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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 02-Set-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15476.071 

Artigos

Ensino remoto para alunos surdos em tempos de pandemia*

Remote education to deaf students in pandemic times

La educación remota a los estudiantes sordos em tiempos pandémicos

Elsa Midori Shimazaki* 

Renilson José Menegassi** 

Dinéia Ghizzo Neto Fellini*** 

**Universidade Estadual de Maringá - Programa de Pós-Graduação em Educação. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: <emshimazaki@uem.br>.

***Universidade Estadual de Maringá. Doutor em Letras pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp). E-mail: <renilson@wnet.com.br>.

****Universidade Federal da Integração latino-Americana. Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: <dienia.fellini@unila.edu.br>.


Resumo

Desde o surto da Covid-19 no Brasil, mudanças ocorreram no enfrentamento à pandemia, e o isolamento social foi um deles. Na educação, a iniciativa implementada no Estado do Paraná foi o ensino remoto, a mostrar preocupações da comunidade escolar quanto ao processo de ensino e aprendizagem dos surdos. Nessa escolarização, as inquietações latentes induziram a um estudo pontual e exploratório de forma remota, a cinco professores, três alunos e uma pedagoga de escola de educação bilíngue, a empregar três questionários distintos, com seis questões cada e entrevista oral. Os resultados, subsidiados pelas teorias Histórico-Cultural e Dialogismo em linguagem, demonstram: a) o ensino remoto é um desafio na preparação de aulas; b) alguns alunos vulneráveis economicamente não acessam atividades remotas; c) alunos sem auxílio parental para os estudos; d) dificuldades de compreensão e interpretação dos enunciados; e) sem contato social escolar, o isolamento afeta o desenvolvimento linguístico e social dos surdos.

Palavras-chave: Surdo; Ensino remoto; Desenvolvimento

Abstract

Since the Covid-19 outbreak in Brazil, changes occurred to face this pandemic and social isolation (lockdown) is one. The State of Paraná implemented remote education showing concerns of the school community regarding the teaching and learning of deaf students. Therefore, latent concerns led to a punctual and exploratory remote study. Five teachers, three students and one pedagogue from a school of foreign language education were questioned using three different questionnaires with six questions each and one oral interview. Results, supported by historical-cultural theories and dialogism in language, show: a) Remote teaching classes preparation is a challenge; b) some economically vulnerable students do not have access to remote activities; c) students without parental assistance to study; d) difficulty to understand and interpret the statements; e) without school social contact, isolation affects the linguistic and social development of deaf students.

Keywords: Deaf student; Remote teaching; Development

Resumen

Desde la aparición del Covid-19 en Brasil, muchos cambios ocurrieron en el enfrentamiento a esta pandemia, siendo el aislamiento social uno de ellos. En lo referente a la educación, la iniciativa implementada en el Estado de Paraná fue las clases a distancia, la comunidad escolar demostró preocupación en cuanto al proceso de enseñanza y aprendizaje de los alumnos con deficiencia auditiva. En esta escolarización las alteraciones concentradas, guiaran a un estudio puntual y exploratorio de forma distante, a cinco docentes, cuatro alumnos y una pedagoga especializada en educación bilingüe a emplear tres cuestionarios distintos, cada uno con seis preguntas y entrevista oral. Los resultados auxiliados por las teorías Históricas-Cultural y Dialogismo en lenguaje, demuestran que: a) la educación a distancia es un desafío en la preparación de las clases; b) algunos estudiantes de pocos recursos económicos no tienen acceso a las actividades a distancia; c) alumnos sin ayuda de la familia en el estudio; d) dificultades de comprensión e interpretación de los conceptos; e) sin contacto social y escolar, el aislamiento afecta el desarrollo lingüístico y social de los alumnos con deficiencia auditiva.

Palabras clave: Sordos; Educación remota; Desarrollo

Considerações iniciais

No atual cenário epidemiológico, ao qual o Brasil se encontra (primeiro semestre de 2020), com o surto do Corona vírus, doença acarretada pelo vírus SARS-CoV-2 - Covid-19, muitas iniciativas e medidas são tomadas para prevenir as pessoas da contaminação e diminuir o número de mortes. No que se refere a outras instâncias que não sejam a da saúde, os governos federal, estaduais e municipais têm aplicado medidas de reparação social e, no caso específico da educação, algumas iniciativas surgiram para minimizar os atrasos evidentes nas aulas e no ano letivo, durante o isolamento social, como o ensino remoto implantado em muitos lugares do país.

A educação de surdos e o ensino remoto apresentam-se como debates precisos e contínuos, principalmente quando ambos se entrecruzam. Assim, o Estado do Paraná, bem como, outros estados brasileiros aderiram a forma remota como ferramenta de ensino no período de enfretamento a Covid-19 (PARANÁ, 2020a). O sistema educacional do Paraná conta com o cadastro de 402 mil alunos e 41 mil professores. As aulas em vídeo ocorrem pelo Google Classroom, um canal do YouTube, além de disponibilização de 800 mil downloads do aplicativo “Aula Paraná”, transmitido e realizado em televisão aberta, no caso, as emissoras RIC-Record (PARANÁ, 2020b). Embora, entendamos a necessidade emergencial, a fim de não cancelar o semestre, ou ainda, o ano letivo, o sistema adotado exige condições socioeconômicas, como as ferramentas tecnológicas, e habilidades pelos alunos para que otimizem o processo de ensino e aprendizagem de forma remota. É uma mudança no paradigma educacional até então realizado.

Concerne que, diante das medidas tomadas, muitas questões foram ignoradas pelos órgãos competentes, como a situação de vulnerabilidade socioeconômica, linguística, física e cognitiva dos alunos. Desse modo, ao se ofertar o ensino remoto, a exclusão desses alunos torna-se mais um agravante diante da pandemia e das condições impostas e requeridas a muitos deles. Perante a necessidade de verificarmos como o ensino remoto tem ocorrido com alunos surdos, em especial, investigamos uma escola de educação bilíngue para surdos em um município no Oeste do Estado do Paraná, de forma remota, também, para ser coerente com o momento descrito. Os resultados obtidos são apresentados e discutidos a partir de três posturas sociais diferentes: a orientação pedagógica, professores, e alunos surdos. A análise reserva-se ao sistema proposto, o processo de ensino e aprendizagem, a participação da família e os resultados observados nesse momento inusitado de ensino. Para tanto, pautamo-nos na Teoria Histórico-Cultural e no Dialogismo, teoria da linguagem, para analisar os registros obtidos, a fim de compreender como ocorre o atendimento escolar por ensino remoto a alunos surdos, em tempos de pandemia da Covid-19.

