Introdução
A pandemia provocada pela doença causada pelo novo coronavírus (covid-19) afetou todos os setores da sociedade. Apesar dos avanços científicos, da ampliação da produção e do compartilhamento do conhecimento, sentimos que ainda há situações em que o domínio da natureza, desejo da ciência moderna, escapa das nossas mãos. A covid-19 fez a humanidade recolher-se, não só em seus domicílios, mas também na tomada de consciência da fragilidade da espécie humana. Por outro lado, as dificuldades que emergiram potencializaram atitudes de cooperação e de solidariedade, como a união de esforços na busca pela vacina e na ajuda às classes sociais economicamente desfavorecidas e a pessoas com a saúde debilitada.
As medidas de cuidados para evitar a propagação do vírus, recomendadas pela World Health Organization (WHO, 2020), acarretaram o distanciamento físico/social e, consequentemente, a impossibilidade de as escolas manterem suas atividades presenciais. Na Educação Básica, em todas as etapas e níveis de ensino, as aulas presenciais foram canceladas. As escolas foram desafiadas a ensinar remotamente e a criar formas de ensino não presenciais. Nesse sentido, ações colaborativas (Terra, 2004; Godoi et al., 2020) têm fortalecido o coletivo docente, frente às dificuldades do cotidiano escolar, o que nos provoca a olhar para o saber construído no período da pandemia e para as estratégias adotadas nas escolas, para dar continuidade às aulas.
Uma dessas estratégias a que se recorreu foi a busca de apoio nas tecnologias digitais. Sibilia (2012) tem destacado o fato de elas estarem incorporadas à vida dos alunos, nativos digitais, e questiona como a escola tem discutido seu papel na sociedade atual. A autora salienta que, na sociedade da informação, é preciso rever a escola como projeto da modernidade, disciplinadora de corpos, e olhar para as novas subjetividades que se constituem, mas, atentos à velocidade e à intensidade dos fluxos que conspiram contra a produção e a coagulação de significados.
Contudo, a autora acima não poderia vislumbrar uma pandemia na qual o ensino presencial seria impossibilitado. Nesse contexto, mesmo os mais resistentes às tecnologias digitais tiveram que revisar suas concepções. O uso das tecnologias digitais e de dispositivos móveis como o celular foram alternativas para a continuidade do ensino. As práticas pedagógicas desenvolvidas durante o período pandêmico no Rio Grande do Sul (RS), Brasil, Estado onde a presente pesquisa foi realizada, foram denominadas de ensino remoto emergencial (ERE). Esse termo, de acordo com Santana e Sales (2020, p. 81), não era contemplado na legislação brasileira vigente como tipologia ou modalidade de ensino, mas passou a ser utilizado na “tentativa de nomear as ações pedagógicas criadas para atender às regulamentações emergenciais emitidas pelos órgãos públicos no que se refere à educação escolar em tempos de pandemia”.
A Educação Física (EF), componente curricular que tem sua especificidade no movimentar-se, também teve que reinventar-se e aderir ao ensino remoto. Santos et al. (2021), ao realizarem um diagnóstico no RS quanto à forma como os professores desenvolveram as suas aulas no período da pandemia, constataram que foram realizadas atividades teóricas e práticas. No Ensino Fundamental, o principal suporte pedagógico foi o material impresso e, no Ensino Médio, o ambiente virtual de aprendizagem. A mediação, em ambos os níveis de ensino, ocorreu através do aplicativo WhatsApp. A principal dificuldade relatada foi a falta de acesso à Internet pelos alunos.
Evidencia-se também que, na EF, nas aulas remotas, o trabalho de troca, de aprendizagens coletivas foi substituído por atividades individuais. “A espontaneidade do contato docente e discente foi substituída pela edição de vídeos. A voz do professor, pela leitura solitária dos textos” (Machado et al. 2020, pp. 12-13). Assim, o ensino da EF, que se dá pela interação com o outro, foi fragilizado no ERE.
Em relação aos alunos, Silva e Silva (2022) trazem que a pandemia ocasionou a diminuição da prática de exercícios físicos. As condições físicas e materiais para realizar as aulas de EF em casa não eram adequadas, por causa da falta de estrutura no ambiente domiciliar. Quanto aos aspectos psicológicos e sociais, a virtualização do ensino afetou as interações sociais. O distanciamento social ocasionou inseguranças, sobrecarga de trabalho, ansiedade, sedentarismo e aumento da desigualdade educacional e social.
Nesse contexto, em que o ensino da EF passou a ser remoto e, predominantemente, mediado pelas tecnologias digitais, essa pesquisa[4] analisou percepções de docentes e gestores sobre o processo de continuidade do ensino da Educação Física Escolar (EFE), no período de pandemia causada pelo novo coronavírus e de retorno à presencialidade. O estudo delimita-se ao componente EF nos Anos Finais do Ensino Fundamental. A opção pelo componente EF deve-se ao fato de a experimentação corporal ser a base para a construção de aprendizagens (Hildebrandt-Stramann, 2009), fundamento que foi afetado com as medidas de isolamento social. Por isso, nos indagamos: Como as aulas de EF foram desenvolvidas? Os professores utilizaram tecnologias digitais nas aulas? Se, sim, quais? Que uso fizeram delas? E, nesse momento de retorno à presencialidade, quais aspectos os professores percebem que precisam ser retomados ou que não foram contemplados satisfatoriamente no ERE?
