Introdução
Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que a propagação do coronavírus havia alcançado proporções continentais e, assim, decretou o início da pandemia da covid-19. Em razão disso, a maior parte dos países iniciaram medidas protetivas de suas populações, principalmente o distanciamento e isolamento social. Para isso, instituições de ensino precisaram ser fechadas para evitar a circulação de pessoas e a propagação do vírus, o que demandou tomar decisões importantes para garantir que o ano fosse mantido.
De acordo com Prazeres et al. (2020), o contexto pandêmico fez emergir problemas estruturais do sistema educacional brasileiro, tais como: a desigualdade entre o ensino público e o privado; os impactos que a falta de merenda causa sobre a população mais pobre; a ausência de políticas de democratização da internet; a falta de formação continuada docente para o uso de tecnologias. A pandemia da covid-19 revela um cenário de profundas desigualdades educacionais em um país que, segundo Barros e Matias (2021), não se preparou adequadamente para seu enfrentamento, aprofundando os problemas sociais pré-existentes. Esse contexto revela mazelas e desafios em diferentes áreas, sendo a educação uma das mais afetadas.
A imprevisibilidade da pandemia e a celeridade com que as medidas de isolamento social foram tomadas demandaram, dos sistemas escolares, ações emergenciais que garantissem a manutenção do ano letivo, mesmo nas condições descritas. Assim, os sistemas escolares optaram pela utilização do ensino remoto, mesmo que a maioria nunca tivesse usado esse método em algum momento de suas atividades pedagógicas. Cabe destacar que o ensino remoto se difere do que comumente conhecemos como educação a distância (EaD). O primeiro está caracterizado por uma necessidade imediata, como uma condição da situação social. A segunda é entendida como uma modalidade de ensino com uma estrutura já delineada, recursos, metodologias e princípios já construídos historicamente (ainda que não sejam imutáveis).
O ensino remoto, apesar de não ser uma modalidade de educação, passou a ser uma forma de organizar o processo de ensino e aprendizagem de modo virtual, atendendo os requisitos de um currículo pensado para a educação presencial. Ou seja, inseriu, na mediação dos conteúdos, a utilização de recursos midiáticos e tecnológicos para o cumprimento dos planos de ensino e projetos pedagógicos, o que não significa necessariamente uma melhoria na qualidade da educação (Prazeres et al., 2020).
A existência de condições materiais diversas pode impedir ou dificultar o processo de formação escolar. Essas condições são relevantes para as reflexões sobre o significado e as implicações do ensino remoto de emergência. Nesse sentido, podemos afirmar que não houve uma preparação adequada para que alunos e profissionais do ensino pudessem enfrentar a situação em que se encontravam milhões de estudantes e professores no país.
Diante desse contexto de emergência sanitária, somado ao uso - quase desconhecido por professores - de estratégias de trabalho remoto, surgiram diversas pesquisas que tinham como objetivo conhecer como as práticas pedagógicas se desenvolviam durante a pandemia da covid-19. Este artigo propõe investigar a seguinte problemática: qual o papel da avaliação da aprendizagem durante o ensino remoto na visão dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Corumbá, Mato Grosso do Sul (MS), no contexto da pandemia da covid-19?
A pesquisa foi realizada com professores que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental do município de Corumbá, localizado no Estado de Mato Grosso do Sul, e tem como objetivo identificar e analisar o papel da avaliação da aprendizagem durante a pandemia da covid-19 na visão desses professores. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, utilizando-se o método não probabilístico para o desenho de sua amostragem, já que conhecíamos as dificuldades para obtenção das respostas de todos os professores da rede municipal de ensino.
Na busca por estratégias metodológicas que evitassem o contato direto entre os pesquisadores e os professores participantes da investigação, elaboramos um formulário eletrônico para a coleta dos dados e enviamos aos 767 professores atuantes no ensino fundamental da rede municipal de ensino. O formulário ficou disponível entre os dias 21 de junho e 05 de julho de 2021 e recebeu a contribuição de 195 docentes. Desses formulários respondidos, 113 pertenciam a docentes que ministravam aulas nos anos iniciais do ensino fundamental, equivalendo a 27,5% do total dos 410 professores atuantes nessa etapa escolar no município de Corumbá. Como nosso objetivo era obter um panorama sobre o uso da avaliação durante a pandemia da covid-19, decidimos utilizar os formulários enviados pelos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, em razão de termos um percentual mais representativo quando comparado aos professores atuantes nas séries finais.
O questionário online (Google Forms), composto por 47 questões (abertas e fechadas), foi organizado a partir de três seções: informações pessoais e profissionais; a relação entre ensino e aprendizagem durante a pandemia; aspectos relacionados à avaliação da aprendizagem. Iniciamos apresentando o contexto de crise estrutural do capital em que as atividades de ensino remoto ocorrem, procurando evidenciar que a pandemia aprofunda essa crise, impactando especialmente sobre a avaliação da aprendizagem. Para a análise dos questionários, foi realizada a categorização das respostas, procurando identificar elementos convergentes e divergentes sobre a visão dos professores no uso da avaliação da aprendizagem durante a pandemia da covid-19.
