Introdução
O presente artigo integra investigação maior3 que levantou, sistematizou e analisou Planos Municipais de Educação (PMEs) de cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) do estado de São Paulo, Brasil. Para consecução deste estudo – ancorado no campo das políticas educacionais – optou-se por uma abordagem de natureza qualitativa por meio de pesquisa documental realizada no sítio eletrônico oficial dos municípios e nos sítios eletrônicos das cidades que compõem a RMBS, a fim de analisar as fontes documentais em pauta.
Os PMEs são fontes documentais relevantes de análise, pois possuem informações para estudo, acompanhamento e avaliação das políticas educacionais adotadas pelos municípios. De acordo com Gil (2002, p.45-46) “[...] há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados. [...] subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica”. Dessa forma, a análise documental tem a premissa de “produzir ou reelaborar conhecimentos e criar novas formas de compreender os fenômenos” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p.10), pois é partindo da análise do corpus da pesquisa que os documentos são interpretados.
O estudo faz um breve panorama da elaboração dos PMEs da RMBS, com foco nos documentos dos municípios em análise, enfatizando o contexto de produção, assim como as metas, diretrizes e princípios que garantem a gestão democrática da educação nas municipalidades.
Destaca-se a relevância da discussão de políticas públicas de educação adotadas pelas esferas governamentais, em todos os seus âmbitos – federal, estadual ou municipal – sobretudo, no que se refere à defesa de uma educação justa, de qualidade, acessível a todos, equânime e democrática. Ao se discutir políticas públicas educacionais que promovam a qualidade da educação na esfera municipal, há de se considerar a complexidade dos aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e demográficos que incidem no contexto municipal, bem como a variedade de atores (governamentais e não governamentais) que interferem na implementação das políticas públicas.
Estudos sobre os processos de municipalização no estado de São Paulo assinalam que as localidades que assumiram os anos iniciais da educação básica apresentam portes diferentes e, consequentemente, capacidades institucionais diversas, para responder a desafios em momentos adversos (ADRIÃO, 2008; MARTINS, 2004; MARTINS et al., 2018).
Planos de Educação: instrumentos norteadores do planejamento educacional
A presidenta Dilma Roussef, em 25 de junho de 2014, sancionou sem vetos a Lei Federal n. 13.005/2014, o atual Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência decenal até 2024. O PNE é uma conquista do Estado Democrático de Direito promovida pela Constituição Federal de 1988 (CF/1998) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), na medida em que estabelece os princípios normativos que orientam os sistemas e redes de ensino brasileiro, rumo à gestão democrática.
A elaboração dos PMEs pelos entes federados é uma exigência dada pelo PNE (2014) que os responsabiliza à construção de seus dispositivos legais específicos para nortear e subsidiar a educação básica municipal. O PNE deu o prazo de 1 (um) ano para que os municípios brasileiros realizassem o movimento de construção (ou de adequação) de seus planos educacionais garantindo os princípios da democracia, da gestão democrática, da participação e da equidade.
Vale destacar que um Plano de Educação configura um plano de Estado, e não de governo, assim, sua validação pelo legislativo municipal e posterior sansão pelo chefe do executivo, o legitima e concede força de lei outorgando poderes a fim de transpor as diferentes gestões político-administrativas.
O PME, como lei, tem a prerrogativa de evitar a descontinuidade das políticas educacionais recorrentes em muitos municípios brasileiros em que, a cada troca de gestão, as políticas tendem a ser “recomeçadas”, pois não se configuram como iniciativas propostas pelos gestores de “plantão”, mesmo quando considerados bons planos de educação, com metas e estratégias que exprimem de forma adequada o enfrentamento de problemas locais.
Sendo assim, por força da lei, o PME deve ser respeitado pelos dirigentes municipais garantindo sua continuidade, independentemente da gestão vigente no município. Seu processo de construção é constituído por um conjunto de ações de planejamento, mobilização, interação e participação em que os gestores e responsáveis por sua elaboração devem garantir e desenvolver estratégias que envolvam os diferentes atores que, direta ou indiretamente, influenciam na educação municipal. Ações que fortalecem o processo democrático de articulação entre governo e poderes executivo, legislativo e judiciário; Conselhos Municipais; sindicatos; comunidades escolares; membros do magistério público e privado; diretores de escolas; alunos; pais e toda sociedade civil organizada.