Entendemos que, no tocante ao ERE, a pretensão de compreender como se deu o movimento de continuidade das aulas de EF e de conhecer práticas pedagógicas experimentadas possibilita pensar sobre a escola que queremos construir no retorno à presencialidade e olhar para a especificidade da EF, rever ou reforçar o seu lugar na formação dos alunos.
Procedimentos Metodológicos
Esta pesquisa é qualitativa, que, conforme Bogdan e Biklen (1994, p. 13), “[…] envolve a detenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”. Essa abordagem de pesquisa possibilita ao investigador a descrição do fenômeno tal como ele se apresenta em toda a sua complexidade e em seu contexto natural, no caso desta pesquisa, na escola.
O lócus do estudo foi uma rede municipal de ensino do Vale do Taquari, RS, Brasil. A rede é constituída de 13 escolas, onde atuam oito professores de EF, nos Anos Finais do Ensino Fundamental. A pesquisa ocorreu em duas escolas, definidas a partir de diálogo dos pesquisadores com a Secretaria de Educação do município, tendo como critérios de escolha, a necessidade de os professores de EF terem atuado em 2020 e se manterem em 2021 nas funções, bem como disponibilidade e interesse em participar da pesquisa. Foram excluídos da investigação professores de EF que não atuaram com os Anos Finais do Ensino Fundamental em 2020 ou 2021 e gestores que não exerceram a função administrativa desde o início da pandemia. Dessa forma, habilitaram-se oito participantes: a direção e a coordenação pedagógica de cada escola e quatro professores de EF dos Anos Finais do Ensino Fundamental, dois de cada escola. Todos aderiram voluntariamente à pesquisa.
A coleta de informações ocorreu através de entrevistas semiestruturadas (Bogdan & Biklen, 1994), desenvolvidas de forma presencial, com agendamento prévio, em sala reservada na escola. As questões norteadoras relacionaram-se aos objetivos do estudo, tais como: alternativas didático-pedagógicas a partir do impedimento de aulas presenciais; uso de tecnologias digitais; tomada de decisões no contexto escolar, frente ao ERE; a forma como ocorreram as aulas de EF; os primeiros movimentos de retorno à presencialidade. As entrevistas ocorreram no mês de junho de 2021, período em que as escolas estavam retornando às aulas presenciais de forma escalonada, ou seja, metade de cada turma vinha para a aula presencial e a outra metade permanecia em casa, realizando atividades impressas disponibilizadas pelos professores. As entrevistas foram gravadas, transcritas e encaminhadas para o e-mail de cada uma das escolas, que disponibilizaram o texto para os entrevistados revisarem, ratificarem ou fazerem algum ajuste que julgassem necessário. Após esses trâmites, as informações foram utilizadas na pesquisa.
Quanto à análise das informações, optou-se pela análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2016), que é um processo de desconstrução e reconstrução de novos textos a partir da interpretação de enunciados discursivos, com o objetivo de atingir uma compreensão mais elaborada dos discursos no interior dos quais foram produzidos. O material submetido à análise (corpus) foram as entrevistas realizadas com os professores e gestores. A partir da análise textual, foram identificadas unidades de análise relacionadas aos objetivos da pesquisa, das quais emergiram três categorias, sendo elas: desafios, incertezas e primeiros movimentos, frente à pandemia; aprendendo no peito, na raça e na coletividade; retorno à presencialidade: a importância da EFE.
Quanto aos cuidados éticos, a pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética. Contudo, todos os cuidados para preservar a confidencialidade das informações foram tomados, bem como foram esclarecidos os possíveis riscos, desconfortos e benefícios. A Secretaria de Educação do município autorizou o estudo mediante a assinatura da Carta de Anuência. Os membros da equipe diretiva e professores de EF autorizaram o uso das informações mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na divulgação dos resultados, os nomes das escolas, dos membros da equipe diretiva e dos professores não são divulgados. Utilizamos os seguintes termos para nomeá-los: direção da escola A; coordenação pedagógica da escola A; direção da escola B; coordenação pedagógica da escola B; professor 1 e professor 2, para os que atuam na escola A; professor 3 e professor 4, para os que atuam na escola B.
Desafios, incertezas e primeiros movimentos, frente à pandemia
A pandemia da covid-19 surpreendeu todo o mundo e não foi diferente no contexto escolar. Incertezas, medo, dúvidas acerca do que fazer foram os primeiros sentimentos. Não se tinha ideia da dimensão, nem previsão de quanto tempo ela poderia durar. Por essa razão, a direção da escola A menciona que as aulas foram suspensas no dia 19 de março de 2020 e, até 23 de abril, a escola ficou aguardando para ver o que aconteceria. Contudo, “[…] ninguém esperava que ficasse tanto tempo sem aula presencial, sem o retorno dos alunos”. A coordenação pedagógica da escola B acrescenta que foi “tudo muito assustador e não se sabia, pensou-se que ficando 15 dias se retornaria”.
