Introdução
O objetivo geral do nosso estudo1 foi caracterizar as Comissões de Ética das Instituições de Ensino Superior Politécnico (IESP), procedendo a uma cartografia da realidade. Entre os objetivos específicos, considerámos elencar processos de funcionamento, instrumentos, pareceres e identificar aspetos comuns e especificidades. Para os propósitos deste artigo, selecionamos a caraterização das Comissões e a identificação que realizaram dos fatores dificultadores e facilitadores da sua ação. As razões desta escolha prendem-se à ideia de que outras Comissões, noutros países e instituições, podem ganhar com as reflexões e promover uma análise a uma escala global.
A rede pública de Ensino Superior Politécnico, em Portugal, é composta por 15 Politécnicos, cinco Escolas Não Integradas e sete Universidades que têm escolas de natureza politécnica. Quando estabelecemos o objetivo deste estudo, o foco definido foi o subsistema do Ensino Superior Politécnico - por isso, como as escolas de natureza politécnica integradas em Universidades estão incluídas nas estruturas institucionais no que diz respeito a Conselhos e/ou Comissões de Ética, a nossa população e amostra é de 20 instituições.
Para situar as Comissões de Ética no Ensino Superior, vale a pena iniciar com umas breves anotações sobre a génese das Comissões, no geral. Em Portugal, as “Comissões de Ética para a Saúde” (CES) foram criadas em 1995 e, tal como o nome parece indicar, dirigiam-se estritamente aos serviços de saúde. Historicamente, foram consideradas precursoras e promotoras da institucionalização da Bioética no país.
Em bom rigor, houve Comissões de Ética para a Saúde antes do Decreto-Lei da sua criação, especialmente em hospitais centrais universitários, com intensa atividade clínica assistencial, de investigação e, não menos importante, atividade académica (Nunes, 2013) e também teve relação com a legislação de 1994 sobre ensaios clínicos2.
Como salienta Osswald (2002, p. 125), “[...] importa lembrar o facto das Comissões de Ética não terem nascido do voluntarismo do legislador nem de resoluções tomadas por academias ou outras sábias instituições: as CE nasceram de iniciativas pontuais e espontâneas, como resposta a vários problemas”, que incluíam a elaboração de códigos internacionais relativos à experimentação nos seres humanos e “[...] os notáveis avanços verificados nas ciências biológicas” que obrigam a uma “[...] reflexão aprofundada das questões éticas, ultrapassando a capacidade de um indivíduo, e exige a concentração de inteligências e esforços” (Osswald, 2002, p. 125).
A primeira Comissão de Ética hospitalar teria sido a dos Hospitais da Universidade de Coimbra em julho de 1986, a que se seguiriam as do Hospital de Santa Cruz, do Hospital Santa Maria, do Hospital de São João e do Instituto Português de Oncologia em Lisboa. Também é facto histórico que o primeiro grupo de reflexão constituído para discutir questões de bioética se organizou em Coimbra, em 1988 - o Centro de Estudos de Bioética - e que alguns dos bioeticistas da primeira geração portuguesa3 expressavam valorar a necessidade de Comissões de Ética.
Daniel Serrão, que constituiu e coordenou a Comissão de Ética do Hospital de S. João em 1990, considerou que, muito ao estilo dos Institutional Ethics Committees dos Estados Unidos, haveriam de se estabelecer em Portugal, com o intuito de ajudar a resolver conflitos éticos suscitados pela assistência hospitalar (Serrão, 2008). Ainda que as Comissões de Ética até 2005 tenham acumulado a função dos Research Ethics Committees4.
Outro passo importante foi a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, órgão independente funcionando junto à Presidência do Conselho de Ministros, e que realizou, em março de 1994, um seminário dedicado às Comissões de Ética Hospitalares, que ainda não existiam formalmente. Vieram a ser regulamentadas, como referido, em 1995, ainda que apenas para as instituições hospitalares, por meio do Decreto-Lei n.º 97/95, de 10 de maio (Portugal, 1995). Por isso, a legislação sucedeu a um movimento gerado nos contextos. Veremos que aconteceu de forma análoga nas Instituições de Ensino Superior (IES).
Foi progressivamente sendo compreendido que as questões éticas não se colocam apenas em contexto de estudos da saúde. Aliás, sempre que as pessoas são sujeitos ou participantes de investigação importa proteger a sua dignidade e integridade, seja qual for o contexto em que se realize a investigação.
Em 2018, mais propriamente com o Decreto-Lei n.º 80/2018, de 15 de outubro, foi atualizada a legislação das Comissões de Ética e revistas as atribuições, constituição e modo de funcionamento, tendo sido alargadas para os contextos de investigação e do Ensino Superior, melhor dizendo, as Comissões de Ética passaram a ser obrigatórias “[...] em Instituições de saúde do setor público, privado e social; Instituições de Ensino Superior que realizem investigação clínica; Centros de investigação biomédica que desenvolvam investigação clínica” (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 2.º). Foi especificamente incluído, portanto, a obrigatoriedade em “[...] instituições de ensino superior que realizem investigação clínica” (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 2.º). Para não persistirem dúvidas, define-se investigação clínica como “[...] a investigação conduzida em seres humanos ou em material de origem humana, tais como tecidos, espécimes e fenómenos cognitivos, para os quais um investigador interage diretamente com seres humanos” (Portugal, 2018, n.º 2 do artigo 2.º).
Não se confunda clínica com assistencial uma vez que, com esta formulação, toda a investigação em que se interage com os seres humanos está incluída no conceito “clínica” - seja da Engenharia com sensores experimentados nas pessoas, da Psicologia ou da Sociologia, e das Ciências da Saúde. Sempre que o(s) investigador se abeira das pessoas para investigar, colher dados.
Enquadramentos: estado da arte e quadro legislativo
Podemos parafrasear a afirmação de terem passado mais de 45 anos desde que
[...] os comités de ética foram institucionalizados como parte integrante da investigação clínica através da primeira alteração da Declaração de Helsínquia, adotada em Tóquio em 1975. [...]. Atualmente, nenhum projeto de investigação clínica pode ser iniciado ou publicado numa revista biomédica sem o voto positivo de um comité de ética (Druml et al., 2009, p. 1636-1637, tradução nossa).