A educação de surdos

Os movimentos em prol das pessoas com deficiência sempre estiveram vinculados às discussões acerca do acesso à educação de forma plena. O marco inicial em defesa da educação para todos, embora tenha sido instituído com imperatividade na Conferência de Jomtien, na Tailândia em 1990, os objetivos assinalavam para a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem e a universalização do acesso à educação (UNESCO, 1990), anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) já preconizava o direito de toda pessoa à educação, independentemente de sua condição.

Antes dessas iniciativas, obviamente que outras ações impulsionaram a efetivação da educação inclusiva, especificamente, na área da surdez, cita-se a criação da primeira Escola Pública para Surdos em Paris, em meados da década de 1760, representada pelo esforço de Abade L’ Epeé. O Congresso de Milão, ocorrido em 1880, em contrapartida, apresentou-se como um retrocesso na escolarização dos surdos, do qual a proposta de ensino forçava o uso da fala em evidência, com apoio da sociedade ouvinte da época (SILVA, 2006).

A metodologia oralista adotada, contribuiu para que os surdos não tivessem acesso às informações, nem tão pouco o direito à comunicação. Embora, esse movimento tenha enfraquecido os trabalhos até então desenvolvidos, Silva (2006) reporta-se às pesquisas realizadas por Girolamo Cardano (1501-1576), cujo os estudos rompiam com a visão de incapacidade atribuída aos surdos. Cardano defendia a capacidade de o surdo raciocinar, a reconhecer que a escrita poderia representar os sons da fala, ou, ainda, as ideias do pensamento, não lhes impossibilitando a aquisição do conhecimento.

Muitas pesquisas e muitos movimentos da própria comunidade surda em defesa da língua natural corroboraram para que a língua de sinais fosse readmitida como meio de comunicação dos surdos. Os fracassos da metodologia oral induziram, a princípio, para a educação bimodal. Tal proposta, atribuída como “português sinalizado”, que se caracteriza pelo uso simultâneo de sinais e da fala, a articular-se com os princípios defendidos em Salamanca, na Espanha, em 1994, ao conclamar que todos aqueles com necessidades educacionais especiais deveriam ter acesso à escola regular, a acomodarem-nos dentro de uma pedagogia centrada na criança, a satisfazer assim, suas necessidades (UNESCO, 1994). Dessa maneira, os surdos foram inseridos no processo educativo formal. O Brasil adotou esses princípios em 1996, ao implementar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - n. 9394), em seu Art. 58, sinaliza a priorização da Educação Especial, a evidenciar a defesa quanto ao atendimento das pessoas com deficiência (BRASIL, 1996).

Com a formalização da Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão no Canadá, em 2001, a atribuir aos Estados a necessidade de um desenho acessível e inclusivo de ambientes, produtos e serviços (ONU, 2001), o Conselho Nacional de Educação (CNE), em consonância com a Câmara de Educação Básica (CEB) no Brasil, no mesmo ano, cria a Resolução nº 2, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. A proposta baseia-se na oferta do atendimento aos alunos com deficiência em todas as suas etapas e modalidades de ensino, além do Atendimento Educacional Especializado (AEE), se houver necessidade. O Artigo 3º, em seu parágrafo único, aponta caber aos sistemas de ensino, o funcionamento da Educação Especial no ensino comum, a ofertar recursos humanos, materiais e financeiros que venham a sustentar o processo de construção da educação inclusiva (BRASIL, 2001).

Essas medidas recobraram o uso da língua de sinais nos espaços educacionais, a conduzir a oficialização da língua no Brasil, em 2002, com a Lei nº 10.436. A lei aponta que a Língua Brasileira de Sinais - Libras - é o meio legal de expressão e comunicação da comunidade surda, indispensável para a inclusão social dos surdos (BRASIL, 2002). Com a oficialização, demandaram-se novas normatizações intrínsecas à primeira, como a regulamentação, a formação e o ensino da Libras, pelo Decreto nº 5626/2005 (BRASIL, 2005).

Com essas implementações, acreditava-se que a inclusão dos surdos na rede regular de ensino seria respaldada pelo reconhecimento das diferenças linguísticas, entretanto, apresenta-se, ainda, como um desafio, a exigir dos educadores mudanças nas práticas pedagógicas, o que nem sempre ocorre adequadamente. As desvantagens dos surdos em relação aos ouvintes, no âmbito educacional, consequentemente, no acesso aos conhecimentos científicos, mesmo com a presença do Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais - TILS - em sala, têm se constituído em uma disparidade visível. Isto revela, portanto, que não basta apenas o movimento em prol do acesso e a permanência dos alunos surdos na escolarização, se a concepção oralista de ensino manteve suas raízes.

Sem conhecimento e domínio da língua de sinais, práticas pedagógicas descontextualizadas da realidade dos surdos se perpetuam, a repercutir negativamente na sua formação e identidade linguística, por conseguinte, a retratar uma aquisição do português escrito de maneira fragmentada. Os surdos não conseguem se apropriar da língua materna, tão pouco, adquirir uma segunda língua - L2, a tornar-se desafiador para si decodificar, compreender, interpretar e reter qualquer informação ou conhecimento. Por isso, para conhecer a base do pensamento lógico-verbal, Luria (1991a, p. 18 [grifos do autor]) aponta ser relevante conhecimentos acerca de como a língua se elabora, isto é, “[...] abordar a estrutura da palavra que permite formar os conceitos, focalizar as leis básicas das ligações das palavras em sistemas complexos, que possibilitam realizar juízos, e descrever os sistemas lógicos mais complexos que se formaram na história da língua [...]”. Essa concepção sobre a língua se faz necessária para que compreendamos que o acesso aos conhecimentos científicos decorre, principalmente, da capacidade linguística desenvolvida pelo aluno, seja surdo ou ouvinte.

A língua e a sua função na formação do pensamento

Ao consideramos apontamentos sobre a linguagem e o pensamento, ou ainda, sobre a linguagem e a sua função sócio discursiva, reconhecemos que a língua, é “[...] o veículo fundamental de transmissão de informação [...]” (LURIA, 1991b, p. 81, [grifos do autor]), a ela cabe a participação na formação social, linguística e cognitiva do ser humano. A língua tem sua importância, pois é o instrumento mediador entre o homem e os conhecimentos. Embora, as línguas faladas e sinalizadas apresentem diferenças estruturais, desempenham importância ímpar na formação do psiquismo. Isso porque “[...] as palavras de uma língua não apenas indicam determinadas coisas como abstraem as propriedades essenciais destas, relacionam as coisas perceptíveis a determinadas categorias” (LURIA, 1991b, p. 80). Ademais, “a palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra no interlocutor. A palavra é o território comum entre o falante e o interlocutor” (VÓLOCHINOV, 2017, p. 205), por isso, a língua é social e determinante para o desenvolvimento do pensamento.

