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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília jan./dez 2022  Epub 08-Jun-2022

https://doi.org/10.26512/lc28202242176 

Artigos

A educação sobre drogas no Brasil diante do novo ordenamento legal

La educación sobre las drogas en Brasil frente al nuevo orden jurídico

Drug education in Brazil in light of the new legal order

Maria de Lourdes da Silva1 

Francisco Coelho2 

1Pós-Doutorado em História da Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2012). Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

2Pós-Doutorado em Ensino de Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021). Professor do Programa de Pós-Graduação Ensino de Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz.


Resumo

O atual cenário político brasileiro é marcado por regulação governamental às práticas educativas sobre drogas, de orientação proibicionista, que pouco estimulam o pensamento crítico. Este artigo traça interlocuções entre cinco documentos oficiais brasileiros, para analisar limitações legais e perspectivas da Educação sobre Drogas no Brasil à luz do novo ordenamento legal. É uma pesquisa documental, qualitativa, que problematiza orientações às práticas preventivo-educativas às drogas no âmbito da educação. Observamos crescente declínio dos espaços de debate e negociação, com orientações drogacêntricas e belicosas, pouco afeitas ao debate, aos contextos, às pessoas e suas vulnerabilidades.

Palavras-chave Base Nacional Comum Curricular; Temas Contemporâneos Transversais; Educação sobre Drogas; Leis sobre Drogas

Resumen

El escenario político brasileño actual está marcado por la regulación gubernamental de las prácticas educativas prohibicionistas sobre las drogas que no estimulan el pensamiento crítico-reflexivo. Este artículo traza diálogos entre cinco documentos oficiales, analizando las limitaciones legales y perspectivas de la Educación sobre Drogas en Brasil, frente al nuevo orden jurídico. Trata de una investigación cualitativa, documental, que problematiza orientaciones para las prácticas preventivo-educativas en el contexto de la educación. Observamos una disminución creciente de los espacios de debate y negociación, con orientaciones drogocéntricas y belicosas, poco habituados al debate, los contextos, las personas y sus vulnerabilidades.

Palabras clave Base Nacional Común Curricular; Temas Contemporáneos Transversales; Educación sobre Drogas; Leyes de Drogas

Abstract

The current Brazilian political scenario is marked by government regulation of prohibitionist educational practices on drugs that do not stimulate critical thinking. This article traces dialogues between five oficial brasilians documents, analyzing legal limitations and perspectives of Drug education in Brazil in light of the new legal order. It is a documental, qualitative research that problematizes guidelines for preventive-educational practices on drugs in the context of education. We observe a growing decline in spaces for debate and negotiation, with drug-centric and bellicose orientations, little used to debate, contexts, people and their vulnerabilities.

Keywords Common National Curriculum Base; Contemporary Educational Themes; Drug Education; Drug Laws

Introdução

As repercussões sobre as recentes reformas havidas no campo educacional têm aflorado anseios e indagações sobre os rumos dados à educação e à sua função social. A discussão sobre as mudanças legais indica mobilização e posicionamentos da sociedade sobre a ausência de debates no processo, reforçando recusas e resistências. No atual governo, diferentes documentos oficiais relativos à educação básica e ensino superior, incluindo a formação docente, foram modificados. Tanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) e seus Temas Contemporâneos Transversais (TCT) (Brasil, 2019a) quanto as novas Diretrizes Curriculares para Formação de Professores da Educação Básica da Formação Inicial (BNC da Formação Inicial) (Brasil, 2019b) e da Formação Continuada (BNC da Formação Continuada) (Brasil, 2020) trazem impactos ao sistema educacional ao enfatizarem o caráter hierárquico, excludente, retrógrado, privatista e mercantil destas novas normativas. Elas interrompem um processo de interação social gerado no bojo de debates educacionais entre Estado e sociedade, conformado durante a reorganização da sociedade após a Ditadura Militar brasileira e realizado por meio do diálogo entre forças representativas plurais, organizadas do campo educacional.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Formação Inicial e Continuada em Nível Superior (DCNs) (Brasil, 2002a) para os profissionais da Educação básica, revistas e ampliadas em 2015, quando adquiriram caráter mais abrangente e democrático, representavam essa era de diálogo — nada fácil, mas significativo e construtivo. Elas apontavam a importância de assegurar formação de qualidade com valorização do trabalho docente e condições adequadas para sua efetivação, articulando os diferentes níveis educacionais (básico, graduação e pós-graduação). As DCNs reverberavam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1998) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996), que são expressões normativas de uma conjuntura política onde a mobilização social e o debate demarcaram consensos possíveis em torno de projetos educacionais democráticos e condizentes com as demandas sociais por uma educação capaz de implicar justiça e equidade sociais. No atual cenário de crise do capital, advindo da correlação de forças empenhadas por projetos societários neoliberais e neoconservadores, cujas estratégias redefinem o papel do Estado, temos acompanhado um processo de intensificação da privatização dos bens e serviços públicos, aniquilando políticas sociais e trazendo profundas implicações ao processo democrático e ao projeto de país.

Neste caminho, observamos uma política de asfixia à educação pública, seja com isenção de impostos, com aplicação direta de recursos públicos no setor privado, ou ainda com a redução do valor designado à educação na dotação orçamentária anual geral (Silva, 2005). Ao mesmo tempo, dá-se ênfase à discussão sobre uma “educação de qualidade”, entendida, no atual cenário pandêmico, como aprendizagem e intensificação do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Deste modo, o setor privado pode figurar como exemplar, enquanto o setor público atualiza significados relativos ao dispêndio, à ineficiência, ao despreparo de seus profissionais e a toda campanha de menosprezo em curso, relativa ao serviço e ao funcionalismo públicos. Este processo tem avançado drasticamente nos últimos cinco anos. O privatismo se faz aliado ao crescimento de uma pauta conservadora na defesa da família, da moral cristã e das liberdades individuais — princípio liberal fundamental na construção do contraponto às expressões coletivas da sociedade civil organizada, geradoras da força de oposição com capacidade para enfrentar a progressão do neoconservadorismo, conforme Peroni et al. (2019).