Este excerto data de 2009, de um artigo de Christiane Drum e outros, com afiliação no Comité de Ética da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria.
A referida Declaração de Helsínquia introduziu a noção de supervisão da investigação por um comité independente assim como os conceitos de ética da publicação. “A conceção e a execução de cada procedimento experimental que envolva seres humanos devem ser claramente formuladas num protocolo experimental que deve ser transmitido a um comité independente especialmente designado para apreciação, comentário e orientação”5 (World Medical Association, 1975, p. 2, tradução nossa)
Durante algum tempo, as maiores influências em matéria de investigação advieram da regulamentação dos ensaios clínicos, inclusive nos termos da Diretiva europeia6. E, também, advieram da codificação ética e deontológica das profissões da saúde e, progressivamente, “[...] os códigos de ética da investigação foram estabelecidos por associações profissionais, organizações de investigação e todas as universidades envolvidas na investigação educacional e noutras disciplinas” (Brown; Spiro; Quinton, 2020, p. 747).
Na revisão da literatura, constatámos escassa produção - julgamos que também pela sua recentividade formal, pois a obrigatoriedade passou a existir depois de 2018. Ainda assim, poucas publicações abordam tópicos relativos a Comissões de Ética nas instituições académicas.
Numa pesquisa no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), complementada no Google Acadêmico e em bases de dados, após leitura e análise, na conformidade com o nosso tema, selecionámos oito artigos. Destes, cinco descrevem a atividade de Comissões de Ética em funcionamento, associadas a apresentações em eventos científicos (Lourenço, 2019; Nunes et al., 2019; Rodrigues; Lourenço, 2022; Tavares et al, 2020; Tavares et al, 2022), e três artigos problematizam as dinâmicas e as finalidades das Comissões de Ética (Fernandes, 2022; Massano; Almeida, 2020; Raposo, 2020).
Quanto aos três artigos de problematização, sintetizamos um pouco os assuntos, os quais dizem respeito a/à:
(1) “proliferação das Comissões de Ética” no âmbito das universidades em ligação estreita com as práticas de investigação, apontando como problema a possibilidade de a ética ser “reduzida a um procedimento administrativo” e articula com a pressão para publicação, o que deveria levar “[...] a comunidade científica a interrogar-se sobre a verdadeira utilidade deste frenesim editorial” (Fernandes, 2022, p. 16);
(2) consideração de “velhos e novos desafios” das Comissões de Ética em Portugal, em que os autores colocam interrogações sobre a capacidade de resposta a pedidos de consultoria e a formação nas instituições, retomando a discussão sobre a profissionalização de alguns dos membros, no que concerne à dedicação exclusiva (Massano; Almeida, 2020); e
(3) “tensões e desafios da eticidade da investigação científica em saúde” com alguns questionamentos críticos e a constatação da “[...] emergência de uma certa tentação do estreitamento da conceção da investigação, no sentido em que o reforço da regulação pode comportar o risco de alguma burocratização e de normalização do escrutínio ético” (Raposo, 2020, p. 19).
Em termos de moldura temática, é também relevante considerar a regulação da investigação clínica, por meio da Lei n.º 21/2014 de 16 de abril, que estabeleceu o regime jurídico para a realização de estudos clínicos em Portugal (e abrange o regime da realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano e o regime da investigação clínica de dispositivos médicos) (Portugal, 2014). Naturalmente, essa lei retomou os princípios e valores constantes na Convenção de Oviedo, conhecida como Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina7 - é o caso do primado da pessoa humana, o respeito pelo princípio da sua dignidade e dos seus direitos fundamentais, e os investigadores devem tomar todas as precauções no sentido do respeito à privacidade do indivíduo e da minimização de eventuais danos para os seus direitos de personalidade e para a sua integridade física e mental.
A Lei n.º 21/2014 (Portugal, 2014) consagrou os princípios de boas práticas clínicas (no seu artigo 4.º) e de avaliação de riscos e benefícios (artigo 5.º). Também regulamentou as condições mínimas de proteção dos participantes (artigo 6.º), que incluem as formas de informação e obtenção do consentimento informado. Também se enquadraram as situações de participantes menores (artigo 7.º) e participantes maiores incapazes de prestar consentimento informado (artigo 8.º). Nessa legislação consagrou-se que “[...] a realização de estudos clínicos é obrigatoriamente precedida de parecer favorável da CEC, a emitir no prazo de 30 dias, sem o qual o estudo não pode ser realizado” (Portugal, 2014, n.º 1 do artigo 16.º). Havia, portanto, esta obrigação para um parecer de Comissão de Ética competente, mas não havia obrigatoriedade de existência de Comissões de Ética nas IES.
Além desta lei da investigação clínica, também se considera a “Recomendação Integridade Científica na investigação”, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida - CNECV (2018) e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (União Europeia, 2016). Recentemente, em junho de 2023, foi revisto o Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação, da All European Academies - ALLEA (2017), com a particularidade de ter em vista ser
[...] adequado à sua finalidade e relevante para todas as disciplinas, áreas emergentes de investigação e novas práticas de investigação. A Comissão Europeia reconhece o Código de Conduta Europeu como o documento de referência para a integridade da investigação para todos os projetos de investigação financiados pela UE [União Europeia] e o Código de Conduta Europeu serve cada vez mais de modelo para organizações e investigadores em toda a Europa e para além dela (ALLEA, 2023, p. 16, tradução nossa).
Comissões de Ética
Para contextualizar melhor o que foi definido quanto à constituição, às competências, ao funcionamento das Comissões, fazemos uma síntese do Decreto-Lei n.º 80/2018. As “[...] comissões de ética têm como principal incumbência proceder à análise e reflexão sobre questões relacionadas com a ética e bioética” (Portugal, 2018, n.º 3 do artigo 1.º). No texto normativo, é explícito que têm
[...] por missão contribuir para a observância de princípios da ética e da bioética na atividade da instituição, na prestação de cuidados de saúde e na realização de investigação clínica, em especial no exercício das ciências da saúde, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, como garante do exercício dos seus direitos fundamentais, bem como a integridade, confiança e segurança dos procedimentos em vigor na respetiva instituição (Portugal, 2018, n.º 4 do artigo 2.º).