O grande desafio apontado pelas equipes diretivas foi pensar numa forma de ensino que não seria mais presencial, que não ocorreria na escola enquanto local de aprendizagem, de trocas, “[…] não era mais o físico, não eram mais as quatro paredes […] isso envolveu semanas, assim, até o município conseguir se organizar dentro de um sistema para retornar aos poucos às aulas no ensino remoto” (coordenação pedagógica, escola A).
Sibilia (2012), antecipadamente, na obra Redes ou Paredes, discute a escola frente ao avanço das tecnologias digitais, destacando que as paredes escolares já estavam sendo corroídas há mais tempo, desde a exploração da imagem pela televisão. Dessa forma, ela ressalta que a escola precisa redefinir o seu papel na sociedade da informação, olhar para a presença das tecnologias digitais na vida dos alunos, não apenas como elementos de dispersão, mas ensiná-los a aprender, a partir do acesso às informações disponíveis em rede. Nesse sentido, entendemos que, se esse processo estivesse acontecendo, as escolas do estudo não sentiriam a brusca migração do ensino presencial para o remoto.
À medida que se percebia que a pandemia continuaria e junto com ela as restrições ao ensino presencial, inicia-se o processo de estruturação de uma proposta de continuidade das aulas, porém, com algumas dificuldades. “A Administração Municipal, junto com a Secretaria de Educação, começaram a pensar num modelo para voltarmos a ter aula de uma forma ou de outra […] encontros virtuais, aulas on-line […] famílias que não têm acesso à Internet” (direção, escola A). A realidade das famílias em relação ao acesso à Internet é apontada como um entrave que mereceu a atenção das escolas:
É, a gente se deparou, assim, com famílias com Internet, com condições tranquilas de acompanhar as aulas on-line, outras sem Internet, outras, assim, 85% das nossas famílias só tinham um celular em casa, daí tinha família com dois, três filhos […]. (direção, escola A)
Outrossim, também se “deparou com situações que o professor nem tinha notebook […] Então, assim, foram um monte de impasses, né, a gente teve que se adaptar” (direção, escola A).
A pandemia, de acordo com Cunha et al. (2020), desvelou a realidade brasileira, mostrando um país altamente desigual, com graves problemas a serem enfrentados, como a erradicação do analfabetismo e/ou a elevação do nível de escolaridade da população brasileira, a melhoria no processo formativo do professor da Educação Básica e a diminuição da pobreza. Além disso, não podemos deixar de destacar que as disparidades de condições de acesso às tecnologias digitais, em tempos de pandemia, dificultam aos estudantes, a participação às aulas e, consequentemente, o acesso ao conhecimento. Godoi et al. (2020, p. 99) também mencionam que a precariedade de condições para o uso da tecnologia e a conectividade com a Internet “podem gerar ainda mais desigualdade em termos de desempenho escolar entre alunos de escolas particulares e de escolas públicas, ou mesmo entre alunos de escolas públicas que têm acesso às TDICs e aqueles que não têm”.
Contudo, o uso das tecnologias digitais foi o caminho escolhido. As escolas optaram pelos recursos do Google for Education, principalmente o Google Classroom, como ambiente virtual de aprendizagem e, gradativamente, foi incorporando Meets virtuais. E, […] às famílias que não tinham acesso à Internet, eram oferecidas atividades impressas” (direção, escola A). A opção por tecnologias digitais ocorreu em todas as áreas de conhecimento, não sendo diferente em outros Estados brasileiros. Por outro lado, o tipo de tecnologia digital utilizada difere. Por exemplo, na região Norte do Brasil, diferente do presente estudo, o uso do WhatsApp foi a alternativa possível para a continuidade do ensino, conforme foi constatado por Negrão e Neuenfeldt (2022), que investigaram como ocorreram as aulas do primeiro ano do Ensino Fundamental, numa Escola Pública Municipal em Santana, no Amapá.
Questionados a respeito do uso do aplicativo WhatsApp, os professores informaram que não o utilizaram. Somente a equipe diretiva o utilizou como recurso para contatar as famílias, a fim de evitar sobrecarga de atividades para o professor:
A gente decidiu aqui só pela direção usar, porque o professor, ele tem muitas turmas e ele tem que dar conta do Classroom, do planejamento coletivo, mais daquele aluno que tá no remoto, que tá entregando as atividades, então o WhatsApp é mais a direção que tem contato com as famílias e, se o professor precisa, a direção encaminha um recado então para as famílias. (coordenação, escola A)
Moran et al. (2013) ressaltam que, na última década, potencializou-se o uso das tecnologias digitais, tais como os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), a exemplo do Moodle, e as tecnologias abertas, como os blogs, podcasts, wikis…, no ensino, seja na Educação a Distância (EaD) ou em modelos híbridos, que mesclam o presencial e EaD. Porém, na Educação Básica, foi durante a pandemia que o uso das tecnologias digitais se acentuou, pois foi a alternativa escolhida e recomendada para manter uma relação mais próxima com os alunos, bem como para proteger-se do risco iminente de contágio do coronavírus, através da interação física com outras pessoas.
Direção, professores, alunos e familiares mantiveram-se conectados, predominantemente, através das tecnologias digitais, o que demandou a formação da equipe diretiva e dos professores, proporcionada pela Secretaria de Educação, como menciona a direção da escola A:
A gente teve que dar apoio às famílias, para tudo, para eles era, assim, sinceramente, assim, isso era grego, né […] Logar, ter um e-mail, então, sabe, todo aquele trabalho, assim, de criar e-mails, para todos os alunos, até que chegava até as famílias.