O alinhamento do Estado às diretrizes educacionais empresariais se pode ver na recente política de formação de professores do atual governo federal, consonante às agências internacionais e às diretrizes do Consenso de Washington. Peroni et al. (2019) destacam que já nos anos 1990 o empresariado brasileiro decidiu intervir na lógica organizacional da educação e na definição dos currículos e conteúdos, deixando a gestão direta, o controle dos espaços e do corpo de funcionários a cargo do Estado, mas interferindo nas finalidades da educação e no seu papel social, ampliando o processo de mercantilização da educação. Destacam as autoras:

Verificamos que a decisão de participar de forma mais contundente da direção e execução das políticas educacionais já havia se iniciado naquela época, de forma organizada, pelos empresários, que propunham participar ativamente da elaboração das políticas educacionais, influenciando mais as políticas do que gerindo escolas diretamente. (Peroni et al., 2019, p. 38)

As autoras sinalizam os múltiplos direitos reivindicados no processo de democratização à época, materializados, em parte, na Constituição Federal (Brasil, 1988) e na LDB (Brasil, 1996). Neste escopo estão a gestão democrática da educação básica (educação infantil, fundamental e média), a gratuidade da educação pública nos estabelecimentos oficiais, entre outros. Entretanto, elas entendem que o avanço do capitalismo acaba por propor um conjunto de estratégias para retomar o aumento das taxas de lucro, reduzindo direitos com graves consequências para a construção da democracia e da efetivação dos direitos sociais, materializados em políticas públicas, ameaçando a educação como nós a consolidamos: pública, gratuita, obrigatória e laica.

Entendendo os rumos tomados pela conjuntura internacional a partir do final do século XX, desde quando se agudiza a tendência à guinada global de orientação neoliberal, como ponto de inflexão para as políticas educacionais que coadunam o projeto de aprofundamento desta etapa de desenvolvimento do capitalismo com seus meios de efetivação, Maria Abádia da Silva (2005) destaca que este projeto visa transformar os serviços públicos prestados pelo Estado em serviços privados, em negócios controlados pelas elites econômicas nacionais e subordinados aos ditames do mercado internacional através da privatização. Destaque especial é dado pela autora ao empenho da elite nacional em estabelecer regulação para a educação, mediada pelas leis deste mercado, enredando o desmonte do Estado nacional e das políticas sociais, como saúde e previdência social, educação. Segundo ela, ao mesmo tempo em que a privatização da educação é promovida pelo Estado, este “aperfeiçoa novas formas de clientelismo, especialmente nas relações com as entidades privadas na esfera educacional: fundações, institutos de ensino, empresários de equipamentos e informática, editoras, empreiteiras, empresas de propaganda oficial e empresas do setor de alimentação escolar” (Silva, 2005, p. 260).

Entre a agenda das lutas sociais e as urgências do mercado, a questão da educação sobre as drogas acabou preterida, sem que à questão se estendam as reivindicações reclamadas. A atual discussão das frentes de resistência à conjuntura do campo educacional não agrega o tema da educação para as drogas à pauta em defesa. Este debate tem passado ao largo das frentes de resistência ao desmonte e descaracterização da educação brasileira, que também impõem retrocessos à política nacional de drogas e à educação para as drogas. O que passa ao largo, mais uma vez, é o modo como as drogas — substâncias com potencial para alterar as funções do Sistema Nervoso Central — e os regimes de psicoatividade — atividades sociais ordinárias, aceitas e legitimadas, coletivas ou individuais, com potencial para alterar o funcionamento do Sistema Nervoso Central — participam da vida em sociedade e, de forma estruturante, das estratégias neoliberais e conservadoras para domar as crises e ajustar a sociedade aos seus projetos.

Diante disto, a ilegalidade, aliada à moralidade vigente sobre as drogas, reforçada pelo novo conservadorismo, impede o debate de alcançar o mesmo patamar das demais pautas. Embora esta realidade não seja nova, ela compromete a compreensão de uma parte dos mecanismos de dominação a que estamos submetidos como sociedade, o que, no contexto atual, implica meio de conter as pautas progressistas, de depreciar e aniquilar pessoas, coletivos, comunidades e de ajustá-los por dispositivos variados que vão desde a ingerência da indústria farmacêutica e de setores da medicina à indústria cultural.

No conjunto de normativas educacionais que entraram em vigor recentemente, já citados, o debate sobre o tema das drogas foi reduzido à quase nulidade frente ao que tínhamos na vigência da LDB original, dos PCN e do Decreto n.º 4.345 (Brasil, 2002b), em que pese as limitações destas normas. O tema não foi extinto da educação escolar, ele passou reduzido da transversalidade à base curricular do conteúdo mínimo, sofrendo uma refração de sentidos, dada pela reformulada aderência ao tema da saúde. Ele sai do campo de possibilidades propostas nos projetos políticos pedagógicos das unidades escolares para a obrigatoriedade dos conteúdos no interior de alguns componentes curriculares, atravessado pela concepção geral de desempenho e aprendizagem da BNCC.