Chamamos a atenção para os eixos de atividade - “na atividade da instituição, na prestação de cuidados de saúde e na realização de investigação clínica” (Portugal, 2018, n.º 4 do artigo 2.º). É ainda determinado que, no “[...] exercício das suas competências, as comissões de ética ponderam, em especial, o estabelecido na lei, nos códigos deontológicos, assim como nas convenções, declarações e diretrizes internacionais existentes sobre as matérias a apreciar” (Portugal, 2018, n.º 4 do artigo 3.º).
As Comissões de Ética “[...] são órgãos dotados de independência técnica e científica, de natureza consultiva” (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 2.º). Podem ser solicitados pareceres por qualquer membro da comunidade8, sendo os pareceres emitidos pela Comissão de Ética vinculativos apenas na área da investigação.
As competências são apresentadas num formato que considera as competências gerais, as específicas de serviços de saúde e as específicas de instituições onde se realize investigação clínica. São competências gerais das Comissões de Ética:
a) Zelar, no âmbito do funcionamento da respetiva instituição, pela observância de padrões de ética, salvaguardando o princípio da dignidade e integridade da pessoa humana;
b) Emitir pareceres, relatórios, recomendações e outros documentos, por sua iniciativa ou por solicitação, sobre questões éticas relacionadas com as atividades da respetiva instituição, e divulgar os que considere particularmente relevantes na área da comissão ética no site da instituição;
c) Elaborar documentos de reflexão sobre questões de bioética de âmbito geral, designadamente com interesse direto no âmbito da atividade da instituição, e divulgá-los na área da comissão de ética no site da instituição, promovendo uma cultura de formação e de pedagogia na esfera da sua ação, incluindo a divulgação dos princípios gerais da bioética na respetiva instituição;
d) Colaborar, a nível regional, nacional e internacional, com outras entidades relevantes no âmbito da ética e bioética, tendo em vista a partilha de melhores práticas;
e) Promover ações de formação sobre assuntos relacionados com a ética e bioética na respetiva instituição;
f) Pronunciar-se sobre a elaboração de documentos institucionais que tenham implicações no domínio da ética (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 3.º).
São competências específicas das Comissões de Ética nas instituições com investigação clínica:
a) Exercer as competências previstas para as comissões de ética para a saúde nos termos da Lei n.º 21/2014, de 16 de abril, na sua redação atual, que aprova a Lei da Investigação Clínica, no que respeita aos estudos clínicos;
b) Exercer as competências da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC) no âmbito dos ensaios clínicos, quando designadas pela CEIC nos termos do Regulamento (UE) n.º 536/2014, do Parlamento e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano, e da legislação nacional que assegura a sua execução na ordem jurídica interna;
c) Emitir parecer sobre a adequação científica e ética dos investigadores para a realização de estudos de investigação clínica;
d) Avaliar, de forma independente, os aspetos metodológicos, éticos e legais dos estudos de investigação clínica que lhe são submetidos, ou que nelas são delegadas pela CEIC, bem como emitir parecer sobre a sua realização;
e) Assegurar o acompanhamento de todos os estudos de investigação clínica que decorrem na instituição desde o seu início até ao seu termo e a apresentação do relatório final do estudo;
f) Monitorizar a realização dos estudos de investigação clínica efetuados na respetiva instituição, em especial no que diz respeito a aspetos éticos e à segurança e integridade dos participantes;
g) Assegurar a disponibilização atempada e completa da informação relativa aos estudos de investigação clínica da sua responsabilidade, na plataforma da Rede Nacional das Comissões de Ética para a Saúde (RNCES) e no Registo Nacional de Estudos Clínicos (RNEC), bem como verificar e validar os dados constantes do RNEC relativamente aos estudos que avalia e acompanha (Portugal, 2018, n.º 3 do artigo 3.º).
A alíneas a) e b) não estão atualmente imputadas a nenhuma comissão institucional/local - teriam de ter sido atribuídas pela Comissão nacional -, e a alínea g) aplica-se a ensaios clínicos. Por isso, o enfoque coloca-se em emitir parecer sobre a adequação científica e ética dos investigadores, avaliar os estudos, assegurar o acompanhamento e monitorizar a realização dos estudos de investigação clínica efetuados na respetiva instituição (muito próximo das competências dos Research Ethics Committees).
Desde a sua génese, e de forma consistente, as Comissões de Ética têm uma composição multidisciplinar e um número ímpar de membros, entre cinco e 11, sendo mandatória a inclusão de pelo menos dois membros externos à instituição. É bastante importante essa regra, porque abre a participação de membros que não são da Instituição de Ensino Superior e tem em vista “[...] garantir os valores culturais e morais da comunidade” (Portugal, 2018, n.º 4 do artigo 6.º). O presidente e vice-presidente são eleitos, e o mandato das Comissões é de quatro anos, renovável uma única vez, por igual período, sem prejuízo de poderem, individualmente, cessar funções.
As Comissões de Ética “[...] funcionam em reuniões plenárias por convocação e sob direção do seu presidente ou, nos impedimentos deste, do seu vice-presidente, devendo se reunir pelo menos uma vez por mês” (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 9.º). Cada Comissão elabora e aprova o seu regulamento e, no “[...] exercício das suas competências, as comissões de ética atuam com total independência relativamente aos órgãos de direção ou de gestão da instituição a que pertencem” (Portugal, 2018, n.º 11 do artigo 9.º).
Estão definidos direitos e deveres, assim como impedimentos, existindo um normativo específico de deveres de confidencialidade e proteção dos dados pessoais, mesmo após o termo do exercício da atividade na comissão. Frisamos que o exercício de funções nas Comissões de Ética não é remunerado, sem prejuízo do pagamento de ajudas de custo e deslocações a que tenham direito, e esses encargos são suportados pela instituição onde funciona a Comissão de Ética. É explícita a “[...] possibilidade de dispensa do exercício de funções [...] durante o tempo considerado necessário, pela comissão de ética, para assegurarem o trabalho conducente à prossecução da missão da comissão” (Portugal, 2018, n.º 3 do artigo 10.º). Esta possibilidade vai ao encontro do entendimento que poderia haver Comissões de Ética em que o exercício do cargo fosse profissionalizado, pelo menos por um certo período. Como veremos, até esta data, não aconteceu.