A coordenação pedagógica dessa escola reforça a necessidade permanente de a escola auxiliar as famílias em relação ao acesso aos ambientes virtuais: “Tem algumas famílias agora [2021] ainda pedindo: ‘qual é o e-mail do meu filho’; né, que a gente tá há um ano, né, trabalhando com […]” (coordenação pedagógica, escola A).
Barros e Vieira (2021) comentam que as escolas tiveram que reinventar seus métodos de ensinar, aderindo integralmente aos meios digitais, o que, para muitos, além de envolver questões de aprendizagem, trouxe empecilhos emocionais. Houve a necessidade de pais e professores disporem e acessarem as plataformas digitais, para que os filhos e alunos acompanhassem as aulas e realizassem as atividades propostas.
Ainda, no tocante à forma como a escola se movimentou com relação às restrições da pandemia, a rede de ensino investigada fez planejamentos coletivos por área de conhecimento, compartilhando o planejamento das aulas e as experiências vividas pelos professores nas práticas pedagógicas. Na próxima categoria, aborda-se a forma como ocorreu o desenvolvimento das aulas de EF.
Aprendendo no peito, na raça e na coletividade
A crise provocada pela pandemia, num primeiro momento, assustou, uma vez que a sensação era de estarmos de mãos atadas frente a algo para o que não se vislumbrava uma solução a curto prazo. Santos (2020, p. 1) menciona que, “no sentido etimológico, a crise é, por natureza, excepcional e passageira e constitui a oportunidade para ser superada e dar origem a um melhor estado de coisas”. Não entendemos que a pandemia seja um fato positivo; contudo, há de se olhar para o contexto escolar no sentido de perceber o que foi construído em cada escola para dar continuidade ao ensino.
O uso das tecnologias digitais no contexto educacional brasileiro, tais como AVA, já tem uma caminhada na educação brasileira, mas é a realidade do Ensino Superior, a partir da crescente expansão do Ensino a Distância. Na Educação Básica, o ensino é presencial. As tecnologias digitais vêm sendo experimentadas, mas ainda são vistas com certo preconceito pelo fato de “dispersarem” os alunos da aula, conforme menciona Sibilia (2012).
Todavia, quando foram suspensas as aulas presenciais em função da pandemia, passou-se a ter um outro olhar para as tecnologias digitais, que não faziam parte da rotina pedagógica dos professores de EF, uma vez que esse componente trabalha com práticas corporais e prima pela experimentação corporal. Quanto à presença do uso das tecnologias digitais na formação inicial, o professor 1 menciona: “não lembro de ter tido na graduação alguma aula que me mostrasse caminhos ou que trabalhasse a questão da tecnologia dentro da EF, não lembro”.
Assim, quando as escolas optaram pela adoção do Classroom, foi necessária uma formação continuada, promovida pela Secretaria de Educação, para os professores aprenderem a “como usar a plataforma, porque era tudo novo, pelo menos para a grande maioria. Então, o maior auxílio que recebemos foi como utilizar essa ferramenta para as aulas” (professor 1). Porém, o professor 4 pondera que ainda foi necessário buscar conhecimentos por conta própria, experimentar as tecnologias: “muita coisa a gente teve que ir atrás, na raça, no peito, a gente foi se ligando, vai procurando, procurando vídeos no Google, vai fazendo, ‘mas como eu faço isso?’ A gente virou youtuber, tinha que gravar vídeo…”, “na cara e na coragem”, reforça o professor 3. Gradativamente, em razão de os professores sentirem falta de estarem mais próximos dos alunos, encontros virtuais síncronos pelo Google Meet foram incorporados, mas eles ocorriam “duas vezes no máximo, por mês, conforme a turma” (professor 2).
Cabe destacar nas falas dos professores as expressões na raça, no peito, na cara e na coragem, pois expressam o enfrentamento das condições adversas ao ensino, no tocante à EFE, entre elas, a formação inicial, que não contemplou o uso de tecnologias digitais nas aulas e a necessidade de apropriar-se delas, além de ser um componente curricular, cujo objetivo, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é tematizar as práticas corporais da cultura corporal do movimento, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais, no decorrer da história (Brasil, 2017).
Pesquisa realizada por Godoi et al. (2020), com professores de EF, sobre o tema ERE, também evidenciou como desafios ter que lidar com sentimentos de medo, angústia, ansiedade e a necessidade de superar-se em relação à nova forma de ensino, bem como a adaptação às aulas on-line, o domínio das ferramentas tecnológicas para o ensino e a dificuldade em encontrar atividades adequadas para o ensino remoto.
Na presente investigação, em cenário muito similar ao apontado pelos autores acima, os professores de EF foram resilientes. A resiliência, conforme Antunes (2003, p. 13):
[…] representa a capacidade de resistência a condições duríssimas e persistentes e, dessa forma, diz respeito à capacidade de pessoas, grupos ou comunidades não só de resistirem às adversidades, mas também utilizá-las em seus processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social.
