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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub 11-Ago-2023

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21863.065 

Artigos

Avaliação externa das escolas, regulação por pares, trabalho colaborativo e qualidade educativa: qual a relação?*

External evaluation of schools, peer regulation, collaborative work, and educational quality: What is the relationship?

Evaluación externa de las escuelas, regulación por pares, trabajo colaborativo y calidad educativa: ¿cuál es la relación?

Helena Maria Cerqueira Gonçalves Miranda** 
http://orcid.org/0000-0002-8969-4947

Filipa Seabra*** 
http://orcid.org/0000-0003-1690-9502

José Augusto Pacheco**** 
http://orcid.org/0000-0003-4623-6898

**Mestre em Supervisão Pedagógica pela Universidade Aberta, Portugal, Doutoranda em Desenvolvimento Curricular pela Universidade do Minho. E-mail: <helenamir@gmail.com>.

***Professora Auxiliar com Agregação da Universidade Aberta. Investigadora Integrada do LE@D da Universidade Aberta e colaboradora do CIEd da Universidade do Minho. E-mail: <filipa.seabra@uab.pt>.

****Professor Catedrático da Universidade do Minho. E-mail: <jpacheco@ie.uminho.pt>.


Resumo

A Avaliação Externa das Escolas (AEE) em Portugal incide, no seu atual III Ciclo, nos processos de melhoria sustentados nas práticas docentes e introduz o conceito de “regulação e trabalho colaborativo”. Assim, este estudo visou perceber como esta nomenclatura terá sido traduzida, pelas equipas de AEE, nos seus relatórios. A investigação, apoiada numa metodologia descritiva, interpretativa, de análise de conteúdo, tendo como corpus de análise dez relatórios de AEE, ressaltou a ambiguidade da expressão “regulação por pares” e evidenciou, entre outros resultados, a existência de práticas ativas de colaboração docente, consideradas mais-valias para a qualidade educativa das suas escolas, mas também limitações. Nestas, o foco foi a dificuldade em assumir a colaboração como caminho essencial, sendo, em boa parte dos relatórios analisados, um fator a carecer melhoria. Concluiu-se que as práticas de trabalho colaborativo carecem de mais tempo para a sua implementação e que o conceito de regulação por pares necessita de ser discutido e clarificado nas escolas.

Palavras-chave: Avaliação Externa das Escolas; Regulação por pares; Trabalho colaborativo

Abstract

The External Evaluation of Schools (EES) in Portugal focuses, in its current III Cycle, on the improvement processes sustained in teaching practices and introduces the concept of “regulation and collaborative work”. Thus, this study aimed to understand how this nomenclature was translated, by the EES teams, in their reports. The investigation, based on a descriptive, interpretative, content analysis methodology, having ten EES reports as analysis corpus, highlighted the ambiguity of the expression “peer regulation” and showed, among other results, the existence of active practices of teaching collaboration, considered added-value for the educational quality of their schools, but also limitations. Among these, the focus was on the difficulty in assuming collaboration as an essential path, being, in most of the reports analysed, a factor in need of improvement. It was concluded that collaborative work practices need more time to be implemented and that the concept of peer regulation needs to be discussed and clarified in school.

Keywords: External Evaluation of Schools; Peer regulation; Collaborative work

Resumen

La Evaluación Externa de las Escuelas (AEE) en Portugal incide, en su actual III Ciclo, en los procesos de mejora sostenidos en las prácticas docentes e introduce el concepto de “regulación y trabajo colaborativo”. Este estudio tuvo como objetivo percibir cómo esta nomenclatura habrá sido traducida por los equipos de la AEE, en sus informes. La investigación, apoyada en una metodología descriptiva, interpretativa, de análisis de contenido, teniendo como corpus de análisis diez informes AEE, destacó la ambigüedad de la expresión “regulación por pares” y mostró, entre otros resultados, la existencia de prácticas activas de colaboración docente, consideradas de mayor valor para la calidad educativa de sus escuelas, pero también limitaciones. En estas, el foco estaba en la dificultad de asumir la colaboración como camino esencial, siendo, en gran parte de los informes analizados, un factor a carecer de mejora. Se concluyó que las prácticas de trabajo colaborativo necesitan más tiempo para su implementación y que el concepto de regulación por pares necesita ser discutido y aclarado en las escuelas.

Palabras clave: Evaluación Externa de las Escuelas; Regulación por pares; Trabajo colaborativo

Introdução

A Avaliação Externa das Escolas (AEE), da responsabilidade do Ministério da Educação, existe, em Portugal, desde 2006. Está, presentemente, no seu terceiro ciclo (III AEE) com o desígnio de contribuir para a melhoria da qualidade educativa e lograr repercussões nas comunidades escolares (SEABRA et al., 2021).

Em linha com orientações internacionais e nacionais - entre outras: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO (2021); Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OECD (2018); Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho (PORTUGAL, 2018); documentação de referência sobre o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, ou sobre a Autonomia e Flexibilidade Curricular -, o Quadro de Referência do III AEE, da Inspeção-Geral da Educação e Ciência - IGEC (2019b), enfatiza o papel das práticas letivas para a qualidade educativa da escola. Esse é um conceito indissociável de quem o define (SEABRA et al., 2022). A qualidade educativa é, portanto, definida pelo poder, através das normas que este gera, ainda que na dependência de fatores como a informação e a avaliação - sustentadas por dados, ou evidências, que lhe estão intimamente ligados.

E, desta maneira, no Quadro de Referência do III AAE (constituindo ponto de viragem), a qualidade educativa centra-se: i) nos processos, mais do que nos resultados (FIALHO et al., 2020); ii) assume o foco na melhoria da prestação do serviço educativo; iii) retoma a valorização dos princípios de sustentabilidade dessa melhoria (IGEC, 2019a); iv) reflete uma visão estratégica quanto aos propósitos da educação escolar e do papel dos seus intervenientes, numa perspetiva holística. Esta é traduzida, por exemplo, na expressão “centralidade do processo de ensino aprendizagem”, ao mesmo tempo que se assume a necessidade de uma “[...] visão partilhada pelos diferentes atores educativos e mobilizadora da sua ação” (IGEC, 2019b, p. 2).

Importa clarificar que, em Portugal, a AEE é desenvolvida por equipas de AEE que incluem quatro elementos, dos quais dois pertencem à Inspeção Geral da Educação, e dois são externos a essa entidade - habitualmente do Ensino Superior. A equipa visita a escola, recolhe dados da comunidade educativa e realiza análise documental, culminando na elaboração de um relatório, com um formato estandardizado, que inclui, além da classificação qualitativa e apreciação em quatro domínios: Autoavaliação, Liderança e Gestão, Prestação do Serviço Educativo e Resultados, inclui pontos fortes e áreas de melhoria que a equipa destaca em cada escola (IGEC, 2019a).