Para Vigotski (2009), tanto o grito quanto o balbucio, ou ainda, as primeiras palavras das crianças representam, de forma nítida, os estágios de desenvolvimento da fala, todavia, em estágios pré-intelectuais não se caracterizam como parte do pensamento. Somente na fase pré-escolar que a criança assimila o mundo objetivo, isto é, “[...] um mundo de objetos humanos reproduzindo ações humanas com eles” (LEONTIEV, 2018, p. 59), entretanto, é por volta dos dois anos de idade que “[...] as curvas da evolução do pensamento e da fala, até então separadas, cruzam-se e coincidem para iniciar uma nova forma de comportamento muito característica do homem” (VIGOTSKI, 2009, p. 130), ou seja, a fala se torna intelectual, enquanto que o pensamento verbalizado, “[...] 1) a criança que sofreu essa mudança começa a ampliar ativamente o seu vocabulário, perguntando sobre cada coisa nova [...]; 2) dá-se a consequente ampliação de seu vocabulário, que ocorre de forma extremamente rápida a aos saltos” (ibidem, p. 131 [grifos do autor]).

Com as modernas tecnologias do mundo globalizado, esses saltos são mais perceptíveis. Nessa lógica, espera-se que crianças e jovens, ouvintes ou surdos, estejam imersos na rede de mensagens instantâneas, chamadas de vídeos, entre outros recursos tecnológicos disponível na atualidade, cujo o acesso rápido aos instrumentos intelectuais produzidos pelo homem demanda somente autonomia e consciência. Contudo, os avanços no processo de desenvolvimento real para o desenvolvimento potencial da criança, no caso dos usos dos recursos tecnológicos, entre tantos outros produtos humanos, exigem a mediação de um adulto mais experiente ou de um professor. No caso dos surdos, isto é incisivo, principalmente pela questão linguística, por isso o ambiente escolar revela sua importância na aquisição, apropriação e desenvolvimento da linguagem sistematizada.

Metodologia

Com a pandemia do Corona vírus, como já apontado, buscam-se alternativas para o atendimento educacional aos alunos durante o período de isolamento, e assim possibilitar a manutenção e o acesso ao conhecimento escolar. O Estado do Paraná tem implementado o sistema de ensino remoto (PARANÁ, 2020a), e a fim de verificar como ocorre esse ensino, tanto no que tange aos materiais, iniciativas e processo de ensino aprendizagem, adotados pelos professores, quanto à aprendizagem dos alunos surdos, principalmente no português escrito, desenvolvemos um estudo pontual exploratório de abordagem qualitativa, que, segundo Ludwing (2014, p. 205), “[...] leva em conta a junção do sujeito com o objeto e busca fazer uma exposição e elucidação dos significados que as pessoas atribuem a determinados eventos”, o que se torne procedente, ideal e necessário na atual conjuntura da educação brasileira.

O estudo se desenvolveu em três etapas distintas e sequenciais: a) identificação do local da pesquisa; b) levantamento da população e amostras do estudo; c) aplicação empírica sobre os registros coletados. Na primeira etapa, elencamos dois critérios de seleção: 1) município com melhor nota em Língua Portuguesa no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no ano de 2017 (BRASIL, 2017), no Estado do Paraná; 2) escola de educação bilíngue para surdos. O município que apresentou o melhor resultado na Prova Brasil está localizado na região Oeste do Paraná, contudo, não contempla o segundo critério de seleção. No entanto, após averiguação, constatamos que os alunos surdos do município são atendidos em uma escola de educação bilíngue para surdos, localizada em uma cidade vizinha, a torná-la, lócus da investigação.

Na segunda etapa, todos os contatos realizados com os envolvidos ocorreram via WhatsApp, uma metodologia coerente com o estudo pretendido sobre o ensino remoto. O primeiro contato foi com a direção da escola, quando apresentamos o objetivo e encaminhamentos da pesquisa. Após receber o consentimento da direção , entramos em contato com uma das pedagogas da instituição, com o mesmo procedimento anterior. Com o aceite de participação junto ao estudo, obtivemos alguns dados por meio de uma entrevista via chamada de vídeo. A pedagoga relatou que a instituição é filantrópica e conta atualmente com 19 funcionários, sendo um secretário, uma diretora, duas pedagogas, cinco agentes de serviços gerais, das quais duas são surdas, sete professores ouvintes e três professoras surdas. Ademais, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza, para a instituição, uma psicóloga, duas fonoaudiólogas e uma assistente social. Há 47 alunos atendidos, regularmente matriculados. Um destaque se faz: por desenvolver projetos de letramento e encaminhamento ao mercado de trabalho, a escola atende, em média, 120 alunos, no todo do seu corpo discente.

A seleção das amostras da pesquisa ocorreu com a ajuda da pedagoga. Quanto à docência, selecionamos cinco professores que, segundo ela, atendem o maior número de alunos pelo ensino remoto. Como última amostra, selecionamos três alunos surdos, a partir de dois critérios: 1) inseridos em atividades pedagógicas voltadas ao ensino da Língua Portuguesa, de modo remoto; 2) condições de acesso aos aplicativos, vídeos conferências ou chamadas de vídeo e mensagens via WhatsApp.

A terceira etapa ocorreu na última semana de abril e primeira semana de maio de 2020, quando, em contato inicial com as amostras, apresentamos os encaminhamentos e os objetivos do estudo, convidando os docentes a participar de forma voluntária. Com os assentimentos legalizados por todos, encaminhamos, via e-mail, os questionários com seis questões abertas, com o retorno realizado no período de uma semana, a demonstrar o interesse dos participantes no processo de investigação.

Quadro 1 Perguntas realizadas a pedagoga, aos professores e aos alunos 

Perguntas à pedagoga Perguntas aos docentes Perguntas aos alunos
1) Quanto ao ensino remoto proposto pelo governo do estado, houve algum levantamento junto a escolas, equipes pedagógicas e direção quanto à concordância em realizar as atividades por meio de ensino remoto? 1) Qual é a sua concepção a respeito do ensino remoto, na fase do isolamento social? 1) Como você estuda nesta fase do isolamento, em função do COVID-19?
2) A escola realizou alguma reunião pedagógica com os professores antes de implementar o ensino remoto? 2) Como você tem preparado as atividades para os alunos? 2) Quais são os materiais recebidos para os seus estudos, no período do isolamento social?
3) Como os docentes da escola se manifestaram em relação ao atendimento a distância aos alunos? 3) Quais são as facilidades e as dificuldades encontradas por você em relação ao atendimento remoto? 3) Quais as dificuldades encontradas por você no estudo remoto e no atendimento escolar?
4) Como foi a organização de atendimento proposta pela escola? 4) Quais são as atividades preparadas e encaminhadas aos alunos? 4) Quais são as facilidades encontradas por você no estudo remoto?
5) Quantos alunos da escola estão sendo assistidos? 5) Quais são as dificuldades dos alunos com o ensino remoto? 5) Quem auxilia você, em casa, para a realização das atividades remotas?
6) Qual é a visão da equipe pedagógica em relação ao atendimento remoto? 6) Quais são as facilidades dos alunos com o ensino remoto? 6) Está ocorrendo aprendizagem como o uso de atividades remotas?