Por meio da interação e participação desses atores sociais é possível alcançar a construção de um documento que atenda, de fato, às exigências e demandas educacionais municipais. Essa construção assertiva só é conquistada com a participação de diferentes segmentos sociais, em conjunto com equipes técnicas de secretarias e/ou departamentos de educação. Assim, o princípio da participação é o alicerce para o processo de elaboração de todo PME, pois
A intensificação dos movimentos de mobilização da sociedade revela particularidades educacionais, regionais, culturais e políticas dos entes subnacionais, as quais influenciam na construção das práticas democráticas, explicitando as complexidades da arena política local. (SCAFF; OLIVERA; ARANDA, 2018, p. 13).
São premissas na construção do PME os princípios da gestão democrática da educação, da autonomia e da colaboração. Sendo assim, um dos pontos primordiais para a configuração do PME é que seu corpus, além de estar alicerçado por conhecimento técnico-científico e sua construção feita pela coletividade, esteja em consonância com as legislações estaduais e federais conforme preconizado pelo PNE, sem, contudo, deixar de primar por suas especificidades, particularidades e demandas locais.
PME na Região Metropolitana da Baixada Santista
A CF/1988 apregoa que cabe aos governos estaduais instituir e reconhecer legalmente as Regiões Metropolitanas (RMs) a fim de que possa integrar, planejar e executar funções públicas de interesse comum, uma vez que são compostas por um conjunto de municípios contíguos integrados socioeconomicamente a uma cidade de grande porte.
De acordo com dados da Fundação Seade4 o estado de São Paulo possui uma população total de 45.072.906 habitantes e é dividido administrativamente em 06 (seis) RMs: Baixada Santista com 1.845.822 habitantes; Campinas com 3.220.291 habitantes; Ribeirão Preto com 1.680.100 habitantes; São Paulo com 21.252.384 habitantes; Sorocaba com 2.094.788 habitantes; Vale do Paraíba e Litoral Norte com 2.506.181 habitantes. É importante considerar as características das RMs presentes no Estado de São Paulo, pois conforme apontam Martins e Novaes (2012, p.146):
Além de representarem um universo expressivo no cenário paulista, as regiões metropolitanas apresentam a peculiaridade de terem sido inseridas de maneira mais incisiva no processo de metropolitanização, iniciado na capital São Paulo.
A RMBS foi criada em 1996, por meio da Lei Complementar Estadual n. 815, composta por 09 (nove) municípios: 1) Bertioga que atualmente tem uma população de 64.526 habitantes; 2) Cubatão com 130.025 habitantes; 3) Guarujá com 318.774 habitantes; 4) Itanhaém com 99.751 habitantes; 5) Mongaguá com 55.216 habitantes; 6) Peruíbe com 66.747 habitantes; 7) Praia Grande com 321.008 habitantes; 8) Santos com 429.513 habitantes e 9) São Vicente com 360.262 habitantes.
A RMBS abrange a porção central do litoral paulista ocupando uma área de 2.419,93 km² o que corresponde a 1,0% do território do estado. Embora composta por apenas 09 (nove) municípios, é uma das RMs mais importantes do Estado de São Paulo, devido, principalmente, ao turismo dada sua localização na região sul da costa do estado banhada pelo Oceano Atlântico. No que diz respeito às construções e aos processos de elaboração dos PMEs nos municípios da RMBS é importante observar que as cidades possuem caminhos sócio-históricos de constituição federativo-municipais diversos e bem peculiares.
Dado o processo histórico de constituição de cada município é relevante considerar, por exemplo, que São Vicente e Santos, configurados como algumas das primeiras e mais antigas cidades do país, são maiores e com processos de ocupação e povoamento distintos dos demais, o que incide no porte dos órgãos municipais e na estrutura político-administrativa que ancora a implementação de políticas públicas locais.
