SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17A dimensão política e pedagógica da festa na comunidade Quilombola de Campina de Pedra, Poconé, MTLimitações da política educacional antirracista implementada pela Divisão Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação de Macapá-AP índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.17  Ponta Grossa  2022  Epub 30-Maio-2022

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.17.19420.064 

Dossiê: Relações étnico-raciais: práticas e reflexões pedagógicas em contextos, espaços e tempos

O que nos ensinam as professoras ganhadoras do Prêmio Educar para a Igualdade Racial?

What do the teachers who won the Educar para a Igualdade Award teach us?

¿Qué nos enseñan las profesoras ganadoras del Premio Educar para la Igualdad Racial?

Maria da Gloria Calado* 
http://orcid.org/0000-0002-7885-4095

Anna Beatriz Mendes Felix** 
http://orcid.org/0000-0002-6897-2899

1Docente no Centro Universitário Sena. Professora do Curso de Cultura e Relações Étnico-raciais, promovido pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC). Conselheira da área de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região - de São Paulo (CRP/06-SP). Membra fundadora do Coletivo Antirracista Quilombação. Psicóloga voluntária no Centro de Direitos Humanos Pablo González e participante do Grupo de Pesquisa Multiculturalismo e Educação, coordenado pela Prof.a Dr.a Mônica Teixeira do Amaral, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil

2Bacharelanda e licencianda em Letras na Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil


Resumo

Este artigo foi baseado em uma pesquisa de Doutorado, centrada na avaliação das práticas pedagógicas laureadas pelo 4º Prêmio Educar para a Igualdade Racial, idealizado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. O objetivo é analisar as práticas pedagógicas realizadas pelas professoras ganhadoras da 4ª edição desse Prêmio, a fim de demonstrar elementos presentes para a elaboração das ações pedagógicas face à complexidade do racismo vigente na sociedade brasileira. Para tanto, demonstra-se a trajetória do Movimento Negro Educador na criação da Lei No 10.639/2003, bem como tematizam-se seus desdobramentos e seus desafios na perspectiva da educação emancipatória. Por fim, apontam-se elementos relevantes para a luta antirracista no contexto escolar.

Palavras-chave: Racismo; Prêmio Educar para a Igualdade Racial; Enfrentamento; Escola

Abstract

This article is based on a Doctoral research, focused on the evaluation of pedagogical practices awarded by the 4th Educar para a Igualdade Racial (Educate for Racial Equality) Award, conceived by the Center for Studies on Work Relations and Inequalities. The goal is to analyze the pedagogical practices carried out by the teachers who won the 4th edition of this Award, in order to demonstrate elements present in the elaboration of pedagogical actions in face of the complexity of racism in the Brazilian society. To do so, it is demonstrated the trajectory of the Black Educator Movement in the creation of Law no. 10.639/2003, as well as it is discussed its unfoldings and challenges from the perspective of emancipatory education. Finally, it is pointed out relevant elements for the anti-racist fight in the school context.

Keywords: Racism; Educate for Racial Equality Award; Confrontation; School

Resumen

Este artículo fue basado en una investigación de Doctorado, centrada en la evaluación de las prácticas pedagógicas otorgada por el 4o Premio Educar para la Igualdad Racial, idealizado por el Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Centro de Estudios de las Relaciones de Trabajo y Desigualdades). El objetivo es analizar las prácticas pedagógicas realizadas por las profesoras ganadoras de la 4ª edición de este Premio, con el fin de demostrar los elementos presentes en la elaboración de acciones pedagógicas frente a la complejidad del racismo en la sociedad brasileña. Para ello, se demuestra la trayectoria del Movimiento Negro Educador en la creación de la Ley No 10.639/2003, así como se tematizan sus desdoblamientos y sus desafíos en la perspectiva de la educación emancipadora. Por último, se apuntan elementos relevantes para la lucha antirracista en el contexto escolar.

Palabras clave: Racismo; Premio Educar para la Igualdad Racial; Enfrentamiento; Escuela

Introdução

O presente artigo tem o objetivo de analisar as práticas pedagógicas realizadas por professoras ganhadoras da 4ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial, ocorrido em 2008, a fim de demonstrar elementos presentes para a elaboração das ações pedagógicas face à complexidade do racismo vigente na sociedade brasileira. Para tanto, examinamos excertos de narrativas das quatro educadoras ganhadoras do Prêmio Educar para a Igualdade Racial, sendo duas docentes que se autodeclararam brancas e duas professoras que se autodeclararam negras. Para responder à pergunta “O que nos ensinam as professoras ganhadoras do Prêmio Educar para a Igualdade Racial?”, as categorias utilizadas para a análise dos excertos foram: o racismo na óptica das entrevistadas; experiência com o racismo na escola; enfrentamento do racismo; e percepção sobre a Lei No 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003).

Neste texto, usamos nomes fictícios para nos referirmos às professoras, todas com atuação em escolas públicas. Uma delas é Virgínia, professora negra responsável pelo Projeto “Brasil África”, desenvolvido com educandos do Ensino Fundamental I na Zona Sul de São Paulo. A iniciativa teve como objetivos mostrar a diversidade de culturas e nações africanas, bem como trazer à tona memórias ancestrais dos estudantes e suas famílias. A segunda entrevistada foi Patrícia Maria, responsável pelo “Projeto África”, realizado com crianças da Educação Infantil também na Zona Sul da capital paulista, iniciativa marcada por brincadeiras, pesquisas sobre o continente africano, contação de histórias, lenda, culinária e exibição de filmes. Ao longo do processo, surgiu a ideia de confeccionar bonecos(as) negros(as), para gerar maior identificação entre os educandos.

A terceira entrevistada foi Lilian, professora negra responsável pelo projeto “Nossa África”, em uma escola de Educação Infantil na Zona Leste de São Paulo. Nele, houve jogos, leitura de contos e lendas africanas, reescrita coletiva de textos, trabalhos musicais, desfiles com trajes típicos, valorização das culturas africanas e visita ao Museu Afro-Brasileiro. Já a quarta entrevistada, Maria, atuou em uma escola de Ensino Fundamental I na Zona Oeste da capital paulista por meio do projeto “Um pouco de nós, um pouco de África”, o qual envolveu a valorização de elementos africanos e afrodescendentes na cultura brasileira por meio de filmes, transformação de longa-metragens em livros ilustrados, localização da África no mapa-múndi, pesquisas sobre a escravização, leitura e reescrita de contos africanos, visita ao Museu Afro Brasil, exposição de trabalhos de alunos, bem como apresentações teatrais, danças e jograis.

Para compreendermos a percepção dessas professoras sobre a legislação bem como investigarmos qual a influência da Lei No 10.639/2003 na participação do Prêmio, analisaremos a importância da alteração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) - pela Lei No 10.639/2003 como resultante da luta antirracista dos movimentos sociais negros, que instituiu a obrigatoriedade do ensino na História da África e Cultura Afro-brasileira no currículo escolar (BRASIL, 2003). Além disso, consideramos que, em 2008, a Lei Nº 11.645, de 10 março, instituiu a indispensabilidade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena (BRASIL, 2008). Vale destacarmos que o aparato legal não muda uma cultura racista e discriminatória, porém é um recurso muito importante no combate às discriminações raciais. A escola não pode ser a única responsável pelo enfrentamento do racismo, uma vez que será necessário que toda a sociedade se envolva nessa árdua tarefa. Contudo, a existência da lei contribui para um aparato legal, o que favorece a luta antirracista.