Fonte: Elaboração dos autores.

Salientamos que todos os registros obtidos foram tratados eticamente, a preservar a identidade dos participantes. Para tanto, utilizamos as siglas P1, P2, P3, P4 e P5, ao nos referirmos aos docentes; A1, A2 e A3, ao nos reportarmos aos alunos. Os resultados obtidos são discutidos segundo às perspectivas sócio histórico de educação e dialógica de linguagem.

Resultados e discussão

Durante a entrevista, a pedagoga relatou que a escola tem 47 alunos matriculados e atendidos regularmente. Desse total, 19% (9) deles frequentam o período matutino, 23% (11) o vespertino e 58% (27), o período noturno. Ademais, 22 são atendidos pelo AEE, assim distribuídos: 11 matriculados no Ensino Fundamental (EF), no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA); dois alunos na estimulação; um aluno encontra-se matriculado nos anos iniciais do EF; seis nos anos finais do EF; dois no Ensino Médio (EM). Os matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA) somam 10 alunos, todos na Fase 1, sendo dois alunos na 1ª etapa, cinco na 2ª etapa e três na 3ª etapa. Quanto ao projeto de letramento, ao todo são 14 alunos, além de uma aluna de seriação.

Os dados apontam um número expressivo de alunos surdos na EJA. De acordo com dados do Censo Escolar (BRASIL, 2019), verificou-se um aumento na matrícula de alunos de 4 a 17 anos da Educação Especial no ensino comum, a passar de 87,1% em 2014, para 92,1%, em 2018. Com o AEE ofertado em escolas exclusivas para surdos ou no próprio ensino comum, a inclusão tem representado a melhor alternativa diante da impossibilidade de ensino na proposta bilíngue.

Nesse sentido, para Pierro (2005, p. 1122):

[...] a maior parte das pessoas que busca no sistema educacional brasileiro oportunidades de estudos acelerados em horário noturno (as características da educação básica de jovens e adultos mais claramente percebidas) são adolescentes e jovens pobres que, após realizar uma trajetória escolar descontínua, marcada por insucessos e desistências, retornam à escola em busca de credenciais escolares e de espaços de aprendizagem, sociabilidade e expressão cultural.

Além da vulnerabilidade socioeconômica de muitos alunos surdos, outros fatores justificam as matrículas, como a oficialização da língua recentemente, a possível evasão escolar anterior, a inexistência de uma pedagogia pautada na língua de sinais, a aplicabilidade da inclusão a pouco mais de duas décadas, entre outros.

Em relação à faixa etária dos alunos, dos 47 alunos citados, 4% deles têm idades entre 0 a 10 anos; 21% entre 11 a 20 anos; 38% são os que possuem idades entre 21 a 30 anos; com 19%, os alunos cuja faixa etária se apresenta entre 31 a 40 anos; 15% são aqueles entre 41 a 50 anos. Num total de 9%, estão aqueles acima dos 50 anos e 4% deles não foi especificado as idades. Quanto à linguagem, 81% dos alunos apresentam domínio da língua de sinais, 13% o domínio parcial e 6% não apresentam domínio nenhum. Quanto ao uso e domínio da língua de sinais pelos pais, 88% não têm conhecimento, tão pouco domínio; 6% dominam parcialmente a língua; 6% possuem domínio e a utilizam no ambiente familiar.

No questionário aplicado à pedagoga, perguntamos quanto ao ensino remoto proposto pelo governo do estado, se ocorreu algum levantamento junto à escola, equipe pedagógica e direção sobre a concordância em realizar as atividades por sistema remoto. Ela nos relatou que em nenhum momento isto aconteceu, nem se quer, foram solicitados encaminhamentos sobre como realizar as aulas remotas.

A falta de diálogo entre os órgãos representativos da educação e os sistemas de ensino, principalmente no momento de pandemia, tem objetivos claros, que, para Magno (2020), trata-se da interferência de grupos privados na educação. A exemplo, temos a Fundação Lehmann, articulada com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consea) e com o Ministério da Educação (MEC), assim como tem ocorrido na aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ao intensificarem a implementação do ensino remoto na rede pública de ensino, o que visivelmente trata-se da oportunidade de lucro (MAGNO, 2020). Para o autor, a proposta apresentada pela Fundação Lehmann tem por objetivo viabilizar esse tipo de ensino, por meio do uso de celulares, numa parceria realizada com operadoras de banda larga e serviços móveis, além do uso da plataforma Khan Academy, financiada pela própria Fundação em consonância com outras organizações privadas (ibidem). Põe-se em prática um ensino precário, ao mesmo tempo em que se projeta o neoliberalismo, a desfigurar o papel da escola e da gestão democrática, conquistadas nos últimos tempos.

Uma das perguntas objetivava saber se a escola realizou alguma reunião pedagógica com os professores antes de instituir o sistema. Destacou-se que não houve tempo hábil para isso, nem mesmo discussões sobre o assunto. Sobre possíveis manifestações dos professores em relação ao atendimento a distância, a pedagoga assevera que as orientações vieram do Núcleo Regional de Educação e da Secretaria de Educação do Paraná, a lhes caber somente, pedagogos e professores, seguirem os ofícios circulares enviados.

Com a interferência neoliberal, observa-se a troca do diálogo pela imposição de medidas e pela organização curricular desfavoráveis à formação dos alunos. Logo, questionamos, como foi a organização proposta pela escola para o atendimento dos alunos. A pedagoga relatou que organizaram os atendimentos de acordo com as especificidades dos alunos, distribuídos em três grupos de WhatsApp: EJA, turmas matutina, vespertina e noturna; AEE, turmas matutina, vespertina e noturna; Letramento, turmas vespertina e noturna, além do atendimento de uma aluna de seriação.

Além disso, enfatizou que os atendimentos ocorrem em home office, por meio da elaboração de vídeos postados no Youtube, vídeo conferência ou, ainda, por chamadas de vídeo e WhatsApp, além de apostilas impressas entregues aos alunos. Alguns professores, como os da EJA, estão encaminhando apostilas a cada 15 dias para impressão em casa. Entretanto, há aqueles que não possuem condições e buscam o material na escola. Há, ainda, aqueles que moram em cidades vizinhas, aos quais a escola encaminha o material pelo correio. Alguns alunos não acompanham os estudos, mas, acredita-se que aqueles que frequentam o ensino regular ou o CEEBJA são assistidos pelos professores e pelos TILS.

