Introdução
O presente estudo teve como objeto de análise o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Considerando que a implementação do REUNI assumiu contornos distintos em cada instituição, pretendeu-se investigar os impactos e os resultados da política de reestruturação e de expansão da educação superior pública federal, mais especificamente, sendo destacadas as metas acordadas entre o Ministério da Educação e as universidades federais, bem como, as implicações dessas metas para a reorganização curricular postulada pelo Programa. Vale ressaltar que, no acordo, as universidades federais, em contrapartida ao aumento de investimentos governamentais, comprometeram-se a ampliar a oferta de vagas e de cursos e a reestruturarem academicamente os currículos dos cursos e as carreiras, de forma a estabelecer um itinerário formativo mais flexível, através da instituição dos cursos de Bacharelado Interdisciplinar (BI).
Para realizar esta investigação, selecionamos três universidades federais: Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). A escolha de tais instituições foi pautada por diferentes motivos, os quais passamos a apresentar. A UFABC foi instituída durante o período de vigência do REUNI, e adotou todas as diretrizes estabelecidas no Programa, incluindo a organização curricular flexível com a implementação dos cursos de BI. Já a UFBA, foi precursora do Projeto Universidade Nova, o qual deu origem a muitas premissas presentes no REUNI. Por fim, a UTFPR é uma das instituições pesquisadas por ter adotado alternativas diferenciadas na revisão da sua estrutura acadêmica, optando pela reorganização dos cursos de graduação sem a implementação do Bacharelado Interdisciplinar.
Para compreendermos como ocorreu a ampliação da oferta na educação superior pública do sistema federal de ensino, selecionamos as seguintes categorias de análise: acadêmica, administrativa, infraestrutura e orçamentária, no intuito de verificarmos se a relação de aumento no número de vagas ofertadas pela universidade foi acompanhada pela evolução no número de matrículas e na infraestrutura: recursos humanos, recursos financeiros e instalações prediais. O recorte temporal da pesquisa foi de 2007 a 2018 pois, embora o Reuni findasse em 2012, entendemos que se faz necessário avaliar os impactos na gestão acadêmica e financeira das IES após cessarem os investimentos do Programa. Para que possamos compreender com maior clareza os desdobramentos de uma política educacional com prazo de validade no que diz respeito à implementação e ao orçamento.
Os procedimentos metodológicos utilizados neste estudo foram a pesquisa bibliográfica e documental. Consultamos os bancos de dados de dissertações, teses, artigos e livros, bem como, os documentos produzidos pelas próprias IES, tais como, relatórios das Pró-Reitorias de Graduação que incluem os editais de seleção, matrícula e concluintes, acordo de metas elaborado pelas universidades para adesão ao REUNI, relatórios de gestão das universidades, Projeto Pedagógico, Plano de Desenvolvimento Institucional e Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação, além de informações disponibilizadas nos sites das instituições. Fizeram parte, também, da nossa análise, diversos documentos gerados no âmbito do MEC/INEP, sinopses estatísticas e estatísticas oficiais da educação superior brasileira, além de consultas nas leis orçamentárias do governo federal.
Utilizamos os dados disponíveis no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e na Lei Orçamentária Anual (LOA). Tanto no PLOA, quanto na LOA, o detalhamento dos créditos orçamentários do Poder Executivo Federal relativos ao Ministério da Educação está disponível no volume 5. Os documentos mencionados apresentam os recursos obtidos em todas as fontes de financiamento e o detalhamento dos dados é feito por instituição. Para a elaboração da tabela, foram deduzidos os valores enquadrados no grupo de despesas: pessoal e encargos sociais. Dessa forma, possibilita-nos uma melhor visualização dos valores destinados às despesas com manutenção do ensino.
Partindo desses pressupostos, o texto é organizado da seguinte forma: primeiro procuramos situar os principais objetivos do REUNI e apresentar os dados das instituições pesquisadas. Na sequência, analisa-se como ocorreu a evolução no número de alunos, professores e técnicos administrativos em educação, bem como o aporte orçamentário destinado a cada instituição.
REUNI: aspectos gerais
O REUNI teve como objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior no âmbito das universidades federais. O Decreto nº 6.096/2007 (BRASIL, 2007a), que o instituiu, foi complementado pelas Diretrizes Gerais (BRASIL, 2007b) e efetivado pelos acordos de metas que cada universidade federal assinou com o Ministério da Educação. O REUNI apresentava como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, bem como a ampliação do acesso e da permanência na educação superior.