No intuito de entendermos como se deu a transformação e a reelaboração das dores em práticas pedagógicas, este artigo está estruturado em diferentes seções: na próxima seção, fazemos um histórico das quatro primeiras edições do Prêmio Educar para a Igualdade Racial; em seguida, trazemos informações sobre o Movimento Negro Educador e o caminho para a promulgação da Lei No 10.639/2003 e, por fim, analisamos as trajetórias das educadoras entrevistadas relacionadas ao contexto histórico-social que delineia formas de racismo estrutural bem como seus discursos.

Histórico do Prêmio

O Prêmio Educar para a Igualdade Racial foi desenvolvido pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) - uma organização não-governamental brasileira fundada, em 1992, pelos pesquisadores e militantes do Movimento Negro, Hédio Silva Júnior e Maria Aparecida Bento -, em parceria com o grupo Santander Brasil, antigo Banco Real. Segundo Shirley dos Santos, o Prêmio foi ensejado de sua idealizadora em estimular e dar visibilidade às práticas pedagógicas dos educadores(as), bem como enfrentar o racismo estrutural com a valorização da diversidade e de uma educação antirracista (CALADO, 2013, p. 126). Entendemos que as vivências com situações de preconceito e discriminação racial podem ser elaboradas por meio de uma interpretação crítica e o aprendizado doloroso de como enfrentar tais situações. Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas antirracistas demonstram que as professoras premiadas entrevistadas, apesar de duas delas sofreram na própria pele e outras duas serem empáticas no tocante da questão racial, conseguiram, na contramão do silenciamento, promover ações de enfrentamento do racismo.

A primeira edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial ocorreu em 2002, o qual obteve inscrições de 210 experiências de professores das cinco regiões do Brasil, com foco na Educação Infantil e Ensino Fundamental I. O Prêmio concedeu o valor de R$ 5 mil para os três primeiros lugares de cada categoria. Para a segunda categoria, foi oferecido R$ 2,5 mil, e um kit de livros voltados à temática das relações raciais. Vale destacarmos que a primeira premiação ocorreu antes mesmo da Lei No 10.639/2003, resultante da luta antirracista dos movimentos sociais negros (DOMINGUES, 2008; GOMES, 2017). Nessa premiação, houve o lançamento de livros sobre relações étnico-raciais, dentre eles Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, estruturado por Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (CARONE; BENTO, 2002).

A segunda edição do Prêmio, que ocorreu em setembro de 2004, fez menção à Lei No 10.639/2003, que altera a LDB (BRASIL, 1996) para incluir as contribuições dos povos africanos e afro-brasileiros no currículo escolar. Segundo a coordenadora geral da diversidade e inclusão naquele período, Eliane Cavalheiro: “Ao mapear e dar visibilidade a esse protagonismo, por meio do reconhecido Prêmio ‘Educar para a Igualdade Racial’, o Ceert presta uma inestimável contribuição para que o Estado Brasileiro avance na definição e na execução de políticas educacionais de promoção de igualdade racial” (CAVALLEIRO, 2004, p. 12).

Nessa edição, foi incluída a categoria Ensino Médio, de forma a intensificar as discussões acerca das desigualdades raciais no acesso ao Ensino Superior, tendo em vista a oportunidade de cotas raciais pelas universidades. Nessa premiação, houve também o Seminário “Desafios das Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial”, com destaque aos temas e às metodologias para a realização da Lei No 10.639/2003. Além disso, foi lançada a Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e Contra a Intolerância Religiosa, a fim de debater com as entidades da sociedade civil e lideranças religiosas a pauta dessa temática na agenda dos direitos humanos.

A terceira edição do Prêmio, ocorrida em 2006, contou com o Seminário “Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial”, com debates sobre liberdade e crença de religião, com oficinas e rodas de conversas, tais como: “Diálogos sobre a implementação da Lei No 10.639/2003”, “Roda de conversa: Mulheres intermediárias da informação e transformação entre África e a Diáspora Africana”, entre outras.

Já a quarta edição do Prêmio foi efetuada em 2008, a qual teve alterações no que tange à extensão territorial e à sua organização. Foi constatado pela pesquisa realizada na terceira edição que as ações pedagógicas permaneceram em geral, devido ao protagonismo dos professores, dado que não está relacionado a um projeto político-pedagógico da escola. Com o intuito de comprometer os gestores na efetivação de práticas pedagógicas antirracistas, foi criada a categoria “Escola”. Desse modo, o Prêmio continua enfatizando as práticas de “Implementação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana” (SILVA JÚNIOR; SILVA, 2010, p. 29).

As inscrições do Prêmio foram destinadas para escolas do Estado de São Paulo, com foco em escolas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Isso posto, na quarta edição do Prêmio, procurou-se destacar as práticas pedagógicas na Educação Infantil, pois, nessa fase, segundo Cavalleiro (2012), entende-se que as interações das relações raciais no contexto da Educação Infantil demarcam um processo de enfrentamento da discriminação racial das desigualdades estruturantes presentes na sociedade brasileira.

Nessa perspectiva, Adorno (1995) afirma que, para que a barbárie não se repita, é essencial que, desde já, na Educação Infantil, sejam trabalhados os preconceitos, estereótipos e discriminações, a fim de não se perpetuar o conceito de consciência coisificada (ADORNO, 1995, p. 9), ou seja, a percepção do outro como coisa e não sujeito de suas próprias atitudes. Entendemos que o racismo estrutural demarca posições para os negros e não-negros, enquadrando os negros em ocupações menos valorizadas, dificultando o acesso a políticas públicas de saúde, educação e moradia. Como vimos na pesquisa de Maria da Glória Calado (2013), o racismo estruturante, por meio dos diversos históricos, forjou, no período escravocrata, o negro como inferior, como mercadoria, máquina de enriquecer o Brasil; no período abolicionista livre, o negro ainda era tratado como inferior, por meio de teorias racialistas, naquela época, entendidas como científicas; e, no período pós Constituição de 1888, passou a ser entendido como sujeito de direitos no aspecto legal, apesar de enfrentar diferentes formas de preconceito e de marginalização. Na qualidade de sujeito de direitos, contudo, as pessoas não-brancas continuam a figurar nas estatísticas como aquelas que possuem os menores salários, moram em territórios periféricos e são as pessoas que mais morrem na pandemia de Covid-19. Conforme os dados apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2021), pessoas negras são as mais afetadas entre os desempregados do país, no quarto trimestre de 2020.

A Premiação de práticas pedagógicas antirracistas revela-se como instrumento potente de combate à discriminação racial bem como a possibilidade de implementar a Lei No 10.639/2003, concebendo o espaço escolar como lócus de construção de valores e de atitudes condizentes com uma educação plural. Gomes (2003) ainda ressalta que é fundamental a construção de práticas pedagógicas que pautem o desenvolvimento da identidade das crianças negras face a manifestações de discriminação racial que são alicerçadas na nossa sociedade. Desse modo, reiteramos que, por um lado, vivemos sob a falácia do mito da democracia racial, e, por outro, ao incluir a obrigatoriedade no currículo da rede do ensino, das contribuições da história afro-brasileira e afro-indígena, demonstra a vigência do racismo na sociedade e reproduzida significativamente no contexto escolar. No nosso entendimento, ao incluir na maior legislação educacional brasileira a Lei No 9.394/1996 - LDB -, alterada pela Lei No 10.639/2003 e, posteriormente, pela Lei No 11.645/2008, o Estado brasileiro demarca a escola como espaço de combate e superação do racismo.

Em 2020, o Ceert abriu o Edital “Equidade Racial na Educação Básica: pesquisa aplicada e artigos científicos”, o qual se caracteriza

[...] como uma ação estratégica do grupo de Organizações Parceiras para fortalecer e apoiar financeiramente projetos de pesquisa aplicada e reconhecer artigos científicos que permitam elucidar e analisar: i) os processos de construção e reprodução das desigualdades educacionais de raça e gênero, bem como; ii) as estratégias que vêm sendo delineadas em diferentes esferas da gestão pública da Educação e visam a construção de oportunidades equânimes para meninas, meninos e adolescentes, negros e brancos. (CEERT, 2020, p. 5).