A pandemia da covid-19 e a crise estrutural do capital: avaliação e precarização do trabalho docente
A avaliação é uma das principais atividades do trabalho pedagógico. Permite diagnosticar, acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem e autoavaliar o trabalho realizado para eventuais ajustes. Avaliar é atribuir valor a partir de determinadas concepções (de escola; educação; sociedade), portanto, faz parte de um conjunto de ações e, por isso, quando tomada de forma isolada perde sua potencialidade. Segundo Freitas (2003), é fundamental que a avaliação seja tratada no conjunto do trabalho pedagógico, observando-se o que ele denomina par dialético objetivo/avaliação, ou seja, não é possível realizar determinada concepção de avaliação tendo-se objetivos de ensino e aprendizagem distintos. A avaliação não é uma prática abstrata e, principalmente, não ocorre em um contexto abstrato.
Na pandemia, a avaliação ocorre em um contexto de crise sanitária, econômica e, no caso brasileiro, política em grandes proporções. Sob uma visão que pretende eliminar as irreversíveis contradições entre capital e trabalho, o Banco Mundial (2020), em documento que apresenta simulações de possíveis impactos causados pelo fechamento das escolas durante a pandemia, indica que a crise educacional vivida nos dias atuais não é exclusividade dos problemas causados pela pandemia, mas agravados por ela. Diante dessa perspectiva, estaríamos vivendo “a crise da crise”, sem qualquer relação com aspectos econômicos, tomando como responsáveis os fatores intraescolares, como a falta de estrutura, formação adequada dos professores e má gestão.
A responsabilização sobre as escolas é uma antiga estratégia dos Organismos Internacionais (OI), que tratam como operacionais problemas de cunho econômico relacionando-os a uma má administração das escolas. Nesta pesquisa, entretanto, os professores indicam o contrário: os problemas não são apenas intraescolares, mas dizem respeito à falta de condições adequadas para realizar o ensino remoto.
Saviani (2020a), ao analisar as relações entre capital, conjuntura nacional, pandemia e educação, afirma a existência de uma crise conjuntural (causada pela pandemia) e outra estrutural (inerente ao modelo capitalista). Para Mészáros (2011), a crise estrutural do capital é resultado de sua busca expansionista irracional com consequências devastadoras e irreversíveis para sua própria existência como sistema de controle do metabolismo social. As crises cíclicas da formação capitalista foram se tornando cada vez mais frequentes, a ponto de se tornarem fundamentais e incorrigíveis. Essa crise incontrolável e estrutural provoca impactos em todas as esferas da vida social. No campo educacional, por exemplo, observamos a subsunção de seus princípios omnilaterais de formação à uma perspectiva instrumental, voltada à formação de capital humano ou o processo crescente de intensificação e precarização do trabalho docente.
Quanto à priorização de uma formação instrumental, podemos citar o currículo de Mato Grosso do Sul (2020), quando revela visão contraditória sobre a avaliação da aprendizagem, apresentando, por um lado, um olhar contextualizado e amplo e, por outro, instrumental, ao ceder às demandas por formação de capital humano. O documento cita a necessidade de que o trabalho do professor deve considerar a diversidade do público atendido, tratando “o nível de conhecimento em que os sujeitos se encontram em prol do processo de aprendizagem” (Mato Grosso do Sul, 2020, p. 55). Nessa mesma direção, sugere que a avaliação indique os “caminhos adequados para a ampliação dos saberes, alicerçando suas concepções de formação de pessoas em sua integralidade – autônomas, críticas e conscientes” (Mato Grosso do Sul, 2020, p. 55). A avaliação da aprendizagem, nessa perspectiva, supõe promover o desenvolvimento do aluno e as condições de sua participação nas práticas sociais.
O currículo atribui às avaliações de desempenho um peso importante, pois são responsáveis por indicarem os índices que asseguram o cumprimento da meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE). Ou seja, atribui a qualidade da educação básica à melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem aferida nas avaliações em larga escala, tendo como principal resultado o avanço nas metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (Mato Grosso do Sul, 2020). Ao contrário de formar para a integralidade, valorizam-se as habilidades e competências mínimas necessárias como estratégias para formação aligeirada do trabalhador para inserção no mercado de trabalho.
O impacto da crise estrutural do capital sobre o trabalho docente é tratado por Oliveira (2018), que indica ser a América Latina uma das regiões do mundo que mais tem sofrido com políticas de fragmentação do trabalho docente, dificultando um olhar mais amplo sobre as problemáticas comuns a todos os educadores da região. A autora afirma que as políticas neoliberais têm provocado uma corrida entre os docentes para provar quem é mais eficiente e eficaz segundo pressupostos quantitativistas. É um dos “efeitos colaterais” da crise estrutural do capitalismo, que promove a competitividade, individualidade e intensifica o trabalho dos professores que querem fazer mais para serem considerados professores de excelência (Oliveira, 2018).