As metas acordadas deveriam ser alcançadas a partir do melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais. Dentre as diretrizes do Programa, destacavam-se a revisão da estrutura acadêmica e a diversificação das modalidades de graduação, com a implementação de regimes curriculares e sistemas de títulos diferenciados que possibilitassem ao aluno a escolha do seu itinerário formativo.
O contexto de formulação do REUNI, de acordo com Lima (2007), Ferreira e Oliveira (2010), Dourado (2008) e Silva Júnior (2003), está inserido em um processo mais amplo de reordenamento do Estado capitalista. Nessa conjuntura, a expansão da educação superior tem sido objeto de políticas educacionais centradas em processos de diversificação e de diferenciação institucionais, marcadas por uma lógica privatista e mercantil, que vem demonstrando continuidade no cenário da política educacional brasileira.
Partiu-se do entendimento de que ocorre um movimento de adequação da dimensão educacional ao sistema produtivo, articulada com o processo de mundialização e reestruturação do capitalismo, que incentiva a constituição da universidade pautada por resultados e com maior articulação entre os sistemas educativos e o mercado.
A compreensão das reformas realizadas deve levar em conta a necessidade de se ajustar o Estado nacional às alterações do capitalismo mundial. “A racionalidade das mudanças na esfera educacional é o resultado de suas inter-relações com as demais esferas sociais das práticas humanas e dessas com as transformações gerais da sociedade” (SILVA JUNIOR, 2002, p. 86).
De acordo com Oliveira (2000, p. 166), a reestruturação do ensino superior brasileiro é um processo reformista que, articulado aos interesses do capitalismo global, caminha para a “mercantilização da educação superior”, fortalecido por um discurso acerca da necessidade de que as universidades assumam novos papéis, na medida em que a ciência, o conhecimento e a inovação tecnológica são associados a parâmetros e estratégias de competitividade (SANTOS, 2011; RISTOF, 2008).
Outro ponto que se destaca é a reestruturação curricular, com a revisão da estrutura acadêmica e a reorganização dos cursos de graduação, além da introdução dos cursos de Bacharelado Interdisciplinar. O Bacharelado Interdisciplinar é uma formação de ensino superior realizada em dois ciclos que prioriza a flexibilidade dos currículos e a escolha das disciplinas pelo aluno. Sua implementação foi baseada na experiência dos colleges nos Estados Unidos e nas reformulações implementadas nas universidades europeias após o Processo de Bolonha.
Para Severino (2009), esse processo impõe aos estudantes uma responsabilização sobre a sua formação, pois é ele que escolhe o seu percurso formativo, estando seu sucesso ou seu fracasso, diretamente associado as suas escolhas. Essas alterações instituem um sistema meritocrático responsabilizando os indivíduos pela sua formação, principalmente ao introduzir sistemas formativos flexíveis, em que o aluno deve escolher qual deve ser a base da sua formação.
A implementação dos cursos de Bacharelado Interdisciplinar foi estratégica para o REUNI, mas não necessariamente presente em todas as instituições federais. Tais cursos visavam atender a quarta diretriz do Decreto nº 6.096/2007, que preconizava a diversificação das modalidades de graduação.
Seguindo as orientações do programa, as universidades federais firmaram, junto ao Ministério da Educação, acordos nos quais se comprometiam a atender aos objetivos do Programa, com aumento de vagas de ingresso, redução das taxas de evasão e ampliação da ocupação de vagas ociosas. A liberação das verbas foi realizada por etapas, à medida que as instituições cumpriam o pactuado e era condicionada à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação.
Para Chaves e Mendes (2009, p.9), o REUNI, ao vincular o repasse de verbas orçamentárias ao cumprimento de metas pactuadas, “segue a lógica gerencial da transformação da gestão pública na lógica empresarial/gerencial da administração por resultados” e institucionaliza os critérios de produtividade e eficiência.
Resultados da implementação do REUNI na UFABC, UFBA e UTFPR
Os dados sintetizados na Tabela 1, apresentam o resultado da expansão de três universidades federais após a implementação do REUNI.