Como observamos, durante sua trajetória, o Ceert é uma entidade que busca combater o racismo por meio de ações em parcerias com órgãos públicos e privados, a fim de contribuir para uma democracia racial de fato, no qual a população negra possa usufruir de direitos igualitários. Vale destacarmos que a proposta contida no Edital visa compartilhar experiências exitosas, no enfrentamento da discriminação racial. No contexto escolar, as premiações realizadas nas edições do Prêmio Educar para a Igualdade Racial contribuem para romper o silenciamento dos atores escolares acerca do racismo reproduzido no interior da escola. Corroborando essa chave de interpretação, Cavalleiro (2005) salienta que:

Na educação brasileira, a ausência de uma reflexão sobre as relações raciais no planejamento escolar tem impedido a promoção de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias entre os agentes sociais que integram o cotidiano da escola. O silêncio sobre o racismo, o preconceito e a discriminação raciais nas diversas instituições educacionais contribui para que as diferenças de fenótipo entre negros e brancos sejam entendidas como desigualdades naturais. (CAVALLEIRO, 2005, p. 11).

A implementação da maior Legislação Educacional Brasileira não é uma tarefa somente para os atores escolares, pois uma ruptura da ideologia racista entranhada na nossa formação requer esforços individuais e coletivos. No espectro coletivo, devemos nos valer de políticas públicas que assegurem a efetividade da implementação da Lei No 10.639/2003, por meio de mecanismos regulatórios nos âmbitos estadual, municipal e federal; tendo em vista que só a existência da Lei não garante que a legislação educacional seja cumprida. Além disso, é necessário que nos currículos de licenciaturas, seja obrigatório constar conteúdos sobre as contribuições de cultura africana afro-brasileira e afro-indígena, na formação de professores. Na dimensão individual, nós, educadores, precisamos ter disponibilidade em reconhecer em nossas práticas cotidianas que, apesar de estarmos mais conscientes do racismo vigente, ainda assim caímos em armadilhas e o reproduzimos, uma vez que o racismo penetra em camadas muito profundas do psiquismo.

Movimento Negro Educador: nas Trilhas da Criação da Lei No 10.639/2003

São notórios os esforços do Movimento Negro, ao longo da história educacional brasileira, para pautar o acesso e a permanência das pessoas não-negras ao sistema educacional. Nessa perspectiva, houve a organização da Frente Negra Brasileira - FNB (1931-1937), bem como a formação da Imprensa Negra Brasileira, entre outras agremiações, com destaque para a importância da educação ao povo negro. Segundo Boris Fausto (2006), a abolição da escravatura de 1888 foi resultado de uma combinação de fatos ocorridos na história do Brasil, quais sejam: a pressão da Inglaterra pelo fim da escravidão, a participação da frente negra. A abolição inacabada não ofereceu políticas públicas na área da saúde, educação, moradia, o que deixou os não-brancos à mercê da sua própria sorte. Na contramão disso, foram intensificados mecanismos de valorização da imigração europeia, como forma de branqueamento do Brasil e, ainda, sobre o argumento da mão de obra. Para Munanga e Gomes (2006):

A nova situação dos negros de escravizados para libertos não foi aceita imediatamente pela sociedade brasileira. O fato de serem libertados por força da lei, não garantia aos negros os mesmos direitos de fato e todas as oportunidades dadas aos brancos em nosso país, sobretudo, às camadas mais ricas da população. (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 107).

Vale destacarmos que, no final do século XIX, as teorias racialistas ganharam força, visto que os estereótipos delineados perpassavam a construção do imaginário social sobre o negro, no qual eram vistos como preguiçosos e oriundos de uma classe perigosa (CHALHOUB, 2001). Em 28 de julho de 1890, foi promulgado o Decreto Nº 528, com a autorização da entrada de imigrantes no Brasil (BRASIL, 1890). Desse modo, foi reforçada a marginalização da população negra, impulsionada pela introdução da mão-de-obra dos imigrantes, em geral advindos da Itália, Alemanha, Polônia e, posteriormente, do Japão e Brasil (CHALHOUB, 2001).

No que se refere ao acesso da população não-branca à escola, vale destacarmos os esforços de professores negros em construir as primeiras escolas no pós-abolição, apesar da falta de recursos e apoio do Estado, dificuldade na preparação pedagógica, entre outros. Há relatos de experiências de que, em 18 de maio de 1888, cinco dias depois da abolição, foi criada a sociedade beneficente Luís Gama, em Campinas, a qual ofertava cursos para jovens no período diurno e educação de adultos para trabalhadores, à noite. Já, em 1902, o professor negro, Francisco José de Oliveira, fundou o Colégio São Benedito, com o objetivo de alfabetização dos filhos da população negra. Na cidade de São Paulo, houve outras experiências na construção de escolas. Contudo, as dificuldades já relatadas impediram o êxito (DOMINGUES, 2008).

A FNB (1931-1937) foi uma das instituições mais expressivas no pós-abolição. Por meio do seu periódico A voz da Raça, exaltava-se a importância da educação para a formação e a preparação da população negra. Era uma obra “[...] de educação e reeducação; de formação e preparação para a vida, ordenadas a Gente Negra e ao Brasil; uma obra de dar ao patrício a consciência do que ele é e mais ainda: do que ele pode vir a ser com o esforço próprio orientado por quem sabe orientá-lo porque sabe onde tem o nariz [...]” (SANTOS, 1931 apudSISS, 2003, p. 43).

Nesse sentido, a FNB também ajudava a subsidiar o pagamento aos professores, por meio das suas organizações juntamente ao Estado, inclusive criou a Escola Frente Negra Brasileira, responsável pela Educação primária e cursos de alfabetização de adultos, formação social, secundária e comercial, segundo a pesquisadora Márcia Araújo (2008). A FNB tornou-se partido político em 1936, com núcleo, inicialmente fundado em São Paulo, e ampliado para estados como o Rio de Janeiro, a Bahia e o Rio Grande do Sul. A partir da instauração da Ditadura, por meio do golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas, ocorrido em 10 de novembro de 1937, a Frente Negra, que se configurava como partido político, foi encerrada, como também outras agremiações partidárias daquele período (MUNANGA; GOMES, 2006).

Outro movimento educador foi o da negritude, desenvolvido por poetas africanos e antilhanos, tendo como principais lideranças: Léopold Sédar Senghor, Léon Gontran Damas e Aimé Césaire. Influenciou o Movimento Negro brasileiro com base na construção da estética negra e a valorização de sua história e cultura. Tal movimento apresentava os seguintes propósitos principais:

[...] buscar o desafio cultural do mundo negro (a identidade negra africana), protestar contra a ordem colonial, lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lançar o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal, como extensão de uma regional imposta pela força - mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares. (MUNANGA, 2016, p. 116).

A luta do Movimento tinha como referência a afirmação da identidade e a consciência cultural da nossa origem africana, buscando uma ruptura com a ideia de assimilação dos povos não-brancos. É válido destacarmos que a luta pela afirmação positiva da negritude apresentada pelo Teatro Experimental do Negro (TEN) pode contribuir também para o entendimento do problema ainda presente no Brasil, conforme o depoimento da Professora Virgínia ao associar a vigência do racismo com a afirmação da identidade por meio da assunção de seu cabelo crespo.