Uma das demonstrações da intensificação da precarização do trabalho docente durante a pandemia foi a diminuição do grau de autonomia dos professores participantes da pesquisa. Perguntamos qual era o grau de autonomia que possuíam, em uma escala em que 1 equivale a nenhuma autonomia e 5 total autonomia. Boa parte das respostas se concentraram entre os níveis 4 e 5 de autonomia antes da pandemia (em torno de 69% do total de respondentes), enquanto durante o ensino remoto a maior concentração ficou em torno dos níveis 3 e 4 (em torno de 65% do total de respondentes). Importa destacar que o número de respostas aos graus mais baixos dobrou durante a pandemia quando comparados ao período anterior.
Acreditamos que esse sentimento de perda da autonomia durante o ensino remoto está articulado com as percepções negativas dos docentes quanto às práticas de avaliação da aprendizagem e as dificuldades apontadas para a realização do trabalho pedagógico, conforme apresentaremos a seguir. Esses professores, em nome de uma suposta “modernização” e “inovação”, veem seus trabalhos tornarem-se ainda mais precarizados durante a pandemia, fato que ocorre com a maior parte dos trabalhadores no país.
A avaliação da aprendizagem no contexto da pandemia da covid-19 em Corumbá/MS
A avaliação da aprendizagem envolve, segundo Luckesi (2005), três importantes elementos: juízo de valor (valoração qualitativa de dado objeto a partir de critérios preestabelecidos); caracteres relevantes da realidade (que indica a objetividade necessária no processo de avaliação, ainda que ele envolva aspectos subjetivos); tomada de decisão (revela a importância de compreender a avaliação vinculada ao posicionamento do avaliador, da impossibilidade de neutralidade nesse processo). Considerando esses elementos, Libâneo (2006, p. 196) define a avaliação como “um componente do processo de ensino que visa, através da verificação e qualificação dos resultados obtidos, determinar a correspondência destes com os objetivos propostos e, daí, orientar a tomada de decisões em relação às atividades didáticas seguintes”. Portanto, a avaliação será tomada, neste artigo, como um dos elementos capazes de garantir o ensino e a aprendizagem.
Debater sobre a avaliação escolar requer reflexões mais amplas sobre o papel da escola na formação humana. A educação escolar, na perspectiva do desenvolvimento omnilateral dos alunos, implica o ensino e a aprendizagem de saberes sistematizados, que visam a superação da reprodução das relações de dominação e desigualdade. Sendo assim, concordamos com Saviani (2020b) quando afirma que a organização e viabilização das condições de transmissão e assimilação dos saberes sistematizados são fundamentais.
Diante da declaração de emergência em saúde pública realizada pela OMS em decorrência da infecção humana pelo coronavírus, as aulas presenciais foram afetadas drasticamente, considerando-se que a principal recomendação para redução da circulação do vírus é o distanciamento social. Em Corumbá, região do Pantanal Sul-mato-grossense, tal medida foi regulamentada pelo Decreto Municipal n.º 2.263 de 16 de março de 2020 (Corumbá, 2020a).
A exemplo de outros municípios, acreditava-se que a necessidade de isolamento seria curta e tão logo fosse possível as atividades presenciais retornariam. Dessa forma, as primeiras medidas adotadas foram garantir o contato à distância com os estudantes e seus responsáveis, passando-se a utilizar ferramentas, até então, pouco convencionais para as escolas, como, por exemplo, grupo de mensagens instantâneas por turma. Uma plataforma de atividades foi organizada pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED), na qual os assessores técnicos elaboraram, com a contribuição dos professores, cadernos de atividades com orientações para cada ano, podendo ser acessada tanto pelos professores quanto pelas famílias. Essas ações foram contempladas na Instrução Normativa n.º 2/2020 (Corumbá, 2020b).
Dada a dificuldade para manter a comunicação com os estudantes e suas famílias e a crença no retorno presencial, a SEMED não considerou os primeiros meses como letivos. Entretanto, o avanço da pandemia na região forçou a gestão municipal a solicitar ao Conselho Municipal de Educação (CME) o reconhecimento das atividades não presenciais disponibilizadas aos alunos, amparando-se no parecer 005/2020 do Conselho Nacional de Educação (CNE) (Brasil, 2020b) e na Medida Provisória n.º 934/2020 (Brasil, 2020a), que flexibilizaram o cumprimento dos dias letivos.
Em agosto de 2020, após parecer favorável do CME, a SEMED publicou a Resolução n.º 122 (Corumbá, 2020c), que estabeleceu as normas para o reordenamento do cumprimento da carga horária anual e dias letivos no âmbito da rede municipal de ensino de Corumbá/MS em decorrência da pandemia causada pela covid-19. A normativa, ainda vigente, descreve como deverá ser conduzido o processo ensino-aprendizagem em cada etapa de ensino e estabelece atribuições para os professores conforme artigo 7º:
Art. 7º Compete ao docente:
I - planejar e elaborar as atividades do PET [Plano de Estudo Tutorado] em consonância com os documentos curriculares emanados da Secretaria Municipal de Educação, que deverá ser apreciada pela coordenação pedagógica;
II - criar canal de comunicação a fim de sanar possíveis dúvidas dos estudantes, família ou responsáveis, no que diz respeito às atividades do PET;
III - arquivar as atividades do PET para fins de comprovação do cumprimento do currículo, da avaliação do rendimento escolar, da carga horária anual e dos dias letivos aos quais o estudante tem direito, e posterior repasse ao Coordenador Pedagógico;
IV - disponibilizar tempo diário, de segunda a sexta-feira, exceto feriados, para esclarecer dúvidas dos alunos e seus pais sobre as atividades do Plano de Estudo Tutorado, respeitando as horas/atividades;
V - orientar alunos e pais que as atividades realizadas nos cadernos, folhas e outros materiais devem ser apresentadas por e-mail, mídias sociais ou entregues na escola, conforme orientações da equipe pedagógica da unidade escolar;
VI - preencher a planilha de acompanhamento e participação dos alunos;
VII - acompanhar a participação de sua turma nas atividades, levando ao conhecimento da equipe pedagógica de sua escola semanalmente; e
VIII - participar das formações direcionadas pela equipe gestora da escola e pela SEMED. (Corumbá, 2020c, s.p.)
