordados entre docentes e discentes.
§ 4º. Atividades Acadêmicas assíncronas podem ser desenvolvidas por meio da postagem e organização de materiais e tarefas em Sistemas de Gerenciamento de Aprendizagem (SGA) ou Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) disponíveis na UFPA, tais como: SIGAA, Moodle e Google Classroom, além do uso de ferramentas assíncronas, como os fóruns (espaços de discussão) dos AVA, correio eletrônico, questionários, planilhas, agendas, vídeo-aulas (sic), porta-arquivos virtuais (Google Drive, Dropbox, outros) e outros recursos digitais.
Dessa maneira, o impacto inicial foi o de tentar instituir o acesso facilitado às aulas online no período pandêmico de Covid-19, o educador, nesse contexto, teve como consequência o processo de adaptação e escolha de algum artefato tecnológico para servir de meio de comunicação entre o professor e o aluno.
Todo esse movimento traz a análise de Levy (1999) no que diz respeito a ideia de inteligência coletiva, referindo-se que, por meio da vivência e do compartilhamento de experiências em plataformas digitais, é possível efetivar a ampliação da capacidade cognitiva dos sujeitos na medida em que diferentes tempos, espaços e suportes passam a ser adotados em estruturas curriculares.
Para Levy (1999), a inteligência coletiva torna-se viável a partir do momento que impulsiona novas formas de aprender e ensinar no meio digital. Ou seja, é construída a possibilidade que estudantes do Ensino Superior (sobretudo, licenciaturas) incorporem capacidades cognitivas que estão relacionadas a novos campos do saber, linguagens, tempos e espaços.
Para Góes e Cassiano (2020), o ERE, como ferramenta de ensino, constituiu-se como uma saída temporária para amenizar o distanciamento presencial em cursos de Graduação, durante a pandemia de Covid-19. Para eles, nesse período, os professores tiveram que se adequar na utilização de plataformas remotas de ensino digital, como Google Meet, Zoom, Skype e Google Classroom, que tiveram papel preponderante nesse processo.
Diante dessas discussões, é fato que o MEC constituiu a possibilidade jurídica (marcos legais) para o ERE, o que trouxe consigo diversos desafios na adequação dessa nova forma de ensinar.
No Campus Universitário de Bragança, diversos foram os desafios representados pelos docentes na maneira de lidar com o ERE, seja no campo privado (conciliar no ambiente doméstico, trabalho e questões cotidianas), seja na necessidade de aprimorar conhecimentos na área de tecnologia da informação, o que analisaremos a seguir.
2.3 Os sentidos dos professores sobre o aprender com o Ensino Remoto Emergencial à constituição da cultura digital
Segundo Fantin (2020), a formação docente pode contribuir para problematizar questões sobre as demandas da sociedade, sendo este o papel que as mídias digitais assumem no processo de ensino-aprendizagem. Isso requer não apenas uma reflexão mais ampla sobre a relação entre a mídia, a comunicação, a tecnologia, a educação e as políticas, como também, uma reflexão sobre as competências midiáticas que os professores devem construir.
Por isso, seria necessário criar condições de desenvolvimento de uma competência curricular das novas tecnologias digitais que envolva a apreciação, a recepção e a produção, responsáveis aos modos de ver, navegar, produzir e interagir com as mídias e as tecnologias, sem desconsiderar que a formação inicial dos professores dialogue com a realidade escolar (Fantin, 2020).
Dito isto, com a implementação do modelo de trabalho remoto na UFPA, com destaque para o ERE, adotado pela instituição, fez com que houvesse uma urgente mudança na metodologia do ensino, contudo, fizeram-se necessárias adaptações no formato das aulas, duração dos encontros virtuais, formas e métodos de avaliação dos alunos; assim, como descreve um docente “[...] A adaptação à forma remota de ensino foi muito difícil, pois subitamente nos deparamos com uma realidade totalmente desconhecida e nunca experimentada” (Relato do Professor FM2, 2022).