A respeito do TEN, essa organização foi fundada por Abdias Nascimento, em 1944, na cidade do Rio de Janeiro, e teve por objetivo possibilitar a participação de atores e atrizes negros nas artes cênicas no Brasil. Coube ainda ao TEN a publicação do Jornal Quilombo, no qual expressou o cenário político e cultural de movimento antirracista, no período de abertura democrática (DOMINGUES, 2007; MUNANGA; GOMES, 2006). Vale destacarmos que, para além de proporcionar a atuação de atores e atrizes negros, constituía-se como bandeira de luta, tendo como foco o “[...] polo de cultura que tinha como objetivo a libertação cultural do povo negro. Ele queria dar uma leitura a partir do olhar do próprio negro e da herança africana, a cultura produzida pelo negro no Brasil, distanciando-se da forma ocidental de entender e ver a cultura negra” (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 121-122)

Como vimos nessa citação, o TEN centraliza os esforços na cultura do povo negro, bem como na afirmação da herança africana e cultura construída no Brasil. Contudo, a questão da educação sempre esteve presente nos movimentos sociais negros, como também nessa organização. Conforme ilustramos a seguir, uma das preocupações presentes era que a maioria da população se constituía de analfabetos, ocupava empregos precários e moradias em territórios periféricos. Desse modo, o TEN proporcionou cursos de alfabetização.

Posteriormente, em 1978, intensificaram-se as demandas dos movimentos negros na reivindicação no contexto da educação. Carlos Hasenbalg (1987apudSANTOS, 2005) informa que as pautas de reivindicações das identidades negras se concentravam nos seguintes pontos:

I) Contra a discriminação racial e a veiculação de idéias racistas nas escolas.; II) Por melhores condições de acesso ao ensino à comunidade negra; III) Reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas e IV) Pela participação dos negros na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares. (HASENBALG, 1987apudSANTOS, 2005, p. 24).

Segundo Gomes (2017), o Movimento Negro pode ser entendido em suas mais diversas maneiras de organização e “[...] articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam à superação desse perverso fenômeno na sociedade” (GOMES, 2017, p. 23). Nossa pretensão, neste trabalho, não é apresentar uma trajetória pormenorizada das ações construídas pelo Movimento Negro com a pauta da educação; contudo, não podemos deixar de assinalar os principais destaques desse movimento, tendo como foco a educação como bandeira de luta. Nessa perspectiva, outro momento significativo foi a Marcha Zumbi dos Palmares, realizada em 20 de novembro de 1995, organizada pelo Movimento Negro, a qual contou com a participação de cerca de 30 mil participantes, momento em que foi apresentada a proposta “Programa para a Superação do Racismo e da Desigualdade Racial” (GOMES, 2009), ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Esse programa destacava a importância do combate aos estereótipos e às discriminações no material didático, bem como a importância da formação de professores para a construção de uma educação antirracista.

Seguindo na linha do tempo, outro momento muito importante na trajetória da luta antirracista foi a Conferência de Durban, realizada entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001 na cidade de Durban, na África do Sul, a qual contou com a participação dos movimentos negros, com destaque às articulações das mulheres negras no combate ao racismo e à discriminação racial nos âmbitos nacional e internacional. Com isso, no que se refere à educação, o parágrafo 10 da III Conferência destacou a importância de garantir o direito à educação a povos africanos e afrodescendentes, ao mesmo tempo em que demonstrou a necessidade do ensino da história e contribuição dos povos africanos (CONFERÊNCIA..., 2001).

Salientamos que, na Conferência de Durban, houve a participação significativa dos intelectuais negros brasileiros, inclusive a relatora da Conferência foi a psicóloga, Edna Roland. Após a Conferência de Durban, no Brasil, tivemos avanço no combate ao racismo, por meio de construção de políticas públicas, tais como: cotas, criação da Lei No 10.639/2003, entre outras. Com referência à criação da Lei No 10.639/2003, vale lembrarmos que a lei fruto das reivindicações do Movimento Negro foi apresentada pela primeira vez no ano de 1999, pelo deputado Ben-Hur Ferreira e pela deputada Esther Grossi. Contudo, só foi aprovada em 9 de janeiro de 2003, no governo de Luís Inácio Lula da Silva.

Gomes (2002) assinala que o cabelo do negro em nosso país revela o conflito social latente entre nós. A autora alerta para a importância da construção da identidade negra da intersecção entre cultura e educação. É no campo cultural e histórico que se define a questão da identidade social, de forma a constituir o sujeito e reconhecer que essas identidades são desenvolvidas a partir de vários agrupamentos sociais, considerando a ideia de que “[r]econhecer-se numa delas supõe, portanto, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência.” (GOMES, 2003, p. 171). Com isso, é fundamental que se articule a identidade, a cultura e a educação de forma interseccionada, a fim de compreender os processos elaborados no passado, estruturados entre o campo individual e social, para a construção do presente.

Segundo Gomes (2003), o processo de reconhecimento da identidade não ocorre individualmente. É essencial que as práticas pedagógicas presentes no âmbito escolar reafirmem a questão da construção identitária negra face a estereótipos racistas que são alicerçados há muito tempo em nossa sociedade.

O que diz a Lei Nº 10.639/03?

A Lei No 10.639/2003, promulgada no ano de 2003, que altera a maior Legislação da Educação brasileira de 1996 - a LDB (BRASIL, 1996) -, ao determinar, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio (atualmente ensino básico), nas instituições públicas e privadas, o ensino de História africana e afro-brasileira, constitui-se como uma ação afirmativa que visa dar visibilidade ao legado cultural da história africana e afro-brasileira na nossa sociedade.

Dada a complexidade do racismo, precisamos lançar mão de várias estratégias para seu enfrentamento. Entendemos a importância da maior Legislação Educacional Brasileira ao explicitar a vigência do racismo entranhado na cultura. Além disso, ao obrigar o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, esse dispositivo legal demarca a importância de se pautar os conteúdos das contribuições das diversas histórias e culturas que constituíram o Brasil.

A LDB de 1996, alterada pela Lei No 10.639/2003, incentivou diversas frentes do Estado, na perspectiva da sua implantação. Desse modo, foram determinadas as diretrizes curriculares nacionais para a educação antirracista. O Parecer No 3, de 10 de março de 2004, do Conselho Nacional da Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) afirma:

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de reconhecimento e valorização da sua história, cultura e identidade. Trata, ele, de política curricular fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. (BRASIL, 2004a, p. 14)

Em 2009, foi lançado o (BRASIL, 2009). O Plano reafirma a necessidade do enfrentamento da discriminação racial e do preconceito, o que “[...] significa o reconhecimento da importância da questão do combate ao preconceito, ao racismo e à discriminação na agenda brasileira de redução das desigualdades” (BRASIL, 2009, p. 3). Nesse documento, são determinadas propostas a serem efetuadas no sistema educacional de forma a definir a atuação nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Se, no campo da Legislação Educacional houve um avanço, no cotidiano das escolas brasileiras, o enfrentamento do preconceito e da discriminação racial ainda é lento, visto que romper com o currículo eurocêntrico demanda a desconstrução da ideologia racista reiterada na escola, a formação efetiva de professores para não se silenciar frente a manifestações de estereótipos as quais as crianças negras são submetidas e, por fim, que, na escola, possa difundir-se contribuições de outros povos.

A chegada das docentes à educação: enfrentamentos ao racismo estrutural

As docentes negras que ganharam a 4ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial afirmaram a busca pelo magistério em função da sua condição socioeconômica, em que a cor de pele já a insere no lugar de subalternidade; assim, não poderá ter acesso a escolhas profissionais mais prestigiadas, como, por exemplo, a Medicina, conforme relato que segue:

Sobre a escolha pelo trabalho da docência, Virginia relatou que, quando sua mãe a matriculou no magistério, ela perguntou à mãe: “Por que você me matriculou neste curso? Ela disse que eu gostava muito de criança. “Mas por que eu não poderia ser pediatra, por exemplo? Fazer Medicina”, ela falou: “Filha...” Não precisava nem falar o resto”, disse a entrevistada: “Não era um lugar para a gente”.