As competências demonstram a preocupação da SEMED em garantir o ensino remoto, tendo o professor como o principal articulador desse processo. Isso significou a atribuição de determinadas atividades não exercidas pelos docentes antes da pandemia e que extrapolam suas funções, intensificando ainda mais suas jornadas de trabalho. Criar os canais de comunicação entre escola e família deveria ser, ainda que para tratar das atividades de ensino e avaliativas, responsabilidade da secretaria. Além dessa atribuição, outras que citam a responsabilidade do professor e, ao ganharem tamanha centralidade nesse momento, tornam o trabalho do professor ainda mais exaustivo: preencher planilhas online de acompanhamento; orientar pais e familiares em como proceder para a realização das atividades.
Segundo a SEMED, em um primeiro momento, houve a tentativa de institucionalizar um canal de comunicação entre as escolas e os responsáveis pelos estudantes. Entretanto, a falta de um contato síncrono com as escolas e com os professores acabou se tornando um problema para a institucionalização. Por esse motivo, os professores passaram a usar seus próprios aparelhos telefônicos para criar grupos de contatos em aplicativos de mensagens instantâneas. Mesmo com a tentativa de institucionalizar esse processo por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) - vinculado à plataforma oficial de gestão escolar -, a falta de conectividade e de conhecimentos sobre a internet e os equipamentos por parte dos familiares e as dificuldades da mesma ordem enfrentadas pelos docentes foram responsáveis por tornar os grupos de mensagens instantâneas os canais mais utilizados por eles.
Os dados levantados indicam um panorama parcialmente favorável aos professores em relação ao regime de trabalho, formação continuada e tempo de serviço no município. Sobre o tempo de atuação no município, a maioria dos respondentes (39,8%) revelou atuar em escolas de Corumbá há mais de 10 anos, seguidos por 32,7%, que atuam entre um e cinco anos, 23% entre cinco e 10 anos e apenas 4,4% estão a menos de um ano. Portanto, são professores com experiência em sala de aula, já que 50,4% dos docentes concluíram sua graduação há mais de 10 anos e, em sua maioria, têm formação stricto e/ou lato sensu (61,1% possuem especialização, 26,5% apenas graduação, 11,5% mestrado e 0,9% doutorado).
Em um cenário que reforça os processos de precarização das condições de trabalho dos professores em nosso país, 55,8% dos docentes participantes da pesquisa eram concursados e 44,2% possuíam contratos temporários. Ao mesmo tempo, quanto maior a carga horária que o professor possui em uma única escola, melhores são suas condições de trabalho, pois possibilita maior familiaridade com a escola e seu funcionamento, com os alunos e familiares. Nesse sentido, 57,5% dos respondentes possuem carga horária completa de 40 horas semanais em uma única escola; 2,7% indicaram entre 20 e 40 horas semanais e 38,9% indicaram ter 20 horas semanais.
Quando perguntamos sobre os conhecimentos e contatos com ferramentas de tecnologias utilizadas para o ensino, os docentes relataram que tiveram dificuldades para realizar a avaliação da aprendizagem em um contexto de ensino remoto e que possuem um perfil heterogêneo em termos de formação e conhecimentos sobre o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Nesse aspecto, 58,4% tiveram, em sua formação inicial, alguma disciplina ou curso que tratava do uso das TICs. Por outro lado, 41,6% não tiveram qualquer contato com essa área em sua formação inicial. O mesmo foi perguntado sobre a formação continuada antes e durante a pandemia e as respostas foram mais favoráveis: 63,7% indicaram ter participado de algum curso antes da pandemia, 36,3% não participou de nenhum curso. Contudo, durante a pandemia essa participação cresceu para 73,5%.
Tais informações nos permitem conhecer as condições de trabalho e o grau de formação dos professores. Podemos partir da ideia de que são docentes com experiência, conhecem o sistema de ensino do município e já participam de formações e debates há algum tempo. Entendemos que essas são condições prévias que interferem na visão de mundo do professor e em suas concepções pedagógicas, orientando sua prática cotidiana.