Os PMEs da RMBS são disponibilizados nos sítios eletrônicos oficiais das prefeituras municipais e, por meio eletrônico, é possível fazer download dos arquivos digitalizados do PME de cada município, de sua respectiva lei regulamentadora, de documentos normativos pertinentes ao monitoramento e acompanhamento dos planos e execução das ações relacionadas à educação municipal.
No processo de busca virtual pelos documentos foi possível perceber que apenas os municípios de Santos e Cubatão disponibilizam virtualmente os relatórios de monitoramento e acompanhamento de seus respectivos PMEs, embora todos apontem para a criação da comissão de avaliação e monitoramento dos planos.
No quadro 1, registram-se os números das leis que normatizaram os PMEs nos municípios e os dispositivos que regulamentam as comissões de monitoramento e avaliação dos mesmos.
Município | Lei | Relatórios de monitoramento e avaliação |
---|---|---|
Bertioga | Lei n. 1.165 de 26 de junho de 2015 | Não encontrado |
Cubatão | Lei n. 3.773 de 28 de dezembro de 2015 | Decreto Municipal n. 10.675, de 17 de novembro de 2017 |
Guarujá | Lei n. 3.985 de 14 de novembro de 2012 | Não encontrado |
Itanhaém | Lei n. 4.027, de 2 de julho de 2015 | Não encontrado |
Mongaguá | Lei n. 2.736, de 23 de Junho de 2015 | Não encontrado |
Peruíbe | Lei n. 3380, de 28 de setembro de 2015 | Não encontrado |
Praia Grande | Lei n. 1.772 de 09 de junho de 2015 | Não encontrado |
Santos | Lei n. 3.151, de 23 de junho de 2015 | Portaria n. 117/2018 - GPM de 28 de junho de 2018 |
São Vicente | Lei n. 3325-A, 15 de maio de 2015 | Não encontrado |
É necessário considerar que os relatórios de monitoramento e avaliação dos PMEs são extremamente importantes, pois se configuram como política pública de acompanhamento sistemático das ações educacionais e umas das formas, previstas em lei, da garantia participação social e da democratização da educação nas municipalidades.
Outra observação importante é a de que o PME dos municípios em pauta deveria estar em consonância com o Plano Estadual de Educação (PEE), entretanto o PEE do estado de São Paulo foi sancionado somente em 2016, ano em que todos os PMEs da RMBS já estavam elaborados e regulamentados pelos respectivos municípios. A elaboração dos PEEs, conforme indica estudo realizado por Souza e Pires, se configurou como um processo complexo e destituído de autonomia regional, pois, nas palavras dos autores “cumpre registrar [...] que os PEEs incorporaram também, em sua maioria, as indicações feitas pelo PNE” (p. 79).
Nessa direção Martins e Novaes (2012, p. 149) assinalam que:
Ainda que os municípios tenham autonomia para a elaboração dos seus planos de educação, a articulação com os demais entes federados é complexa e exige uma compreensão do contexto político brasileiro. No âmbito federal, os principais documentos oficiais e marcos legais que definem as diretrizes para a gestão democrática das redes de escolas, por exemplo, constituem conjunto legal e normativo bastante difuso, sobretudo após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96; preconiza diretrizes que são ‘traduzidas’ em outras esferas executivas e legislativas do país, de maneira que sua implementação apresenta contornos diferenciados.
Dos municípios que integram a RMBS destaca-se como exceção, o município de Guarujá que teve seu PME decenal elaborado no ano de 2012 com validade até o ano de 2021. Não foi encontrada pela busca virtual nenhuma alteração de lei ou decretos municipais que fizessem adequações, alusões ou que se relacionassem às mudanças/adequações apregoadas pelo PNE em 2014.