Logo, as artes, as mídias e as tecnologias exercitam diferentes percepções sensoriais, construíram novos significados e aprendizados que dizem respeito à própria relação com a tecnologia, que permite diversas formas de comunicação e interação na sociedade atual (Fantin, 2020).
Esse curto intervalo de adaptação é constatado ainda por meio de entrevista de um docente do Campus Bragança no que refere-se à adequação ao modelo de trabalho remoto e ao formato online em que ocorreu o processo de ensino-aprendizagem na instituição; do mesmo modo, enfatiza as dificuldades em conciliar as atividades do trabalho remoto que passaram a ser realizadas dentro de casa com as atividades domésticas, o que ocasionou, em alguns casos, cargas horárias exaustivas. De acordo com o relato da professor FM (2022):
[...] o principal problema foi a adaptação ao regime remoto de trabalho, já que, como ele é realizado em casa houve a necessidade da constante conciliação entre as atividades laborais e as atividades domésticas. Houve ainda a questão do horário comercial de trabalho, pois, muitas vezes, demandas importantes surgiam após as 18 horas o que necessitava, muitas vezes, de serem realizadas no turno noturno.
Em meio às demandas do trabalho remoto, realizado agora no íntimo da vida particular, observa-se indicativos de dificuldades de organização para que as tarefas de trabalho não se misturassem com as tarefas domésticas.
Destaca-se que no período pandêmico, o Campus Universitário de Bragança, como de práxis, recebia orientações da reitoria por meio de documentos oficiais sobre como proceder a despeito do contexto pandêmico.
Nesse sentido, percebeu-se uma adaptação ao novo modelo de trabalho de forma gradativa, dada as condições de infraestrutura da universidade, todavia, visualiza-se o esforço daqueles que compõem o serviço público no processo de adaptação para que as atividades não fossem paradas: “[...] Em nosso departamento para planejamento e desenvolvimento das ações realizamos reuniões por videochamadas, conversas em grupos de mensagens, envio de e-mails, uso de grupos em aplicativo de mensagem” (Relato do Professor FE1, 2022).
Segundo o relato da professora FE1 (2022):
[...] O Ensino Remoto foi um desafiar-se diante do novo, sem perder as práticas do antigo, presente na cultura, nas relações, na desigualdade social de acesso aos bens e serviços, daí coube ao professor/a rever suas práticas, que até então eram muito mais voltadas para os espaços presenciais. Com o ensino remoto tornou-se muito mais online.
Lopes e Vieira (2020) trazem contribuições relacionadas aos desafios, impostos pela ruptura da estrutura tradicional de ensino em função do isolamento social. Logo, a temática da cultura digital e aprendizagem ativa emergiu em diversos veículos e nas mídias sociais. Para os autores, multiplicou-se a quantidade de lives, congressos virtuais, debates em redes sociais, e os professores se debruçaram sobre as necessidades de repensar suas práticas docentes em ambientes virtuais e espaços conectados pela rede.
Sobre essas dificuldades a professora FM1 (2022) aponta que:
[...] Mas vale também ressaltar, e não tornar invisível, o quanto que a lida com estes recursos, causou, num primeiro momento, estranheza, desespero, apreensão, violência. Poderíamos chamar de violência tecnológica? Porque em um curtíssimo espaço de tempo fomos cobrados a ter um domínio de um conjunto de saberes tecnológicos que, até então, não estavam tão presentes em nossas vidas acadêmicas.
Criar e administrar sala para reunião virtual, sala de aula virtual, gravar aulas e disponibilizar para a turma, socializar e apresentar recursos didáticos em aplicativos virtuais são exemplos de um conjunto de instrumentos tecnológicos que passaram a fazer parte das nossas vidas, em um piscar de olhos, sem estarmos devidamente preparados para utilizá-los com o total domínio que a prática docente exigia naquele momento.
Destacam Fiori e Goi (2020) que os professores tiveram um curto intervalo de tempo para adequação nessa forma de ensino; os autores apontam para a necessidade de se considerar a possibilidade de repensar a educação brasileira quanto às novas tecnologias educacionais, articulando o ensino online.