Sobre a escolha pelo magistério, a entrevistada afirmou que, para uma família como a dela, pobre, ser professora era o maior sonho que poderia realizar.

Por gostar muito de crianças, ela pensava em ser pediatra, contudo: [...] eu vi que a medicina ia ficar longe até da minha realidade pra época por questões financeiras [...]. Eu acabei fazendo o magistério e descobri minha vocação. Descobri mesmo que eu gostava da profissão. Aí terminando o magistério já fui pra Pedagogia. (CALADO, 2013, p. 150).

Esses relato corrobora as estatísticas sobre a população negra, tendo em vista as ocupações mais privilegiadas a serem destinadas à população não-negra. Conforme atestam os dados do IBGE de 2018, a desigualdade é impulsionada pela formação superior mais ou menos prestigiada pelo mercado de trabalho (IBGE, 2019). A exemplo dos apontamentos dos censos, a população branca é a que mais realiza a formação em Medicina, de forma a ocupar cargos e salários mais elevados. Nesse contexto, Silvio de Almeida (2019) compreende que o racismo é estrutural e estruturante nas relações sociais, perpassando todas as dimensões da vida social. Para o autor:

O racismo, de acordo com esta posição é uma manifestação das estruturas do capitalismo, que foram forjadas pela escravidão. Isso significa dizer que a desigualdade racial é um elemento constitutivo das relações mercantis e das relações de classe, de tal sorte que a modernização da economia e até seu desenvolvimento também podem representar momentos de adaptação dos parâmetros raciais a novas etapas da acumulação capitalista. (ALMEIDA, 2019, p. 184).

É válido destacarmos que a Lei de Cotas - Lei Nº 12.711, de 29 agosto de 2012 - reserva 50% das vagas por curso aos alunos que concluíram o Ensino Médio em escola pública, em cursos regulares ou cursos de Educação de Jovens e Adultos, nas 59 universidades federais e 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2012). O restante das vagas será disputado por ampla concorrência. Houve o aumento do acesso da população negra no Ensino Superior, impulsionado pela aprovação da Lei de Cotas, porém tal acesso ocorre em cursos menos valorizados socialmente. Conforme dados apontados no Levantamento das políticas de ação afirmativa, do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA), com relação às vagas ofertadas e vagas reservadas nas universidades federais, em 2018, foram concedidas 256.598 vagas nas universidades federais brasileiras, uma vez que 52% eram reservadas às políticas de ação afirmativa (FREITAS et al., 2020). De acordo com a distribuição percentual das matrículas nos cursos de graduação presenciais e a distância, levantada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2020:

É possível verificar que a participação da população negra na rede federal atinge, no mínimo, 43,3% das matrículas (Inep, 2019a). Na análise empreendida por Senkevics (2018), considerando a correção da identificação racial pelos dados do Enem, foi possível apurar que, em 2015, 47,9% dos estudantes de ensino superior do país declaravam-se negros (10,6% pretos e 37,3% pardos, com 3,6% de subnotificação). Esse dado não destoa do estimado pela PNAD Contínua para 2017, conforme gráfico 4 (47,3%), considerando as diferenças metodológicas dos dois levantamentos. (SILVA, 2020, p. 26).

Ainda que a população negra tenha ampliado seu acesso ao Ensino Superior por meio de políticas afirmativas, como o Sistema de Seleção Unificada (SiSU), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e cotas raciais, esses mecanismos não reverberam em ocupações mais valorizadas no mercado de trabalho. Segundo as pesquisas atuais, a desigualdade racial permanece latente no mercado de trabalho, no qual as pessoas negras ocupam posições subalternizadas e com salários bem inferiores às pessoas denominadas brancas. Os estudos clássicos de Carlos Hasenbalg (1979), Ricardo Henriques (2003) e Marcelo Paixão et al. (2010) apontam que, no Brasil, os negros, não por coincidência, também são pobres e a grande maioria mora em regiões periféricas, demonstrando que essa população sofre dupla discriminação de classe e de raça. Essa desigualdade é reiterada ao longo dos anos, conforme atestam os dados recentes, como a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, a qual aponta que 14,7% da população negra estava desocupada em 2018, em comparação a 10% dos brancos (IBGE, 2019; MARTINS; OLIVEIRA, 2019).

A pandemia salientou ainda mais o racismo estrutural demonstrado pela disparidade de ocupações, entre pessoas não-negras e pessoas negras. No artigo População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde (SANTOS et al., 2020), os autores denunciam os impactos da pandemia da Covid-19 na população negra, bem como identificam em grupos vulnerabilizados específicos, tais como: população quilombola, população privada de liberdade, população idosa, população em situação de rua, entre outros. Dessa forma, os autores afirmam que:

Estudos sobre a demografia e as condições socioeconômicas da população evidenciam o perfil social da população brasileira (IBGE 2019c) como majoritariamente negro, estando fortemente impactado pelas privações sociais, de moradia, saneamento, educação, emprego e renda. Ademais, dados de mortalidade, morbidade, incapacidade, acesso a serviços, qualidade da atenção, condições de vida e fatores ambientais são métricas utilizadas na construção de indicadores de saúde, que se traduzem em informação relevante para a quantificação e a avaliação em saúde [...]. (SANTOS et al., 2020, p. 228).

De acordo com a Pnad Contínua do IBGE, pessoas negras são a maioria entre os desempregados do país, no quarto trimestre de 2020 (IBGE, 2021). Segundo os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese (2020, n.p.), “[...] dos 8 milhões de pessoas que perderam o emprego entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 6,3 milhões eram negros e negras, o equivalente a 71% do total. Entre o 4º trimestre de 2019 e o 2º de 2020, cerca de 72% ou 8,1 milhões de negros e negras estavam em situação vulnerável no país”.

Luta antirracista por dentro dos muros da escola

As nossas entrevistadas já trabalharam na aplicação da Lei No 10.639/2003 antes mesmo da 4ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial, na contramão da invisibilidade do continente Africano. Na realização de suas práticas pedagógicas, elas reafirmam a valorização do continente africano, por meio de dispositivos pedagógicos, como: utilização de mapas do continente Africano, visita ao Museu Afro, contação de histórias, exposição de filmes, entre outros. Vale destacarmos que as professoras Virgínia, Lilian, Maria e Patrícia Maria não tiveram, em suas formações acadêmicas, conteúdos acerca da história e da cultura africana. No entanto, essas professoras mobilizaram-se para pesquisar os conteúdos e os materiais, a fim de construírem suas ações pedagógicas. A respeito disso, Nilma Lino Gomes (2003) afirma a ausência de formação acadêmica acerca dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira:

Os(as) professores(as), em sua maioria, que estão em atividade não tiveram em sua formação acadêmica os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira (SP). [...]. Falta de um apoio mais efetivo por parte do MEC/SECAD/SEPPIR [Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância, Alfabetização e Diversidade, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial], Fundação Palmares, MINC [Ministério da Cultura], Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e demais órgãos, que, normalmente, não definem ações pactuadas com as secretarias de educação para capacitar profissionais, produzir materiais pedagógicos, etc. (GOMES, 2012, p. 65).