Esta ideia conduz, inclusivamente, à pluralidade de olhares nas próprias equipas de AEE, nas suas ações, junto das escolas, e à riqueza da sua constituição, incluindo membros externos ao IGEC, nomeadamente académicos (SEABRA et al., 2022); v) emerge o termo “regulação” (IGEC, 2019b, p. 6), acentuando o papel ativo dos professores e das suas interações profissionais como reguladores da melhoria educativa, nas escolas, fazendo apelo a uma renovada profissionalidade, numa atitude proativa, de tomada de decisão conjunta sobre o processo educativo (FIALHO et al., 2020; PACHECO et al., 2023; SEABRA et al., 2022). Deste modo, a investigação foi teoricamente suportada pelos conceitos: i) Avaliação Externa das Escolas; 2) Regulação por pares; 3) Trabalho colaborativo; 4) Supervisão pedagógica; 5) Qualidade Educativa, equacionando as eventuais conexões teóricas entre eles.

O conceito de regulação por pares não é explicitado nos documentos oficiais Associados ao III AEE - ademais, sendo um conceito polissêmico, em função de diferentes contextos em que se efetive, também tem evoluído:

  • i)Brigas (2012) apoia-se em diversos teóricos para confirmar as múltiplas perspetivas de entendimento, bem assim a sua evolução concetual: por exemplo, se a pedagogia por objetivos fala de regulação enquanto correção, o estruturalismo já alude à revisão e ajustamento - numa perspetiva de melhoria, enquanto “[...] meio de propiciar e favorecer o desenvolvimento pessoal e coletivo” (BRIGAS, 2012, p. 22). Os conceitos, seja de “autorregulação”, seja de “regulação pelas lideranças”, mencionados no Quadro de Referência do III AEE, poderão ser entendidos nesta linha de pensamento.

  • ii)Barroso (2004, 2005, 2013), destrinçando entre diversas aceções do conceito (incluindo orientações políticas, económicas e da esfera social), não ignorando a regulação profissional (BARROSO, 2004), assinala, no âmbito das políticas educativas, as questões normativas coincidentes com uma regulação burocrática, associada à governança (BARROSO, 2005) - ela própria em evolução. Com efeito, na atualidade, enfatiza-se um entendimento pós-burocrático (BARROSO, 2013), menos impositivo, de regulação de influência, ou “regulação soft” (CARVALHO, 2011, p. 50) que não regulamenta, não impõe, mas propõe, sugere, determinadas orientações às políticas educativas. Este é o caso da regulação internacional de que é exemplo a OECD, que não sendo um organismo educativo, mas económico, tem vindo, progressivamente, a incidir a sua atenção neste sector, por exemplo, através dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - PISA (CARVALHO, 2011).

  • iii)Saragoça e Chainho (2017), debruçando-se sobre o conceito de regulação, comentam que esta é fulcral, na escola enquanto organização - quer na manutenção dessa organização, quer na sua reconfiguração, bem assim, nos seus diversos contextos. Estes autores (SARAGOÇA; CHAINHO, 2017) aludem ao seu papel no cumprimento das funções sociais da escola e, também, enquanto estrutura orgânica, na orientação dos seus atores. Além de outras aceções do conceito, mencionam a “regulação conjunta” entre os profissionais, a qual pode ser distintamente considerada, em função dos seus comportamentos perante as regras: “regulação de conformidade”; ou, ao invés, de “emancipação”, quando os profissionais têm uma posição proativa e se focam na melhoria (SARAGOÇA; CHAINHO, 2017, p. 230).

  • iv) Tal perspetiva de entendimento, que aqui nos propomos analisar, é, igualmente, o foco de Lantheaume (2015). A investigadora considera a regulação profissional como intrinsecamente articulada com a colaboração, uma vez que todo o trabalho é social e que o docente, mesmo na sua sala de aula, carrega em si e nas suas práticas uma regulação que inclui, não só as hierarquias, mas também os pares. Consequentemente será fulcral que os profissionais docentes desenvolvam competências partilhadas, suscetíveis de os ajudar na resolução de problemas atuais e de preparação do futuro.

Quer a formulação de Saragoça e Chainho (2017), quer a de Lantheaume (2015) lembram as caraterísticas da colaboração plena, presente em situações como o trabalho conjunto, de partilha da responsabilidade pelo processo de aprendizagem/ensino (LO, 2020), no contexto do qual os intervenientes partilham responsabilidades e tomam decisões conjuntas, seguindo a mesma linha de ação, numa posição de “[...] abertura face ao outro e à possibilidade de autotransformação” (ALARCÃO; CANHA, 2013, p. 48); constituindo “[...] oportunidades de aperfeiçoamento contínuo e de aprendizagem ao longo da carreira” (FULLAN; HARGREAVES, 2001, p. 83).

Articulando estes conceitos de regulação profissional transformadora e de trabalho colaborativo, encontra-se o conceito de supervisão colaborativa, a qual (no extremo oposto da supervisão pedagógica vertical) enfatiza o papel dos docentes na melhoria das suas práticas, numa atitude de ajuda mútua, horizontal e que, por exemplo, Glanz e Sullivan (2000, p. 96, tradução nossa) mencionam como “[...] peer coaching: professores que se ajudam mutuamente a refletir, melhorar ou implementar práticas de ensino”.

Poderá, assim, perceber-se que a regulação profissional/regulação por pares quedar-se-á, talvez, próxima de uma supervisão pedagógica colaborativa, afastando uma visão mais pejorativa que o termo poderá ter assumido, junto de muitos docentes. Com efeito, se escalpelizarmos o termo “super-visão” e nos remetermos às memórias de muitos profissionais da educação portugueses que estarão, talvez ainda, associadas a um vetor de avaliação para progressão na carreira, a supervisão era considerada como fiscalizadora, castradora, pejorativa e não de apoio à melhoria (MIRANDA, 2021; SEABRA et al., 2021).

Poderá, assim, a nomenclatura “regulação profissional/regulação por pares” assumir um posicionamento transformador, pela articulação de ideias, troca de opiniões entre pares, reequacionamento pessoal do professor e da escola: uma regulação pedagógica, na perspetiva educacional de aprendizagem, construtivista, participativa, colaborativa, numa perspetiva de reflexão e melhoria a partir da comunidade escolar. Em suma: caberá, assim, a esta nova terminologia congregar no conceito de “regulação por pares” ambos os conceitos de supervisão colaborativa/colaboração docente com vista à qualidade educativa e letiva.

O papel dos docentes na melhoria da sua profissionalidade tem repercussões na qualidade educativa (HARGREAVES; FULLAN, 2014). Mencionam-se, neste contexto, as Comunidades de Aprendizagem Profissional (BEAMISH, 2018), radicadas nas escolas - ou seja, próximas das questões específicas das suas próprias realidades educativas. Estas seriam potenciadoras de melhores ambientes de aprendizagem, ou, como assinalam Henriques et al. (2020), da mudança transformacional das escolas.