Atentamos para o fato de que, durante o isolamento social, os surdos nem sempre contam com a atuação dos TILS, mesmo sabendo que, como afirma Lacerda (2012, p. 255), esses profissionais são pontes, ou melhor, “[...] favorecem que uma mensagem cruze a “barreira linguística” entre duas comunidades”. Portanto, na ausência desses profissionais, exigem-se mudanças na prática docente, seja pela flexibilização do currículo ou na adaptação de materiais, a compreender que as limitações atuais, devido à pandemia, interferem na compreensão e na aprendizagem dos alunos, além do seu direito ao acesso formal dos conhecimentos humanos.

Em relação ao número de alunos que são assistidos, ressaltamos que a escola não atinge a totalidade, pois, do total de alunos matriculados, 13 não acompanham o atendimento ofertado pelos professores da escola por meio das tecnologias utilizadas; um aluno está fora do país e não conseguiu retornar devido à pandemia; quanto aos demais, a escola não consegue estabelecer contato, tão pouco encaminhar material de apoio.

É indiscutível que o ensino remoto se apresentaria como um sistema de ensino distante da realidade de muitas crianças e jovens, assim como o acesso aos conhecimentos científicos, necessários ao seu desenvolvimento psíquico. Esse modelo moderno de ensino exclui aqueles que não conseguem se adequar às necessidades básicas que a tecnologia exige. Com isso, é necessário ter especificações das metodologias e das políticas públicas que se implementam na educação, “[...] conhecendo a realidade em que estão sendo disponibilizadas essas tecnologias e a serviço de quem, para que não continuem se tornando armadilhas de dominação e exclusão social” (SERAFINI, 2012, p. 80).

Como último levantamento, indagamos qual é a visão da equipe pedagógica em relação ao atendimento remoto. A pedagoga atesta que

“... a forma de atendimento "ensino remoto” está nos deixando muito distantes de nossos professores e alunos. Estes que, por sua vez, possuem a surdez e até mesmo uma deficiência associada em alguns casos, necessitam do contato visual entre toda a equipe escolar e principalmente os colegas que se utilizam da mesma língua para se comunicar, a Língua de Sinais, formando, assim, seus pares, levando em consideração que a grande maioria de suas famílias desconhecem a língua e a escola se torna o único ambiente onde são de fato compreendidos. É sem dúvida um momento triste e desafiador que estamos enfrentando, mas continuamos firmes na esperança de que logo tudo vai melhorar e vamos todos nos encontrar”.

As considerações da pedagoga revelam maior inquietude no que tange à questão linguística, pois, sem comunicação entre seus pares e professores, obter informações e aprender torna-se um desafio no ambiente familiar. Outrossim, a identidade e a língua do surdo são camufladas, até mesmo, ignoradas. Moura (2018, p. 20) interpela que “[...] é pela linguagem que o indivíduo estabelece sua identidade e se configura como único nas suas particularidades. É pela linguagem que ele pode compreender o mundo à sua volta e estabelecer relações de causa-efeito, de temporalidade, de espaço, etc. [...]”, é por isto que “pode-se imaginar o efeito que a língua de sinais tem na organização do indivíduo surdo” (ibidem, p. 20).

A segunda amostra do estudo contempla os docentes. Entre as perguntas realizadas, a primeira averigua a concepção do professor a respeito do ensino remoto, no momento de isolamento social. Para P1 e P4, o momento apresenta-se como um desafio. Para P2, ressalta ser um mal necessário, distante do ideal, pois deixa aqueles que já são excluídos, sem condições de acesso, mais distantes do processo ensino e aprendizagem. Diferente dos demais professores, P3 considera aprendizagem comprometida, um verdadeiro platô na linha da aprendizagem. Já para P5, um susto, sem saber o que fazer, os alunos, questionam o que está acontecendo.

Uma das causas que torna o ensino remoto mais difícil é a falta de formações na área de Tecnologias da Informação (TI), pois os professores não são tutores, como na educação a distância, e cada qual tem sua função específica. Enquanto a tutoria envolve atuações dirigidas, tanto de orientação pessoal, quanto acadêmica e profissional, à docência, segundo Vilarinho e Cabanas (2008), exige-se a elaboração de planejamentos prévios, desenvolvidos cuidadosamente, baseados na promoção e motivação de aprendizagens independentes e autônomas, por isso, demanda, pedagogicamente, capacidade quanto ao uso de tecnologias midiáticas.

No que concerne à segunda questão, indagamos como os docentes preparam as atividades para os alunos. Tanto P1 quanto P2 atestam buscar conhecimentos nas tecnologias, no uso de aplicativos como WhatsApp, ou, ainda, no uso de vídeos, imagens, textos, formulários. Ademais, para P1, a revisão de conteúdo é uma necessidade, a fim de relembrar e reforçar a assimilação, além, é claro, do auxílio nas tarefas e nos conteúdos que ainda os alunos tenham dúvidas. Para P3, a preparação ocorre por meio de pesquisas diversas, organização de plano de aula, vídeos explicativos postados no YouTube e por acompanhamento online via WhatsApp. Na opinião de P4, praticamente o plano anual estabelecido junto à equipe pedagógica foi deixado de lado repentinamente. Para Serafini (2012, p. 71), “[...] a educação a distância chega nesse cenário atual da educação com parâmetros tecnicistas de massificação, criando, dessa forma, uma contradição com a realidade da educação atual, gerando “conflitos pedagógicos””.

A princípio, P4 e P5 afirmam sentir-se perdidas, pois, no relato da primeira, os materiais ficaram na escola. A partir da ordem do Núcleo Regional de Educação, quanto à preparação das aulas e ao uso dos meios virtuais possíveis para contatos com alunos, de forma remota, a partir dos planejamentos, reelaboraram novas atividades, adaptando o material de Língua Portuguesa para a Libras. Observamos, aqui, uma concepção taylorista de educação, que, na visão de Patto (2013, p. 311), “[...] caberia à escola, à imagem e semelhança das máquinas na produção industrial, processar a matéria-prima de modo a homogeneizar o produto final”. As atividades, segundo P5, são preparadas com muita preocupação, pois considera o ensino uma verdadeira prática pedagógica, que exige apropriação, e de forma remota, pode ser uma forma cansativa ao aluno, por isso a preocupação dos docentes. Além do mais, os surdos estão em diferentes níveis de aprendizagem e amadurecimentos para os conhecimentos. Por estarem nos níveis iniciais de aprendizagem, a preocupação é maior quanto à leitura, escrita, compreensão de contextos etc., de forma remota torna-se muito mais complicado para os docentes e para os alunos surdos. Compreendemos a angústia da docente, pois concebemos, assim como Andrade (2017), que a aprendizagem, seja da língua ou não, decorre da perspectiva sócio discursiva, portanto, as práticas sociais e de socialização entre docentes e discentes são mutuamente dependentes e articuladas, necessitando, portanto, serem compreendidas e contextualizadas.