Vale destacarmos que o Ceert, responsável pelo prêmio analisado, mesmo antes da promulgação da alteração da LDB de 1996, já realizava a premiação de práticas pedagógicas antirracistas, bem como desenvolvia seminários de formação e divulgação de material didático e pedagógico, a fim de valorizar a diversidade cultural. Com relação à ausência de contribuições da História da África e cultura brasileira nos cursos de formação de professor, nossa entrevistada Virgínia comentou:

[...] eu já estava [...] fazendo o curso de História de especialização na PUC e estava vendo alguma coisas sobre História, porque como eu fiz Pedagogia, não tinha muito essa vinculação, mas lá a gente via muito sobre a escravidão, colônia e foi me dando uma vontade muito louca de estudar sobre esses assuntos. Então eu fui levar isso também para a minha sala de aula. (VIRGINIA, 10/02/2012). (CALADO, 2013, p. 150).

Na sociedade brasileira, há uma tentativa de apagamento das contribuições dos povos africanos e indígenas, em detrimento à valorização de uma só cultura centrada na Europa, que visa privilegiar o eurocentrismo (LOPES, 2004). Na contramão disso, as práticas pedagógicas premiadas pelo Ceert ressaltam a valorização das contribuições do continente africano na cultura brasileira (CALADO, 2013; CRUZ, 2010). A entrevistada Lilian relata que:

Aprendi muito, foi como se tivesse aberto a minha visão. Quando a gente fez o projeto da África, ela abriu um pouquinho [minha visão] porque usamos um projeto pra chegar às questões étnicas e de identidade das crianças. É dali que começa a sua interferência na construção da identidade da criança. (CALADO, 2013, p. 160).

Também podemos observar a valorização da África no projeto realizado pela professora Maria: “Vamos procurar tudo o que é de melhor que a gente vai achar na África, porque o que há de pior está na mídia. O que foi ruim, a escravidão está em qualquer livro escolar, não preciso falar isso, já está incutido, todo mundo já sabe. Eu quero falar da África e o que ela tem de beleza [...]” (CALADO, 2013, p. 178-179).

Ao apresentar estratégias pedagógicas de valorização do continente africano, berço da humanidade (MOORE, 2010; MUNANGA, 2015), as professoras passam a possibilitar a desconstrução do estereótipo de uma África única, em uma composição exótica, correndo-se o risco de se ter uma história única, contada sob um só ponto de vista.

Outras ações propostas pelas práticas pedagógicas enfatizadas na construção das práticas antirracistas salientam a desconstrução do aprendizado do preconceito, como observamos a seguir nos relatos de Lilian e Patrícia Maria, respectivamente:

[...] nós estávamos construindo uma figura humana, então pedi para uma criança deitar no chão, na cartolina e eu fiz o contorno do corpinho dela [...], colocaram os olhos, cabelo, tudo. Aí, na hora de pintar a pele. Eu fiz a tinta marrom, para eles pintarem e foi proposital. Aí eles falaram: “Mas professora, o que é isso? Que cor feia é essa que a senhora fez?” “Você vai pintar com essa cor?” “Essa cor é muito feia”. Eu falei: “Mas é a cor de todos vocês, olha aqui” “Não professora! Para ficar bonito, a senhora tem que escolher a cor de pele [...]” (CALADO, 2013, p. 178).

Sempre me perguntava: Mas por que cor de pele? Eu sempre questionei isso com eles. “Gente, existem várias cores de pele”. E um dia, conversando na sala de professores, eu falei para as minhas colegas se elas já tinham visto que vinha escrito cor de pele [...]. Eu achava que era uma coisa coloquial, de cultura, de falar que tal cor é assim. Aí eu peguei uma caixa de lápis de cor da Faber Castell e olhei: “Gente, a Faber Castell escreve isso, como é que pode?” Falei: “Gente, mas isso é tão errado, vamos mandar uma carta” [...]. Quando eu abri era a resposta da Faber Castell, mandaram uma carta assinada e tudo, disseram que fizeram uma pesquisa de marketing e que realmente havia essa falha que eles iriam rever o nome para o rosa claro. A partir daquele ano, a Faber Castell não utilizaria mais esse termo para aquela cor. (CALADO, 2013, p. 179)

O racismo encontra estratégias diversas para a sua reprodução, como podemos observar na produção material de artefatos usados na escola, como, por exemplo, o lápis “cor de pele”, como se existisse um padrão de normalização da cor de pele. Como já assinalava Frantz Fanon, em sua obra clássica Pele negra, máscaras brancas (FANON, 2020), a dificuldade de constituir-se como sujeito da sua própria história perpassa pela necessidade impossibilitada de se reconhecer como branco, “[...] eis que me descubro objeto em meio a outros objetos” (FANON, 2020, p. 103). No contexto histórico do sistema escravocrata, os sujeitos escravizados foram interpretados como objeto (CALADO, 2013), apesar da importância em todos os ciclos econômicos brasileiros: açúcar, ouro e café (ALENCASTRO, 2000). O racismo inscrito no material escolar e reproduzido na sala de aula demonstra que os estereótipos são internalizados em camadas profundas do nosso psiquismo e objetivadas no nosso cotidiano. Dessa forma, o exemplo remete-nos à afirmação de Freud sobre os resquícios do passado, presentes no inconsciente, responsável por inserir a cultura e a tradição: “O passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presente, no sentido de mudanças novas; enquanto opera através do superego, desempenha um poderoso papel na vida do homem, independente de condições econômicas” (FREUD, 1996, p. 87).

Para Adorno (1995), é necessário que se pense em uma educação após e em um contexto de Segunda Guerra Mundial, para que a barbárie desenvolvida em Auschwitz não se repita. “Quando falo de educação após Auschwitz, refiro-me a duas questões: primeiro, à educação infantil, sobretudo na primeira infância; e, além disso, ao esclarecimento geral, que produz um clima intelectual, cultural e social [...]” (ADORNO, 1995, p. 5), expressa que o foco para que essa monstruosidade não se reitere ao longo da história, depende da conservação de uma educação infantil que prepare o educando para uma autorreflexão crítica e emancipatória simultaneamente ao esclarecimento geral da sociedade. Com isso, há a necessidade de um contexto social, político e econômico em que a comunidade seja contra atos discriminatórios e genocidas, que “[...] tem suas raízes naquela ressurreição do nacionalismo agressor que vicejou em muitos países a partir do fim do século XIX” (ADORNO, 1995, p. 1). Nesse contexto, verifica-se que uma educação voltada à autonomia, como ferramenta transformadora e emancipatória, consegue construir uma consciência crítica que impeça a barbárie. Dessa forma, aponta-se a necessidade de ressignificação do passado, ao desconstruir a África estereotipada, por meio da valorização do continente africano:

Vai fazer com que as pessoas entendam, compreendam seu passado, suas origens. A questão do racismo em si é complicada, uma coisa que não é uma lei que vai fazer mudar, isso vai depender do trabalho que uma sociedade faça e é árduo. Acho que o primeiro passo foi dado e será uma coisa de longo prazo. (MARIA, 16/10/2012). (CALADO, 2013, p. 183).

Ao propor a construção de uma figura humana, problematizando o estereótipo de uma cor de pele única, a professora Lilian demonstra a força dos estereótipos internalizados nas crianças negras e ao lado disso, observa-se a valorização da identidade negra, por meio de ações lúdicas. Nesse sentido, a concepção da identidade negra acerca das relações de discriminação racial na escola perpassa também por uma formação do sujeito, alinhado às práticas pedagógicas e à organização da formação de educadores que potencializem perspectivas relevantes para a luta antirracista no contexto escolar. Gomes (2003) ressalta a importância que a construção da identidade negra esteja articulada entre a cultura e a educação. Nessa perspectiva, o relato da professora Lilian ilustra a importância da aplicação da Lei no interior da escola: “Eu acho que a escola tem esse papel, usando essa Lei, estudando esse outro lado da História do Brasil. É uma forma de a gente se valorizar, mostrar para a criança olha: ‘A África não é só pobreza’ ‘O negro não é ruim’ Para a criança resgata que ela tem valor, que ela é bonita. (LILIAN, 23/03/2012)” (CALADO, 2013, p. 182).