A legislação também determinou que as instituições assegurem as condições de trabalho das Comissões:
O apoio logístico, administrativo e financeiro indispensável ao funcionamento das comissões de ética é assegurado pelas respetivas instituições, devendo estas assegurar um secretariado de apoio, suporte informático e um espaço próprio para a realização de reuniões e para o arquivo da documentação (Portugal, 2018, n.º 1 do artigo 13.º).
Cada comissão deve ter uma área no site da instituição onde consta “[...] designadamente, a composição da comissão de ética, o calendário das suas reuniões, a sua atividade, os pareceres produzidos, o seu regulamento interno e a identificação dos projetos ou estudos de investigação clínica em avaliação, nos casos aplicáveis” (Portugal, 2018, n.º 2 do artigo 13.º). Anualmente, cada comissão elabora, no fim de cada ano civil, um relatório sobre a sua atividade até ao dia 15 de fevereiro do ano seguinte a que se reporta (Portugal, 2018, artigo 16.º).
O Ensino Superior em Portugal, subsistema politécnico
Decorria a década de 1970 quando, na sequência da Lei de Bases do Sistema Educativo -Lei n.º 5/73, de 25 de julho (Portugal, 1973a), foi prevista a existência de um “ensino superior de curta duração”, “[...] orientado de forma a dar predominância aos problemas concretos e de aplicação prática, e promover a investigação aplicada e o desenvolvimento experimental”, conforme afrma o Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de agosto (Portugal, 1973b). Em 1979, o Ensino Superior de curta duração passou a designar-se “ensino superior politécnico”.
Em 1986, a nova Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/86 de 14 de outubro - reservou para o ensino politécnico a atribuição do grau de bacharel e para o ensino universitário a atribuição dos graus de licenciado, mestre e doutor (Portugal, 1986). Assim, Portugal tem, desde finais da década de 1970, um sistema binário de Ensino Superior, com dois subsistemas - universitário e politécnico, com missões diferentes. A Lei de Bases do Sistema Educativo clarificava esta opção política, estabelecendo objetivos gerais para o Ensino Superior e objetivos próprios para cada um dos subsistemas9.
Em 1997, com a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo - Decreto-Lei n.º 115/97, de 19 de setembro (Portugal, 1997) -, o ensino politécnico passou a poder conferir o grau de licenciado. Seria na sequência do Processo de Bolonha que a publicação do Regime Jurídico das IES permitiu que as IESP passassem também a atribuir o grau de mestre, conforme artigo 7.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (Portugal, 2007). Por que este assunto se tornou muito relevante? Porque se fez acompanhar do incentivo e da clarificação das políticas de investigação no ensino politécnico.
Já neste ano, 2023, a Lei n.º 16/2023, de 10 de abril, “[...] valoriza o ensino politécnico, alterando a Lei de Bases do Sistema Educativo e o regime jurídico das instituições de ensino superior”, tendo estabelecido “[...] a possibilidade de concessão do grau de doutor no subsistema de ensino superior politécnico” (Portugal, 2023, artigo 1.o).
Existem, em Portugal, 15 Institutos Politécnicos e cinco Escolas Não Integradas (ver Figura 1). A maior parte dos Institutos Politécnicos foi fundada pelo Decreto-Lei n.º 513-T/79 de 26 de dezembro (Portugal, 1979) - os de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Lisboa, Santarém, Setúbal e Viseu.
Em 1980, com o Decreto-Lei n.º 303/80, de 16 de agosto, foram criados os da Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo (Portugal, 1980). Ainda na década de 1980, em 1983, o Instituto Politécnico de Bragança; em 1985, o do Porto. Mais recentes, na década seguinte, em 1994, o Instituto Politécnico Cávado e Ave; em 1996, o Instituto Politécnico de Tomar. Assim, o tempo de existência varia entre 27 e 44 anos.
A cobertura, em todo o país, é de existir pelo menos uma Instituição de Ensino Superior público em cada distrito10 e região autónoma da Madeira e Açores. Quanto às Escolas Não Integradas, são cinco: (1) a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC); (2) a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL); (3) a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP);(4) a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH); (5) a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE).
Neste universo, temos mais de 122 mil estudantes, 84 escolas e uma distribuição em 50 campus/campi. Podemos considerar que a população humana destas instituições, incluindo docentes e funcionários, ultrapassa11 as 135 mil pessoas.
Comissões de Ética no Ensino Superior Politécnico - caraterização
Em termos metodológicos, as fontes de colheita de dados foram os presidentes das Comissões, por meio de entrevistas realizadas em maio e junho de 2023, tendo procedido a análise temática de conteúdo. Os dados de enquadramento teórico e jurídico-formal estão atualizados a junho de 2023, e a realidade reportada é uma cartografia fixada neste tempo e com estes intervenientes.
Nem todas as instituições dispõem de uma Comissão de Ética institucional. Em dois casos (Instituto Politécnico de Lisboa e do Porto), as Comissões de Ética existem nas unidades orgânicas (Escola Superior de Tecnologias da Saúde e Escola Superior de Saúde), as quais foram incluídas no estudo. Em duas situações, a Comissão de Ética apareceu constituída e a funcionar em ligação a uma unidade de investigação (Instituto Politécnico de Santarém e ESEnfC). Assim, são variáveis as formas como, nas diferentes instituições, se fez percurso para e com as Comissões de Ética.
Contas feitas, das 15 IES que têm Comissão de Ética (e representam 75%), 55% (11) tem uma Comissão de Ética institucional; 10% (duas) tem Comissão de Ética vinculada à unidade de investigação; e 10% (duas) têm Comissão de Ética de unidades orgânicas. Em termos de antecedentes, quatro Comissões institucionais herdaram o legado de ter havido anteriormente uma Comissão de Ética de uma Escola (Politécnicos de Viseu, Castelo Branco, Setúbal) ou de uma Unidade de Investigação (Politécnico de Coimbra).
Constatamos que as Comissões de Ética nas IESP começaram a ser criadas a partir de 2009, como mostardo no Quadro 1.