Quanto ao uso dos recursos, semanalmente, eram enviadas atividades através da plataforma do Classroom, as quais os alunos realizavam em casa e as postavam semanalmente, sendo a postagem feita “através de fotos, pequenos vídeos, ou, se era uma atividade mais descritiva, às vezes, eles encaminhavam também, ou faziam e nos entregavam depois, no retorno” (professor 2). As unidades temáticas eram definidas no planejamento coletivo e seguiam a BNCC (brincadeiras e jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas e esportes de aventura). Quanto à metodologia, de acordo com os professores, por exemplo, eram encaminhados textos com informações sobre determinada prática corporal e uma proposta de vivência, que poderia ser a experimentação ou um desafio corporal que envolvesse alguma habilidade, tal como equilíbrio, coordenação motora, buscando incentivar a adesão dos alunos por meio de frases motivadoras, tais como: Vamos ver quem consegue fazer?
O uso de imagens e de vídeos foi uma estratégia didático-pedagógica para suprir a falta da demonstração corporal que ocorre na presencialidade, bem como para compensar a necessidade de explicação das atividades:
O que eu achei mais difícil era tudo que eu falo, a gente fala muito na EF, eu tinha que transpor para o papel. Era muito difícil, em uma brincadeira eu explicar, um toque no vôlei eu vou lá e demonstro, explico, então eu tinha que descrever passo a passo, e daí a gente procurava vídeos e adaptações. (professor 4)
As adaptações a que o professor acima se refere dizem respeito aos espaços e materiais que os estudantes tinham em casa, conforme eles mencionavam: “‘Ah, mas eu não tenho bola, profe!’ Então a gente vai ter que ver com balão, almofada, tudo a gente teve que ir adaptando” (professor 4). O professor 3 acrescenta que os alunos relatavam dificuldades como: “profe, esse eu não consigo fazer porque não tem espaço”, “esse eu não consigo fazer porque não tenho esse material”. Então, a orientação era usar outro material ou espaço, isto é, usar o que tinham disponível em casa.
Apesar das dificuldades, os professores demonstraram autoria e autonomia na prática pedagógica, fazendo as adaptações necessárias para que os alunos conseguissem realizar as atividades propostas. Entende-se que o professor de EF deve ser um sujeito capaz de “[…] (re)construir, reinventar sua prática com referência em ações/experiências e em reflexões/teorias” (Caparroz & Bracht, 2007, p. 27).
Quanto ao encaminhamento de atividades conceituais, tais como pesquisas sobre algum tema, os professores relataram que “algumas coisas foram feitas, sim. Mas, não foi para frente […] a gente podia botar ‘pesquisem lá as regras do handebol’, mas a gente via que eles iam lá, olhavam duas, três regras e deu, sabe, cansavam […]” (professor 3). Além disso, “na pesquisa é o copiar e colar, porque eles já estavam ali naquela parte virtual… a gente preferiu dar um resumo e perguntar alguma coisa que demonstrasse o que aprenderam do que eles fizeram. Aqui na nossa frente é diferente” (professor 4).
Referente aos relatos, Sibilia (2012) discute as novas subjetividades das crianças atuais, que crescem num contexto no qual predomina o valor das imagens. Ela destaca que escrever um texto é uma atividade solitária e não faz mais sentido para as crianças da atualidade, pois o tempo delas é da exploração da imagem, da exposição ao público, da exploração da potencialidade dos recursos digitais. Por essa razão, a opção dos professores em solicitar fotos e vídeos em vez de um texto escrito vai ao encontro do perfil do aluno atual, que prefere a linguagem visual, que faz mais sentido para ele.
Constatou-se também que o planejamento coletivo desempenhou um papel extremamente importante para apoiar o professor de EF, na retomada e na continuidade das aulas. Questões do tipo “o que” e “como fazer”, que estão na base da didática, voltam a ter lugar de destaque. Nesse sentido, como nos dizem Caparroz e Bracht (2007, p. 30), “[…] falar no tempo e lugar de uma didática da Educação Física passa a ter sentido quando o professor se percebe como sujeito autônomo e com autoridade para desenvolver sua prática pedagógica, que é fruto da sua autoria docente”. Acrescentamos à fala dos autores, uma autoria docente sustentada em decisões coletivas.
Nas escolas do estudo, de acordo com os professores, eram feitos três planejamentos, um até o 2º ano, um do 3º ao 5º ano e um do 6º ao 9º ano. O planejamento partia de algum professor e, na sequência, era compartilhado com os demais colegas para análise, discussão e complementação, conforme se constata na fala do professor 2: “[…] sempre que era necessário alterar, modificar, acrescentar alguma coisa, todos estavam livres para poder complementar esse planejamento que ia então para todas as escolas do município” (professor 2). O professor 1 acrescenta:
[…] nós fazíamos dessa forma, discutíamos “vamos fazer tal coisa”, “vamos”. Daí eu montava o planejamento, mandava para os meus colegas e eles comentavam, acrescentavam, se queriam modificar e daí era enviado esse planejamento, mas era assim, discutido em grupo. (professor 1)
Percebe-se que o diálogo, a troca de opiniões e o compartilhamento do planejamento foram fundamentais para, ao longo da pandemia, os professores se sentirem amparados na coletividade. Godoi et al. (2020) também identificaram que, no período de ensino remoto, entre professores de EF, intensificou-se a colaboração entre colegas. Essa interação auxiliou na adaptação das estratégias metodológicas, sustentada num movimento de ampliação do estudo e de pesquisas, necessários para a elaboração do planejamento do ensino.