Nos PMEs observados da RMBS, elaborados em sua grande maioria no ano de 2014 e aprovados em 2015, é possível encontrar linearidade textual e homogeneidade discursiva. Há presença de pequenas alterações pontuais condizentes às realidades locais e aos índices de melhoria na educação municipal, mas os textos que subsidiam as discussões, metas e propostas demonstram padronização em relação ao PNE/2014. Esses dados corroboram com outros estudos já realizados em torno do tema. Martins e Novais (2012), em investigação que analisou os PMEs das Regiões Metropolitanas de São Paulo aprovados entre os anos de 2003 e 2004, observaram certa fragilidade textual, pois os documentos analisados pelas autoras apresentavam “metas, objetivos e algumas poucas ações para alcançá-los”. Prosseguem apontando o fato de que especialistas externos e pesquisadores acadêmicos atuaram na formulação dos documentos, pois os planos examinados apresentavam a mesma estrutura: um histórico de constituição dos municípios; aspectos de construção das redes de ensino. As autoras chamam atenção, ainda para o fato de que alguns textos de municípios diferentes, repetiam dados educacionais idênticos, ou seja, não houve o cuidado de verificar ou checar a veracidade das informações.
Souza e Pires (2018) assinalam também que
Era razoável se esperar que os estados não inovassem muito na elaboração de seus planos educacionais, tendo em vista especialmente a metodologia e o modelo adotados pelo PNE (SOUZA, 2017); contudo, havia aqui um espaço para o desenvolvimento mais autônomo dos sistemas educacionais, que poderiam incorporar os avanços que a própria legislação estadual já havia conquistado. (p. 79-80)
Identifica-se, inicialmente, que a análise textual dos PMEs da RMBS desvela aspectos sócio-históricos que se referem à diversidade de origem e desenvolvimento dos municípios da Baixada Santista, o que provoca desdobramentos em virtude de diferentes capacidades institucionais das Secretarias Municipais de Educação para elaborar diretrizes oficiais em consonância com as demandas das redes de ensino e de seus profissionais, corroborando, também, resultados de estudos que discutem questões acerca da fragilidade de poder local (SCAFF, OLIVEIRA e LIMA, 2018).
Dos municípios que compõem a RMBS apenas o município de Mongaguá não possui uma Secretaria Municipal de Educação (SME). O município conta com o Departamento Municipal de Educação (DEM) o que torna o município dependente e vinculado diretamente ao Estado e à Diretoria de Ensino da Região de São Vicente (DERSVI). Os demais municípios possuem, de certa forma, maior autonomia na construção e implementação de suas políticas públicas educativas, pois não são orientados de maneira intensiva (e ostensiva) pela DERSVI. Embora devam reportar-se, também, ao órgão maior – Estado – como órgão regulador há maior autonomia e poder de decisão das secretarias das municipalidades, o que não ocorre no município de Mongaguá em decorrência da ausência de uma SME.
Um dos desdobramentos da pesquisa inicial permitiu refletir sobre os documentos dos municípios de Mongaguá e Itanhaém, uma vez que os documentos oficiais das duas cidades fornecem elementos textuais e subsídios necessários para alicerçar a análise dos textos oficiais que compõem as referidas legislações.
Há de se considerar, também, o avizinhamento territorial dos municípios – cerca de 20 km de distância entre os centros das duas cidades – e a relação de dependência que existia entre os municípios até os anos de 1959, ano em que Mongaguá deixa de ser subdistrito de Itanhaém. A proximidade entre as duas cidades promove de certa forma, considerável “compartilhamento de profissionais da educação”, pois muitos professores das redes acumulam cargos dividindo-se entre as duas cidades.
Dessa forma pretende-se identificar, por meio de elementos textuais revelados pelos documentos, potencialidades, entraves e percursos de elaboração dos PMEs nas respectivas municipalidades considerando seus contextos de produção e o quanto as equipes técnicas responsáveis pela condução e elaboração dos PMEs convergiram no sentido de garantir o princípio democrático e participativo.
Os municípios de Mongaguá e Itanhaém: breve contextualização
Mongaguá, de acordo com o histórico de formação e construção do município, explicitado em seu PME5, era habitada por índios guaranis, quando, por volta do ano de 1532, os colonizadores portugueses mantiveram seus primeiros contatos com os nativos locais. O nome do município, de origem indígena, significa “água pegajosa”, em decorrência do rio com o mesmo nome, onde os índios pescavam e viviam às suas margens.