Assim (ao invés de uma regulação burocrática, normativa, ou de uma supervisão não-colaborativa, mas vertical), a regulação por pares terá um impacto mais efetivo. Trata-se, com efeito, de um posicionamento que, por não ser burocrático, nem distante das realidades dos professores e da escola - antes derivando das motivações intrínsecas dos docentes, face aos seus contextos, é gerador de sinergias: a colaboração que é gerada por iniciativa, interesse e motivação dos docentes, repercute-se nos mesmos e conduz ao respetivo aprofundamento, com repercussões ao nível da qualidade da escola.

Metodologia

Intentando perceber se, e de que forma, o desiderato do Quadro de Referência do III AEE (IGEC, 2019b) de focalização nos processos educativos através da valorização do papel ativo dos docentes e das suas práticas para a melhoria da qualidade educativa e letiva encontrou eco nas escolas de um dado distrito e foi assinalado nos respetivos relatórios de AEE, foram objetivos específicos:

  • a) perceber como esta nomenclatura terá sido traduzida, pelas equipas de AEE, nos relatórios do atual III Ciclo de AEE;

  • b) identificar evidências de práticas colaborativas;

  • c) identificar a relevância atribuída aos docentes, enquanto atores;

  • d) conhecer qual o eventual impacto que é atribuído pelas equipas às práticas de regulação por pares/trabalho colaborativo na melhoria da qualidade educativa e letiva. Traçaram-se as seguintes questões de análise:

  1. Como é percebida, pelas equipas de AEE envolvidas nestes relatórios, a nova abordagem presente no Quadro de Referência, quanto à terminologia em torno do conceito de regulação docente?

  2. Existem evidências de práticas de regulação por pares, entre os docentes, nestes relatórios do III AEE analisados?

  3. Estas eventuais práticas são associadas à colaboração docente?

  4. De que maneira é dada visibilidade nestes relatórios ao papel dos docentes como atores?

  5. Há registos do eventual contributo das práticas docentes para a melhoria da escola?

A investigação, de tipo descritivo, interpretativo, cumpriu os preceitos éticos, incluindo, entre outros, as orientações do Ministério da Educação; da Carta Ética da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação - SPCE (2020) e da American Educational Research Association (AERA) Council (AERA, 2011). Para efeitos da análise e citação de informações recolhidas, seguindo procedimentos éticos, os relatórios de cada uma das escolas não são, de forma alguma, identificados, utilizando-se uma sigla aleatória (por exemplo: R1). Os relatórios analisados são de natureza pública.

O estudo descritivo, interpretativo, apoiou-se na técnica de análise de conteúdo. Esta técnica envolve a codificação e categorização e exige o “[...] gerenciamento de dados eficiente, coerente e sistemático” (GIBBS, 2009, p. 136), o qual pode ser potenciado pelo uso adequado de software. Neste caso, recorreu-se ao MAXQDA.

A recolha de dados incidiu na pesquisa documental e abrangeu os dez relatórios do III AEE que eram elegíveis, de entre todos os 12 produzidos até a data, em relação aos agrupamentos de escolas (AE) de um dado distrito, recolhidos diretamente através do site da IGEC. Não foram considerados dois relatórios, por não terem sido realizados ao invés dos restantes, em AE, mas numa escola profissional e numa escola secundária - cumprindo-se, assim, o critério de homogeneidade. Foi incluído um relatório da fase-piloto (identificado pelo código R0), dada a sua relevância, como contraponto aos demais - contudo foi tratado na sua especificidade. Deste modo, o corpus documental foi constituído por nove relatórios (R1 a R9), mais um (R0). Como contraponto à visão da equipa de AEE, recolhendo a perspetiva pessoal dos docentes, procedeu-se, ainda, à análise de um inquérito aos docentes, anexado aos relatórios de AEE dos anos 2019-2020 e 2021-2022.

A análise de conteúdo categorial envolveu a leitura flutuante, da totalidade dos documentos, incluindo anexos, permitindo perceber a estrutura dos registos das equipas e as ideias predominantes, bem como os domínios, campos de análise, referentes e indicadores onde estariam presentes conteúdos relacionados com as categorias predefinidas.

As categorias a priori foram: “regulação” (e seus derivados: regulação por pares, autorregulação, regulação pelas estruturas/lideranças) e “trabalho colaborativo”. Após a leitura flutuante, foi incluída uma categoria emergente (ou in vivo, segundo a nomenclatura MAXQDA): “supervisão” (e seus derivados: supervisão pedagógica, supervisão inter-pares, intervisão, supervisão das práticas letivas; observação inter-pares).

Foram, assim, consideradas as seguintes partes dos relatórios: i) notas de síntese das avaliações atribuídas; ii) descrições feitas pelas equipas, ao longo da análise do domínio Prestação do Serviço Educativo (mais concretamente, no que concerne ao seu quarto campo de análise: Planificação e acompanhamento das práticas educativa e letiva (IGEC, 2019b), respetivos referentes e indicadores); iii) registos dos pontos fortes e das áreas de melhoria; anexo Q3 (Questionário aos trabalhadores docentes).

Como evidencia o Gráfico 1, além do estudo piloto (2017-2018), verifica-se que não houve produção de relatórios, no distrito em análise, no ano da pandemia que envolveu o período de confinamento (2020-2021) e que os demais relatórios se distribuíram entre os anos anterior e posterior a este mesmo período.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 1 Dados de caraterização das fontes documentais 

Notando que há uma distribuição quase equitativa e preponderante entre os anos 2019-2020 e 2021-2022 (respetivamente, cinco e quatro relatórios produzidos), será interessante analisar a possibilidade de diferenças de discurso e de resultados entre os relatórios produzidas em cada um destes dois distintos períodos. Acresce, desta forma, o seguinte quadro-síntese (Tabela 1), relativo a esta variável introduzida.

Tabela 1 Distribuição temporal dos relatórios 

Ano 2019-2020 R1 R4 R5 R8 R9
Ano 2021-2022 R2 R3 R6 R7

Fonte: Elaborada pelos autores.

Analisada a constituição das equipas de trabalho, percebeu-se terem sido predominantemente constituídas por elementos distintos entre si, e que os relatórios nunca foram produzidos exatamente pela mesma equipa. Este poderia ser um fator a tomar em consideração, condicionando potencialmente a homogeneidade dos critérios e da linguagem aplicados.

Apresentação e discussão dos resultados

Nesta secção, aborda-se, inicialmente, a utilização dos termos “regulação” e “supervisão” e, posteriormente, discorre-se sobre os diferentes significantes e significados de regulação, autorregulação e regulação por pares.