No que compete às facilidades e dificuldades encontradas pelo docente em relação ao atendimento remoto, P1 considera desafiador, a alegar que dificuldades sempre haverá, contudo, aos poucos, são superadas e gradativamente melhoram-se os acessos, as postagens, os usos de atividades diferenciadas, os modos de correção e avaliação de atividades, entre outros aspectos inerentes a esse formato de ensino. Já, para P2, a participação dos alunos é a parte mais angustiante, pois constata-se que não conseguem acesso adequado por não terem equipamentos necessários, ressaltado também nas respostas de P3. Segundo P3, diariamente o processo se organiza de maneira a ficar tranquilo e fácil, porém, depois das aulas prontas, ela afirma não apresentar dificuldades. Por sua vez, para P4, é necessário um tempo maior para a organização de aulas, materiais, etc., sem considerar, as conexões de internet muitas vezes lentas, a prejudicar o acesso de todos.

P4 relata ainda que o atendimento remoto é muito complexo para a Educação Especial, principalmente para os alunos com dificuldades de aprendizagem. É importante o acompanhamento da família, o que já não é fácil no dia a dia, por isso, sempre após os planejamentos e a elaboração das atividades, entra em contato com um familiar, a solicitar o acompanhamento do aluno quanto às dúvidas possíveis, mas nem sempre o horário combinado coincide com a possibilidade do familiar participar. Outro apontamento é de que toda aula solicita a organização do material repassado, para que esteja com o aluno na hora da explicação, além do posicionamento da câmera e o local adequado para as chamadas de vídeo. Para P5, é muito angustiante e difícil esse processo, pois prefere o contato físico, a possibilidade de conversar pessoalmente com os alunos, já que os problemas de comunicação no ambiente familiar são rotineiros, enquanto que na escola, no contato real, nos encontros, nas piadas, no bate papo, próprio da cultura surda, a interação e o desenvolvimento linguístico ocorrem e se desenvolvem.

O diálogo, segundo a visão dialógica de Vólochinov (2017, p. 219), “[...] no sentido estrito da palavra, é somente uma das formas da interação discursiva, apesar de ser a mais importante. No entanto, o diálogo pode ser compreendido de modo mais amplo [...], como qualquer comunicação discursiva, independentemente do tipo”. Muitos surdos não conseguem se utilizar de outros tipos de diálogos, como os efetivados pelos gêneros discursivos escritos da escola, pelas dificuldades que permeiam o português escrito para esses alunos, portanto, é na interação face a face com seus pares, usuários da mesma língua, que os discursos emergem.

A próxima questão objetivou saber quais são as atividades preparadas e encaminhadas aos alunos, aplicadas durante o ensino remoto. As docentes afirmam desenvolver atividades de produção, leitura e interpretação, com questões abertas, com alternativas, aulas em vídeos, imagens, mapas entre outros, nos casos de P2, P1, P3. Já P4 afirma desenvolver as atividades com base na alfabetização e no letramento, a empregar sequências didáticas em cinco disciplinas, Português, Matemática, Estudo da Sociedade e Natureza, que correspondem a outras três disciplinas. Aparentemente algo fácil, no entanto, ao se tratar de alunos com dificuldades de aprendizagem, a repetição é contínua, o que se torna um empecilho nas atividades remotas. P5 procura se utilizar de imagens, do uso da configuração de mãos, das atividades adaptadas etc., na tentativa de adaptações necessárias, assim, utiliza textos, mas, antes, adapta à realidade linguística e visual dos alunos surdos, o que considera como mais difícil nesse novo processo de docência.

Ao abordarmos as dificuldades dos alunos quanto a esse sistema de ensino, P1 relata que os alunos ainda não são habituados e alguns, devido à condição social, não dispõe de celular, televisão, computador ou notebook para acesso remoto. Há aqueles que devido à idade ou à dificuldade de concentração, compreensão ou dúvidas, não conseguem apresentar suas angústias e esclarecê-las junto aos professores. Na percepção de P2, as maiores dificuldades são de compreensão e de interpretação dos enunciados, pela própria constituição da língua portuguesa e o seu conhecimento pelos alunos. Os surdos precisam de muitas explicações, que, segundo P3, exige a produção de vídeos bem elaborados, para que possam ver e rever, quando quiserem e necessitarem, para que a compreensão se estabeleça. São novas e adaptadas formas de ensino.

Alguns aspectos interferem nesse processo de compreensão e interpretação dos enunciados das atividades remotas. A forma como os enunciados são sinalizados pelo uso de Libras ou escritos em português pode ser um fator a se considerar no processo do entendimento. Também, a falta de domínio da língua de sinais pelo docente ou pelo aluno. Outro aspecto é a dificuldade de decodificação, que consequentemente, interfere na compreensão e interpretação desses enunciados. Assim como afirma Menegassi (2010, p. 36),

a) toda leitura envolve uma produção - e não uma extração, simplesmente - de sentidos, constituídos a partir do saber do leitor e das circunstâncias da leitura; b) tanto “os ditos” como “os não ditos” fazem parte do texto; assim, saber ler significa perceber a incompletude do texto e desfazer os efeitos de transparência; c) cabe ao leitor perceber as estratégias de manipulação presentes no texto, o que o torna um sujeito ativo - e não um sujeito passivo, tal como propõem as teorias da decodificação - uma vez que ele pode perceber a ideologia presente no texto, questioná-la, julgá-la e colocar-se contra.

Todos esses apontamentos a respeito da leitura exigem do professor e do aluno o reconhecimento linguístico da língua e sobre a língua. No caso dos alunos surdos, não há esse reconhecimento linguístico, possivelmente pelas práticas pedagógicas propostas no ensino da segunda língua que não oportunizaram ao aluno tais habilidades requeridas.

P4 afirma, ainda, que sem estabelecimento direto com a leitura na forma escrita, os surdos precisam da repetição, as atividades enviadas são, na maioria das vezes, só para acompanhamento pontual. A maior dificuldade verificada é na comunicação do aluno com a família, observado também na resposta de P5. Segundo P4 e P5, o uso dos gestos torna o ensino remoto ainda mais difícil, uma vez que, para os surdos, tudo é sempre mais complicado, sendo ideal a presença na escola, pois é por meio do contato com seus pares que constroem sua identidade, sua cultura, sua língua.

A questão da língua, evidenciada várias vezes neste estudo pelos participantes, mais precisamente pela dificuldade comunicativa no ambiente familiar, revela a importância da escola como espaço para a construção de discursos, passiveis de interação. Tal fato é ressaltado por Góes (2012), ao afirmar que

[...] os problemas tradicionalmente apontados como característicos da pessoa surda são produzidos por condições sociais. Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo dependendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em especial para a consolidação da linguagem (GÓES, 2012, p. 43).