IESP | Data de criação | Tempo de existência 2023 (em anos) | Número de estudantes | Número de escolas | Campus | |
---|---|---|---|---|---|---|
IP Beja | 26.12.1979 | 44 | 3500 | 4 | 1 | Beja |
IP Bragança | 28.01.1983 | 40 | 8500 | 5 | 2 | Bragança e Mirandela |
IP Cávado e Ave | 19.12.1994 | 29 | 4500 | 5 | 5 | Barcelos, Braga, Vila Nova de Famalicão, Esposende, Soutelo |
IP Castelo Branco | 26.12.1979 | 44 | 4583 | 6 | 2 | Castelo Branco, Idanha-a-Nova |
IP Coimbra | 26.12.1979 | 44 | 11000 | 6 | 2 | Coimbra, Oliveira do Hospital |
IP Guarda | 16.08.1980 | 43 | 4000 | 4 | 3 | Guarda, Seia |
IP Leiria | 16.08.1980 | 43 | 14500 | 5 | 3 | Leiria, Caldas da Rainha, Peniche |
IP Lisboa | 26.12.1979 | 44 | 13909 | 8 | 5 | Lisboa, Amadora |
IP Portalegre | 16.08.1980 | 43 | 2714 | 4 | 2 | Portalegre, Elvas |
IP Porto | 25.02.1985 | 38 | 21000 | 8 | 3 | Porta, Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Tãmega e Sousa |
IP Santarém | 26.12.1979 | 44 | 4650 | 5 | 2 | Santarém, Rio Maior |
IP Setúbal | 14.10.1979 | 44 | 8319 | 5 | 2 | Setúbal, Barreiro |
IP Tomar | 17.07.1996 | 27 | 2302 | 3 | 2 | Tomar, Abrantes |
IP Viana do Castelo | 16.08.1980 | 43 | 5885 | 6 | 4 | Viana Castelo, Ponte de Lima, Valença, Melgaço |
IP Viseu | 26.12.1979 | 44 | 6200 | 5 | 2 | Viseu, Lamego |
ESEnfC | 1881 | 142 | 1941 | 1 | 2 | Coimbra, S. Martinho do Bispo |
ESEL | 2007 | 16 | 1500 | 1 | 3 | Lisboa |
ESEP | 1896 | 127 | 1700 | 1 | 3 | Porto |
ENIDH | 20.08.1924 | 99 | 788 | 1 | 1 | Paço de Arcos |
ESHTE | 08.10.1991 | 32 | 1100 | 1 | 1 | Estoril |
122591 | 84 | 50 |
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora.
Legenda: IP - Instituto Politécnico.
Ora, não havia nenhuma regulamentação aplicável, pelo que podemos considerar, de que a criação das Comissões de Ética, nesta altura, pode ter relação com a consciencialização e o conhecimento dos professores e/ou com circunstâncias que potenciaram esse desenvolvimento - claramente, pensamos poder estar relacionado com a submissão de unidades de investigação à avaliação ou à aprovação de ciclos de estudos do 2º ciclo (Mestrado) com projetos de investigação ou protocolo com universidade para a realização do 3º ciclo (Doutorado).
Certo é que as primeiras Comissões foram em IES de Enfermagem e em Escolas Superiores de Saúde - o que combina com alguma “contaminação” das organizações e dos serviços assim como de projetos de investigação na área da Saúde. O Quadro 2 mostra a distribuição das Comissões de Ética por sua data de criação e mandato em curso.
IESP | Criação em UO/UI | Criação CE da IES | Mandato em curso | ||
---|---|---|---|---|---|
IP Beja | 10.11.2014 | 30.03.2022 | 3º | ||
IP Bragança | 07.01.2019 | 03.2023 | 2º | ||
IP Castelo Branco | ESALD 2015, 2 mandatos | 27.09.2019 | 11.09.2021 | 2º | |
IP Coimbra | UI 2017 | maio/2019 | dez/21 | 3º | |
IP Leiria | 31.07.2017 | 20.03.2023 | 3º | ||
IP Lisboa - ESTeSL | 2014/ junho 2017 | fev.21 | 2º | ||
IP Lisboa - ISEL | 07.05.2021 | 07.05.2021 | 1º | ||
IP Portalegre | 20.05.2014 | 25.01.2022 | 3º | ||
IP Porto - ESS | 28.02.2011 | 29.10.2019 | 3º | ||
IP Santarém | UI 2014 | 08.02.2023 | 3º | ||
IP Setúbal | ESS 2010, 3 mandatos | 16.11.2021 | 16.11.2021 | 1º | |
IP Viana do Castelo | 29.11.2021 | 29.11.2021 | 1º | ||
IP Viseu | ESS 2009, 2 mandatos | 20.12.2019 | 20.12.2019 | 1º | |
ESEnfC | 15.04.2010 | 04.05.2021 | 3º | ||
ESEL | 06.06.2011 | 01.08.2022, Conselho de Ética | 3º | ||
ESEP | Janeiro 2014 | 15.02.2019 | 2º |
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora.
Legenda: UO/UI: Unidade Orgânica/Unidade de Investigação; ESS: Escola Superior de Saúde; IP: Instituto Politécnico; ESTeSL: Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Lisboa; CE: Comissão de Ética.
A publicação do Decreto-Lei n.º 80/2018 desencadeou recomposições e alteração para Comissão de Ética institucional. Podemos afirmar que, não obstante todas as Comissões de Ética se terem reconfigurado depois de 2018 (e com efetividade em 2019), 62,5% das Comissões têm existência anterior ao Decreto-Lei. Confirmámos, assim, que a maioria constituiu Comissão de Ética antes de ser obrigatório. Neste momento, estão envolvidas 139 pessoas nas Comissões de Ética.
Quanto ao número de membros, a amplitude varia entre cinco e 11 membros. Com 11 membros, estão 43,75% das Comissões, seguindo-se 18,75% com nove e com sete membros. Há duas Comissões de Ética com cinco membros (12,5%) e uma com seis membros (6,25%). A média é de nove membros. Com exceção de uma Comissão, cumpre-se o previsto, situado entre cinco e 11 membros e em número ímpar.