Regulação versus supervisão

Na leitura flutuante dos relatórios analisados, ficou muito percetível que as equipas continuaram a utilizar a nomenclatura “supervisão” em detrimento ou em paralelo com o termo “regulação”: o Relatório da fase-piloto (maio, 2018), prévio à construção do Quadro de Referência (IGEC, 2019b), é, nitidamente, o que apresenta mais referências (quatro) a este termo (Gráfico 2), mas há que perceber que inclui um item de monitorização, no ponto 4.3- Prestação do Serviço Educativo, denominado “Acompanhamento e supervisão das práticas educativa e letiva” (R0, p. 9), que virá a desaparecer, posteriormente. Deste modo, foi incluída e analisada esta categoria emergente, percebendo-se que tal nomenclatura persiste em muitos dos demais relatórios, seja de 2019-2020, seja de 2021-2022, muito perto do presente, sendo utilizadas as expressões: supervisão pedagógica; supervisão inter-pares; intervisão; supervisão das práticas letivas; observação inter-pares.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 2 Distribuição e frequência de referências a supervisão 

Parece importante assinalar a forma como as equipas persistem na utilização de uma terminologia que, embora registada no documento já citado “Âmbito, princípios e objetivos” (IGEC, 2019a), não está presente no Quadro de Referência (IGEC, 2019b): “supervisão inter-pares” (R1, R6). Importante, também, verificar que a dissociam de (entre outras expressões) trabalho colaborativo, coadjuvação, partilha de estratégias e da regulação por pares - ver-se-á mais adiante que a utilização do termo “regulação” apresenta, também, ambiguidade.

Introduzindo aqui a variável ano de produção (2019-2020 versus 2021-2022), com a ajuda da Tabela 2, embora lembrando que há diferença em número de relatórios, percebe-se que: R8, no ano 2019-2020, apresenta três referências; e R5, duas, em contraponto com um máximo de duas referências, nos R6 e R7, do ano 2021-2022. Percebe-se que, com exclusão de três relatórios sem qualquer referência, os demais seis apresentam alguma referência a questões supervisivas.

Tabela 2 Distribuição temporal das frequências de referências à supervisão 

Ano 2019-2020 2021-2022
Relatório- Frequências R1- 0 R2- 1
R4- 1 R3- 0
R5- 2 R6- 2
R8- 3 R7- 2
R9- 0
Total 6 5

Fonte: Elaborada pelos autores.

Analisando o tipo de discurso produzido, no ano de 2021-2022, percebe-se que não há uniformidade (situação em linha com o atrás referido, acerca da pluralidade da constituição das equipas (FIALHO et al., 2020). Por exemplo, surgem referências ora desvalorizando o contributo do trabalho colaborativo e das partilhas enquanto medida de regulação interpares (R6), ora valorizando-a (R7; R2: única referência):

A medida de intervisão/supervisão da prática letiva foi descontinuada, com a justificação de que o incremento do trabalho colaborativo e o reforço das coadjuvações já desempenhariam esse papel, pelo que a partilha de boas práticas ocorre de modo informal e espontâneo, contudo, a reintrodução desta medida poderia contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre as práticas letivas e o consequente desenvolvimento profissional dos docentes. (R6, p. 10).

A supervisão pedagógica, nomeadamente a observação interpares, não é, ainda, uma prática generalizada, estando circunscrita à cooperação entre os docentes, pelo que o seu contributo para a transformação e inovação das práticas educativas e letivas, com repercussão no desenvolvimento profissional e no processo de ensino e de aprendizagem, é ainda diminuto. (R7, p. 9).

É sugerido, como melhoria, “Implementar e consolidar práticas de supervisão, pautadas por uma abordagem que seja reconhecida pelos professores como um tempo útil e motivante para o seu desenvolvimento profissional” (R7, p. 9). Ainda de assinalar um comentário que parece apontar que talvez esta salvaguarda fosse, ao invés, a leitura em que o conceito de regulação por pares deveria emergir.

A supervisão pedagógica, nomeadamente a observação interpares, não é uma prática no Agrupamento. Contudo, a colaboração e cooperação entre os docentes, nomeadamente na partilha de materiais, de experiências pedagógicas e de conhecimentos adquiridos em ações de formação, tem contribuído para a transformação e inovação das práticas educativas e letivas. (R2, p. 10-11).

No ano 2019-2020, por sua vez, R4 assinala, como sugestão de melhoria: “Sistematização de mecanismos de acompanhamento e supervisão em contexto de sala de aula, como investimento [para?] a melhoria das práticas pedagógicas e o desenvolvimento profissional dos docentes” (R4, p. 5). O R5, além desta mesma referência feita no R4 (lembra-se que as equipas são sempre distintas), explicita, mais adiante: “Apesar de se encontrarem implementadas algumas experiências de supervisão pedagógica, nas turmas do 2.º e 3.º ciclos, não existe uma prática generalizada de partilha de práticas científico pedagógicas relevantes, destinadas à melhoria da prática letiva” (R5, p. 10). Tal discurso (que não explicita qual o tipo de experiências supervisivas implementadas) perspetiva, ainda assim, que a conceção de supervisão expressa nos relatórios deste Distrito é a de partilha de práticas entre pares, de forma colaborativa.

Deixou-se para última análise, neste ponto, o relatório R8, uma vez que este apresenta um discurso algo dicotómico a diversos níveis. Começando por assinalar que: “Não estão instituídos mecanismos estruturados e formalizados de trabalho colaborativo entre os professores nem de autorregulação da prática letiva, porém, está prevista uma iniciativa departamental promotora da supervisão pedagógica”, este relatório distingue entre trabalho colaborativo e supervisão pedagógica, sendo esta associada à observação interpares. Aliás, adiante, explicitando a referida iniciativa prevista, fica clara a perspetiva de supervisão colaborativa:

O plano estratégico de melhoria do Departamento de Matemática e Ciências Experimentais inclui a planificação e previsão da operacionalização de práticas de supervisão colaborativa, nomeadamente, a observação interpares, passíveis de contribuir para a transformação e inovação das práticas pedagógicas e, consequentemente, para a melhoria das aprendizagens. (R8, p. 9).

Paralelamente, o conceito de regulação é assumido apenas na perspetiva das lideranças: “A regulação pelas lideranças incide principalmente na reflexão sobre os resultados escolares e na verificação do cumprimento do planeamento curricular, em sede das estruturas departamentais, contribuindo para o reajuste das práticas pedagógicas face às necessidades dos alunos” (R8, p. 9) - questão analisada de seguida.

Regulação, autorregulação e regulação por pares: diferentes significantes e significados

A análise do conceito de regulação - novo na sua atribuição aos docentes - deixa perceber que os relatórios evidenciam informações que remetem para diferentes tipologias (Tabela 3). Desta maneira, ir-se-á incidir nos seguintes itens: i) agrupamento por espaço temporal de realização (2019-2020 e 2021-2022); ii) derivações do conceito de regulação; iii) contextos nos quais é utilizado, mormente: docentes, lideranças e outros; iv) e, finalmente, evidências de existência de regulação por pares.