O papel da avaliação na visão dos professores da Rede Municipal de Educação de Corumbá/MS
Quando iniciamos a pesquisa sobre o papel da avaliação na visão dos professores, durante a pandemia da covid-19, tínhamos consciência de que o tema é complexo e requer compreensão da multiplicidade de desafios apresentados em tempos de tamanhas dificuldades. Sabíamos que pensar a avaliação, diante de um contexto tão desafiador, exigiria reflexões sobre seu significado no interior da educação escolar (Por que e como avaliar?). Nessa direção, perguntamos qual a concepção dos professores sobre avaliação, independentemente do ensino remoto, no intuito de confrontar com a descrição das dificuldades impostas por essa nova realidade.
Sobre a concepção de avaliação, encontramos as seguintes características: formativa, diagnóstica, somativa, burocrática e autoavaliação. Para 65,48% dos docentes, a avaliação tem como objetivo ser formativa, ou seja, acompanhar o desenvolvimento do aluno ao longo de todo o processo de ensino e aprendizagem. Para 26,54%, a avaliação é diagnóstica, com o objetivo de conhecer seus alunos e organizar seu planejamento. Ao mesmo tempo, 16,81% dos professores citam a autoavaliação como um dos pontos chave, o que expressa a preocupação do professor em analisar seus objetivos iniciais e rever suas estratégias para o alcance da aprendizagem.
Em contrapartida, somente 5,30% dos docentes indicaram a avaliação somativa como objetivo do trabalho pedagógico. Ainda que em menor proporção, encontramos dados que apontam para a realização da avaliação como cumprimento de requisitos burocráticos. De acordo com os participantes da pesquisa, a avaliação tem um papel fundamental na educação escolar, mas assume, no período de pandemia e suspensão das aulas presenciais, algumas características e objetivos distintos.
As dificuldades impostas pelo ensino remoto levaram os professores a ressignificar a avaliação. Para 51,32% dos respondentes, durante esse período, a avaliação tem, principalmente, o sentido de conhecer os alunos e incentivar para que realizem as atividades propostas. Podemos observar esse novo significado nas palavras do professor 77 que argumenta haver “alunos que só conseguem ter bons rendimentos mediante constante acompanhamento. Precisam do professor motivando-o diariamente. Sem a presença do motivador, eles retrocedem, evadem. Daí se torna necessária a busca ativa”. Essa visão é compartilhada pelo professor 89, ao afirmar que “a avaliação mudou de forma, e um aspecto importante tem sido motivar os alunos a participarem e realizarem as atividades propostas”. Nesse ponto, a avaliação tem permitido traçar estratégias de planejamento e observar não somente o desenvolvimento das atividades por parte dos alunos, mas a realização efetiva.
Entretanto, a ideia da motivação para a participação da avaliação da aprendizagem aponta para a falta de preparo e planejamento para o real sentido e significado da avaliação na educação escolar. Mais ainda, indica que a escola perde sua função primordial de contribuir, por meio da transmissão de conteúdos significativos, para o desenvolvimento humano em suas máximas potencialidades, o que reforça as práticas de avaliação pautadas no cumprimento de tarefas exigidas pela instituição escolar.
Para um total de 8,83% dos professores, o principal papel da avaliação, no ensino remoto, é demonstrar os resultados do trabalho e cumprir com suas obrigações (inclusive em termos burocráticos). De acordo com esses professores, a avaliação tem sido mais utilizada “no sentido de ter notas para serem lançadas, já que nem conseguimos, na verdade, obter resultados ou retorno necessário das atividades que são enviadas” (Professor 150). O Professor 110 reitera que, muitas vezes, acaba atribuindo notas aos alunos sem mesmo ter o resultado da atividade proposta. Para ele, a avaliação resumiu-se em uma prática que visa “atribuir notas às atividades, mesmo àquelas não realizadas pelo aluno”.
Segundo a SEMED, o distanciamento social foi determinante para afetar o trabalho pedagógico e, em especial, a avaliação da aprendizagem. Por isso, e para que a escola a percebesse como diagnóstica e formativa, os professores não puderam estabelecer "notas" aos seus alunos nos dois primeiros bimestres de 2020, sendo orientados a organizar portfólios que pudessem acompanhar a evolução dos estudantes e acrescentar informações de como o aluno desenvolveu determinada atividade. As atividades deveriam ser realizadas com a ajuda da família e sob orientação remota dos professores, que utilizaram vídeos e áudios transmitidos pelo portal da SEMED ou aplicativos de mensagens instantâneas.
Nas orientações da SEMED, sugeriu-se que cada bloco de atividades fosse acompanhado de um questionário que revelasse o grau de mediação realizado pelas famílias e de acordo com as necessidades apresentadas pelos alunos. Entretanto, segundo a própria Secretaria de Educação, poucos professores seguiram essa orientação, pois ela, de fato, representava um acúmulo maior de trabalho.
As dificuldades que o ensino remoto trouxe aos professores os levaram a conclusão de que a avaliação é sequer realizada, ou, quando é, torna-se insuficiente para acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem - algo que a maioria já apontou ser a principal função da avaliação. O Professor 86 destaca a importância da avaliação, mas expõe as dificuldades de realizá-la: “A avaliação está condicionada às atividades desenvolvidas, porém é difícil ter a certeza do conhecimento”.