UFABC | UFBA | UTFPR | |||||||
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2007 | 2012 | 2018 | 2007 | 2012 | 2018 | 2007 | 2012 | 2018 | |
Vagas | 1.500 | 1.960 | 1.960 | 4.246 | 7.991 | 8.875 | 1.360 | 6.164 | 7.436 |
Matrícula (projetada) | 1.500 | 7.862 | 20.540 | 37.807 | 7.003 | 29.515 | |||
Matrícula (alcançada) | 932 | 7.277 | 14.284 | 20.731 | 31.807 | 37.985 | 11.794 | 19.640 | 28.820 |
Pós-graduação | 96 | 837 | 1.297 | 3.246 | 4.448 | 7.045 | 376 | 869 | 2.836 |
Docentes | 113 | 503 | 734 | 1.746 | 2.279 | 2.505 | 1.211 | 1.959 | 2.520 |
*RAP | 9 | 16 | 21,2 | 13 | 16 | 17,9 | 10 | 10,4 | 12,5 |
Servidores admin | 92 | 571 | 726 | 3.289 | 3.258 | 2.968 | 639 | 976 | 1.159 |
Orçamento R$ | 78.228.895 | 181.713.947 | 68.832.916 | 84.124.259 | 253.022.040 | 240.349.605 | 30.022.703 | 160.676.303 | 196.628.846 |
Investimentos R$ | 59.984.746 | 80.900.083 | 4.827.191 | 12.590.703 | 58.454.821 | 13.885.841 | 4.248.017 | 47.449.787 | 40.200.218 |
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores com dados Censo MEC/INEP e Relatórios de Gestão das Universidades
*RAP: Relação Aluno por Professor
A partir dos dados levantados pudemos constatar que na implementação do REUNI, as três universidades pesquisadas aumentaram o número de matriculados. Apesar das metas não terem sido atingidas no prazo previsto, o que pode ser visualizado na tabela, a partir da diferença entre a matrícula projetada3 e a matrícula alcançada, as alterações nas universidades federais são visíveis.
A análise dos dados demonstra que, até 2012, a UFABC, que estava em fase de consolidação, ampliou as matrículas na graduação em 680%, a UFBA ampliou em 53%, a UTFPR em 67%. Quando avaliamos os dados até 2018, o percentual é ainda maior, mais de mil porcento na UFABC, 83% na UFBA, e 144% na UTFPR.
No caso da UFABC, a instituição foi criada em 2006, portanto, teve seu processo de consolidação concomitante ao início do REUNI. Mesmo não elaborando o acordo de metas, adotou as prerrogativas presentes no decreto, inclusive no que diz respeito às inovações acadêmico curriculares. Conforme o Relatório do Primeiro Ano do REUNI (BRASIL, 2009), a UFABC já estava inserida no âmbito das inovações pedagógicas previstas pelo Programa.
Nesse sentido, a UFABC é uma instituição diferenciada no que diz respeito à questão curricular. A universidade oferta para ingresso, apenas os cursos de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia e Bacharelado Interdisciplinar em Ciências e Humanidades. Somente após a conclusão de um desses cursos, os alunos podem participar de um processo seletivo interno para ingressarem nos demais cursos de graduação, ofertados na instituição. Ou seja, todos os alunos matriculados na UFABC realizam, obrigatoriamente, um dos cursos de BI ofertados e após sua conclusão recebem o diploma de graduado no Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia ou em Ciências e Humanidades, podendo optar por ingressar no mercado de trabalho ou realizar um dos cursos de segundo ciclo ofertados pela instituição ou, ainda, concorrer nos processos seletivos para pós-graduação stricto sensu.
Os dados demonstram que a UFABC contabilizou um aumento de 13.352 novas matrículas na graduação. Em relação à pós-graduação stricto sensu foram 1.201 alunos. No mesmo período, o número de servidores administrativos em educação aumentou em 634 servidores e o de professores em 621.
Em 2018, como podemos perceber, na Tabela 1, a UFABC apresentou uma Relação Aluno por Professor (RAP) de 21,2. Essa relação foi possível devido ao modelo de cursos de graduação implementado na UFABC, que proporciona um maior número de alunos ingressantes nos cursos de Bacharelado Interdisciplinar.
O Relatório de Gestão de 2011 já apontava um aumento do trabalho docente: “a carga didática exigida dos professores vem aumentando a cada quadrimestre em decorrência do aumento do número de discentes e da criação de novos cursos, refletindo no aumento da oferta de disciplinas” (UFABC, 2012, p. 25).
Em relação à estrutura física, até 2018, a universidade construiu 120 mil m2. A questão orçamentária, assim como nas demais instituições federais, vem agravando-se no decorrer dos anos. O orçamento anual que até 2012 estava num constante crescente, em 2018 foi inferior ao de 2007. Os valores destinados aos investimentos também sofreram drástica redução. Em 2018, teve um valor ínfimo, se comparado a 2007 e 2012.