Tabela 3 Síntese de referências das derivações sobre regulação e referências à trabalho colaborativo 

RO R1 R2 R3 R4 R5 R6 R7 R8 R9
Regulação: lideranças x x x x x x x
Regulação do currículo, medidas x x x x
Regulação e autorregulação docentes: reflexão e partilha entre pares x x x x x
Autorregulação e regulação: alunos x x x x x
Trabalho colaborativo x x x x x x
Regulação entre pares de supervisão: autorregulação do desenvolvimento profissional x
Autorregulação como autoavaliação da Escola x x x

Fonte: Elaborada pelos autores.

A Tabela 3, de síntese, traduz uma diversificação de significantes e de significados que se distancia do que está inscrito no Quadro de Referência (IGEC, 2019b):

  • a) A autorregulação, que surge, no documento, como mecanismo para o desenvolvimento do currículo e da prática letiva - em suma, para a melhoria da prestação do serviço educativo, ou seja, para a qualidade educativa - tende a ser associada, também, a discentes, docentes, lideranças e avaliação interna das Escolas. Não será difícil de perceber esta apropriação do termo ambígua, porque o próprio questionário aos docentes não denota a melhor articulação com o discurso utilizado no citado Quadro de Referência (IGEC, 2019b). Com efeito, o questionário contém apenas uma afirmação relativa a regulação, quiçá pouco explícita quanto ao seu âmbito: “Os docentes utilizam mecanismos de autorregulação das suas práticas pedagógicas”.

  • b) Ultrapassada a ambiguidade na apropriação do conceito, que não parece associada ao espaço temporal de realização do relatório - aliás, inclui o R0 - também se percebe que há referências à regulação do currículo e da prática letiva.

  • c) Por sua vez, a utilização do termo “autorregulação” evoca a supervisão pedagógica colaborativa e utiliza o termo “regulação” numa linha de entendimento que parece estar próxima de uma regulação por pares: “fortalecimento dos mecanismos de acompanhamento, regulação ou supervisão das práticas pedagógicas em sala aula, entre pares, como forma de autorregulação do desenvolvimento profissional” (R5, sugestão inscrita no campo “Áreas de melhoria”).

  • d) A regulação, per se, associada às lideranças, apresenta grande visibilidade em muitos dos relatórios analisados, apenas não havendo referências em R0, R2; R3 e R9; e) a regulação por pares, que surge, no Quadro de Referência associada intrinsecamente ao trabalho colaborativo, suscita, também, alguma complexidade de leitura: há relatórios (R3 e R9) que não associam, antes dissociam explicitamente, como antítese, regulação e trabalho colaborativo. Por exemplo, em R3 é referido que “a regulação das práticas por pares, em contexto, não constitui um procedimento instituído”, mas que “o trabalho colaborativo é consistente e regular, desde a planificação à reflexão, análise e partilha de experiências e práticas pedagógicas, metodologias e estratégicas eficazes no ensino e na aprendizagem” (R3, p. 11): um exemplo de clara dissociação.

Analisando, por sua vez, R9, a ordem de registo é inversa, mas o teor é similar, dissociando, mais uma vez, regulação por pares de trabalho colaborativo:

O trabalho colaborativo e cooperativo entre pares ocorre ao nível do planeamento, reflexão e partilha de práticas e materiais. Não é visível o desenvolvimento de mecanismos de regulação da prática letiva por pares em contexto de sala de aula, para a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens. (R9, p. 10).

Optando-se, neste ponto da investigação, por ignorar a utilização do termo “autorregulação” que é feita nos relatórios, ao invés de “regulação por pares”, verificou-se que as menções à conexão entre práticas de regulação entre docentes e trabalho colaborativo (LANTHEAUME, 2015; SARAGOÇA; CHAINHO, 2017) estão presentes em diversos relatórios. Porém, surgem como comentários à sua inexistência em R1, R9 (2019-2020) e R3 (2021-2022). Ao invés, estão presentes, além de em R0, também em R2, R6 e R7 (todos estes de 2021-2022).

Uma mais demorada explanação, que não cabe nas limitações do presente artigo, indicia muitas mais evidências e identifica, ainda, diversas referências à existência de uma cultura de responsabilidade, reflexão e colaboração entre os docentes.

Respondendo às duas primeiras questões de análise do estudo: (1- Como é percebida, pelas equipas de AEE envolvidas nestes relatórios, a nova abordagem presente no Quadro de Referência, quanto à terminologia em torno do conceito de regulação docente; 2- Existem evidências de práticas de regulação por pares, entre os docentes, nestes relatórios do III AEE analisados?): é visível que a nova nomenclatura (“regulação”) não foi clara e unanimemente assumida pelas equipas, ao longo de todo o espectro temporal. Com efeito:

i) persiste a utilização do termo “supervisão” - ainda que entendida pelas equipas, como de tipo colaborativo, pelo que próxima da regulação por pares, “peer coaching” como assinalam, Glanz e Sullivan (2000, p. 96), transformadora, numa perspetiva de reflexão e melhoria a partir da comunidade escolar;

ii) o conceito de regulação é associado aos docentes, aos alunos, e às lideranças evidenciando que esta nova abordagem não estará clara para as equipas. Um facto compreensível porque não se encontra documentação produzida aquando do início do III AEE e/ou da publicação do Quadro de Referência que clarifique o conceito. Seabra et al. (2022) referiram esta mesma questão, porque, sendo extremamente importante o papel das equipas e a valorização da pluralidade de olhares, dentro de cada uma delas, também é importante promover espaços de debate.

No tocante às seguintes questões de análise do estudo (3- Estas eventuais práticas são associadas à colaboração docente? 4- De que maneira é dada visibilidade nestes relatórios ao papel dos docentes como atores?): sendo reconhecido o contributo das práticas docentes para a qualidade da escola (BEAMISH, 2018; HARGREAVES; FULLAN, 2014; HENRIQUES et al., 2020), tal entendimento ainda não é muito evidenciado nos relatórios.

Com efeito, a análise conduziu a informações por vezes contraditórias a este respeito, inclusivamente num mesmo relatório. Vários relatórios evidenciam a existência de regulação por pares e trabalho colaborativo, com repercussões positivas - embora alguns relatórios descartem tal contributo, por exemplo: “dos mecanismos de autorreflexão e reflexão partilhada das práticas não sobressaem evidências de que as mesmas gerem soluções inovadoras” (R3, p. 12). Paradoxalmente a esta negação, é comentado, no mesmo documento:

A melhoria das práticas educativas/letivas assenta na análise autorreflexiva que o docente faz do impacto da sua ação educativa na progressão das aprendizagens, no sentido da melhoria das práticas letivas. Resulta, ainda, da discussão e da análise dos resultados escolares, das metodologias utilizadas, do planeamento e do desenvolvimento curricular em sede das estruturas educativas, destacando-se a cultura de responsabilidade no desempenho profissional da maioria dos docentes (R3, p. 11).