Outro fator importante a destacar é que essas professoras têm uma interpretação crítica da perversidade do racismo presente na escola, bem como apresentaram vivências com a discriminação racial, ainda que de forma singular para as professoras declaradas negras e professoras declaradas brancas. Tais vivências, com a questão racial, foram metabolizadas e transformadas em práticas antirracistas. O enfrentamento do racismo é uma tarefa muito difícil, a qual há uma tendência ao silenciamento como destacado pelas pesquisadoras Cavalleiro (2012), Fazzi (2006) e Silva (2009). Uma das maneiras de enfrentar esse fenômeno é o Prêmio Educar para a Igualdade Racial.

Rompimento com silenciamentos

Ao lado da ausência da discussão do racismo na maioria dos cursos de licenciaturas, também somos partícipes de uma sociedade que discrimina e que ainda se pauta pela sobrevalorização de um grupo em detrimento de outro, reforçado pela ideia de que vivemos em uma sociedade harmoniosa. Apesar desse contexto, nossas entrevistadas já tinham contato com a legislação antirracista, a exemplo da fala de Virgínia: “A Lei, na verdade, ela é um reflexo de uma luta muito anterior [...]. E aí a gente consegue em 2003 emplacar uma legislação específica para a educação. (VIRGINIA, 10/02/2012)” (CALADO, 2013, p. 180)

O depoimento da professora Virgínia reforça o percurso da luta antirracista em prol da educação brasileira pelo Movimento Negro desde os primeiros dias após a abolição, perpassando marcos importantes, como: Marcha Zumbi dos Palmares (1995) e Conferência de Durban (2001).

A pesquisa de Oracy Nogueira, realizada em 1955, denunciava a reprodução do preconceito racial na escola. Segundo Nogueira (1998), a escola tornou-se um lugar no qual as crianças tinham um aprendizado do preconceito, por meio da valorização da brancura, em detrimento do desprezo das características fenotípicas dos negros. Para o autor, por meio de brincadeiras, provérbios e ditos populares, elogios e sátiras, as crianças internalizavam um padrão de beleza, na qual a branquitude era um padrão. Nessa perspectiva, Munanga destaca que:

É possível ensinar a história do Brasil sem incluir a história de todos os grupos étnico-raciais que aqui se encontraram em condições históricas diferentes e desiguais? De que maneira é ensinada ou foi ensinada a história da África e dos brasileiros de ascendência africana no sistema educativo brasileiro? A análise crítica da historiografia brasileira ainda existente mostra que essa história foi ensinada de maneira distorcida, falsificada e preconceituosa, comparativamente à história de outros continentes, principalmente do continente europeu e dos brasileiros de ascendência europeia. (MUNANGA, 2015, p. 25).

O Centro de Estudos Africanos (CEA), da Universidade de São Paulo (USP), e o Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora (Cecafro), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), promoveram o lançamento da coleção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco): História Geral da África, em 2011. Devido a isso, o CEA realiza cursos de difusão sobre a história do negro no Brasil. Esses cursos visam à formação dos professores das redes pública e particular de ensino. Além disso, há o Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Comunicação e Cultura (CELACC-USP), Núcleo de Apoio à Pesquisa da Universidade de São Paulo (NAP), os quais objetivam refletir a respeito das relações étnico-raciais, em todas as suas dimensões, centralizando nos aspectos estruturais e sociais do Brasil, bem como promover a reflexão acerca de políticas públicas implementadas no país, para o enfrentamento dos preconceitos e discriminações étnico-raciais.

Entre as pesquisas contemporâneas, estão as coordenadas pela Prof.a Dr.a Mônica Guimarães Teixeira do Amaral, na perspectiva da implementação da Lei No 10.639/2003, realizadas em parcerias com as escolas públicas, que atestam a importância da construção do trabalho juntamente aos professores:

A gente geralmente usa essa expressão: “Lei no Brasil não funciona” [...]. Por outro lado, será que a Lei não vai ajudar a mudar a concepção das pessoas? Mas a legislação, no Brasil, de um modo geral, não sei se vou me expressar corretamente, não é bem trabalhada. (PATRÍCIA MARIA, 08/03/2012). (CALADO, 2013, p. 182).

Embora, no Brasil, a ideia de que a lei não funciona, podemos observar sua importância na alteração da maior legislação brasileira, ao determinar a obrigatoriedade da contribuição dos povos africanos, afro-brasileiros e indígenas no currículo escolar, reconhecer o racismo vigente no Brasil e tornar-se um instrumento potente na desconstrução do eurocentrismo.

Considerações finais: a luta antirracista continua

Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. Pela “força das circunstâncias”, ou seja, pela ignorância e pelo interesse. Abatido por vários séculos de opressão, esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos, de exploradores, de missionários, de procônsules [...]. (KI‑ZERBO, 2010, p. 32)

Em busca de responder a nossa pergunta disparadora - O que nos ensinam as professoras entrevistadas laureadas pela 4ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial? -, nossos esforços, neste trabalho, foram para demonstrar que a complexidade do racismo estruturante na sociedade brasileira demanda lutas em diversas direções. A exigência de um aparato legal não é suficiente para que seja efetivada a implementação de um currículo plural; nesse sentido, além da criação da lei, seria fundamental o monitoramento da aplicação da lei pelas instâncias educacionais (municipal, educacional e federal); continuidade da revisão do material didático pedagógico; e formação obrigatória nos currículos de licenciaturas/formação de professores. Além disso, exige uma intencionalidade dos educadores em reconhecer a vigência do racismo e a necessidade de enfrentamento da discriminação racial, inscrita e reproduzida nas práticas cotidianas.

Nesse contexto, os relatos das nossas entrevistadas ensinam-nos que as experiências dolorosas com a discriminação racial podem ser ressignificadas em propostas pedagógicas antirracistas. Contudo, é importante salientarmos que as nossas entrevistadas se valeram da interpretação crítica da perversidade do racismo e, mais do que isso, puderam mobilizar-se internamente para a transformação de atos de sofrimento psíquico em ações pedagógicas antirracistas, as quais contribuem para a construção das identidades das crianças bem como para a forma de enfrentamento do problema.

Nossas entrevistadas também nos ensinam que a criação da Lei No 10.639/2003 se constitui como um importante recurso para o combate aos estereótipos e aos preconceitos e para a promoção de uma educação antirracista. Ademais, os relatos também nos dizem que, apesar das professoras ganhadoras do Prêmio Educar para a Igualdade Racial não terem, em sua formação inicial, conteúdos acerca da História da África e dos afro-brasileiros, isso não foi impeditivo para a proposição de práticas pedagógicas equitativas, pois levaram a cabo o compromisso em desconstruir estereótipos e preconceitos, recorrendo a pesquisas em materiais didáticos pedagógicos e busca por formação complementar. Tudo isso não seria possível sem a mobilização interna das nossas professoras entrevistadas. Outro ponto que merece destaque, no nosso aprendizado com as professoras, refere-se à importância do engajamento dos gestores escolares na implementação de práticas antirracistas.