Soma-se a estas normativas o Decreto-lei 9.761 (Brasil, 2019c), Nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), e temos um conjunto de normas que trazem sérios retrocessos ao tratamento dado à temática não somente no campo educacional, mas também na saúde, na assistência, no jurídico. No campo educacional, a ambiência democrática para os debates e escolhas quanto a abordagem do tema pela instituição escolar estavam asseguradas na conjuntura anterior, promovida pelas normativas então vigentes, agora superadas. Isto não significa que o debate transcorresse largamente ou que os profissionais da educação a ele se dedicassem, significa que o espaço para discussão sobre o tema estava assegurado legal e democraticamente. A suspensão dos dispositivos legais que asseguravam tal ambiência democrática em favor de outra que silencia sobre o tema favorece abordar pequena parcela da questão de modo generalista, aderido às abordagens de evitação e punição.

A proposta deste estudo é analisar como as normativas educacionais recentes abordam o tema álcool, medicamentos, e outras drogas, e repercutem nas ações preventivo-educativas do campo educacional. Consideramos a importância de tais documentos por definirem formas de pensar, estimular práticas e comportamentos relativos à questão. Neste caminho, intencionamos operar discussão à luz dos questionamentos sobre as formas pedagógicas de abordagem ao tema até aqui havidas, o lugar da educação formal nestes debates e os modos como a legislação educacional atual se apropria da questão, considerando os sentidos e significados estabelecidos sobre o tema na cadeia de interação social (Bakhtin, 1988).

Percursos da educação sobre drogas — breves notas

A educação sobre drogas se configura desde o início como parte das políticas de saúde voltadas à prevenção e ao tratamento da dependência. Desde quando as drogas passaram a ser uma questão de saúde pública e não apenas um problema jurídico-criminal, as propostas de prevenção às drogas ganharam força. No Brasil, a chegada do tema na educação formal, atendendo ao alinhamento do país à política de “Guerra às Drogas” dos Estados Unidos, ocorre em 1971, pela Lei n.º 5.726 (Brasil, 1971a), regulamentada pelo Decreto n.º 69.845 (Brasil, 1971b) e pela Lei de Drogas n.º 6.368 (Brasil, 1976). A abordagem do tema nas escolas começa em componentes curriculares específicos (Educação Moral e Cívica, Ciências Físicas e Biológicas), mas não exclusivamente, estando o tema acessível aos professores dos demais componentes, assim como à coordenação e à direção escolares (Brasil, 1971b, s.p.).

Desde então, surgiram diferentes modelos educativos de prevenção que, em linhas gerais, se enquadram em duas grandes chaves de abordagens às drogas, quais sejam, a “guerra contra as drogas” e a “prevenção que convive com a diferença” (Carlini-Cotrim, 1998; Placco, 2011; Sodelli, 2013). A partir dos anos 1990, os debates sobre a educação para as drogas se intensificaram, trazendo novos olhares, questionamentos e possibilidades. Fazendo um retrospecto não sistemático dos trabalhos que marcaram aquela virada de milênio, quando as vozes sobre a falência da Guerra às Drogas ficaram mais altas e fortes, temos Júlio Groppa Aquin (1998) com seu trabalho “A escola e as novas demandas sociais: as drogas como tema transversal”, onde exalta o caráter “até certo ponto revolucionário” (Aquino, 1998, p. 98) dos PCN, ao colocar o tema entre os temas transversais da escola, na coletânea “Drogas nas escolas – alternativas teóricas e práticas”, organizada por ele. Na mesma coletânea, Beatriz Carlini-Cotrim problematiza o conceito de prevenção numa perspectiva histórica para chegar à caracterização do papel do Estado na proposta neoliberal dos Estados Unidos e Inglaterra daquele final de milênio:

Na proposta neoliberal, as políticas de proteção aos indivíduos vulneráveis social e economicamente vêm sendo extintas, a privatização de serviços estatais é crescente e a tônica da retórica política insiste em atribuir somente ao indivíduo a responsabilidade por seu próprio sucesso, abstraindo o papel do Estado de garantir direitos básicos e universais como saúde e educação. (Carlini-Cotrim, 1998, p. 24)

Em 2005, Miriam Abramovay e Mary Castro apresentaram resultados de pesquisa sobre drogas com estudantes de 14 capitais do Brasil. Esta versão resumida condensa trabalho maior, publicado em 2002, a partir da análise de vários indicadores. Os dados trouxeram um retrato importante do modo como o tema perpassa o cotidiano escolar e sobre como pensam e se comportam os jovens com relação à questão. As autoras defendem a escola como espaço legítimo para abordagem do tema, dada sua importância como locus de formação. Defendem não somente o tema como parte do projeto pedagógico das escolas como ainda a possibilidade de uma outra escola, capaz de proteger a comunidade e ressignificar a vida em sociedade a partir de uma nova abordagem às drogas. Em 2005, Acselrad caminha sua construção de uma educação para a autonomia, com base nos pressupostos de Paulo Freire, aprofundando a problematização do conceito de prevenção em suas “verdades e ilusões” (Acselrad, 2005, p. 187). Em 2013, Acselrad apresentou sua proposta de educação para autonomia com base em Paulo Freire. No começo dos anos 2010, a pedagogia de Paulo Freire norteava as propostas na educação para as drogas, como o modelo de redução de danos libertadora, defendidos por Sodelli (2011; 2013) e Moreira et al. (2015), entre outros.

Albertani (2011) lembra-nos dos pressupostos subjacentes às propostas pedagógicas, com proposições de formação humana distintas para cada modelo formativo. Em 2014, O Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de Juiz de Fora (CREPEIA/UFJF) reuniu, numa coletânea, estudos de professores e pesquisadores (Ronzani & Silveira, 2014), resultantes de projeto e curso para educadores a distância sobre prevenção ao uso de drogas, desenvolvido pela Universidade de Brasília (UnB). Com foco na prevenção, o trabalho problematiza o conceito e discute suas potencialidades e impasses, propondo caminhos à prática no âmbito da educação. Mais recentemente, Francisco Coelho (2019) se empenhou no desenvolvimento de uma abordagem pedagógica pela Redução de Danos (RD) em curso para professores da educação básica. Em comum, estes estudos trazem críticas às abordagens proibicionistas e perspectivas e possibilidades de adoção da RD em suas variações, no cotidiano do espaço escolar, dando ênfase aos aspectos contextuais dos usos de drogas, à valorização do professor como figura de autoridade para tratar do tema, e aos subsídios da saúde e dos direitos humanos no compartilhamento de conceitos-chave para a abordagem escolar, como prevenção, vulnerabilidade, cuidado e atenção, entre outros.