Será, ainda, de notar que, nos AE com classificações de Muito Bom - onde se poderia esperar encontrar referências ao contributo das práticas docentes para a qualidade educativa da Escola, tal é omisso. As referências surgem como áreas de melhoria, ainda que apenas em alguns relatórios (quase exclusivamente em 2019-2020) e como medidas top down das lideranças da Escola (não atribuindo, assim, o papel principal aos docentes) e sempre associadas a supervisão. O R1 apresenta, mesmo, duas entradas de sugestões de melhoria, uma no domínio da Liderança e Gestão e, outra, no domínio da Prestação do Serviço Educativo, respetivamente: “Desenvolver mecanismos eficazes e regulares de acompanhamento e monitorização das práticas de ensino e de aprendizagem reajustando-as, em tempo útil, às necessidades das crianças e dos alunos, para que todos alcancem o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”; e “Desencadear mecanismos de acompanhamento e monitorização regulares das práticas docentes, num trabalho colaborativo e de desenvolvimento profissional” (R1, p. 5).

São, ainda, exemplos: “Sistematização de mecanismos de acompanhamento e supervisão em contexto de sala de aula, como investimento a melhoria das práticas pedagógicas e o desenvolvimento profissional dos docentes” (R6, p. 5); “Reintrodução da medida intervisão/supervisão da prática letiva para uma reflexão mais aprofundada sobre as práticas letivas e o consequente desenvolvimento profissional dos docentes” (R4, p. 5); “Alargamento a todos os grupos de recrutamento de práticas de supervisão com um enfoque interdisciplinar, promotoras da melhoria das práticas letivas inclusivas, com consequências na eficácia das metodologias de ensino e nas aprendizagens das crianças e alunos” (R8, p. 5).

Assim, a última questão de análise do estudo (5- Há registos do eventual contributo das práticas (colaborativas) docentes para a melhoria da escola?), obtém resposta negativa. Com efeito, ao invés, o que é salientado é a ação individual e de reflexão dos docentes, a par da referência à necessidade de um maior investimento em práticas colaborativas conducentes à melhoria das práticas de ensino e aprendizagem.

Uma exceção, contudo: num dos Relatórios de um dos AE com classificações máximas em três dos quatro domínios, embora não afirmando, claramente, o contributo dos docentes para a qualidade da escola, este fica implícito:

Existe uma cultura de responsabilidade e cooperação no desempenho profissional entre todos os docentes, pelo que a regulação dos processos de ensino e de aprendizagem, pelas lideranças, concentra-se, essencialmente, na análise periódica dos resultados académicos, na monitorização do cumprimento de programas e das medidas pedagógicas aplicadas, através de relatórios parcelares. (R6, p. 10).

Após a discussão com base nos registos das equipas de AEE, e como contraponto e contributo para esta discussão, intentou-se recolher a perspetiva dos docentes, através da análise das suas respostas a alguns dos itens do questionário que lhes foi aplicado antes da AEE. Foram selecionados os seis itens de resposta, de algum modo relacionados com a problemática do estudo, assumindo um conhecimento direto das opiniões desses profissionais sobre a existência de trabalho colaborativo, e de regulação, bem como sobre sentirem-se atores na escola. Embora todas as respostas fossem maioritariamente de concordância e concordância total, a tabela explicita as percentagens atribuídas a cada uma destas categorias - não sendo ignorados eventuais desvios das opções de resposta maioritárias, sempre que existam com alguma significância percentual: i) trabalho colaborativo - entre os seis itens do inquérito selecionados para a análise da auscultação das opiniões dos docentes, a afirmação 3 é a relativa ao trabalho colaborativo (“O trabalho colaborativo entre docentes é efetivo”).

Como evidencia a Tabela 4, este é o item que conjuga uma alta percentagem de concordância total (64,2% e 62,9%) e de concordância (50,9%). Todavia, estes valores alternam com outros mais baixos (respetivamente: 37,2% e 33,3%), traduzindo-se, desta maneira, numa média abaixo dos 50% (respetivamente, 48,8% e 44,8%). Sendo este o único item que, na realidade educativa do quotidiano das escolas, é aquele cuja responsabilidade pela tomada de decisão autónoma cabe, direta e exclusivamente, aos docentes (BEAMISH, 2018; HARGREAVES; FULLAN, 2014), podendo ser traduzido diretamente da opção de resposta de cada docente, parece patentear uma relativamente escassa assunção de práticas colaborativas efetivas, pelos inquiridos. Tal poderá indiciar alguma desvalorização pelos próprios atores, desse fator como essencial à qualidade educativa.

Tabela 4 Distribuição das percentagens de concordância plena e concordância, no item 3 do questionário 

R1 % R4 % R5 % R8 % R9 % R2 % R3 % R6 % R7 % Média global
Concordo totalmente 36,2 64,2 44,4 37,2 48,3 62,9 48,2 46,1 52,3 48,8
Concordo 50,9 33,3 41,5 56,1 47,7 33,7 47,4 47,5 45,3 44,8

Fonte: Elaborada pelos autores.

Abordam-se, agora, os resultados quanto à introdução do conceito de regulação. A única afirmação inscrita no questionário aos docentes que se enquadra, de alguma forma, neste ponto da análise é a 4: “Os docentes utilizam mecanismos de autorregulação das suas práticas pedagógicas”. Este item apresenta como a média mais alta de concordância total apenas 46,3% (R3), e de concordância de 59,6% (R4), conforme se percebe pela Tabela 5. Dada a novidade do conceito, intentou-se perceber se tais resultados poderiam evidenciar alguma dúvida, por parte dos docentes, na interpretação do seu significado deste conceito. Deste modo, analisaram-se as respostas que assinalaram a opção “Não sei”, da escala de tipo Likert aplicada. Constata-se, porém, que não são elevados os seus percentuais: no grupo de relatórios de 2019-2020, R5 é o que apresenta o valor mais significativo (7,7%). Por sua vez, no grupo de 2021-2022, 5,3% dos inquiridos de R3 consideraram não saber qual opção assinalar, perante a afirmação. Este baixo valor de afirmação do desconhecimento do conceito conduz à ilação (quiçá errónea) de que o desconhecimento será escasso, embora não permita perceber, efetivamente, qual é o significado que os docentes lhe atribuem. É uma questão que incita ao aprofundamento do estudo, através de uma outra abordagem metodológica mais consonante com a identificação explícita pelos docentes do seu entendimento do conceito. Talvez também fosse interessante conhecer o que pensam as equipas desta introdução e da sua abrangência.

Tabela 5 Distribuição das percentagens de concordância plena, concordância e desconhecimento, no item 4 do questionário 

R1 % R4 % R5 % R8 % R9 % R2 % R3 % R6 % R7 % Média global
Concordo totalmente 35,6 46,3 34,5 35,1 37,7 40,4 31,6 45,4 44,2 38,9
Concordo 54,6 50,4 52,1 58,1 55 57,3 59,6 49,6 53,5 54,4
Não sei 4,3 1,6 7,7 4,1 2,6 1,1 5,3 1,4 1,2 3,2

Fonte: Elaborada pelos autores.