O Relatório de Gestão, exercício 2017, também pontua que associado à queda do orçamento esteve não apenas o aumento do número de alunos, mas os gastos com a manutenção que, oriundos da obtenção de sedes próprias, impactaram diretamente nos serviços prestados pela universidade. “Com a inauguração de um prédio, necessariamente ocorrem majorações ou mesmo realização de novos contratos visando à limpeza e manutenção predial, entre outros.” (UFABC, 2018, p. 293).
A Universidade Federal da Bahia (UFBA), instituição centenária e com ensino consolidado, havia pactuado, no acordo de metas, uma ampliação de 4.510 novas vagas na graduação, com o objetivo de alcançar 37.807 estudantes até 2012, número que representaria um aumento de 83% em relação a 2007. Quanto ao número de estudantes matriculados, que em 2007 era de 20.731, chegou a 31.807 em 2012, da mesma forma que em relação à abertura de vagas, a quantidade de estudantes matriculados não foi atingida. Contudo, em 2018, chegou próximo à meta com 37.985 estudantes matriculados, correspondendo a um aumento de 17.254 novas matrículas.
Para a pós-graduação, foi prevista uma ampliação de 38% no número de alunos matriculados. Pudemos constatar que no período compreendido até 2012, o aumento atingiu 37%, bem próximo à meta pactuada e, até 2018, a ampliação na pós-graduação foi de 117%.
A instituição almejava a contratação de 533 professores e de 426 técnico administrativos. Pelos dados apresentados é possível verificar que até 2012 ocorreu a contratação de 533 docentes, atingindo a meta pactuada no acordo e até 2018 esse número chega a 759 docentes. A RAP da instituição, conforme dados da Tabela 1, vem numa crescente e chegou a 17,9 em 2018. Mesmo não atingindo o número de alunos previstos no acordo de metas e, consequentemente, não alcançando os objetivos do REUNI de elevar o número de alunos por professor para 18, pode-se perceber que o crescimento constante no número de matrículas deixou a instituição muito próximo à meta em 2018.
Já em relação aos servidores administrativos, a UFBA iniciou o período com 3.289 servidores administrativos em educação, finalizando com 2.968 servidores. O número de servidores técnicos administrativos em educação diminuiu. No período estudado, foi verificada uma redução de 321 servidores em relação a 2007.
O Relatório de Gestão 2013 aponta que o crescimento do número de alunos na graduação e na pós-graduação, além do crescimento do total de atividades de pesquisa e de extensão, não tiveram “correspondente incremento nos quadros de servidores técnicos administrativos, o que tem dificultado a melhoria dos indicadores de desempenho acadêmico da instituição.” (UFBA, 2014, p. 27).
Quanto à questão da estrutura física, a UFBA, mesmo enfrentando diversos problemas na entrega das obras, teve sua estrutura física ampliada em 134 mil m2 até 2018. O orçamento da instituição foi reduzido e, em 2018 com mais alunos e mais estrutura física para conservar a instituição, recebeu menos recursos do que em 2012. O valor da parcela para investimentos também foi reduzido, atingindo em 2018 níveis semelhantes aos praticados em 2007.
O Relatório de Gestão do exercício 2013 elenca alguns entraves na conclusão e entrega das obras de construção e reforma, oriundos da falta de pessoal técnico capaz de acompanhar e fiscalizar a grande quantidade de obras “de construção, ampliação e reforma, em limitado período de tempo, como os exigidos para um campus universitário.” (UFBA, 2014, p. 27).
O orçamento da UFBA não acompanhou o expressivo aumento de alunos e de cursos da universidade, havendo, inclusive, no que tange aos investimentos, uma redução a partir de 2015, atingindo níveis semelhantes aos praticados em 2007, momento no qual a instituição recebia 8 mil novos alunos, perfazendo mais de 39 mil matriculados, somados os cursos de graduação e pós-graduação.
Pelos problemas apontados nos Relatórios de Gestão da universidade, como atraso nas obras e problemas nas licitações, os repasses oriundos do REUNI, que se tratavam de um acordo por etapas, atrasaram. Os atrasos nas conclusões das edificações e das reformas, de acordo com a instituição, prejudicaram o cumprimento dos prazos previstos no REUNI.