Referências

ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 119-138. [ Links ]

ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes - formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. [ Links ]

ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2019. [ Links ]

ARAÚJO, M. L. P. A escola da frente negra brasileira na cidade de São Paulo (1931-1937). 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. [ Links ]

BATISTA, L. E.; ESCUDER, M. M. L.; PEREIRA, J. C. R. A cor da morte: causas de óbito segundo características de raça no Estado de São Paulo, 1999 a 2001. Revista de Saúde Pública, v. 38, n. 5, p. 630-636, 2004. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-89102004000500003Links ]

BRASIL. Decreto Nº 528, de 28 de julho de 1890. Regularisa o serviço da introducção e localisação de immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil. Brasília: Câmara dos Deputados, [1890]. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-528-28-junho-1890-506935-publicacaooriginal-1-pe.html#:~:text=Regularisa%20o%20servi%C3%A7o%20da%20introduc%C3%A7%C3%A3o,dos%20Estados%20Unidos%20do%20Brazil. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [1996]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 8, p. 1, 10 jan. 2003. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 48, p. 1, 11 mar. 2008. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 12.711, de 29 agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

BRASIL. Parecer CNE/CP No 3, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Ministério da Educação, Conselho Nacional da Educação, [2004]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. 2009. Disponível em: http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/diretrizes_curric_educ_etnicoraciais.pdf. Acesso em: 12 abr. 2022. [ Links ]

CALADO, M. G. Escola e enfrentamento do racismo: as experiências das professoras ganhadoras do Prêmio Educar para a Igualdade Racial. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. [ Links ]

CARONE, I. BENTO, M. A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]

CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na Educação Infantil. São Paulo: Editora Contexto, 2012. [ Links ]

CAVALLEIRO, E. S. Discriminação racial e pluralismo nas escolas públicas da cidade de São Paulo. In: BRASIL. Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei federal nº 10.639/03. Brasília: MEC, SECAD, 2005. p. 65-104. Disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_volume2_educacao_anti_racista_caminhos_abertos_pela_lei_federal_10639_2003.pdf. Acesso em: 1 abr. 2022. [ Links ]

CAVALLEIRO, E. S. Prefácio. In: BENTO, M. A. S.; SILVA, H. 2º Prêmio Educar para a Igualdade Racial - experiências de promoção da igualdade racial/étnica no ambiente escolar. São Paulo: Ceert, 2004, p. 11-12. Disponível em: http://pe.ceert.org.br/public/pdf/publicacoes/premio-educar/2-premio-educar-publicacao-web-completo.pdf. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

CEERT. Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. Edital Equidade na Educação Básica: pesquisas aplicadas e artigos científicos - regulamento. São Paulo: Ceert, 2020. Disponível em: https://editalequidaderacial.ceert.org.br/pdf/regulamento.pdf. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. [ Links ]

CONFERÊNCIA Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Declaração e Programa de Ação adotada em 8 de setembro de 2021 em Durban, África do Sul. Durban, 2001. Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_durban.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022. [ Links ]

CRUZ, A. C. J. Os debates do significado de educar para as relações étnico-raciais na educação brasileira. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010. [ Links ]

DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Boletim Especial: Desigualdade entre negros e brancos se aprofunda durante a pandemia. Dieese, 10 nov. 2020. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2020/boletimEspecial03.html. Acesso em: 12 abr. 2022. [ Links ]

DOMINGUES, P. Um “templo de luz”: Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, p. 517-534, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782008000300008Links ]

DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, [s. l.], v. 12, n. 23, pp. 100-122, 2007. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007Links ]

FANON, F. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: UBU Editora. 2020. [ Links ]

FAUSTO, B. História concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2006. [ Links ]

FAZZI, R, C. O drama racial de crianças brasileiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. [ Links ]

FREITAS, J. B. de et al. Levantamento das políticas de ação afirmativa - Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Federais e Estaduais (2013-2018). GEMAA, Rio de Janeiro, 22 jun. 2020. Disponível em: https://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2020/07/Levantamento-das-AAs-2018b.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022. [ Links ]

FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-244. [ Links ]

GOMES, N. L. O movimento negro educador. Petrópolis: Vozes, 2017. [ Links ]

GOMES, N. L. Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei 10.639/2003. Brasília: MEC/Unesco, 2012. [ Links ]

GOMES, N. L. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-97022003000100012Links ]

GOMES, N. L. Limites e possibilidades da implementação da lei 10.639/03 no contexto das políticas públicas em educação. In: PAULA, M. de; HERINGER, R. (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll/ActionAid, 2009. p. 39-74. [ Links ]

GOMES, N. L. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 21, p. 40-51, 2002. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000300004Links ]

HASENBALG, C.A. Desigualdades sociais e oportunidade educacional: a produção do fracasso. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 63, p. 24-29, nov. 1987. [ Links ]

HASENBALG, C.A. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979. [ Links ]

HENRIQUES, R. Silêncio: o canto da desigualdade racial. In: ASHOKA EMPREENDEDORES SOCIAIS E TAKANO CIDADANIA. (org.). Racismos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano, 2003. p. 13-17. [ Links ]

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Quarto Trimestre de 2020. Brasília: IBGE, 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2020_4tri.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022. [ Links ]

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41, Brasília, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022. [ Links ]

KI-ZERBO, J. (org.). História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. rev. Brasília: Unesco, 2010. Disponível em: https://adab1e55-a3b4-419d-bca3-9eaa713ba1e5.filesusr.com/ugd/a00390_2c8517469376423f8457e07f9ba1ab79.pdf. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

LOPES, N. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004. [ Links ]

MARTINS, I.; OLIVEIRA, L. Negros ocupam cargos com menor remuneração no mercado de trabalho. Correio Braziliense, Brasília, 17 nov. 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/trabalho-e-formacao/2019/11/17/interna-trabalhoeformacao-2019,807077/negros-ocupam-cargos-com-menor-remuneracao-no-mercado-de-trabalho.shtml. Acesso em: 5 abr. 2022. [ Links ]

MOORE, C. A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2010. [ Links ]

MUNANGA, K. Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje? Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 62, p. 20-31, 2015. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i62p20-31Links ]

MUNANGA, K. Pan-africanismo, negritude e Teatro Experimental do Negro. Ilha, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 107-120, jun. 2016, p. 109-122. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n1p109. Acesso em: 01 mar. 2022. [ Links ]

MUNANGA, K.; GOMES, N. L. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006. [ Links ]

NOGUEIRA, O. Preconceito de marca. As relações raciais em Itapetininga. São Paulo: Edusp, 1998. [ Links ]

PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010: Constituição Cidadã, seguridade social e seus efeitos sobre as assimetrias de cor ou raça. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2010. [ Links ]

SANTOS, M. P. A. dos. et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, 225-243, maio/ago. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014Links ]

SANTOS, S. A. A Lei 10.639/03 como fruto da luta antirracista do movimento negro. In: BRASIL. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. (org.). Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei 10.639/03. Brasília: Secad. 2005, p. 21-37. [ Links ]

SILVA, I. B. O racismo silencioso na escola pública. Araraquara: Junqueira & Marin, 2009. [ Links ]

SILVA JÚNIOR, H.; SILVA, M. R. Classificação racial: um pressuposto para a adoção de políticas da promoção da igualdade racial In: SILVA JÚNIOR, H.; BENTO, M. A. S.; SILVA, M. R. (org.). Políticas públicas de promoção da igualdade racial. São Paulo: Ceert, 2010. p. 29-45. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/ceert/politicas_publicas_de_promocao_da_igualdade_racial.pdf. Acesso em: 1 mar. 2022. [ Links ]

SILVA, T. D. Ação afirmativa e população negra no Ensino Superior: acesso e perfil discente. Rio de Janeiro: IPEA, 2020. [ Links ]

SISS, A. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas. Rio de Janeiro: Quartet; Niterói: Penesb, 2003. [ Links ]

Recebido: 11 de Agosto de 2021; Revisado: 22 de Março de 2022; Aceito: 24 de Março de 2022; Publicado: 06 de Maio de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.