Estes trabalhos resultam de uma ambiência democrática, sustentada por um ordenamento legal favorável ao debate, ao aprofundamento das investigações sobre as dificuldades e problemas relativos ao tema na educação. No cenário atual, notamos orientação para tratar apenas uma pequena parte deste debate na escola em componentes curriculares específicos, exclusivamente, criando obstáculos formais ao tratamento do tema pelos demais componentes, o que dá mostras de como o país recrudesce na política proibicionista às drogas, indo na contramão do que faz o mundo neste momento. Inúmeros são os países que, por expedientes diversos, têm optado por caminhos alternativos à repressão, à punição e à guerra. Fatores econômicos — como a última grande crise do capital, em 2008 — e conhecimentos produzidos nas mais diversas áreas da ciência suscitaram reflexões e debates acerca dos encaminhamentos da política de proibição às drogas em seus territórios. Só nas Américas, Canadá, México, Argentina, Colômbia, Uruguai, Chile, Peru, Porto Rico, Equador, além de vários estados americanos, descriminalizaram recentemente o uso medicinal da Cannabis e mantêm discussões quanto às estratégias para regulamentar produção, distribuição, comercialização e consumo da substância. Tais políticas ensejam um debate social amplo, embora nada fácil, em cuja pauta postulam discussões sobre o sistema jurídico-penal, o acesso à saúde, à assistência e onde a educação para as drogas tem um papel a cumprir.

Mas se a ambiência antiproibicionista ganha fôlego em algumas regiões em razão das questões acima mencionadas, esta luta não é nova. No campo científico, o paradigma referente ao caráter biopsicossocial das drogas se conforma no contraponto à concepção de que as drogas, por si mesmas, são capazes de explicar a dependência, porque seus efeitos, invariavelmente maléficos, tornam vício todo e qualquer consumo. O marco para o aporte biopsicossocial do consumo de drogas são os trabalhos de Claude Olievenstein. Segundo o autor, a construção da sociedade ocidental foi fundamentada na razão do consumo como “escolha” do indivíduo (aspas nossas). Em sua análise da juventude parisiense usuária de drogas dos anos 1960, ele destaca as formas de um discurso que se configura pelo consumo de drogas, ato visto como sintoma das insatisfações com a sociedade de então. Naquela “revolução da droga” (Olievenstein, 1988, p. 7), o que se viu foi a associação do consumo de drogas com as transgressões e críticas ao establishment. O toxicômano era, por escolha própria, um sujeito à margem da sociedade, um transgressor, um marginal (Olievenstein, 1988), mas ao buscar compreender as questões que o conduziam àquela situação, o autor lançou mão de variadas questões. Com ele, o entendimento da toxicomania não se faz estreitando o foco a apenas um objeto. A compreensão do fenômeno passa a considerar além da droga, as questões pessoais dos usuários, os diferentes contextos e situações de uso. Ele entende o consumo de drogas como fenômeno social, tornando necessário considerar não apenas a droga em si, mas outros fatores que influenciam o consumo, como a subjetividade do indivíduo e o ambiente, formando a tríade sujeito-substância-ambiente social. Tais aportes foram decisivos à compreensão das complexidades dos fenômenos do consumo abusivo e da dependência.

A ambiência teórica dos anos 1970 deu lastro ao princípio da RD, nascida na saúde como estratégia para minimizar a disseminação de doenças infectocontagiosas, sobretudo AIDS e Hepatite. Neste quadro, o caráter preventivo ganha força ante as disposições curativas e se constitui numa abordagem terapêutico-educativa, hoje considerada a forma mais humanizada de abordar a questão. O caráter interdisciplinar da RD acentua o espaço das Ciências Humanas no estudo do tema. Estes saberes ampliaram o escopo das discussões no campo científico em sua interface com a vida social concreta, alteraram o percurso dos significados e sentidos sociais sobre o álcool, medicamentos e outras drogas em circulação e têm interferido nas políticas públicas, dando voz às demandas sociais que propõem formas mais dignas de lidar com essas questões na sociedade.

Cabe reconhecer a limitada participação da Pedagogia, Ciência da Educação, no debate sobre as drogas. Entendemos que ela se constitui no mais reticente campo das Ciências Humanas a dedicar atenção ao estudo dos problemas relacionados ao tema. Quando a Educação comparece nos debates, ela está capitaneada pela saúde, a partir de onde se constroem os fundamentos para a atenção básica e a prevenção às drogas. Trata-se de uma educação instrumental, relativa às técnicas, às metodologias, à gestão e à logística organizacionais. A Psicologia colabora de forma diferenciada com vasta produção sobre o tema. A destacar, a junção da tendência pedagógica libertadora com a RD, conforme já visto. Na educação escolar, as abordagens sobre drogas estão chanceladas como assunto da área da saúde e das ciências psis, a partir de onde se desenvolve interlocuções com projetos de vida, escolhas pessoais, responsabilidades pessoal e coletiva etc. Em que pese a amplitude de possibilidades da saúde e do espaço que ela ocupa na educação desde há muito, fora desta chave não se concebe escola e professores tratando o tema.