Em relação às facilidades apresentadas pelos alunos, P1 revela serem poucas, principalmente pelos alunos do EF e EM, porém, para aqueles que trabalham o dia todo, preferem o sistema remoto. Já P2 e P4 ressaltam que, de um modo geral, os alunos gostam, sendo uma distração, mas preferem o uso informal desses meios, não como meio formal de estudo. Segundo P3, os alunos estudam em casa e não apresentam desculpas para faltarem, pois realizam, em todas as aulas, a chamada online e, praticamente, 100% dos alunos estão com acessos efetivados.

De acordo com P4, para os alunos,

“[...] ver o professor do outro lado da tela é “legal”. Já iniciei algumas chamadas de vídeo aula com alunos chorando. Eles não entendem praticamente o que está acontecendo. A família não consegue explicar. Por mais que os educadores façam isso, para os alunos especiais é uma luta [...]”.

Nas respostas de P5, o ensino remoto para surdos a distância é difícil, pois aprendem pela forma sinestésica, por interação, repetição, escrita e reescrita. Pela explicação de inúmeras vezes, o que não ocorre no novo sistema, em que essas complementações não podem ser aplicadas de forma adequada. Apenas se explica, e eles sozinhos, muitas vezes, desenvolvem as atividades, mas, ao surgirem as dúvidas a quem devem questionar para saná-las? É importante frisar, que a atividade da linguagem, tanto no ensino de uma língua, quanto na própria interação entre professor-aluno e aluno-aluno, sempre há o locutor e o interlocutor. Logo, a atividade verbal se apresenta infinita, portanto, toda interação, ao seu término, gera outras interações (OLIVEIRA; TORGA; RIBEIRO, 2013), o que no modo remoto não é possível como a mesma execução.

A última coleta de dados resultou em registros de três alunos surdos, a quem aplicamos seis questões. A primeira indagava-os sobre como estudavam nesta fase do isolamento, em função do Covid-19. Os alunos A1, A2 e A3 revelam que precisam ver os vídeos no YouTube e os slides enviados pela docente para aprenderem. A1 e A3 revelam que precisam ler, copiar no caderno ou no programa Word do computador, responder as atividades encaminhadas pela docente no e-mail e retornar à professora para correção. A3 ainda destaca que a docente, após o retorno do isolamento, realizará avaliações expositivas sobre o conteúdo trabalhado, a averiguar a compreensão e a retenção dos conceitos e temas estudados. A falta da convivência com os demais colegas da turma é um apontamento levantado por A1.

Novamente, a interação social apresenta-se crucial para o desenvolvimento do sujeito surdo. Nas relações que são estabelecidas, ocorre a formação da consciência individual, logo, antes de ser individual, essa consciência é coletiva, produzida socialmente e somente pela interação com os outros, ela se torna uma consciência individual, mediada pelas interações verbais (VÓLOCHINOV, 2017), mas para que isso ocorra, demanda o uso da linguagem. No grupo social que partilha da mesma língua, a linguagem apresenta-se como o instrumento mediador, pois os surdos se identificam com os usuários da língua de sinais, porque ali partilham de signos e significados, cuja língua oral não lhes permite tal condição.

Na segunda questão, o objetivo era averiguar quais eram os materiais recebidos pelos alunos no período do isolamento social. A1 e A3 destacam serem vídeos no YouTube e slides, ambos produzidos pela docente. A2 ressalta serem materiais impressos, não especificando quais seriam estes materiais.

Sobre as dificuldades encontradas por eles no estudo remoto e no atendimento escolar, A1 alega ser tranquilo, não sente tantas dificuldades, os diálogos propostos pela docente auxiliam nas dúvidas que surgem. É importante considerar que o aluno apresenta resíduo auditivo, portanto, tem certo nível de audição e se comunica muito bem pela oralidade. Para A2, o ensino remoto apresenta-se bem mais difícil que o ensino tradicional. A dificuldade para A3 está no vocabulário do português. Salienta que nos vídeos, a professora explica os conteúdos, contudo, ao se apresentar palavras de difícil compreensão, fica inquieto e busca auxílio com um familiar, para que possa lhe explicar o conceito em Libras. Também relata que a falta do contato com os colegas surdos, conversar, interagir com usuários da sua língua é a maior dificuldade encontrada.

Não se observam ressalvas dos alunos sobre o sistema linguístico do português ou ainda a questão gramatical como problema central do letramento, talvez, porque, para os surdos, assim como para os estudiosos do dialogismo, a língua é apropriada, utilizando-se dela nos diferentes discursos que se apresentam, nas variadas situações sociais naturais. A função representativa da palavra, função atribuída por Luria (1991a, p. 19) como mais importante na linguagem, “[...] permite ao homem evocar arbitrariamente as imagens dos objetos correspondentes, operar com objetos inclusive quando estes estão ausentes”, por isso apresenta tamanha representatividade. Ela não tem apenas essa função, mas “[...] é meio de abstração e generalização, reflete as profundas ligações e relações que os objetos do mundo exterior encobrem” (LURIA, 1991a, p.19, [grifos do autor]), logo, a palavra é ideológica, e “[...] a todo tempo e em todas as disciplinas curriculares, a palavra está lá mediando conceitos, ampliando ou estreitando horizontes e concretizando atos” (OLIVEIRA; TORGA; RIBEIRO, 2013, p. 87).

A questão seguinte se dirigia às facilidades encontradas pelos alunos no estudo remoto. O aluno A1 enfatiza que, pelo surdo ser visual, as aulas por meio do YouTube se apresentam compatíveis à sua realidade. Já, A2 revela que as aulas ficam no YouTube, postados pela docente, o que lhe permite estudar a hora que desejar, sem a obrigatoriedade de horário. Para A3, o que representa facilidade para si é estar na escola, na sala de aula, com as aulas do YouTube não há como interagir e ficar somente em casa, torna-se exaustivo, além de afetar negativamente os estudos, porque sempre precisa parar os vídeos para fazer um serviço doméstico, resolver uma situação do lar etc.

A partir das ponderações de A3, sobre a relevância de estar na sala de aula e a ânsia de interagir com usuários da mesma língua, retomamos os estudos dialógicos sobre a linguagem, ao afirmar que todo desenvolvimento linguístico tem como princípio o social, ou melhor, “1) a língua é um processo interrupto de formação, realizado por meio da interação sociodiscursiva dos falantes; ” (VÓLOCHINOV, 2017, p. 224 [grifos do autor]). Assim, as leis de formação da língua, “[...] não são de modo alguns individuais e psicológicas, tampouco podem ser isoladas da atividade dos indivíduos falantes. As leis da formação da língua são leis sociológicas em sua essência” (ibidem [grifos do autor]), por isso, a socialização para o ser humano lhe é intrínseca, ainda mais no caso do surdo.