Com o passar do tempo, o domínio português pelo litoral foi aumentando e Mongaguá passou a pertencer à Capitania de São Vicente e, posteriormente, à Capitania de Itanhaém. Muito tempo depois, no ano de 1948, Mongaguá é desmembrado de São Vicente tornando-se um distrito de Itanhaém. Por meio de plebiscitos e movimentos sociais, Mongaguá passa a ser reconhecida como cidade e tem sua autonomia administrativa decretada em 1959 e sua emancipação ocorreu em 07 de dezembro de 1959.
Por se tratar de um município relativamente jovem, em relação aos outros municípios que integram a RMBS, é de se esperar que muito de sua política pública educacional ainda engatinhe diante do panorama nacional ou mesmo em relação aos municípios vizinhos que compõem o litoral sul paulista e a RMBS. Mongaguá possui poucas décadas de emancipação o que pressupõe que suas políticas públicas ainda caminham no intuito de convergir com as políticas estaduais e federal.
Tratar da elaboração e construção de políticas públicas e de documentos que norteiem a educação municipal se configura como uma tarefa extremamente complexa e que pode trazer inúmeros desafios, principalmente aos municípios menores.
Há de se considerar, também, as dificuldades – sobretudo para os municípios de pequeno porte, mas não apenas para estes – na composição de equipes técnicas preparadas para enfrentar desafios na gestão das redes escolares e qualificadas para elaborar programas, projetos e medidas legais. (MARTINS; NOVAES, 2012, p. 144)
A rede pública de ensino de Mongaguá é composta por 46 unidades escolares; 550 professores(as) sendo que 399 estão lotados na rede municipal e 151 na rede estadual. Em 2020 o município atendeu na rede de ensino um total de 14.487 alunos(as). Desse total, 884 estão na creche; 1.357 na Pré-escola; 4.279 nos anos iniciais; 3.732 nos anos finais; 2.168 no ensino médio; 641 na educação de jovens e adultos e 327 em escola de educação especial.
A cidade de Itanhaém é a 2ª cidade mais antiga do país, fundada em 22 de abril de 1532. O PME do município explicita que não há clareza sobre a data de fundação do município, sobre seus fundadores e sua história, mas aponta figuras históricas como, por exemplo, Martin Afonso de Souza sendo o responsável pela escolha do local de povoamento da região, local onde existia aldeamento indígena e a escolha do local se deu em função das riquezas naturais.
A rede de Itanhaém possui 53 escolas e 1.284 professores(as) sendo que 987 estão na rede municipal e 297 na rede estadual. Em 2020 foram atendidos 24.692 estudantes: 2.253 estavam matriculados na creche; 2.727 na pré-escola; 7.986 nos anos iniciais; 6.324 nos anos finais; 4.105 no ensino médio; 727 na educação de jovens e adultos e 570 em escola de educação especial.
O processo de construção dos PMEs
Em conformidade com o que foi determinado pelo PNE e balizado nos princípios da democracia, participação e colaboração da sociedade civil organizada, órgãos colegiados, poder executivo, legislativo e judiciário, o processo de construção e elaboração do PME no município de Mongaguá aconteceu em etapas que contaram com a contribuição e colaboração das diversas esferas e segmentos/organizações sociais.
O movimento de reflexões e discussões acerca da elaboração das propostas e metas para as políticas públicas da educação em Mongaguá iniciou-se no ano de 2014 com a criação da Comissão Executiva e de Sistematização do Plano Municipal de Educação por meio do Decreto Municipal n. 6092 de 26 de agosto de 2014.
A comissão foi presidida e organizada pela então diretora do DEM, professora Irene Clementina Marques Tupiná, e a equipe técnica foi composta por membros do DEM (supervisores e coordenadores de ensino), uma representante das escolas municipais (diretora de escola) e pelo presidente do Conselho de Educação (que à época exercia a função de coordenador pedagógico na rede pública municipal).