Os trabalhos de Adade (2012), Figueiredo (2017) e Hari (2018) apontam que a maior parte das iniciativas que abordam a problemática do uso e do abuso de drogas tem sido orientada pelo enfoque da proibição. Adade (2012) justifica que, supostamente, este fenômeno resulte do resquício da popularização do discurso repressivo, alimentado pelo imaginário popular de que o consumo de drogas induzia seus usuários à violência. Isto corrobora com a percepção de Hari (2018), que vê a macroinfluência da política repressiva estadunidense de Guerra às drogas.

Para estender a reflexão pedagógica à análise crítica dos currículos e conteúdos da educação escolar sobre drogas em circulação há algumas décadas, buscamos dois aspectos: 1 - problematizar seus enraizamentos, motivações e finalidades para compreender os processos operados na seleção destes saberes, assim como o papel que têm desempenhado as ciências que organizam e legitimam tais escolhas; 2 - analisar o papel interativo da educação escolar e não escolar no fluxo das interações pessoais, sociais, institucionais.

Metodologia

Tratamos de realizar um estudo qualitativo, apoiado em documentação oficial, examinando e traçando interlocuções entre cinco documentos oficiais, a saber: a Lei de Drogas n.º 11.343 (Brasil, 2006), o Decreto-lei 9.761 (Brasil, 2019c), os PCN sobre saúde, a BNCC e seus TCT, já mencionados. Embora tenhamos nos apoiado brevemente em apresentar as DCN e outros documentos legais nas seções anteriores, eles servirão apenas de parâmetros e não como objeto de análise do estudo.

Consideramos com Bakhtin (1988) os discursos normativos como uma manifestação específica da linguagem, organizada para cumprir função precisa de estabilizar sentidos e valores. Enquanto texto, propõem manter certa concepção ideológica através de seus enunciados. No entanto, os textos, como as falas, se inscrevem na cadeia de interação social comunicativa e como manifestação da linguagem, como composição da língua e seus signos, ele se constitui como prática social viva. Os seus sentidos não podem ser fixados, abstraídos das situações e contextos concretos de apropriação pelos participantes da sociedade. Na interação social verbal ou textual (o que importa aqui é o conteúdo do discurso e não sua forma), os participantes de uma situação concreta atualizam sentidos e significados à vida e à existência humanas. No ato de fala, prática social concreta, a realidade material dos falantes participa do jogo de forças que interfere na produção de sentidos da organização social, a base concreta da sociedade, suas classes, sua economia, estão dialeticamente imbricados à produção dos sentidos, ao sistema de valores, à moralidade, à ética. A este caráter ideológico do signo e do discurso cabe atualização na dinâmica da interação social comunicativa, na dimensão mutável que a constitui. A língua é viva e em seus falantes as refrações de sentidos não cessam — como também não cessam seus reflexos.

Nas próximas seções organizaremos os resultados dos estudos e análises documentais em dois momentos, a saber: a Educação sobre drogas nos debates legais atuais: mudança de paradigma na Legislação; e a BNCC e os TCT: onde está a Educação sobre drogas que estava aqui?

A Educação sobre drogas nos debates legais atuais: mudança de paradigma na Legislação

A Lei de Drogas n.º 11.343 (Brasil, 2006) vem substituir a Lei de drogas n.º 6.368 (Brasil, 1976), conhecida como a mais repressiva e punitiva das leis sobre a matéria já feita no Brasil, fruto da Ditadura Militar e profundamente ligada aos ditames daquela conjuntura. A lei substituta, n.º 11.343 (Brasil, 2006), emerge sob os auspícios da ambiência democrática que vivia o Brasil no início do milênio. Ganha ênfase a abordagem da Redução de Danos e as orientações preventivas na educação. Assim, no capítulo I, do título III, sobre a prevenção, em seu art. 19, sobre atividades de prevenção ao uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, temos:

X - o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino;

XI - a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas. (Brasil, 2006)

Enfatize-se a autorização legal para que os professores abordem o tema a partir de incentivo à formação continuada sobre o tema para os profissionais da educação. A criação de projetos escolares de prevenção ao uso indevido de drogas, incluindo a educação de jovens e adultos, estava na base das condições legais dadas aos profissionais da educação no manejo do tema álcool, drogas e medicamentos.

O Decreto n.º 9.761 (Brasil, 2019c) vem substituir o Decreto n.º 4.345 (Brasil, 2002b), que instituía a Política Nacional Antidrogas, conforme a designação da época. Este decreto põe fim à RD, substituída pela retomada de uma política exclusivamente proibicionista e abstinente, que tem como correlata a volta da internação involuntária das pessoas que sofrem com o uso problemáticos ou com a dependência:

2.8. As ações, os programas, os projetos, as atividades de atenção, o cuidado, a assistência, a prevenção, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a mútua ajuda, a reinserção social, os estudos, a pesquisa, a avaliação, as formações e as capacitações objetivarão que as pessoas mantenham-se abstinentes em relação ao uso de drogas. (Brasil, 2019c, s.p.)

No decreto descrito, a palavra internação não aparece. Em seu lugar, o termo “acolhimento” processa o eufemismo de uma proposta concatenada por uma lógica que expõe o caráter gradativo e abrangente das etapas sucessivas da política adotada: “prevenção, tratamento, acolhimento, recuperação, apoio e mútua ajuda, reinserção social” ou “a assistência, a prevenção, o cuidado, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a mútua ajuda, a reinserção social” (Brasil, 2019c, s.p.).