Nesse sentido, a professora FM1 (2022) destaca que:
Enquanto docente do campus de Bragança, o principal problema que eu aponto nesse período de pandemia foi o isolamento social e por conta disso a modalidade de ensino de forma remota, ou seja, online, interferindo no Bom andamento das atividades de ensino e de aprendizagem, uma vez que essa modalidade de ensino não permitia o contato e uma interação mais efetiva com alunos e alunas.
Costa (2016) analisa que, devido à dinâmica social, o processo de ensinar-aprender passa pela construção de novos significados, saberes e práticas, partindo também, de instrumentos tecnológicos cada vez mais próximos dos indivíduos na construção do conhecimento. Logo, em um ambiente informatizado, o docente tem a possibilidade de desenvolver em si e nos alunos uma aprendizagem que ultrapasse os muros da universidade, familiarizando ambos como o uso da tecnologia como uso consciente da educação.
Até aqui, observa-se que há a dificuldade de adaptação frente à nova realidade imposta pela Covid-19. Nessa conjuntura, a pandemia, segundo Loiola (2021), reconfigurou a maneira de se pensar a educação, onde novos vocabulários passaram a se fazer presente na linguagem docente e discente como webaula, webinar, Google Meet, ensino remoto, Classroom, link de acesso, sala virtual, ou seja, essa forma de ensino abriu novas possibilidades para um ensino cada vez mais moderno, do ponto de vista tecnológico.
Na UFPA, Campus Universitário de Bragança houve dificuldades na adequação de utilização dessas ferramentas tecnológicas, seja por falta de recursos da instituição, seja pelo pouco contato que alguns docentes tinham até então com recursos de ambiente virtual para aulas. Por isso, houve a necessidade de reinventar a vida a partir de novos modos estratégicos de trabalho, tal como destaca um dos interlocutores desta pesquisa, o professor FLP1 (2022):
[...] A pandemia foi muito danosa para a humanidade, mas foi muito importante para repensarmos o "modus operandis" que tínhamos até então. Tivemos que buscar novas formas de fazer o que já vinha sendo feito e formas alternativas de acelerar a transição para o trabalho digital. Nesta questão em específico, acredito que tivemos ganho de produtividade para alguns departamentos da instituição, mas para outros foi prejudicial.
Nesse aspecto, a partir dos questionamentos sobre como ocorreu a convivência remota, entre servidores da instituição e ainda como esse modelo interferiu no exercício das atividades de trabalho que necessitavam serem realizadas no período pandêmico, tem-se o indicativo de que a convivência entre servidores em ambientes virtuais caracterizou-se, principalmente, de forma positiva e satisfatória.
No que tange aos recursos da UFPA é fundamentalmente necessário ter em mente a compreensão dos processos em que estavam imersas nas IES do Brasil, antes mesmo de decretar-se um contexto pandêmico. Registra-se, em grande medida, a escassez de políticas públicas do ponto de vista da garantia do acesso e da permanência de alunos nessas instituições, a pandemia mostrou o quão desigual é o Ensino Superior no país e a necessidade de maior investimento, sobretudo, nas instituições situadas em territórios amazônicos. A partir desses apontamentos, um o professor FLP2 (2022) evidencia, em resumo, o contexto da instituição.
[...] as universidades públicas federais tem sido palco de provimento de poucas políticas no que concerne à logística necessária e ideal para o seu funcionamento, o que, por certo, tornou-se avolumada diante da crise pandêmica. Somos sabedores de que a região amazônica é tida como aquela que os recursos de internet, por exemplo, são de pouco investimento e quando há é de pouca qualidade dadas as diversas circunstâncias. Por outro lado, os investimentos em logística tecnológica para cobrir a área das ciências humanas é quase nenhum, por isso, as dificuldades tecnológicas em atender o ensino e a aprendizagem em tempos de distanciamento social é crucial, desolador.
Ou seja, além das dificuldades de implementação efetiva do ERE, houve ainda a baixa destinação de recursos orçamentários para a UFPA gerenciar essas crises humanitárias de saúde e garantir o acesso dos discentes ao ERE. No Campus Universitário de Bragança, foi necessária a reorganização curricular para que fosse possível a continuidade das atividades acadêmicas, assim como as administrativas.