O processo de elaboração e construção do PME, bem como suas diretrizes, deve ser consonante ao Plano Estadual de Educação (PEE). Entretanto, o PEE do Estado de São Paulo foi finalizado somente um ano após a elaboração do PME de Mongaguá (fato este que aconteceu em diversos municípios paulistas), pelo sancionamento da Lei n. 16.279, de 08 de julho de 2016. Portanto, há de se considerar que a construção do PME no município pautou-se somente nas prerrogativas e diretrizes nacionais conforme indica o próprio documento oficial mongaguaense, corroborando com os estudos de Souza e Pires (2018) e Martins e Novais (2012).
Após analisar as proposições e diretrizes do PNE, realizou-se estudo sistemático das metas e estratégias propostas pela legislação. A equipe técnica organizou um documento preliminar com as propostas municipais para cada uma das vinte metas nacionais promovendo análise dos dados municipais e projetando ações de melhorias para cada uma delas considerando a realidade e as necessidades locais/municipais.
É importante observar a redação do PME de Mongaguá em que a equipe técnica não só se pauta na legislação federal (PNE) como também se limita a realizar “pequenos ajustes” no texto oficial alterando-o somente no que tange às necessidades específicas municipais.
Uma via impressa e uma versão digitalizada (encaminha por meio de endereço eletrônico “e-mail”) do documento preliminar foram enviadas às escolas (públicas e particulares) para que fossem apresentadas aos docentes, equipe gestora, funcionários e comunidade escolar como um todo.
De posse do documento preliminar as unidades escolares realizaram reuniões e encontros abertos com a comunidade escolar a fim de apresentar a proposta preliminar (pré-projeto) do documento e assim refletir, discutir, debater e recolher contrapropostas e sugestões de alteração para posteriormente encaminhá-las à equipe técnica para análise e compilação.
Após a fase de reuniões nas escolas, o material produzido foi encaminhado ao DEM e analisado pela comissão técnica. As sugestões e propostas de alterações foram compiladas de modo que em audiência pública fossem deliberadas. A audiência pública aconteceu em 18 de junho de 2015 na chamada “Conferência Municipal do PME” realizada no Centro de Eventos Itapoan em Mongaguá.
Feitas as considerações pelos presentes e realizadas as alterações, finalizou-se a conferência e o PME do município de Mongaguá foi aprovado sem alterações ou vetos pela Câmara dos Vereadores de Mongaguá em 22 de junho de 2015 na 19ª sessão ordinária da câmara municipal.
Em Itanhaém, o processo de construção do PME se deu a partir do Decreto n. 3.231, de 14 de julho de 2014, que instituiu a comissão com representantes da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes (SECE); dos diretores de escolas; assessores pedagógicos e de supervisão escolar; professores; pais de alunos, conselheiros municipais; sociedade civil e técnicos da Educação oriundos de instituições particulares e de ensino superior.
Nesse sentido, vale observar que a comissão para encaminhamento da construção do PME de Itanhaém é composta por sujeitos de diversos segmentos sociais o que não se constata na comissão instituída pelo município de Mongaguá, constituída predominantemente por membros ligados à gestão da educação municipal.
Os trabalhos iniciados em agosto de 2014, em Itanhaém, contaram com a organização de encontros e reuniões que definiram a metodologia a ser adotada para a construção do documento. A equipe técnica inicia o estudo sistemático das metas e estratégias postas no PNE a fim de direcionar os trabalhos para a construção do documento municipal e produzir a versão preliminar com as adequações municipais.
O município organizou, nos meses de julho e agosto de 2014, a I Semana de Mobilização para o PME de Itanhaém, que contou com a participação das unidades escolares e representação de seus respectivos órgãos colegiados. O evento teve o objetivo de recolher as propostas elaboradas pelos grupos para que se pudesse posteriormente refiná-las a fim de que fossem introduzidas em um novo documento.
De posse das propostas advindas das unidades escolares, a comissão sistematizou e produziu um novo documento atualizado compilando todas as propostas apresentadas até então. Dessa forma, com um novo documento – agora nomeado como “documento-referência” – foi realizada a II Semana de Mobilização para o PME de Itanhaém realizada entre os meses de março e abril de 2015.