O atual decreto mantém a prevenção (no sentido da evitação) como ação preeminente, sendo este o eixo estruturante sobre o qual se desenvolvem as ações educativas, tomadas como parte disciplinar no conjunto das medidas preventivas. A expressão “educação preventiva” guarda a estreita extensão por onde se desdobra o sentido da educação aqui evocado, irremediavelmente dependente e submetido à lógica da evitação e do impedimento enquanto ações e princípios organizadores da saúde e como expressão de suas interferências, há muito naturalizadas, no campo educacional (Correia, 2019, p. 5).

É preocupante constar entre os objetivos da atual Política Nacional sobre Drogas:

3.14. Educar, informar, capacitar e formar pessoas, em todos os segmentos sociais, para a ação efetiva e eficaz nas reduções de oferta e demanda, com base em conhecimentos científicos validados e experiências bem-sucedidas, adequadas à realidade nacional, apoiando e fomentando serviços e instituições, públicas ou privadas atuantes na área da capacitação e educação continuada relacionadas ao uso, ao uso indevido e à dependência do tabaco e seus derivados, do álcool e de outras drogas. (Brasil, 2019c, s.p.)

Para compreender alguns dos endereçamentos da proposta exposta no excerto acima, vale observar a distinção entre “educar, informar, capacitar e formar” que, ao propor distinção entre as ações enumeradas, elimina sentidos correntes do ato de educar. Tendo que ter significado desigual às outras ações mencionadas, o signo educar vai conformando, ao longo do decreto, sentidos como instruir, ajustar, disciplinar. Outro endereçamento possível do excerto está na vinculação da educação continuada com os setores público ou privado, dando mostras do caráter neoliberal do Estado, não apenas no trânsito dos recursos públicos para o setor privado, no desmonte das políticas sociais estatais, mas na caracterização da educação como mercadoria.

Além da transferência das políticas sociais para o setor privado, financiado pelos recursos públicos, destaca-se a abordagem centralizada no indivíduo, para quem se dirigem as iniciativas de desestimular o uso, promover abstinência e conscientizar sobre os riscos do uso/abuso/dependência:

4.2.2. Dirigir ações de educação preventiva, inclusive em parcerias públicas ou com entidades privadas sem fins lucrativos, de forma continuada, com foco no indivíduo e em seu contexto sociocultural, a partir da visão holística do ser humano, e buscar de forma responsável e em conformidade com as especificidades de cada público-alvo:

a) desestimular seu uso inicial;

b) promover a abstinência; e

c) conscientizar e incentivar a diminuição dos riscos associados ao uso, ao uso indevido e à dependência de drogas lícitas e ilícitas. (Brasil, 2019c, s.p.)

As evidências científicas e o conhecimento técnico estão na base das informações e formações a serem realizadas, dando respaldo e lisura aos procedimentos legais, tomados como desinteressados e isentos. Esta concepção atravessa o documento, como se vê no item 5.2.1: “desenvolver e disponibilizar banco de dados, com informações científicas atualizadas, para subsidiar o planejamento e a avaliação das práticas […]”; sobre pesquisas e avaliações, no item 7.2.2: “incentivar e fomentar a realização de pesquisas básicas, epidemiológicas, qualitativas e de inovações tecnológicas […]” (Brasil, 2019c, s.p.).

O trecho a seguir traz outras questões para pensar os sentidos da educação sobre drogas no decreto em tela:

4.2.17. Propor a inclusão, na Educação básica, média e superior, de conteúdos relativos à prevenção do uso de drogas lícitas e ilícitas, com ênfase na promoção da vida, da saúde, na promoção de habilidades sociais e para a vida, formação e fortalecimento de vínculos, promoção dos fatores de proteção às drogas, conscientização e proteção contra os fatores de risco. (Brasil, 2019c, s.p.)

Destacamos a inclusão da questão como conteúdo regular de componentes curriculares específicos, deixando de estar atrelada transversalmente aos projetos políticos pedagógicos. Outro destaque refere-se aos sentidos do signo “promoção”, aqui relacionado à vida, à saúde, às habilidades sociais para a vida, aos fatores de proteção e conscientização. Vê-se aqui o desenho de uma proposta educativa que se efetiva por metodologias de modelagem que têm por base fundamentos construtivistas, como propõem as hoje chamadas metodologias ativas e seus fomentos comportamentalistas. Outro ponto importante é a relação que guarda o termo promoção com as questões do indivíduo e das escolhas que ele faz (Monteiro & Bizzo, 2015), apreendidas em expressões como “habilidades para a vida”, “fortalecimento de vínculos”, “conscientização e proteção” (Brasil, 2019c, s.p.). Há aqui certa compreensão processual da promoção da saúde, como se vê em “conscientização e proteção contra os fatores de risco” (Brasil, 2019b, s.p.). Esta construção, que oscila entre uma compreensão conservadora e progressista da saúde (Monteiro & Bizzo, 2015), é suplantada pelas sucessivas repetições, ao longo da normativa, do signo conscientização e suas variações (conscientizar, consciência), evidenciando um deslizamento no sentido de educação, mais alinhado à ideia de modelagem e ajustamento:

2.17. Reconhecer a necessidade de conscientização do indivíduo e da sociedade em relação aos fatores de risco, com ações efetivas de mitigação desses riscos, em nível individual e coletivo.

3.1. Conscientizar e proteger a sociedade brasileira dos prejuízos sociais, econômicos e de saúde pública representados pelo uso, pelo uso indevido e pela dependência de drogas lícitas e ilícitas.

3.2. Conscientizar o usuário e a sociedade de que o uso, o uso indevido e a dependência de drogas ilícitas financiam as organizações criminosas e suas atividades, que têm o narcotráfico como principal fonte de recursos financeiros. (Brasil, 2019c, s.p.)