De acordo com Terra (2004, p. 162), “para os professores, o trabalho coletivo na escola é uma experiência interessante pelo fato de poderem planejar com um grupo pequeno e discutir coisas mais específicas de seu entorno”. Além disso, em relação à experiência na formação continuada de professores, a autora destaca:
O fato de compartilhar a maneira de dar aula, como as preparavam, como tomavam decisões frente aos alunos a partir de uma determinada atitude, como avaliavam, e até mesmo como reagiam frente a algumas questões político-administrativas possibilitou a vários grupos, organizados coletivamente nas escolas, construir sua identidade profissional, as diferentes maneiras de olhar a profissão, o ensino e eles mesmos, ampliando assim sua inserção, imersão e compromisso no mundo educacional. (Terra, 2004, 162)
Os professores destacam que o planejamento coletivo possibilitou aprender, conhecer e construir novas propostas com os colegas, para o ensino da EF e assim aperfeiçoaram os planejamentos. O professor 1 menciona: “A experiência que eu tive, eu achei incrível o quanto eu aprendi, o quanto eu mudei minha visão de determinadas coisas por causa desse planejamento coletivo”. O professor 2 reforça: “A gente sempre comentava ‘ah, o que será que o professor da outra escola está trabalhando, como ele trabalha?’ e agora, nesse momento, a gente teve essa oportunidade”.
Terra (2004) destaca que, no processo de trabalho coletivo, deve-se estabelecer um processo de diálogo com a participação de todas as pessoas, que apresentam seus argumentos para chegar a um acordo. Para que isso aconteça, o querer é fundamental e pode ser um processo de aprendizagem social. Nesse sentido, a pandemia gerou o contexto para a aproximação dos professores, enquanto a proposta do planejamento coletivo emerge da Secretaria de Educação, ao orientar que cada área de conhecimento discutisse o melhor caminho para esse cenário.
Dessa forma, um coletivo, como menciona Terra (2004, p. 166), busca, “através de suas reflexões e intervenções, validar suas ações, mas estas somente podem ser validadas e entendidas como coletivas sempre que os acordos não sejam coercitivos”. Não se compreende que houve coerção, pois deu-se autonomia para o planejamento. Em 2021, período de retorno às aulas presenciais, o planejamento coletivo continuou, porém, atendendo as particularidades de cada escola. O professor 3 comenta: “a gente pôde botar a parte da escola, como se diz o diferencial, a gente fez no coletivo o plano de trabalho e depois cada um colocou aquilo que achava ser diferencial da sua escola”.
A busca dos professores por alternativas num momento de dificuldades e de restrições, aliada ao trabalho coletivo, possibilitou que novas possibilidades didático-pedagógicas surgissem. No momento da pesquisa, a escola estava retomando parcialmente as aulas presenciais, com todos os cuidados necessários para a segurança de alunos e professores em relação à covid-19.
O retorno à presencialidade: a importância da Educação Física escolar
No início, o retorno dos alunos ocorreu de forma gradativa em relação à quantidade, isto é, não vinham todos ao mesmo tempo para a escola, para que se respeitassem as normas de distanciamento social. A coordenação pedagógica da escola B esclarece como se deu esse processo:
Desde o dia 28 de abril [2021] nós estamos no escalonado, uma semana eles vêm presencialmente e, por exemplo, amanhã, na sexta-feira, a turma que está aqui 50% leva atividade impressa e vai fazer em casa na próxima semana, quando está remoto […]. Este ano só tem o material impresso […]. Não usamos mais Meet, encontros virtuais, então esse aluno que está totalmente no remoto, ele só tem a atividade impressa.
Portanto, ao retornar à presencialidade, não há mais aulas on-line. Além disso, a “plataforma hoje existe, para material de apoio, se o professor quiser colocar lá um texto, um link, alguma coisa” (direção, escola A).
Nesse contexto, as aulas de EF também retornam à presencialidade com 50% da turma e com restrições em relação ao contato corporal e ao compartilhamento de materiais. Uma das dificuldades sentidas pelos professores diz respeito ao distanciamento do aluno em função das aulas remotas, um distanciamento não apenas de espaço, mas também da falta de uma relação mais próxima e da construção de laços afetivos: “A gente não conseguia chegar neles com um papel, atingir eles com um documento no Word, eles lendo e fazendo atividades” (professor 3). Essa dificuldade foi ainda maior com os alunos que realizaram as atividades impressas, pois não houve, como mencionado, nenhum contato com o professor, nem mesmo virtualmente.
Em pesquisa realizada com professores de EF no período da pandemia, Machado et al. (2020) também constataram ser um desafio ensinar sem a interação e o contato direto com o aluno. Os professores de EF, inicialmente, deram preferência a aulas conceituais, voltadas à história dos esportes, a conhecimentos sobre o corpo e a questões teóricas envolvendo atividades físicas e saúde. À medida que foram se apropriando de estratégias de ensino para as aulas remotas, passaram a ministrar aulas práticas, incentivando os alunos a se movimentarem, a partir de informações e de orientações que os conduziam a realizar práticas de esportes, movimentos de ginástica, brincadeiras ou jogos, entre outras atividades físicas. Contudo, “o que é da ordem da socialização, da convivência com o outro, da compreensão de limites – do que a escola, como a conhecemos, tem se encarregado –, parece não ter lugar neste momento” (Machado et al., 2020, p. 10).