O Relatório de Gestão (UFBA, 2013) aponta que em 2012, a instituição recebeu um incremento no orçamento para investimentos decorrente de verbas provenientes de emendas parlamentares de bancada. “Foi acrescido o montante de R$ 29.290.000,00 proveniente de emendas parlamentares. Todavia, só foi autorizado limite para empenho no valor de R$ 27.860.000,00” (UFBA, 2013, p. 134). Esses aportes orçamentários auxiliam as instituições em determinados momentos, mas não têm nenhuma garantia de continuidade. Em tal grau que em 2013, a instituição enfrentou problemas para terminar o exercício com os recursos disponíveis, por causa do bloqueio “da emenda de bancada, que destinava à UFBA dez milhões de reais” (UFBA, 2014, p. 26). Esses recursos, apesar de incrementarem o orçamento das instituições, não são contínuos, haja vista que dependem de apoio político para a sua efetivação.
A UFBA passou por uma reestruturação curricular implementando os cursos na modalidade de Bacharelado Interdisciplinar, mas diferentemente da UFABC, não são os únicos cursos para o ingresso na instituição. No processo seletivo, coexistem com os demais cursos ofertados, sendo todos considerados cursos de ingresso. Dessa forma, o aluno pode optar por ingressar nos cursos de bacharelado interdisciplinar e posteriormente, participar de uma seleção para os cursos específicos, ou ingressar diretamente nos cursos específicos.
No caso da UFBA foram implementados os cursos de Bacharelado Interdisciplinar em: Artes, Ciência e Tecnologia, Humanidades e Saúde, que compõem o primeiro ciclo. O acesso ao segundo ciclo é realizado por um edital interno, no qual a instituição reserva 20% das vagas para os egressos dos cursos de BI.
A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), antigo Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-PR), transformado em universidade em 2005, buscou, nesse período, consolidar bases para a sua afirmação como universidade, reduzindo os cursos de natureza técnica e tecnológicos4 e priorizando os cursos de engenharia e licenciatura.
A instituição havia previsto no seu acordo de metas a abertura de 32 cursos de graduação e um total de 29.524 alunos matriculados. Pudemos constatar que durante a vigência do REUNI foram criados 37 cursos de graduação, superando a meta pactuada. Entretanto, quando analisamos a relação de alunos matriculados, verificamos que a meta não foi atingida, pois, em 2012 havia o montante de 19.640 alunos matriculados. Apenas em 2018 a instituição alcançou a meta pactuada com 28.820 matrículas. Em relação à pós-graduação, o aumento foi de 493 alunos matriculados até 2012 e de 2460 até 2018.
O plano de metas da UTFPR previa a contratação de 679 docentes e foi possível verificar até 2012 a contratação de 748 docentes, superando a meta prevista para o REUNI. Dessa forma, por não ter alcançado o número de alunos pôde-se verificar, como explicitado na Tabela 1, que a Relação aluno por professor se manteve abaixo das metas do programa.
A previsão era contratar 200 técnicos administrativos, ao final de 2012 foi verificada a contratação de 337 servidores, bem acima do previsto. Mesmo assim, pode-se perceber, ao compararmos as três instituições pesquisadas, que a UTFPR tem o maior percentual de alunos por servidor. Assim, em 2007, a UTFPR apresentava uma média de 19 alunos por servidor, em 2012 foram 21 alunos por servidor e em 2018 essa relação representava 27,9 alunos por servidor. A UFABC apresentou os seguintes dados: em 2007 a instituição possuía 11 alunos por servidor, em 2012 esse número atingiu 14,2 e em 2018 foram constados 21,46 alunos por servidor. Já no caso da UFBA, que finalizou o período com menos servidores do que possuía anteriormente, foram verificados os seguintes dados: em 2007 a instituição apresentava 7,2 alunos por servidor, em 2012 os dados evidenciaram 11 alunos por servidor e em 2018 essa relação chegou a 15.
A estrutura física da UTFPR aumentou, até 2012, em 96.684 m2. No Plano de Reestruturação e Expansão da UTFPR REUNI (UTFPR, 2007), a ampliação prevista era de 52.905 m2, nesse item, a instituição superou o pactuado. Até 2018, o aumento superou os 219 mil m2. Apesar de verificarmos, na Tabela 1, um orçamento mais condizente, quando comparado ao das demais instituições pesquisadas, especialmente em relação ao ano de 2018, esse fato não é uma regra, os Relatórios de Gestão apontam que o orçamento da universidade vem sofrendo reduções.