Com a adoção do sistema de trabalho remoto, grande parte das atividades de trabalho foi exercida pelos servidores dentro de seus ambientes particulares, com destaque para o ensino remoto, no caso de docentes. A modificação do ambiente de trabalho trouxe à tona a dificuldade de adaptação ao uso dos aparelhos e das ferramentas tecnológicas, de igual modo, a necessidade de adaptação do ambiente de casa para que pudesse ser possível o trabalho remoto, como destacado no relato do professor FH1 (2022):
[...] Uma das dificuldades foi a parte tecnológica, pois muitos servidores não dispunham de equipamentos adequados em sua residência e isso comprometeu o desenvolvimento de muitas atividades. Por outro lado, esse também é um problema enfrentado pelo Campus de Bragança que dispõe de aproximadamente 80% dos seus equipamentos de TI defasados. Isso comprometeu a prestação do serviço remoto, pois não havia equipamentos adequados nem para exercer o trabalho de forma presencial, quiçá o remoto.
Ao considerar os baixos investimentos nas IES nos últimos anos e a urgente necessidade de acesso a aparelhos tecnológicos e acesso à internet no contexto da pandemia, evidenciam-se, a dificuldade que a UFPA, Campus Bragança, vivenciada a partir do relato dos docentes, no sentido de garantia de condições para a organização de atividades acadêmicas. Umas das principais dificuldades apontadas pelos docentes, foi a necessidade de investimento em infraestrutura dentro do lar para manter-se o trabalho de forma remota. De igual modo, a “invasão” do ambiente pessoal pelas demandas das atividades de trabalho que misturavam-se com os momentos de descanso e lazer dos servidores, em alguns casos. Assim, o interlocutor, professor FM1 (2022), descreve:
Em relação à infraestrutura, na minha função como docente, o trabalho remoto me trouxe um aumento significativos de gastos com energia elétrica, com a compra de equipamentos, além da necessidade de utilizar parte da casa voltada ao meu uso pessoal, como o quarto de dormir, como ambiente de trabalho, assim, mesmo que antes eu já trouxesse do trabalho uma carga considerável de tarefas, isso tomou uma dimensão muito maior, pois com o trabalho remoto, minha casa se tornou meu ambiente de trabalho, invadindo espaços que antes eram para meu descanso, lazer ou para outras finalidades da convivência familiar e pessoal. Acrescente-se a isso as constantes oscilações na rede de energia e de internet, comuns no município de Bragança, o que me causou, em várias situações, transtornos na realização de atividades.
Logo, percebe-se como houve um impacto entre as atividades docentes com a vida privada, como se o trabalho estivesse 24 horas por dia vinculado à atividade privada do servidor. Entende-se, portanto, que o ERE trouxe uma nova relação de trabalho, ensino, aprendizagem, estratégias, além das dificuldades que vão desde a adaptação das ferramentas tecnológicas a falta de recursos das IFES. Diante desses desafios, dificuldades e estratégias de trabalho, apresenta-se a seguir, as representações dos docentes sobre o ERE em tempos de pandemia da Covid- 2019.
Ilustra-se, inicialmente, no entorno da teia imagética, a necessidade de pensar o ensino no contexto pandêmico, da UFPA, Campus Universitário de Bragança, diretamente ligado pelo uso dos meios das tecnologias de informação e comunicação, como fundamentais para mediar o Ensino Remoto Emergencial.
As instituições públicas federais tinham autonomia e a responsabilidade de definir suas disciplinas, desde que fossem disponibilizadas para o acompanhamento de conteúdos em ambientes virtuais, sendo constituídas com base em planejamentos na organização dos calendários organizados e ampliação de CH pela IES. Dessa maneira, a substituição das aulas presenciais por aulas remotas representou uma “nova” forma de cumprimento da carga horária exigida em lei para os docentes, a partir do planejamento curricular e o cumprimento do calendário e organização da transmissão do ensino, constitui-se o ERE e a flexibilização curricular dos cursos de Graduação no Campus Universitário de Bragança da UFPA.