O panorama expressa a dicotomia entre a avaliação e o projeto pedagógico, a avaliação e a intencionalidade educativa do professor e da escola. Para Luckesi (2011), a avaliação não pode esperar o resultado simplesmente, mas, aliada às concepções político-filosóficas do professor, deve orientar novas intervenções, construir novos planejamentos que subsidiem efetivamente o desenvolvimento humano, ou seja, a aprendizagem.
Outros problemas relatados sobre o acompanhamento da aprendizagem são: a impossibilidade da realização de um diagnóstico preciso sobre os alunos e de um acompanhamento mais próximo das atividades enviadas para casa. Isso porque, quando os professores recebem novamente as atividades, impera a dúvida sobre quem as realizou, se foram os estudantes ou seus responsáveis. “Pois não estamos acompanhando o desenvolvimento da criança diretamente. Muitas vezes os pais é que fazem as atividades, também têm alunos que já perderam o interesse então não fazem mais as atividades como fariam dentro da sala de aula” (Professor 174).
A preocupação com a motivação para que o aluno queira estudar, aprender, fazer as tarefas cotidianamente fica evidente, mas as condições para a efetivação de uma avaliação da aprendizagem que acompanhe a apropriação dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos, necessários para a formação humana e a superação da alienação, estão comprometidas. As avaliações diagnósticas e formativas são suprimidas diante de uma perspectiva que transforma a avaliação em uma espécie de ferramenta para incentivar os alunos a realizar as tarefas propostas.
Para o Professor 8, a avaliação “tem sido usada como forma de incentivar os alunos a realizarem suas atividades propostas nos blocos disponibilizados”. O Professor 12 acrescenta que seu objetivo “está sendo avaliar apenas a participação. Eu avalio se o aluno conseguiu desenvolver as atividades. [A avaliação] desenvolve o papel participativo [tendo] como função auxiliar a compreender como está o desenvolvimento do aluno”. Essa perspectiva de avaliação está associada à participação dos alunos, e não à verificação da aprendizagem propriamente dita, como percebemos nas palavras do Professor 20:
Através das atividades entregues na escola e suas devolutivas, podemos acompanhar o desenvolvimento dos alunos e avaliar conforme o empenho de cada um. A avaliação assumiu um papel de confirmar a presença e participação dos alunos e da família com a comunidade escolar.
Nesse contexto, cabe destacar as influências das pedagogias do aprender a aprender nas políticas e propostas educacionais dos últimos anos (Duarte, 2020). O aprender a aprender, por meio do discurso da valorização da individualidade, da diversidade e dos interesses e necessidades puramente subjetivos, esvazia a escola e a formação humana de conceitos caros à percepção de ser humano como sujeito histórico-social. Ou seja, não apreende no movimento de ensino e de aprendizagem as dimensões da universalidade, totalidade, objetividade, consciência filosófica e emancipação. Ao contrário, o falso discurso da autonomia, por meio da individualização no processo de construção de conhecimentos, reproduz a alienação e a culpabilização dos sujeitos pela sua situação.
Ainda que os professores não demonstrem a consciência crítica quanto às concepções que norteiam a prática efetiva da avaliação no ensino remoto durante a pandemia, a inserção dos discursos presentes nas políticas educacionais no cotidiano escolar altera, paulatinamente, as dinâmicas e objetivos da prática pedagógica. Nesse sentido, Luckesi (2011, p. 23) aponta que “necessitamos de clareza quanto às finalidades, quanto aos resultados que desejamos buscar e quanto a quem eles servem e/ou servirão, o que, em síntese, significa estabelecer um projeto filosófico-político para essa ação”.
A avaliação, tomada como estratégia para incentivar o aluno a realizar as tarefas de ensino, leva os professores a concluírem que, durante o ensino remoto, não estão atingindo os objetivos e concepções que acreditam serem os mais adequados: “A avaliação é importante, porém nessas circunstâncias não retrata a realidade da aprendizagem do aluno” (Professor 62). Além disso, para o professor 60, durante o ensino remoto, as turmas têm sido tratadas de forma homogênea, já que não é possível o acompanhamento individual e mais próximo dos alunos. “A Secretaria da Educação sempre tem tentado nos dar ideias de trabalho, mas entendo que é um momento muito difícil para todos e as práticas e estratégias utilizadas para a avaliação do aluno não são eficazes” (Professor 60).
Para muitos docentes, a avaliação não atinge seu potencial e objetivos porque os pais interferem demasiadamente nas respostas dos alunos, não permitindo ao professor identificar o que é de fato compreendido e assimilado. “Sem a presença do aluno é difícil de se ter uma avaliação de forma verdadeira, pois é notório a participação excessiva dos pais na resolução das atividades, o que gera resultados de certa forma camuflados” (Professor 77). De acordo com os relatos, essa situação se comprova quando os professores percebem que alguns alunos, apesar de entregarem as tarefas preenchidas, apresentam dificuldades até mesmo para ler.