Há que se destacar aqui que, embora houvesse dotação orçamentária prevista, não foi liberado limite de empenho para que a totalidade do orçamento fosse executada, sendo que o impacto maior foi no grupo de despesa de investimento. Neste, havia dotação total em 2014 de R$ 76.839.369,07 sendo que o limite de empenho foi de apenas R$ 56.607.317,67, sendo que a diferença não liberada se refere a emendas de bancada. (UTFPR, 2015, p. 106).
A ampliação da estrutura física somada ao maior número de alunos necessita do respectivo aumento orçamentário, o que não vem ocorrendo. Verifica-se nos Relatórios de Gestão uma preocupação em conter os gastos com ações para a redução de despesas, tais como: “economia de energia elétrica, água, telefonia e materiais de escritório, como na coleta seletiva de seu lixo; contribuição na ampliação física da universidade, com projetos que visam ao melhor aproveitamento da luz natural e das águas pluviais.” (UTFPR, 2016, p. 188).
Com relação à implementação dos cursos de Bacharelado Interdisciplinar, apesar de constarem no decreto do REUNI, essa diretriz não foi considerada obrigatória, sendo aceitas outras formas para atender ao dispositivo, tais como: reformulação dos cursos de graduação com vistas à utilização de novas metodologias e estímulo à flexibilização curricular, adequação do currículo viabilizado pelos componentes de atividades complementares e aumento da carga horária optativa nos cursos de graduação. A UTFPR realizou uma reestruturação dos cursos de graduação ofertando componentes curriculares optativos e reduzindo os pré-requisitos, optando por não implementar o Bacharelado Interdisciplinar.
Entretanto, conforme se constatou, no caso da UTFPR, outros órgãos como a Controladora Geral da União no Estado do Paraná (CGU, 2017), ao fazer o relatório de avaliação sobre os resultados da gestão no ano de 2017, recomenda como uma possível solução para a questão da evasão a implementação dos cursos de BI, sob a justificativa de melhor aproveitamento dos recursos humanos e físicos da universidade. Mesmo reconhecendo que as taxas de evasão dos cursos de BI e específicos são semelhantes, “não há evidências de que os BIs tenham reduzido a evasão universitária, que é a principal causa de ineficiência no sistema de ensino superior brasileiro.” (CGU, 2017, p. 74). A CGU aplica essa recomendação, pois entende que, com turmas iniciais maiores, o custo por aluno que cursa o BI é significativamente menor do que os cursos tradicionais.
Apesar dessa recomendação estar justificada pelos altos índices de evasão, pode-se constatar, especialmente, no caso da UFABC, que a inserção dos cursos de BI não altera a evasão na universidade. Mesmo se constituindo em uma instituição diferenciada pudemos verificar que as questões relativas à evasão são similares as das demais instituições pesquisadas.
Nos relatórios de gestão das instituições estudadas é possível verificar a dificuldade encontrada quanto à questão da evasão. Na UFABC, “a evasão, representada pela soma dos cancelamentos voluntários e abandonos, foi o motivo mais significativo de perda de alunos.” (UFABC, 2016, p. 172). A UFBA afirma que uma das causas da evasão são os estudantes que se matriculam em determinado curso, mas abandonam os estudos no primeiro ou segundo semestre, pois, “entraram em curso que não era sua prioridade” (UFBA, 2017, p. 53). A alternativa adotada pelas universidades para preencher as vagas não ocupadas é a realização da seleção para vagas residuais. Em 2015 e 2016, na UFBA foram disponibilizadas 1.400 vagas para o edital de vagas residuais, “um número praticamente igual às vagas do SISU de meio de ano” (UFBA, 2017, p. 53). O que nos remete ao Relatório de Gestão (UTFPR, 2019, p. 37), que aponta que as principais causas de evasão formalizadas pelos alunos “estão relacionadas à situação vocacional e socioeconômica do estudante.”
A dinâmica do Sistema de Seleção Unificada (SISU) facilita a matrícula de estudantes em universidades de todo o país, levando-os a se matricularem em instituições distantes. De acordo com dados do censo da educação superior (2017), no ano em comento, 31.881, correspondendo a 10% dos novos alunos das instituições federais, matricularam-se em uma unidade da federação diferente daquela da sua residência e, do total de ingressantes, 69.256 ou 21% fizeram o Enem mais uma vez em 2017, mesmo já frequentando uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES).
O contexto do REUNI trouxe à tona debates a respeito da produtividade acadêmica ao estabelecer contratos para a sua execução na forma de Acordo de metas, ocasionando transformações nas universidades federais que não se limitaram ao âmbito administrativo, mas afetaram, também, os trabalhadores dessas instituições.