Quanto ao número de membros externos, varia entre nenhum e cinco membros. No total, estão identificados 40 (28,8%) membros externos. A maioria (37,5%) tem dois membros, seguindo-se 25% com quatro membros. Duas não têm membros externos (12,5%). Outras duas têm três membros (12,5%), havendo uma IES (6,25%) com um membro e com (6,25%) cinco membros externos. A legislação identifica, pelo menos, dois elementos externos à instituição em que a Comissão de Ética se integra.
Quanto ao sexo, as Comissões têm 87 (63%) mulheres e 51 (37%) homens. Quanto à amplitude do intervalo das idades, a média de idade mínima é de 41 anos, e a média da idade máxima é de 64, assinalando-se média global nos 53 anos. Poucos membros de Comissões têm menos de 40 anos.
Quanto às habilitações, 76% são titulares do grau de doutor, seguindo-se os titulares do grau de mestre 11,6%, referidos 8% de especialistas e 4,3% licenciados. Também 4,4% detentores do título de agregado. Segundo o relatório “Estado da Educação 2021”, no ano de 2020/2021, a maior percentagem dos professores no Ensino Superior Politécnico tinha doutoramento, embora não atingisse os 50% (Portugal, 2022).
Cruzando com idades e percurso docente, releva ter em conta que, em Portugal, 45% dos docentes tem mais de 50 anos de idade,12 proporção acima da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que é de 40% (OCDE, 2022). Adicionalmente, nos doutoramentos, a média em Portugal situa-se nos 34 anos, e a média dos países da OCDE é de 29 anos (OCDE, 2022).
Quanto ao número de membros da Comissão de Ética com formação em Ética/Bioética representam 35,5%, variando a amplitude entre 0 e 100%. A maior parte desta formação é de pós-graduações e formação contínua, também se registando mestrados e doutoramentos em Bioética e em Filosofia. No global, representa um terço dos membros. Quanto aos membros com experiência anterior de participação em Comissão de Ética, são 54, representando 39% dos membros, o que diz respeito a dois em cada cinco. Todavia, existem duas Comissões sem nenhum membro com experiência e uma comissão com 100%.
Quanto às áreas científicas presentes nas Comissão de Ética, procedemos à identificação por Comissão, tendo em atenção o número de áreas por Comissão, verificámos que se situam entre quatro e 15 áreas científicas.
Verificado o caráter multidisciplinar e multiprofissional, no universo das 16 Comissões, as áreas científicas13 mais frequentes: 87,5% (14) Filosofia, Ética ou Bioética; 75% (12) Direito ou Ciências Jurídicas; 12,5% (2) não tem nenhuma destas áreas. Na área das Ciências Sociais e comportamento, refira-se a Sociologia (37,5% das Comissões de Ética) e Psicologia (25%). Em todas as Comissões de Ética (100%), há áreas da Saúde, considerando as Tecnologias da Saúde e Enfermagem (75%).
Atividades das Comissões de Ética
Todas as Comissões se reúnem mensalmente, com exceção do mês de agosto. Existem algumas referências a reuniões extraordinárias para cumprimento dos prazos ou a deliberação online e ratificação em reunião. Quando questionadas sobre as atividades que têm desenvolvido, todas referem que a principal ocupação tem sido a revisão ética de projetos de investigação que se materializa na análise dos projetos e emissão de pareceres. Estes projetos, no global, são de âmbito académico, de diversos ciclos de estudos, de pós-doutoramento, estudos multicêntricos, submetidos a financiamento e integrados em unidades de investigação.
A maior parte das Comissões tem os modelos disponíveis no site, com listagem de documentos a submeter. Os documentos mais frequentemente encontrados são:
(1) Modelos de carta/requerimento/pedido de parecer;
(2) Formulário com os dados do projeto;
(3) Declaração de compromisso de honra ou Declaração de responsabilidade;
(4) Termo de responsabilidade do orientador;
(5) Guião para a elaboração do consentimento para investigação científica;
(6) Nota curricular do investigador e/ou equipa.
Algumas Comissões adicionaram modelos de:
(7) Declaração de Compromisso Honestidade Intelectual;
(8) Pedido de autorização institucional;
(9) Lista de Verificação de Avaliação Ética;
(10) Declaração de conflito de interesses e incompatibilidades.
Em alguns casos, também há a minuta para solicitação de pedido de atividade de recolha e tratamento de dados, pois o parecer do Encarregado de Proteção de Dados faz parte dos documentos a submeter.
Por terem verificado que os processos chegavam de formas muito diferentes, as Comissões prepararam documento orientador para a submissão dos processos ou instrução de trabalho. O que se constata é que todas as Comissões dão orientações para a submissão e parecem tender a reforçar orientações para dirimir, atenuar ou resolver problemas que identificam. Também é referido que é essa a principal função do formulário, para reduzir as dificuldades e inexperiências dos investigadores.
As Comissões também realizam outras atividades - como ciclos de sessões e reuniões abertas à comunidade académica, sessões dirigidas aos estudantes, professores e/ou coordenadores de curso. Igualmente se registou a conceção e organização de atividades/sessões incluídas no plano de formação dos docentes e a realização de sessões de esclarecimento e ações de formação em cada escola e sessões temáticas sobre plágio e integridade.
Foi expressa e partilhada por várias Comissões a preocupação de esclarecer dúvidas e proporcionar informação que facilite a submissão dos projetos - daí a pertinência de várias Comissões de Ética realizarem sessões internas para formação. Assinala-se alguma participação na organização de eventos científicos nacionais e internacionais assim como participação em encontros. Menos frequente, aparece a referência a pareceres sobre questões éticas gerais. Os dados colocados na Tabela 1, a seguir, dizem respeito às atividades, em síntese, referentes ao ano de 2022. No que diz respeito à emissão de parecer, com dados disponíveis de 15 Comissões de Ética, a amplitude variou entre dois e 173 pareceres. Em termos médios, isto representaria 53 pareceres a cada Comissão de Ética. Noutra medida de tendência central, a moda é 30.