Seguidamente, procurámos desvendar as perspetivas dos professores acerca da valorização, pela Escola e por si próprios, do seu contributo ativo nas tomadas de decisão e, enquanto agentes transformadores, na qualidade da escola. Para o efeito, foram utilizadas as afirmações: 2- “Os docentes estão ativamente envolvidos na consecução da visão que orienta a ação da escola”; 6- “As lideranças valorizam os contributos dos docentes para o bom funcionamento da escola”; e 8- “Os docentes são auscultados e participam na autoavaliação da escola”.

Na Tabela 6, pode apreciar-se um conjunto de informações proporcionadas pelas percentagens das respostas dos docentes a cada uma das afirmações: relativamente à afirmação 2, concordam totalmente estarem envolvidos na visão da escola, um máximo de 57,7% dos inquiridos (de R4, do período 2019-2020) e concordam até 65% (de R1, do mesmo período), mas outros AE apresentam valores bastante inferiores, nomeadamente, R5, com um percentual de 33,1%, originando uma média de apenas 40,9%. Percebe-se que, os AE que foram objeto de avaliação mais recentemente apresentam valores máximos inferiores, porém mais consensuais, originando uma média dez pontos superior, ou seja, de 50,7%. Analisando, em vista destes resultados, os valores de discordância e discordância total, encontra-se como valores mais altos, respetivamente, 11% e 7,7% (respetivamente de R1 e R5, ambos realizados em 2019-2020). Intentando um mais amplo conhecimento das opiniões dos respondentes, analisou-se a opção “Não sei”, percebendo-se que esta teve um valor residual, com um percentual máximo de 3,5% (R3). Este AE foi (depois de R1) aquele que apresentou os valores mais altos e também os mais baixos, nas várias opções desta afirmação, mas, também, de entre os relatórios mais recentes (2021-2022). Desta forma, convocando o quadro teórico analisado (por exemplo, HARGREAVES; FULLAN, 2014, ou BEAMISH, 2018), e no seguimento das inferências anteriores, urge incentivar as discussões em torno da crucial importância da valorização, pelos próprios docentes e pelas equipas, do seu envolvimento ativo nas tomadas de decisão sobre as práticas da escola - porque, retomando as afirmações de Saragoça e Chainho (2017, p. 230), o papel dos docentes na melhoria da sua profissionalidade, através de uma regulação por pares de “emancipação”, colhe repercussões na qualidade educativa.

Estas análises obtêm confirmação através da análise das opções de resposta dos inquiridos perante a afirmação 6, relativa ao entendimento, pelos docentes, da valorização do seu contributo pelas lideranças - embora tenham sido os AE alvo de avaliação externa no período inicial de 2019-2020 a apresentarem os valores mais baixos de concordância total: apenas 14,7%, de entre os respondentes de R1) e os mais altos a surgirem, entre os inquiridos dos AE que mais recentemente acolheram a AEE (R7-53,5%) - o que resultou numa média baixa de 34,9%. Tendo selecionado a opção “concordo” com esta afirmação, houve maior consenso entre os inquiridos de ambos os grupos de escolas, resultando numa média no limiar do 50 por cento (49,8%). R6 (2021-2022), foi o AE que apresentou os valores mais significativos na opção relativa ao desconhecimento (7,8%) acerca da valorização dos contributos dos docentes pelas lideranças. O porquê de tais resultados em relação às lideranças merecerá um estudo distinto, com outra orientação, mas algumas justificações poderão radicar-se no próprio autoconceito dos docentes, inserido na globalidade dos resultados deste bloco, relativo à valorização do papel ativo dos professores. Com efeito, se a UNESCO (2021), ou a OECD (2018), secundadas por legislação nacional, nomeadamente quanto à autonomia e flexibilidade curricular (por exemplo, o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), precisam de vir à ribalta afirmar o papel essencial dos docentes, será no intuito de uma regulação soft, de influência (CARVALHO, 2011), não compelindo, mas sugerindo caber aos docentes assumir tal posicionamento.

Marcadamente com opiniões extremas, em diversos sentidos, encontra-se a afirmação 8- “Os docentes são auscultados e participam na autoavaliação da escola”. Na Tabela 6, são visíveis resultados mais baixos, na opção de concordância total e um resultado bastante elevado, na concordância (R2-70,8 %), resultando numa diferença entre a concordância total e a concordância de mais de 21 pontos percentuais (respetivamente com médias de 31,4% e 52,6%).

Continuando a comentar os resultados das opções de resposta dos inquiridos, para esta afirmação 8, perante a escala de tipo Likert que lhes foi apresentada, percebe-se que R3 e R7 se extremam nos valores mais baixo e mais alto de concordância plena (respetivamente, 15,8% e 55,8%). R3 apresenta, inclusivamente, um grau de discordância da afirmação de 12,3%, e R5, de 10,6% de discordância total. Porém, outro valor se destaca, o relativo aos que que dizem ignorar se são, ou não, auscultados e participantes: 9,6% (mais uma vez, de R3). Perante tais dados, importa lembrar que, como referem Seabra et al. (2022) uma vez que, a partir da análise dos resultados, as escolas podem refletir e introduzir mudanças em muitas áreas, é visível um decisivo impacto da AEE na autorreflexão pela escola e na introdução de melhorias na atividade das escolas (SEABRA et al., 2022).

Tabela 6 Distribuição das percentagens de concordância e concordância plena nos itens 2, 6, e 8 do questionário 

QUESTÃO R1 % R4 % R5 % R8 % R9 % R2 % R3 % R6 % R7 % Média global
2 Concordo totalmente 20,2 57,7 33,1 41,9 35,8 49,4 35,1 42,6 52,3 40,9
Concordo 65 37,4 47,2 52 56,3 49,4 52,6 51,8 45,3 50,7
Discordo 11 4,1 9,2 3,4 3,3 0 7 2,8 1,2 4,6
Discordo totalmente 1,8 0 7,7 1,4 3,3 0 0 0,7 0 1,6
Não sei 1,2 0,8 2,8 0,7 1,3 0 3,5 1,4 1,2 1,4
6 Concordo totalmente 14,7 50,4 26,8 33,8 33,8 42,7 25,4 33,3 53,5 34,9
Concordo 52,1 59,8 50 50,7 48,3 50,6 50 46,8 40,7 49,8
Discordo 19 4,1 6,3 4,7 6,6 2,2 14,9 4,3 1,2 7
Discordo totalmente 5,5 0,8 12,7 4,1 4 0 0,9 2,8 1,2 3,5
Não sei 4,3 2,4 2,1 2,7 2,6 2,2 4,4 7,8 2,3 5,7
8 Concordo totalmente 28,2 43,1 25,4 28,4 29,8 24,7 15,8 31,9 55,8 31,4
Concordo 52,1 48,8 49,3 52 55 70,8 56,1 50,4 39,5 52,6
Discordo 10,4 0,8 7,7 6,1 6,6 0 12,3 5,7 1,2 5,6
Discordo totalmente 1,8 0 10,6 2,7 0 0 3,5 1,4 0 2,2
Não sei 3,1 4,9 6,3 6,1 4 1,1 9,6 6,4 3,5 5

Fonte: Elaborada pelos autores.