Para o trabalhador docente da educação superior, as políticas educacionais têm trazido mudanças substanciais no que tangem a sua natureza e organização. A intensificação do trabalho docente ocorre pelo aumento direto da relação professor-aluno e pela carga extraclasse que esse aumento ocasiona: mais alunos, mais trabalhos a corrigir e mais orientações. Nesse sentido, a redefinição das suas atribuições se soma à divisão estabelecida pela contratação de professores substitutos, com salários mais baixos e com vínculo transitório com a universidade. Em decorrência desse vínculo, não podem desenvolver pesquisas ou coordenar projetos. Todos esses fatores promovem, também, a desarticulação da carreira docente. Soma-se a isso,
[...]um padrão produtivista e um tipo de "cultura do desempenho", sob a qual o trabalho docente é permanentemente pontuado, traduzido em números e intensificado através de diversos e complexos sistemas de avaliação ditos institucionais que, ano a ano, alargam as exigências de produção acadêmica. (MANCEBO, 2010, p. 83).
As reformulações curriculares implementadas pelos cursos de BI, nos marcos do programa de apoio a planos de reestruturação e expansão das universidades federais, alteram a estrutura dos cursos de graduação e consequentemente, o trabalho docente desenvolvido. O número de vagas de ingresso nos cursos de BI é muito superior àquele ofertado em cursos de graduação existentes. “Com essa reestruturação, também se modificou a modalidade de ensino, que passou a abarcar grande número de alunos com numerosas turmas que, na UFRN, já chegaram a 180 alunos.” (LUCENA; CABRAL, 2015, p. 5).
Como mencionado pelo projeto pedagógico do curso de Bacharelado Interdisciplinar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, as aulas ocorrem em “auditórios, salas de aula amplas. Com exceção das práticas de laboratório, as turmas dos componentes curriculares obrigatórios possuem em média mais de 100 alunos, podendo esse número chegar a 140 alunos.” (UFRN, 2017, p. 6).
Por todo o exposto, verifica-se um conjunto de medidas adotadas pelas universidades em busca de adequações para o alcance dos objetivos do REUNI. As inovações acadêmicas relatadas pelas instituições vão desde a reformulação da sua estrutura acadêmica à reestruturação de cursos e modelos acadêmicos e curriculares. As universidades ampliaram sua estrutura física e o número de alunos matriculados. Mesmo não alcançando o pactuado no ano previsto, chegaram muito próximo à meta em 2018, por outro lado, o orçamento das instituições vem sendo reduzido, ano após ano, desde 2013.
A redução orçamentária, em alguns casos com cifras próximas às praticadas antes da expansão, tem trazido sérias dificuldades para as instituições, que precisam cortar despesas necessárias ao funcionamento do ensino, pesquisa e extensão.
De acordo com Mancebo, Silva Júnior e Oliveira (2018, p. 6), em função do corte de verbas, constata-se nas universidades federais, além do abandono da infraestrutura física dos campi, a árdua tarefa de reorganizar processos que possibilitem o funcionamento da instituição com qualidade, frente às novas demandas criadas pela expansão do REUNI: mais alunos, cursos e novos campi, sem o aporte orçamentário necessário para a sua consolidação.
Como se não bastasse, a parcela destinada aos investimentos também foi reduzida. A redução dos recursos necessários para a manutenção de estruturas prediais das universidades federais prejudicam as atividades de ensino e pesquisa, pois são necessários recursos para viabilizar a manutenção da estrutura física, dos equipamentos e dos materiais de laboratórios, para que estudantes e professores tenham disponíveis os recursos necessários para o bom desenvolvimento da aprendizagem e das atividades de pesquisa.
Considerações finais
Pelos dados apresentados, pode-se evidenciar que as universidades pesquisadas se empenharam em cumprir as metas pactuadas e que houve uma expansão nos cursos e no número de matrículas, com ampliação de vagas e cursos de graduação e pós-graduação, oriundos dos acordos de metas do REUNI, assinados entre as universidades federais e o MEC.
Apesar de verificarmos que, no prazo pactuado, as universidades não conseguiram atingir a meta de alunos matriculados, a expansão, conforme verificamos, foi muito expressiva. Nesse sentido, o REUNI foi um programa bem-sucedido do ponto de vista de ampliação do acesso ao ensino superior público. Entretanto, apesar do bem-intencionado objetivo de expansão da oferta de educação superior, a implementação do REUNI ocorreu na forma de contratos de gestão e com prazo definido para término.