No léxico político, o signo conscientizar cumpre função de promover processos de politização e construção das lutas contra-hegemônicas. Na norma, observa-se acepção doutrinadora e militante, filiada às causas proibicionistas como função educativa. No 6.2.1, por exemplo, consta: “conscientizar e estimular a colaboração espontânea e segura das pessoas e das instituições cujos órgãos sejam encarregados da prevenção e da repressão ao tráfico de drogas, garantido o anonimato” (Brasil, 2019c, s.p.). Nota-se um apelo a um “ativismo proibicionista” à maneira do panóptico, que faz eco às orientações governistas atuais, às manifestações públicas em defesa das pautas conservadoras e em busca da legitimidade do regime em nome da democracia. Na comparação entre os documentos, observamos que o Decreto 9.761 (Brasil, 2019c) é enfático no uso do signo “conscientização” como estratégia doutrinária, ao mesmo tempo, um reflexo do sentido da práxis que envolve o signo no léxico político e uma refração do campo político que o convoca.

Tanto os PCN (Brasil, 1998) quanto a Lei n.º 11.343 (Brasil, 2006) não legislam sobre a abordagem pedagógica a ser adotada pela educação, senão sobre a necessidade desta educação contemplar todos os níveis de ensino. Isto difere do decreto presidencial na medida em que os sentidos da educação são ali prescritivos, vinculados ao proibicionismo e a uma educação disciplinar e doutrinária, oferecida no interior de determinados componentes curriculares e não mais como tema que os atravessa a todos.

Comparando estas normativas, vemos que, do ano de 2006 a 2019, houve um retrocesso acerca da política de atenção, cuidado e, sobretudo, prevenção ao uso abusivo. Os conceitos de uso e abuso foram generalizados e adotados de forma imprecisa e impositiva, desconsiderando toda a dinâmica biopsicossocial da RD — um recrudescimento do ordenamento legal proibicionista, apoiado em pressupostos moralistas e drogacêntricos. Para Peroni et al. (2019), retrocedemos no entendimento mais holístico e democrático da vida e do ser humano, o que influencia na forma como a sociedade concebe a diversidade, a empatia e a alteridade, dispondo novas relações de convivência menos solidárias.

A BNCC e os TCT: onde está a Educação sobre Drogas que estava aqui?

Os PCN definiam seis eixos temáticos principais (Ver Quadro 1). Os debates acerca do álcool, medicamentos e outras drogas receberam importante destaque no eixo saúde do documento, dando ênfase às questões multifatoriais indispensáveis envolvidas nas situações de uso de abuso:

Deve-se considerar também que, nas últimas décadas, além dos temas tradicionalmente trabalhados sobre saúde e nutrição, as questões biopsicossociais adquiriram maior visibilidade, e a escola foi compelida — pelas circunstâncias e pelo reclamo da própria sociedade — a lidar com problemas emergentes, como a contaminação crescente do meio ambiente, a Aids, o consumo abusivo do álcool e outras drogas, a violência social e as diferentes formas de preconceito. E não há como lidar com esses temas por meio da mera informação ou da prescrição de regras de comportamento. (Brasil, 1998, p. 262)

Os PCN autorizavam os educadores a abordarem o tema em suas aulas. Afirmando que “o fenômeno moderno das drogas é produto da própria vida em sociedade, das rupturas nas relações afetivas e sociais e da desproteção de seus membros” (Brasil, 1998, p. 271), indicavam aos docentes considerarem os aspectos biopsicossociais dos estudantes. Para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, o documento procurava sensibilizar os docentes a incluírem a temática em seus planejamentos e desconstruírem a ideia de que apenas “informar” ou “prescrever comportamentos” garante melhor qualidade de vida.

Quadro 1 Eixos Temáticos PCN e BNCC 

Fonte: os autores.

Os TCT, por outro lado, também se estruturam a partir de seis eixos temáticos (Quadro 1). Entretanto, é um documento sem a profundidade teórico-argumentativa e metodológica que marca os PCN. Comparando as alterações dos eixos temáticos, observa-se o esvaziamento da formação crítico-política, flagrante na associação da cidadania ao civismo e na exclusão da ética. Suas 20 páginas têm por finalidade destituir os PCN.

A adição do termo “contemporâneo” aos “temas Transversais” cumpre função simbólica de apresentar o documento como renovado, ainda que seus eixos retomem a função político-ideológica doutrinária da educação do período do Regime Militar, particularmente com o tema civismo, ao mesmo tempo que adere às premissas neoliberais do Consenso de Washington. Ao contrário dos temas dos PCN, os TCT da BNCC passam a ser obrigatórios:

[…] diferentemente dos PCNs, em que os Temas Transversais não eram tidos como obrigatórios, na BNCC eles passaram a ser uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação dos currículos e propostas pedagógicas, ampliados como Temas Contemporâneos Transversais, pois, conforme a BNCC (BRASIL, 2017), são considerados como um conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças, jovens e adultos têm direito. (Brasil, 2019a, p. 11)

A BNCC e seus TCT praticamente excluem o tema álcool e outras drogas. Exceção única aparece no componente curricular Ciências para o 6º ano, conforme se vê no Quadro 2:

Quadro 2 Tema medicamentos e psicoativos nas Ciências – 6º ANO (BNCC) 

Fonte: os autores.