As estratégias prescritas pelos marcos legais estavam orientadas de atividades por meios digitais, atividades não presenciais, ressaltando a importância das salas de webconferências; videoaulas exibidas ao vivo ou gravadas; conteúdos em diferentes linguagens e formatos organizados em ambientes virtuais de ensino e aprendizagem; correio eletrônico; sites de redes sociais; aplicativos de mensagens instantâneas, entre outros) estratégias diversas para a organização do ensino na UFPA para adequá-los aos ambientes virtuais.
Além das aulas síncronas e assíncronas, reorganização de ambientes virtuais, utilização de mídias, apresentação de cronograma e esclarecimento de dúvidas no decorrer de sua realização (SIGAA, correio eletrônico, ambiente virtual de ensino e aprendizagem, site de rede social, aplicativo de mensagens instantâneas, dentre outros).
Ao ter em vista as diversidades de estratégias que materializaram-se em subjetivas práticas, são perceptíveis as representações dos professores em diferentes instâncias: o ERE tinha por finalidade que o docente efetuasse a adaptação das aulas para que o aluno obtivessem acesso ao conteúdo, houve, em parte o isolamento social e em alguns momentos foi a única forma de manter as relações interpessoais e de convivência entre os sujeitos, os conflitos cotidianos entre as atividades laborais e domésticas foram imperiosos durante o ERE.
Portanto, nesse contexto, houve, segundo Fantin (2020), vários movimentos vivenciados pelos docentes na construção de estratégias, uso de ferramentas digitais e a incorporação da cultura digital em suas práticas institucionais, ressignificando, em muitos sentidos, suas atividades pedagógicas.
Observa-se as representações dos professores sobre o enfrentamento de dificuldades com uma realidade totalmente desconhecida: o acesso irregular ao sinal de internet; a falta de conhecimento com a ferramenta de transmissão online; a falta de infraestrutura; a dificuldade numa aprendizagem efetiva; a compra de equipamentos e os gastos com energia elétrica; a preocupação do acesso e permanência dos alunos nas IES; a violência tecnológica com os docentes, pois, foi pouco tempo para apropriarem-se dos saberes tecnológicos em ambientes virtuais; o desafio das práticas novas, sem perder as práticas do antigo, dentre, outros desafios, impostos por essa nova realidade. Compreendemos ainda que o motor desse momento foram os desafios impostos à prática docente que remodelou novas formas de ensinar e aprender a partir do ERE, o que culminou para a adequação ao que é chamado de cultura digital.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia trouxe consigo um momento de incertezas e perdas, mas também foi um momento de adaptações e reinvenções em diversas áreas da vida humana, dentre elas, o modo de se estabelecer formas de ensino, tal como o ERE
O Ensino Remoto Emergencial, cujo processo de adaptação transitou por alguns pontos específicos, na realidade do Campus Universitário de Bragança, tais como: a falta de recursos tecnológicos; os recursos financeiros reduzidos para apoio de técnicos e professores; a ausência no ano de 2020 de cursos de capacitação específicos para o ERE, além dos abalos psicológicos, ocasionados pela pandemia. Desse modo, entende-se que muitos foram os desafios impostos pelo período pandêmico, muito foi aprendido durante esse processo de adaptação, com erros, acertos e construção de estratégias para atender as demandas educacionais do Campus Universitário Bragança.
É evidente que os professores obtiveram cursos de capacitação sobre o ERE, no entanto, o acesso à linguagem das tecnologias da informação e comunicação, sempre foi um desafio. Logo, é nítida as representações dos docentes com a apropriação, práticas no uso das plataformas digitais desde as linguagens tecnológicas/saberes específicos com o uso das ferramentas virtuais.
Não se pode camuflar o movimento de operacionalizar a máquina em um curto espaço de tempo para a atuação docente e a produção gerada de uma cultura digital, presente no contexto pandêmico nas mais diferentes estratégias de ensino e aprendizagem, no contexto da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário da Amazônia Bragantina, Pará-Brasil.