Dessa forma, o REUNI, depois de um longo período de descaso com as universidades mantidas pelo governo federal, trouxe esperança, promessa de investimentos e de ampliação, com a possibilidade do aumento no número de alunos, docentes, servidores e estrutura física. Foi um período dinâmico para as universidades federais, entretanto, com o fim do período programado, cessaram as verbas destinadas ao programa, e o orçamento das instituições vem sofrendo drásticos cortes e contingenciamentos, ano após ano.
Esse contexto de expansão, que aumentou o número de alunos e de programas de assistência estudantil, ofertou acesso e possibilidades para que esses discentes permanecessem nas instituições concluindo os cursos iniciados, mesmo que insuficientes para atender a demanda, não teve previsão de continuidade. Assim, podemos afirmar que o REUNI cumpriu seu papel em relação à expansão, mas faltaram elementos políticos que garantissem a continuidade das ações desenvolvidas durante sua implementação.
Mas, não só isso. Com o encerramento do Programa, as verbas destinadas para as universidades passaram por cortes, deixando as instituições com uma demanda maior frente um orçamento em declínio. Um período de expansão programado e com data para terminar, seguido por um período de cortes no orçamento, este sim, sem previsão de término.
De acordo com Mancebo, Silva Junior e Oliveira (2018) motivados pelo ajuste fiscal, os cortes no orçamento foram gestados em um movimento de “acomodação e adaptação” somados a uma complexa conjuntura que tem sido justificada pela crise econômica e política afetando diretamente as instituições do sistema público de ensino federal.
Assim, o REUNI caracterizou-se por ser um programa com viés gerencial que operacionalizava a realização de contratos de gestão entre o MEC e as universidades, acarretando uma expansão quantitativa, com aporte limitado e provisório de recursos.
Os dados evidenciam que se por um lado houve expansão acadêmica, ela não foi acompanhada do seu aporte orçamentário. A educação para ofertar qualidade de ensino e fazer pesquisa, necessita de investimentos contínuos, não apenas por programas de tempos em tempos, seguidos de longos períodos de sucateamento.
Hoje, passados oito anos do término previsto para o programa, as universidades estão passando por uma situação de redução e contingenciamento de recursos. De acordo com nota da UFBA (2019), a instituição teve R$ 55,9 milhões bloqueados pelo Ministério da Educação (MEC), correspondendo a 40% do orçamento de custeio. A franca expansão da UFBA nos últimos anos contrasta com um cenário de progressivo encolhimento do orçamento. A UFBA vem controlando os gastos com água, energia elétrica e otimizando a prestação de serviços de segurança, portaria, limpeza e manutenção.
No caso da UFABC, o bloqueio representa R$ 15,9 milhões. Em nota (UFABC, 2019), a instituição informou que o corte afeta toda a universidade no seu papel social de formação de profissionais, e na produção de ciência e tecnologia. Na UTFPR essa intervenção restringiu em 36,25% o planejamento de aplicação de verbas de custeio. A orientação da reitoria para os campi da UTFPR (2019b) é a de manter apenas os gastos estritamente essenciais para garantir a continuidade, dentro do possível, das atividades de ensino, pesquisa e extensão, concentrando os esforços para a manutenção de programas estudantis e para o pagamento de despesas básicas, como água, luz, telefone, limpeza e segurança.
Nesse momento de contingenciamento de recursos, as universidades vêm somando esforços para se manterem em funcionamento, buscando minimizar os impactos nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, além da assistência estudantil, transferindo os cortes do orçamento para as unidades administrativas e de gestão.
A história mostra que a educação no Brasil tem sido utilizada como ferramenta para a consolidação de políticas da ordem capitalista, pois as políticas dirigidas à educação estão conectadas ao contexto sociopolítico de sua implementação. Para Saviani (2008, p. 223), a política educacional é uma política social e como tal, é “uma expressão típica da sociedade capitalista e, é produzida, ou efetivada para compensar o caráter antissocial da própria sociedade.”
De qualquer forma, não podemos esperar transformações substantivas quando tratamos de reformas que se situam nos marcos capitalistas, principalmente, se essas reformas nascem pelas orientações emanadas diretamente de setores do governo. Em outras palavras, não são frutos de debates da sociedade civil ou dos grupos envolvidos. Para Mészáros (2005), o reformismo, mesmo que minimize os problemas e as distorções sociais, não busca a solução para os problemas estruturais.