Conclusões

O presente estudo tem como limitações o facto de se basear na análise documental de um número restrito de relatórios de AEE e seus anexos. Pretendemos complementar este estudo, quer alargando o universo de relatórios analisados, quer recolhendo perceções dos atores envolvidos, através de entrevistas e da aplicação de inquéritos por questionário.

É reconhecido que o III AEE marca a diferença, em relação aos ciclos de AEE anteriores (FIALHO et al., 2020; SEABRA et al., 2022). Entre as diferenças, foram salientadas, neste artigo, aquelas que (relacionando-se intrinsecamente entre si) dizem respeito à valorização do papel ativo dos docentes na qualidade educativa e à introdução do conceito de regulação por pares - associado ao trabalho colaborativo.

Percebeu-se, da análise do respetivo Quadro de Referência (IGEC, 2019b), uma abertura para a reflexão, a participação, a iniciativa avocando uma mudança de foco que é essencial, na vida da escola: do cumprimento de indicações externas, top down a uma construção partilhada, assumida e corresponsável entre os atores educativos, colocando nas suas mãos a tomada de decisões de ação para a melhoria (HARGREAVES; FULLAN, 2014; HENRIQUES et al., 2020). Porém, neste estudo, enquadrado na investigação sobre o contributo da AEE para a melhoria educativa, as evidências relativas à assunção dos docentes como atores - por si próprios e pela Escola - e correspondente valorização do seu papel na melhoria da qualidade educativa e letiva são pouco claros nos relatórios analisados, embora haja resultados do inquérito aos docentes maioritariamente afirmativas.

Percebeu-se, igualmente, que em nenhum dos relatórios a colaboração docente é referida nos pontos fortes, mas, apenas, nas sugestões de melhoria - o que conduz a duas questões: por um lado, como se constatou na análise dos itens do questionário, são os próprios docentes que não valorizam ainda, plenamente, o trabalho colaborativo; por outro, que não será uma questão primacial para as equipas, uma vez que, mesmo relatórios com classificações máximas em três dos quatro domínios avaliados (sempre com inclusão do domínio de Prestação do Serviço Educativo) são omissos ao contributo da colaboração para a qualidade educativa que, de facto, dizem existir; ou seja, este não é considerado um fator com repercussões fortes nas classificações.

Não querendo derivar para a discussão em torno das classificações inscritas nos relatórios analisados, lembra-se, apenas, que estas derivam do conceito de qualidade da escola e este, por sua vez, de evidências concretas (SEABRA et al., 2022), não sendo muito fáceis de “medir”, quantificar, até observar, as práticas de colaboração num contexto de visita da AE - outrossim, poderia sê-lo se fossem os próprios docentes e as lideranças a expressar esse contributo e a evidenciar exemplos concretos. Contudo, como se constatou, nas opções de resposta ao questionário, estes mostraram não ter uma perceção plena do seu papel e do seu contributo.

Relativamente à introdução da expressão “regulação por pares e trabalho colaborativo”, os resultados identificaram, junto das equipas, uma pluralidade de interpretações - facilmente justificadas perante a pluridimensionalidade do conceito, por si mesmo, em evolução, inequivocamente, a qual carece de ser amplamente debatida e, também, porque as equipas são compostas por uma essencial e enriquecedora diversidade de elementos (FIALHO et al., 2020). Assim, foram utilizadas, de forma muito próxima, as expressões do tipo “regulação inter-pares/por pares”, “autorregulação” e “regulação” - sendo estas últimas utilizadas indiferentemente para se referirem aos alunos, às lideranças, à Autoavaliação das Escolas, entre outros.

Junto dos docentes, a utilização da expressão “autorregulação”, inserida na frase “Os docentes utilizam mecanismos de autorregulação das suas práticas pedagógicas” não parece ter conduzido a dúvidas, ou perplexidade: qualquer que tenha sido a interpretação dada (não passível de conhecimento através dos dados recolhidos no instrumento utilizado: questionário de respostas fechadas), as respostas foram predominantemente afirmativas. Ficará para uma futura oportunidade aprofundar esta questão.

Paralelamente, destacou-se a retoma do conceito de supervisão e a consequente ambiguidade que se gera entre ele e o conceito de regulação - talvez derivada da incongruência entre o documento que sintetiza os objetivos da AEE (IGEC, 2019a) e o Quadro de Referência (IGEC, 2019b), a somar à falta de publicações oficiais que explicitem o conceito de regulação que se pretende implementar. Constatou-se que várias equipas optaram por utilizar a terminologia “supervisão”; outras, por associar ambas (supervisão, regulação interpares, por exemplo), mas, uma e outras, sempre no sentido de supervisão colaborativa - ou seja, próxima da aceção utilizada no Quadro de Referência: “regulação por pares e trabalho colaborativo”. É, também, de realçar que os relatórios não afirmam a relevância da desejável regulação por pares, de “emancipação” (SARAGOÇA; CHAINHO, 2017), em que os docentes têm uma posição proativa e se focam na melhoria, no trabalho conjunto; na partilha da responsabilidade pelo processo de aprendizagem/ensino (LO, 2020); na partilha de responsabilidades e tomada de decisões conjuntas (ALARCÃO; CANHA, 2013); constituindo “oportunidades de aperfeiçoamento contínuo e de aprendizagem ao longo da carreira” (FULLAN; HARGREAVES, 2001, p. 83).

Em síntese: os resultados do estudo realizado revelam que - talvez como mais um dos efeitos negativos da pandemia, interrompendo o ciclo, perturbando os processos, redirecionando a atenção para questões emergentes na sociedade - as alterações das políticas educativas, inscritas em publicações internacionais e nacionais e, neste contexto, no Quadro de Referência (IGEC, 2019b), ainda não emergiram na sua plenitude. Sendo o seu intento a assunção de um papel mais proativo das escolas, através dos docentes, enquanto atores, responsáveis pelas tomadas de decisão e pela ação direcionada para a melhoria, mormente, valorizando e incrementando o trabalho colaborativo, esta intencionalidade ainda não se revela consistente. Sugere-se, desta forma, a promoção de fóruns de discussão sobre o conceito de regulação por pares, não apenas para clarificar o mesmo, como, igualmente, para fomentar a assunção, pelos docentes, de um mais generalizado e ativo trabalho colaborativo, essencial para a qualidade educativa e letiva.

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* Esta pesquisa foi financiada por fundos nacionais através da FCT-Fundação Para a Ciência e a Tecnologia, I.P., pelos projetos UIDB/04372/2020 e UIDP/04372/2020.

Recebido: 10 de Maio de 2023; Revisado: 05 de Julho de 2023; Aceito: 07 de Julho de 2023; Publicado: 13 de Julho de 2023

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