Em relação à questão 5, questionamos quem auxilia os alunos em casa na realização das atividades remotas. A1 afirma que ninguém o auxilia, as atividades são desenvolvidas por si mesmo por meio de pesquisa e esforço individual. A resposta de A2 remete à ajuda prestada pela mãe, que também domina parcialmente a Libras. Para A3, normalmente ao surgirem dúvidas referentes a conceitos, acaba por realizar pesquisa na internet, porém se mesmo assim, não consegue compreender, daí solicita auxilio da mãe, outra que domina parcialmente a Libras. Muitos são os argumentos de estudiosos a favor desse estilo de ensino, a elencar que o sistema cria autonomia nos alunos, contudo, na perspectiva Histórico-Cultural, toda aprendizagem demanda a intervenção do adulto ou professor, e, no caso do ensino remoto, os surdos ficam em desvantagem, pois nem sempre há uma língua partilhada.

Como último questionamento, averiguamos se ocorre aprendizagem com o uso de atividades remotas. A1 interpela que, no começo dos estudos, parecia tudo muito estranho, aos poucos fora se acostumando. Na visão de A2, a aprendizagem está ocorrendo. Na declaração de A3, as aulas remotas não apresentam motivação, não há possibilidade de brincadeiras, conversas paralelas, a torna-las monótonas, com pouco aprendizado. Tanto para A1 quanto para A3, na escola, as aulas presenciais são melhores. A professora, segundo A3, explica minuciosamente, incentiva, instiga, coloca em interação constante, utiliza de estratégias que incluem a todos nas atividades, a despertar a curiosidade e a empolgação quanto aos conceitos, a gerar debates entre os alunos e a docente.

Cabe conceber, a partir dessas constatações dos alunos, que

a interação em sala de aula dá-se mediante atividade de linguagem concreta situada historicamente; por essa razão, a importância dos trabalhos com os gêneros do discurso, suporte fundamental para a comunicação humana. Outro ponto tocado foi a compreensão de que a interação em sala é um interação diversificada, sejam pelos inúmeros estudos com os gêneros, que pressupõem diversos tipos de interações, sejam pelas próprias interações professor - aluno, aluno - aluno, aluno - texto, aluno - espaço escolar (OLIVEIRA; TORGA; RIBEIRO, 2103, p. 89).

Esses dados sintetizam o quanto a escola é importante, o quanto a escola de educação bilíngue para surdos se apresenta como espaço para a própria identificação dos surdos, nos aspectos linguístico, social e cultural. Outrossim, reforçam como o estudo pautado na diferença linguística revela-se necessário, isto é, o domínio da língua de sinais pelo professor lhe concede espaço ao convívio social do grupo, que compartilha experiências, inquietações, dúvidas e, socialmente, uma língua de identidade.

Considerações finais

É fatídico que diante das circunstâncias atuais da pandemia do Covid-19, empregar medidas que supram, no mínimo, as necessidades urgentes na área da saúde, na economia, na educação etc; se apresentem como necessárias e precisas, porém, toda inciativa apresenta seus prós e contras. Não estamos a afirmar que o ensino remoto é um modelo de ensino falho, tão pouco a desmerecer quem o defende, todavia, nesse modelo de ensino, a oferta dos conhecimentos científicos apresenta-se precarizada.

Os resultados obtidos nesta pesquisa de caráter pontual e exploratório realçam alguns aspectos positivos e negativos do ensino remoto adotado no Estado do Paraná. Dessa forma, os apontamentos da pedagoga e dos professores revelam os desafios encontrados no atendimento remoto, em relação à preocupação existente a respeito dos alunos que se encontram excluídos do acesso ao sistema por inúmeros motivos relatados pelas participantes: a) a questão econômica; b) a língua utilizada no ambiente familiar que se diverge da utilizada pelos alunos; c) a falta de auxilio por parte dos pais; d) as dificuldades na compreensão de enunciados e na resolução das atividades; e) a distância entre as cidades; f) o acesso ao material produzido pela escola, entre muitos outros aqui não mencionados.

As alternativas desenvolvidas pela escola pautam-se em ofertar o acesso aos conhecimentos científicos de formas diferenciadas e a partir de habilidades e possibilidades dos docentes, em relação aos seus alunos surdos. Contatamos que a equipe pedagógica buscou, por meio do WhatsApp, formar grupos, cuja interação entre professor e alunos tornou-se de certa forma, possível nessa fase.

Não sendo suficiente, a escola tem solicitado aos docentes a elaboração de apostilas com atividades que atendam ao nível de escolarização dos alunos, a realçar a necessidade de adaptação dos materiais produzidos, segundo as suas diferenças linguísticas.

No que tange às considerações das professoras, além do atendimento às solicitações da equipe pedagógica, as docentes elaboram aulas por meio de vídeos, postados no YouTube, e slides e materiais, postados ou encaminhados via e-mail, além da realização de chamadas de vídeo via WhatsApp. A maior preocupação apresentada pelas docentes refere-se às dificuldades enfrentadas pelos alunos quanto à falta de apoio familiar na resolução das atividades.

Para um dos alunos entrevistados, a aula presencial disponibiliza outras alternativas que o ensino remoto não consegue oferecer, como o esclarecimento de dúvidas, as atividades práticas, a interação social entre professor-aluno, o que também foi ressaltado em muitas das respostas dos alunos, além de enfatizada por uma professora surda. Segundo os alunos, o ensino remoto dá certas liberdades, como a não obrigatoriedade de horários, a flexibilização do ensino, a autonomia etc., entretanto, não permite a interação social com os demais colegas, a troca de informações, o que atrapalha o cotidiano domiciliar e dificulta o processo de aprendizagem.

Diante dessas constatações, principalmente no que tange à questão linguística de apropriação e desenvolvimento na língua materna e do português escrito, em que a escola se apresenta como espaço para os saltos na aquisição da linguagem, entendemos que, na educação de surdos, o ensino remoto não tem conseguido obter resultados aparentemente positivos. Seria adequado que as escolas de surdos, a partir da realidade de suas demandas, criassem mecanismos de atendimentos complementares ou paralelos que atendessem às necessidades específicas de alguns alunos ou grupos, como o uso de serviços de comunicação mais acessíveis ou a organização de horários e espaços na escola para a solução de possíveis dúvidas ou, até mesmo, a explicação de conteúdo, com as devidas precauções e prevenções.

*Artigo desenvolvido junto ao projeto de pesquisa “Escrita, revisão e reescrita na formação docente”, com fomento da Fundação Araucária, CP15/2017.

1 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisas, com os termos de consentimento e assentimento dos participantes, registrada no COPEP-UEM com o número 3.892.951.

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Recebido: 31 de Maio de 2020; Revisado: 25 de Junho de 2020; Aceito: 26 de Junho de 2020; Publicado: 30 de Junho de 2020

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