Os medicamentos comparecem na BNCC com outras referências e significados. No 2º ano eles estão associados à prevenção de acidentes domésticos, junto com inflamáveis e eletricidade; no 4º ano eles são elencados entre as substâncias onde proliferam microrganismos, como alimentos e combustíveis; no 8º e 9º anos são trazidos pelo componente curricular Educação Física para problematizar seus usos para transformação/potencialização do corpo; e, como mostra o Quadro 2, no 6º ano são usados para pensar questões ambientais e desenvolvimento científico e tecnológico (Brasil, 2018). Além de menção direta nos conteúdos, o texto da BNCC sugere que os medicamentos devam ser compreendidos “além da ideia de que […] são substâncias sintéticas que atuam no funcionamento do organismo” (Brasil, 2018, p. 281), relacionando-os à sustentabilidade, ao meio ambiente e às tecnologias, dentro do que chama de compreensão abrangente de saúde. A lógica do mercado prevalece, circunscrevendo o tema no campo de significação relativo à reestruturação global do capital, desconsiderando suas funções no SNC. Este exclusivismo das Ciências da Natureza, no interior do tema vida e evolução, dá continuidade ao conteúdo tradicional da temática na educação, centrado na classificação das drogas, nos seus efeitos e danos no organismo e não nas ancoragens sociais, nos saberes cotidianos e nas experiências de vida dos jovens, que, por vezes, são banhadas em vivências redutoras de danos.

No contexto de uma normativa orientada a dar ênfase ao indivíduo — seu protagonismo, empreendedorismo, capacidade de administrar problemas, desenvolver projeto de vida etc. —, em detrimento das responsabilidades do Estado e da sociedade, o enfoque das substâncias psicoativas se faz aliada da responsabilização dos indivíduos por suas escolhas e pelas consequências destas. Ao descartar as influências sociais do meio, todo o entendimento social sobre as práticas de uso, abuso e experiências culturais sucumbem diante das pautas conservadoras na defesa da família, da moral e das liberdades individuais (Peroni et al., 2019).

No novo ordenamento legal, o debate sobre o tema das drogas foi reduzido a quase nulidade frente ao que tínhamos na vigência da LDB original, dos PCN e do Decreto n.º 4.345 (Brasil, 2002b), em que pese as limitações destas normas. O tema não foi extinto da educação escolar, ele passou da transversalidade à base curricular do conteúdo mínimo, reduzido e sofrendo refrações de sentidos. Ele saiu do campo de possibilidades dos projetos políticos pedagógicos das escolas para a obrigatoriedade dos conteúdos dos componentes curriculares, atravessado pela concepção geral de desempenho e aprendizagem da BNCC.

Consideração finais

Observamos os impactos do novo ordenamento legal da educação, enfatizando seu caráter hierárquico, excludente, retrógrado, privatista e mercantil das normativas. Nas demandas e movimentos de resistência às normas impostas à educação não encontramos falas relativas à temática álcool, medicamentos e outras drogas.

Com o recrudescimento das forças conservadoras na sociedade brasileira, pari passu ao crescimento da extrema-direita mundial, ganham fôlego o proibicionismo, as práticas de extermínio, a internação compulsória, processos de estigmatização e exclusão social de usuários na contramão do que ocorre no mundo. A transformação da questão em tópico do conteúdo obrigatório, enclausurado no interior de componentes curriculares específicos, minorando suas funções psicoativas e excluindo a RD como enfoque pedagógico norteador das práticas educativas, deixa a comunidade escolar (e a sociedade) à mercê dos mercados, do comércio legal/ilegal das drogas, enquanto grassam a medicalização e os regimes de psicoatividade.

Embora a Lei n.º 11.343 (Brasil, 2006) e os PCN sobre saúde (Brasil, 1998) não legislem sobre a abordagem pedagógica a ser adotada na educação, eles ensejam mais liberdade ao campo educativo para pensar práticas preventivas mais reais, menos repressoras, estimulando todos os níveis de ensino para tal. O retrocesso que o Decreto n.º 9.761 (Brasil, 2019c) trouxe para um entendimento mais biopsicossocial dos indivíduos, depreciando toda a política de saúde e assistência que o Brasil fortaleceu e desenvolveu ao longo das últimas décadas de práticas redutoras de danos, impacta na educação, pois, os sentidos da educação são ali prescritivos, vinculados ao proibicionismo e a uma educação das competências e habilidades individuais. O novo ordenamento educacional, embora não proíba a abordagem sobre drogas, não estimula uma abordagem mais dialógica e que converse com as Ciências Humanas e Sociais, enclausurando o debate sobre drogas no âmbito das Ciências Naturais com abordagem psicomédica, o que a perspectiva pedagógica da RD buscou desnaturalizar nestas últimas décadas.

O estudo em questão teve seu cerne em uma análise documental de leis e normativas discutidas à luz da literatura de Ensino/Educação vigentes. Trouxemos aportes teóricos que podem auxiliar na análise de outras fontes documentais, considerando a importância da escola laica e redutora de danos e o melhoramento da convivência social entre as pessoas. E, embora tais interlocuções documentais nos tragam um cenário que justifica possíveis alastramentos de práticas adestradoras e moralistas sobre drogas, oferecemos um pequeno recorte para discutir o âmbito da legalidade e de seus impactos nas práticas preventivo-educativas.

Se a educação formal não se posiciona, isto não quer dizer que processos educativos relacionados ao tema não estejam em curso, grassando pela sociedade (incluindo os espaços escolares) e à luz dos interesses e da lógica hegemônica. Se a Pedagogia não tomar para si a investigação e o conhecimento destes processos e, no limite, não exercer seu papel de negociar as bases, os termos e as terminalidades da educação para as drogas em um mundo onde as substâncias psicoativas, legais ou ilegais, são constitutivas da arquitetura da sociedade do desempenho, parte necessária à aquisição e manutenção de competências e habilidades (tais como resiliência, protagonismo, autonomia, responsabilidade, projeto de vida, entre outros), elas não só continuarão existindo, como se alastrando a serviço da lógica do capital e de seu projeto ultraliberal. O perigo da negação e do apagamento do debate sobre o tema das drogas no campo da educação, colocando em risco as gerações mais novas e as próximas, está posto.

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Recebido: 02 de Março de 2022; Aceito: 02 de Junho de 2022

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