IESP | Pareceres em 2022 | Relatório CE Portal | Revisão ética de projetos de investigação | Análise e emissão de pareceres | Pareceres e outras questões | Webinars/ sessões públicas | Sessões com estudantes | Reuniões com professores e coordenadores de curso | Ação de formação docente | Participação em atividades da IES | Comuni-cação em eventos sobre CE |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
IP Beja | 15 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | ||||
IP Bragança | 62 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | ||||
IP Castelo Branco | 29 | 1 | 1 | 1 | 2 | 2 | 1 | ||||
IP Coimbra | 173 | 1 | 1 | 1 | |||||||
IP Leiria | 59 | 1 | 1 | 1 | |||||||
IP Lisboa - ISEL | 2 | 0 | 1 | 1 | |||||||
IP Lisboa - ESTeSL | 137 | 0 | 1 | 1 | 3 | 25 | |||||
IP Portalegre | 16 | 0 | 1 | 1 | 1 | 4 | |||||
IP Porto - ESS | 120 | 0 | 1 | 1 | 2 | 1 | 1 | 4 | |||
IP Santarém - UI | 30 | 1 | 1 | 1 | |||||||
IP Setúbal | 30 | 1 | 1 | 1 | 1 | 2 | 1 | 1 | |||
IP Viana do Castelo | 43 | 0 | 1 | 1 | 1 | 1 | |||||
IP Viseu | 30 | 0 | 1 | 1 | 1 | ||||||
ESEnfC - UICISA | nd | 0 | 1 | 1 | |||||||
ESEL | 23 | 1 | 1 | 1 | 1 | ||||||
ESEP | 17 | 1 | 1 | 1 | 2 | 1 |
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora.
Legenda: nd: não disponível; CE: Comissão de Ética.
A maior parte dos pedidos diz respeito a escolas de Saúde ou de Tecnologias da Saúde, mesmo que se trate de Comissão de Ética institucional. A mero título de exemplo, dos 173 pareceres emitidos pela Comissão de Ética do Politécnico de Coimbra, 82,6% são da Escola Superior de Tecnologias da Saúde; dos 62 pareceres emitidos pela Comissão de Ética do Politécnico de Bragança, 61% são da Escola Superior de Saúde; e dos 59 do Politécnico de Leiria, 53 (89%) são da Escola Superior de Saúde.
Inventário das dificuldades
As Comissões apontaram quais foram (ou são) os fatores dificultadores da sua atividade. Organizámos em cinco grupos de fatores: (1) relacionados às atividades dos membros da Comissão de Ética; (2) referentes aos projetos de investigação; (3) relativos à atividade da Comissão de Ética que não os projetos de investigação; (4) relativos ao apoio institucional; e (5) relacionados à cultura organizacional.
As asserções do grupo de fatores relacionados às atividades dos membros reportam à sobrecarga de trabalho dos professores e compatibilização das atividades dos docentes. A atividade na Comissão de Ética também não conta, na maior parte dos critérios de avaliação, o desempenho docente. Releva-se que o elevado volume de trabalho - “que até se estar na Comissão de Ética não se tem a noção”. Também se registaram sugestões de profissionalizar. Algumas dificuldades reportadas dizem respeito a conciliações de agendas e presenças em reuniões plenárias.
As asserções do grupo de fatores dificultadores referentes aos projetos de investigação dizem, sobretudo, respeito às dificuldades de tempo (o prazo de 30 dias previsto na lei é uma constante tormenta), de formação e estudo, do maior ou menor volume de pedidos, da constatação de déficits e inconformidades nas submissões, da falta de preparação dos investigadores e elevado número de ressubmissões. E este é um dos tópicos de dificuldades mais partilhados entre as Comissões.
Ao tempo que se apontam dificuldades, vão sendo alvitradas sugestões ou alternativas, designadamente quanto ao envolvimento dos orientadores. Foi referida a dificuldade de os investigadores aceitarem as recomendações, alguma incompreensão e eventual conceção que a Comissão de Ética complica os processos. Foi também referida a dificuldade ou incapacidade de realizar acompanhamento e monitorização dos estudos, nas condições de que as Comissão de Ética dispõem.
No grupo, quase exíguo, de fatores dificultadores relativos à atividade que não os projetos de investigação, evidenciamos que os projetos ocupam sobremaneira, deixando pouca margem para outras atividades, como estudos temáticos ou formação. Foi relatada a dificuldade de não conseguirem reunir e discutir nem disporem de tempo para aprofundar. Portanto, em consequência, há dificuldade em dar resposta ao que não são pareceres - estão em estudo para pronúncia vários regulamentos e envolvimento na elaboração do Código de Ética.
No grupo temático dos fatores dificultadores relativos ao apoio institucional, evidencia-se a falta do secretariado de apoio como o elemento mais repetido pelas várias Comissões. Metade das Comissões de Ética coloca o secretariado (ou melhor, a falta de apoio do secretariado) como seriamente dificultador, porque representa o agravamento da ocupação do/a presidente e vice-presidente em matérias administrativas e organização de processos.
Em duas Comissões de Ética - o que representa 12,5% delas - a presidente tem uma redução de duas horas de serviço docente letivo e, mais, nenhum presidente e nenhum membro tem previsto tempo nem redução/dispensa de serviço letivo. Não nos foi descrito nenhum caso de dispensa do exercício de funções, conforme previsto no n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 80/2018 (Portugal, 2018). Também foram reportadas as dificuldades técnicas de melhorar os recursos informáticos - por exemplo, solicitada a criação duma plataforma especifica “mais smart” para a submissão de projetos de modo a ser mais célere o registo e arquivo dos documentos submetidos.
No grupo temático dos fatores dificultadores relacionados à cultura organizacional incluímos a sensibilidade dos investigadores para pedirem parecer prévio à Comissão de Ética - é preciso “criar escola”, que não haja comunicações nem publicações de estudos sem que seja apresentada revisão ética. Igualmente, emergiram interrogações sobre as melhores formas ou que instrumentos podem ajudar para aumentar a cultura ética na instituição.