O retorno à presencialidade com 50% da turma permitiu ao professor retomar os laços afetivos. “Eles falam o que sentem, o que sentiram depois que a gente descobre o que aconteceu na pandemia” (professor 4). O professor 3 complementa:
Eu nunca aprendi a conhecer tanto o aluno como esse ano, porque sempre tu tinhas 28, agora tu tens 10, tu tens 12, eu nunca cheguei tão perto deles quanto esse ano e entre eles também, eles também estão se conhecendo mais.
Nesse momento de retorno à escola, é importante que o professor lembre o ensinamento de Freire (2016): ensinar exige saber escutar. “O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele” (Freire, 2016, p. 11). Escutar vai além da possibilidade auditiva de cada um, diz respeito à disponibilidade do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto, às diferenças, nos diz o autor.
Dessa forma, a partir da escuta, o professor de EF pode pensar suas aulas olhando para as necessidades dos alunos que permaneceram mais de um ano sem estar na escola e com restrições em relação ao tipo de atividades que podiam ser realizadas na EF, quer pela ausência de colegas para fazer atividades coletivas, quer pela indisponibilidade de acesso a espaços e materiais adequados. Nesse sentido, entende-se que novos estudos são necessários para compreender se o isolamento social tem provocado mudanças na prática pedagógica da EF, no retorno às aulas presenciais.
Nesse estudo, no retorno às aulas presenciais, os professores percebem a necessidade de trabalhar a socialização, a aptidão física voltada à saúde e de resgatar a EF enquanto prática, cuja essência é a experimentação corporal.
Em relação à socialização, conforme os professores 1 e 3:
Tu trabalha [sic] mais no dia a dia de forma presencial, então acredito que esse aluno a distância tu não consegue, são coisas que ficaram para trás, tu não consegue trabalhar com eles porque tu não tem eles perto de ti. (professor 1)
Tem muitos que consideram – Ah!, EF não reprova, tu não precisa fazer nada-, sabe, aquela coisa, mas se for ver o outro lado, da socialização, da amizade, da saúde, realmente, assim, esse lado que a gente tenta passar para eles, para enxergarem isso, acho realmente muito importante. (professor 3)
Nas primeiras aulas desenvolvidas na escola, os professores constataram uma reduzida aptidão física dos alunos, conforme expressa o professor 3, reproduzindo falas dos alunos: “profe, eu não aguento”; qualquer caminhada era “profe, eu não aguento, eu não fiz nada durante a epidemia”, mais de um ano parados. Silva e Silva (2022) destacam que o distanciamento social teve como tendência a diminuição da prática de atividade física e esportiva, o que pode ocasionar o sedentarismo e, consequentemente, problemas cardiovasculares e distúrbios psíquicos, como estresse, ansiedade e distúrbio do sono. Contudo, não compete apenas à EF tematizar e buscar soluções para o sedentarismo e a falta de interação social, problemas sociais acarretados pela pandemia.
Durante a pandemia, o isolamento/distanciamento social, as restrições de acesso a espaços públicos como praças e parques e o aumento do uso das tecnologias digitais podem ter contribuído para o que foi evidenciado pelos professores nas primeiras aulas em relação à reduzida aptidão física dos alunos. Por outro lado, a preocupação com o desenvolvimento da aptidão física na EFE nos leva a questionar se estamos conseguindo avançar na construção de uma nova identidade. González e Fensterseifer (2009) fizeram uma provocação ao afirmarem que a EFE encontra-se entre o “não mais” e o “ainda não”. Em outras palavras, afirmam que rompemos com o paradigma da aptidão física e do esporte de rendimento que a legitimava, mas questionam se consolidamos uma EFE crítica tal como se almejou, engajada com a transformação social.
Ao analisar as falas dos professores de EF, percebemos que o paradigma da aptidão física ainda é uma perspectiva forte para legitimar a importância desse componente curricular na escola: “Nós somos estimuladores do movimento e a gente precisa desse aluno aqui na escola para estimular ele a ter esse hábito da prática, do movimento, da atividade física” (professor 1). Na escola “tem mais motivação, mais estímulo, tem os colegas, o professor, então eles estão em movimento” (professor 2).
Ainda perguntamos aos professores o que poderia ser incorporado às aulas presenciais, em termos de uso didático-pedagógico das tecnologias digitais, cujo potencial é reconhecido, principalmente, na complementação do ensino por meio de vídeos: “Na parte da tecnologia, é mais a parte visual para eles, eu acredito assim, que a gente consegue chegar neles. Às vezes, tu queres mostrar um jogo, uma regra, alguma coisa assim que tu pode [sic] mandar um vídeo antes no grupo” (professor 4). Contudo, entende-se que a essência é o movimento: “Ela ainda é a aula mais esperada, isso eu vou dizer para vocês […] não adianta, a tecnologia pode ter o vídeo, pode ter o Meet, eles querem a gente aqui e a prática é o correr” (professor 4).