Quando perguntamos diretamente aos professores quais foram os principais desafios enfrentados para a realização da avaliação da aprendizagem, a participação da família nas atividades enviadas para os alunos retorna à discussão e se apresenta como a causa mais citada. Para 89 professores (78,76%), a participação autônoma dos alunos, sem que os familiares realizem as atividades por eles, é o maior desafio durante o ensino remoto. Nessa mesma direção, 81 professores (71,68%) indicaram que o problema está na qualidade dessa participação, pois tem se mostrado incapaz de ajudar os alunos no desenvolvimento da aprendizagem. Além disso, 70 professores (61,94%), indicaram como uma das dificuldades a definição de estratégias de acompanhamento do desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, o que implica diretamente no trabalho de planejamento e avaliação.
[…] as atividades planejadas nesse período de pandemia devem ser pensadas para serem realizadas em casa, com pouco ou nenhum material didático, atividades para serem realizadas individualmente e, também, com os pais que, muitas vezes, nem formação tem para ensinar. Sendo assim, são muitos desafios para realizar um planejamento que alcance nosso objetivo satisfatoriamente com todos esses percalços. (Professor 37)
O Professor 75 acrescenta:
Como não está sendo possível o contato com os alunos, através do ensino remoto, fica difícil fazer a avaliação da aprendizagem, porque muitos alunos ou não tem acesso à internet, não possuem celular ou outras ferramentas tecnológicas e outros nem vão à escola pegar ou entregar atividades dos alunos, houve um retrocesso na aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem quando esvaziada de sentidos que contribuam para o enriquecimento dos processos de formação humana, também esvazia de sentido a escola dos filhos dos trabalhadores. Sua existência passa a ser um hiato, mais do que ter apenas salas de aula vazias. As consequências são graves para a humanização dos indivíduos, já que a garantia do ensino e da aprendizagem das objetivações humanas mais desenvolvidas na história da humanidade possibilitam o enriquecimento da individualidade do ser humano e das condições para sua participação ativa, crítica e transformadora nas práticas sociais. Segundo Saviani (2020b, p. 10):
[…] para se libertar da dominação, os dominados necessitam dominar aquilo que os dominantes dominam. Portanto, de nada adiantaria democratizar a escola, isto é, expandi-la de modo a torná-la acessível a toda a população se, ao mesmo tempo, isso fosse feito esvaziando-se a escola de seu conteúdo específico, isto é, a cultura letrada, o saber sistematizado.
Os dados da pesquisa revelam a insuficiência das estratégias que visam apenas garantir o acesso à escola. É fundamental definir estratégias que garantam as condições para a realização do ensino e aprendizagem. Esse processo requer uma análise constante das condições de acesso e permanência no ensino remoto, inclusive para que professores, secretarias de educação e comunidade possam planejar e reelaborar seus objetivos para o futuro.
Outra dificuldade observada a partir do relato dos professores é a redefinição dos critérios para seleção dos conteúdos. A seleção dos conteúdos passa a ser orientada pelo que os professores consideram “essencial”. Sob a justificativa de que os alunos têm dificuldade de acessar os conteúdos que normalmente se trabalharia no ensino presencial, opta-se por amenizar a carga de conteúdos e, com isso, redução do papel da escola a uma visão mais utilitarista.
Estamos num momento tão particular, de tanto distanciamento, que o fato de ter autorizado, sugerido o reforço, foi muito bom. Temos o apoio da formulação, escolha de conteúdo a serem trabalhados. Isso com o PET [Plano de Estudo Tutorado], foi feita uma seleção de conteúdos "essenciais". Isso também tirou um pouco a carga que temos em relação ao que é preciso ser trabalhado. (Professor 49)
Ao apontarem os conteúdos essenciais, a maior parte dos professores remete o trabalho com as habilidades e competências como o mais indicado para o momento de ensino remoto. Nesse contexto, 67 professores (59,29%) apontaram as competências e habilidades definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) como prioridade nos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, 50 professores (44,24%) indicaram que não privilegiaram nenhuma área de conhecimento específica, enquanto 15 professores (13,27%) afirmaram que priorizaram o ensino da Língua Portuguesa e Matemática.
Podemos captar, nesse movimento, a preocupação dos professores e sistemas de ensino em atender a legislação vigente do país e manter o trabalho voltado à preparação para as avaliações em larga escala. Para Saviani (2020b) e Ribeiro e Craveiro (2017), a própria elaboração e aprovação da BNCC (Brasil, 2018) estão calcadas na padronização das formas de avaliação em larga escala, distorcendo pedagogicamente o sentido da avaliação e do próprio ensino. Nessa perspectiva, os sistemas de ensino,
Caminham, pois, na contramão das teorizações pedagógicas formuladas nos últimos cem anos para as quais a avaliação pedagogicamente significativa não deve se basear em exames finais e muito menos em testes padronizados. Deve sim, avaliar o processo, considerando as peculiaridades das escolas, dos alunos e dos professores. (Saviani, 2020b, p. 24)
Concordamos com Duarte (2020) quanto à necessidade de termos clareza dos critérios utilizados para a definição e seleção dos conteúdos que compõem o currículo escolar. O autor chama atenção para a diferença qualitativa entre os conhecimentos presentes no cotidiano da sociedade alienada, que interessam à lógica neoliberal e obscurantista do sistema capitalista, e os saberes sistematizados, que têm o trabalho como princípio educativo. O ponto de partida para essa reflexão é a própria concepção de mundo (ser humano e sociedade) que norteia o trabalho pedagógico.