Tem-se consciência do desconhecimento da comunidade académica sobre a existência da Comissão e, em alguns casos, do baixo número de pedidos a elas. Quando pedem pareceres, é frequente ser à pressa e à última hora. Também é do ambiente organizacional considerar, na avaliação de desempenho, a participação como em qualquer outra Comissão eventual designada pelo Conselho Técnico-Científico. Nesse sentido, foi salientado o desconhecimento da comunidade académica sobre a existência da Comissão de Ética - “felizmente, algumas publicações requerem parecer ético e isso ajuda”.
Inventário dos fatores facilitadores
Organizámos os fatores facilitadores também em grupos temáticos: (1) relacionados ao ambiente interno da Comissão de Ética; (2) referentes às atribuições da Comissão de Ética; (3) relativos ao apoio institucional; e (4) relacionados à cultura organizacional.
No grupo de elementos que se consideram fatores facilitadores relacionados ao ambiente interno da Comissão de Ética, estão os tópicos relacionados ao perfil dos membros, no que se refere ao empenho, à complementaridade, ao esforço de querer cumprir e formar-se nas responsabilidades da Comissão de Ética. Explicitam-se o interesse e o envolvimento dos membros, a entreajuda, a partilha. Estes aspetos positivos são realçados em praticamente todas as Comissões.
Nos fatores facilitadores referentes às atribuições da Comissão, incluímos haver membros com conhecimentos, experiência e práticas de outras Comissões, a complementaridade entre a atividade da comissão e a expertise/perícia dos membros bem como o modo de funcionamento que enunciam - vão procurando formas de resolver os problemas, pois a orientação é para a resolução de problemas. Reconhecem que ajudou ter experiência de orientação e poder reunir e partilhar com outras Comissões de Ética (reuniões interrompidas com a pandemia) em que aprendiam juntos, desenvolviam um saber sustentado e partilhado, assim como as dificuldades.
Se, nos fatores dificultadores, um dos grupos mais extensos era relacionado ao apoio institucional, também nos fatores facilitadores encontramos mais referências ao apoio institucional. Nomeadamente foram evocados o reconhecimento institucional do valor do trabalho da Comissão de Ética, o apoio da Presidência e dos órgãos de governo, a relevância de ter apoio institucional e logístico, financeiro, de secretariado, de serviços informáticos, de meios telemáticos. Foram dados exemplos concretos de reconhecimento e emergiu também a criação de centro de custo e a manutenção dos membros no segundo mandato.
No grupo temático dos fatores facilitadores relacionados à cultura organizacional, incluímos a orientação da presidência e a governação da escola e comissões de cursos de que todos os projetos de investigação vão à apreciação pela Comissão. Também a dimensão da instituição pode facilitar o acesso de uns aos outros.
Colocamos neste grupo ter existido Comissão de Ética anterior numa Unidade Orgânica e pela asserção que processos metodológicos e organização da análise dos estudos são herança da comissão anterior. Em síntese, e não pretendendo proceder a um cálculo aritmético ao considerar as unidades de enumeração das declarações (Tabela 4), fazemos notar o extraordinário equilíbrio entre o número de fatores que dificulta (58) e que facilita (57) a instalação e a consolidação das Comissões de Ética. Também anotamos que o apoio institucional e a cultura organizacional são dimensões consideradas muito relevantes.
Fatores dificultadores | Unidades de enumeração |
---|---|
(1) Relacionados às atividades dos membros da CE | 9 |
(2) Referentes aos projetos de investigação | 21 |
(3) Relativos à atividade que não os projetos de investigação | 6 |
(4) Relativos ao apoio institucional | 14 |
(5) Relacionados à cultura organizacional | 8 |
Fatores facilitadores | |
(1) Relacionados ao ambiente interno da CE | 13 |
(2) Referentes às atribuições da CE | 10 |
(3) Relativos ao apoio institucional | 29 |
(4) Relacionados à cultura organizacional | 5 |
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora.
Legenda: CE: Comissão de Ética.
Conclusões
Nas IES provavelmente haverá outro tipo de experiência relacionado ao trabalho silencioso e assaz relevante para a própria missão da instituição. No entanto, este é, sem dúvida, o caso das Comissões de Ética. Sendo um trabalho multidisciplinar, o foco de maior ocupação decorre da análise de projetos de investigação e respetiva emissão de parecer, condição sine qua non para a realização do projeto. As Comissões de Ética fazem um grande esforço para responder atempadamente às solicitações de modo a não atrasar o desenvolvimento dos projetos (e tendo em conta que a legislação preconiza 30 dias).
Os presidentes das Comissões identificam, na instituição, problemáticas éticas relevantes, designadamente nas questões culturais e nas relações interpessoais pelo que, com mais ou menos impacto, procuraram tornar as Comissões de Ética como espaço de debate e desenvolvimento ético. O sentido é de uma atitude pedagógica, de compromisso com o rigor científico e ético, de promoção da integridade científica e a valorização da ética.
Por um lado, se a análise ética dos processos de investigação académica, especialmente pensando na formação avançada e centros de investigação, é muito relevante, as Comissões poderiam ser mais proativas se tivessem mais recursos e meios (técnicos, de apoio) para tal. Por outro lado, a comunidade académica está pouco preparada e não há uma tradição de recurso à Ética, convenhamos. Até há quem considere que as Comissões de Ética dificultam os trabalhos dos investigadores - muitos membros da comunidade académica e científica manifestam reservas quanto à missão e aos propósitos das Comissões de Ética.
Há quem se interrogue que as Comissões do Ensino Superior possam exercer demasiado poder sobre a investigação social e que proteger os direitos dos sujeitos do estudo possa resultar num menor controlo do investigador sobre a sua investigação - mas, na realidade, as Comissões de Ética constatam a impreparação dos dossiers, a incompreensão sobre os requisitos éticos e também a excessiva simplificação sobre os processos de investigação que levam a cabo do modo “como sempre fizeram”. Adicionalmente, a pressão que sofrem “para se despacharem” como se o parecer ético não fizesse plenamente parte do processo. Além da submissão dos projetos - e considerando que a revisão ética se encontra organizada e treinada -, precisa de ser reforçado o acompanhamento dos projetos, podendo ser relevante aferir indicadores de monitorização dos estudos.
Esperamos que este estudo possa ser útil, reconhecendo o valor e a relevância do serviço que as Comissões de Ética prestam nas Instituições de Ensino Superior Politécnico públicas.