Professores e equipe diretiva também manifestam sua satisfação pelo fato de retornarem às aulas presenciais na escola: “Ano passado, a gente sentiu, assim, uma tristeza muito grande, com todo esse espaço, a escola como um todo […] o presencial é vida para nós, é vida na escola” (direção, escola B); “A gente tá feliz que a gente voltou” (professor 4); “Então, esse ano, quando chamaram, parece que tirou um peso da gente. Voltar para a escola, não tem coisa melhor” (professor 3).
Quanto à EF e seu papel no retorno às aulas presenciais, a coordenação pedagógica da escola B reforça sua importância, ao afirmar que:
[…] é um dos componentes curriculares mais amados do 6º ao 9º, isso não há dúvidas, então o que a gente percebeu agora no retorno, desde abril [2021] quando os alunos voltaram: a vida na escola voltou a se manifestar principalmente nas aulas de EF.
Aqui podemos nos reportar ao questionamento de Sibilia (2012): para que precisamos da escola hoje, se vivemos numa sociedade na qual a informação está disponível, acessível, na Internet? Após a experiência do ERE, um ensino mediado pelas tecnologias digitais nunca experimentado antes, temos mais subsídios para refletirmos sobre essa questão. A virtualização do ensino não consegue abarcar todas as necessidades de formação e desenvolvimento dos estudantes, uma vez que a escola é mais que o ensino de um rol de temas e conteúdos.
Considerações finais
Constatou-se que a pandemia desafiou as escolas a encontrarem novos caminhos para ensinar, exigindo qualificação dos professores em relação ao uso das tecnologias digitais, entre elas, os recursos do Google for Education, especialmente, o Classroom e o Meet. Para os alunos sem acesso à Internet, as atividades foram disponibilizadas de forma impressa. O WhatsApp foi utilizado apenas pela equipe diretiva das escolas, para auxiliar na comunicação com alunos e familiares.
A rede de ensino investigada realizou planejamentos coletivos por área de conhecimento, possibilitando o compartilhamento das experiências vividas pelos professores nas práticas pedagógicas, durante a pandemia. Assim, houve o fortalecimento da coletividade, do diálogo entre professores e a retomada de discussões acerca dos temas planejamento e didática, pois o novo contexto pedagógico exigiu pensar em metodologias de ensino mediadas pelas tecnologias digitais.
Em relação às aulas de EF, os professores citaram a dificuldade de acompanhar o envolvimento dos alunos, principalmente dos que retiravam as atividades impressas na escola, pois faltou o contato direto com eles. O uso de vídeos já disponíveis em plataformas, tal como o YouTube, relacionados aos objetos de ensino da EF ou à produção de novos por parte de professores e alunos foi destacado como recurso que possibilitou acompanhar melhor a aprendizagem. Contudo, o distanciamento físico/social fragilizou o desenvolvimento da socialização e da aptidão física, aspectos necessários à saúde dos alunos, os quais, os professores entendem que precisam ser reforçados no retorno às aulas presenciais.
Para além da aptidão física e da socialização, também há necessidade de acentuar outras finalidades para a EFE. A pandemia sinaliza a importância de discutir o papel da EF na escola, o seu compromisso de criar um contexto de experimentação da diversidade das práticas corporais, de construir saberes que se dão no corpo e a sua responsabilidade na formação de alunos críticos do seu contexto social, tendo em vista a transformação social. Como ressalta Mauro Vago (2022), “[…] não existe ‘Educação Física’ no vazio, no abstrato: existe uma prática de ensino em Educação Física que só acontece em presença de seus sujeitos, professores/as e estudantes, com suas histórias e experiências em seus corpos”.
Portanto, há de se pensar, nesse momento de retorno à presencialidade, sobre o que aprendemos no período de aulas remotas, olhar para a potencialidade das tecnologias digitais e para a relação dos alunos com as linguagens contemporâneas, entre elas, a produção de imagens e vídeos. Contudo, também é preciso reafirmar posições importantes, entre elas, para a EF, que não há como substituir a experiência corporal, pois ela é uma construção própria de cada um, como afirma Hildebrandt-Stramann (2009, p. 28): “a experiência distingue-se pela ligação com o próprio agir”. Além do mais, criar condições didático-pedagógicas para os alunos construírem e ampliarem suas experiências compete à escola.
Necessitamos, também, criar espaços de diálogo e de escuta para alunos e professores. Contudo, são atitudes que devem ser permanentes por parte de quem acredita numa escola construída por professores, alunos e familiares e crê que o trabalho colaborativo da gestão escolar e dos professores a fortalece enquanto instituição na qual se aprende e se exercita a democracia.
Por fim, o estudo apresenta como limitação o fato de a análise ter se dado a partir das entrevistas realizadas com os professores de EF e gestores. O acesso ao AVA utilizado pelos professores, o acompanhamento de aulas realizadas no Google Meet e a escuta dos estudantes teria contribuído para ampliar a compreensão de como ocorreu o ERE nas escolas investigadas e como está se dando o retorno presencial. Por essa razão, sugere-se, como continuidade, investigar as percepções de alunos no Ensino Fundamental em relação às aulas que tiveram no ensino remoto e como está ocorrendo o retorno à escola.