Enquanto as análises apontaram para a redução dos conteúdos em todas as áreas e indicaram a centralidade das competências e habilidades presentes na BNCC (Brasil, 2018), os professores afirmam que as estratégias didáticas precisaram ser repensadas, tornando-se mais dinâmicas e preocupadas com a realidade do aluno e das condições das famílias.
Com a pandemia vieram muitas preocupações em torno dos planejamentos. Continuamos a fazê-los coletivamente, porém visando mais a ludicidade e sempre tomando o cuidado para que os conteúdos trabalhados nos planejamentos e, consequentemente, nos cadernos de atividades remotas fossem significativos para o aluno. (Professor 181)
O Professor 61 complementa: “Tive que considerar as diferentes realidades dos alunos, com relação à materiais para realizar a atividade e o nível de instrução que tem seus responsáveis”. Essa contradição revela o descompasso que há entre conteúdo e forma no trabalho pedagógico, pois, enquanto os conteúdos são vistos de maneira utilitarista, as estratégias de ensino visam garantir um trabalho coletivo e preocupado com o desenvolvimento pleno do aluno.
Entendemos que essas preocupações devem ser constantes em todo processo de educação escolar e que precisamos nos atentar para as necessidades dos alunos e seu contexto social, para que possamos intervir direta e intencionalmente em seu pleno desenvolvimento. O que expressa o Professor 174: “o tempo mudou, precisamos de mais tempo. Atenção maior para as especificidades de cada aluno mais ainda do que já era de costume”.
As análises realizadas através desta pesquisa nos mostram um movimento dialético nas práticas pedagógicas dos professores e nas suas percepções sobre os sentidos que a avaliação da aprendizagem tem assumido durante o ensino remoto. Ao mesmo tempo em que há preocupação com o aluno e sua realidade, além de tentativas de garantir o ensino, há condições reais que interferem nesse trabalho. Há um processo difícil de adaptação do aluno e do professor às barreiras que essas condições impõem. Entre tentativas, erros e acertos, existe a precarização do ensino e da aprendizagem diante de uma sociedade que preza pela adaptação em detrimento da emancipação, e da padronização ao invés da humanização.
As contradições apresentadas ao longo deste artigo nos permitem afirmar que, ao mesmo tempo em que vivemos uma crise conjuntural que coloca a escola sob riscos dos mais diversos, abre caminho para a sociedade perceber sua importância como lócus privilegiado de ensino e aprendizagem. Nas palavras do Professor 158: “A partir de relatos de pais e familiares, atualmente é perceptível o real papel da escola para a sociedade. Talvez, tivéssemos acostumados com a presença natural da escola e agora que estão distantes percebem sua essencialidade”.
Ao analisar os desafios que a pandemia trouxe para os trabalhadores, reforçamos a necessidade de refletirmos sobre nossas estratégias para organização e resistência aos determinantes sociais e econômicos do modelo de produção capitalista. Não podemos enfraquecer nossa luta por melhores condições de ensino e aprendizagem, pois, dela, emana a luta por uma sociedade mais humana.
Considerações Finais
Pensar a avaliação em tempos de pandemia tem sido uma tarefa árdua para diversos pesquisadores e professores de todas as esferas de ensino. Ter consciência de que o momento representa desafios que não dependem apenas do professor, mas passam necessariamente por ele, pode ser um passo importante para o desenvolvimento de avaliações capazes de acompanhar todas as etapas de aprendizagem. De forma geral, foi possível observar que muitos professores reconhecem a importância da avaliação, atrelam sua realização a uma determinada concepção de ensino e aprendizagem, mas, diante dos profundos desafios que o contexto de precarização apresenta, acabam não tendo êxito na tarefa e abandonando as concepções que orientariam sua prática.
Ao mesmo tempo que a avaliação da aprendizagem é valorizada como parte fundamental do trabalho pedagógico, é secundarizada no processo de ensino para atender expectativas sociais impostas às escolas e aos alunos. A avaliação reduziu-se ao preenchimento de exercícios para quantificar a aprendizagem, sem considerar, de modo mais crítico e reflexivo, a relação entre conteúdo, forma e destinatário.
Considerando a intensificação e precarização do trabalho docente durante a pandemia da covid-19, este artigo demonstrou o distanciamento entre a concepção que possuem os professores sobre a avaliação e o que a realidade os impeliu a realizar. Além disso, a falta de conhecimento sobre a realidade dos alunos, a impossibilidade de acompanhar sistematicamente a realização das atividades e a interferência dos pais e responsáveis contribuiu para que os docentes atribuíssem papéis para a avaliação que se misturam entre funções mais pragmáticas, com visões formativas e críticas.
A avaliação da aprendizagem auxilia no desenvolvimento do indivíduo, impulsionando-o para novos patamares de domínio dos conhecimentos. Nesse sentido, ela deve partir de estratégias que visem identificar os conhecimentos já consolidados e aqueles ainda em desenvolvimento pelo aluno. Isso garantirá a definição de objetivos e metodologias compatíveis com a concepção de ensino e, portanto, de avaliação adotada pelo professor.