A I Conferência Municipal de Educação de Itanhaém, realizada em 21 de maio de 2015, reuniu, em um compêndio, todas as análises e produções realizadas pelas plenárias que integraram a II Semana de Mobilização de Educação. Nas plenárias analisaram-se as propostas e foram apontadas emendas supressivas, aditivas e/ou substitutivas para a composição da versão final do documento.
O documento resultante da conferência foi divulgado em abril de 2015 e continha 234 sugestões de diretrizes, objetivos e metas para a Educação itanhaense, contemplando todos os níveis de ensino, além de temáticas pertinentes à gestão democrática do ensino e valorização de professores. Em 02 de julho de 2015 é aprovada, pelo legislativo municipal, a Lei n. 4.027 que “Aprova o Plano Municipal de Educação da Cidade de Itanhaém para o decênio 2015-2024, e dá outras providências.”
Por meio das produções advindas das conferências, encontros e discussões para projeção das metas e estratégias para a educação itanhaense, foi elaborado um documento que tentou, de certa forma, distanciar-se do texto apresentado pelo PNE, mas manteve o caráter essencial do documento. É possível perceber que as propostas e metas, apesar de terem sido construídas de maneira textual distinta do documento federal trazem em seu bojo os mesmos pressupostos.
Meta 19: a gestão da educação nas municipalidades
Não é foco deste artigo discorrer e analisar todas as metas e propostas dos PMEs dos municípios, entretanto, se faz necessária uma breve apresentação da meta 19 estabelecida pelo PNE e das diretrizes previstas para a mesma nos documentos municipais. A Meta 19 faz referência à gestão da Educação, gestão escolar e práticas democráticas engendradas nos municípios.
Ao tratar da meta 19 do PNE, o município de Mongaguá projeta esta meta em seu PME da mesma maneira, ou seja, com a mesma redação observada no documento federal. No PME mongaguaense são tecidas considerações acerca das questões que permeiam a estratégia 19, do PNE, ao conceituar “gestão democrática da educação”, e enumeradas as estratégias que comporão as ações municipais para adequar-se ao documento.
Considerando os pressupostos do PNE e conforme projetado no PME de Mongaguá, as estratégias 19.1 e 19.8 afirmam a necessidade da definição de critérios objetivos para o provimento de cargos de gestores(as) escolares, entretanto o texto aprovado por Mongaguá, tal qual o do PNE, não cria ou efetiva, de fato, os critérios necessários para o provimento/escolha dos cargos.
Nessa direção, no que se refere às leis municipais que regem a educação em Mongaguá, a Lei Complementar n. 16, de 07 de outubro 2011, dispõe sobre o plano de carreira do magistério público municipal e suas especificidades. Esta legislação, apresenta o artigo que versa sobre o acesso ao cargo de diretor(a) de escola, pois, em conformidade com a lei municipal, o ingresso na função de diretor escolar configura-se única e exclusivamente como função de livre provimento e de indicação do chefe do Poder Executivo, no caso, o prefeito municipal, por meio de nomeações e portarias:
§ 1º Os cargos de Diretor Municipal de Educação, Diretor de Departamento de Educação, Supervisor de Ensino, Diretor de Escola, Vice-Diretor de Escola, Diretor de Creche, Coordenador Pedagógico, Coordenador de Projetos e Coordenadores de Áreas de Conhecimento serão cargos em comissão, de livre provimento e exoneração. (MONGAGUÁ, 2011)
A cidade de Itanhaém, no que se refere à meta 19, não trata da matéria específica de provimento de cargos de gestores(as) escolares. Traz considerações sobre democratização da educação e do ensino, da necessidade da interação e fomento à participação dos Conselhos Escolares e de mecanismos democráticos e da necessidade de participação da comunidade escolar.
De acordo com o PME, a forma de provimento do cargo de gestor(a) escolar em Itanhaém acontece por meio de concurso público e é regulamentado pela Lei Complementar n. 89, de 12 de março de 2008: “II - Classes de Suporte Pedagógico: nomeação em comissão, exceto para o cargo de Diretor de Escola que será provido mediante concurso público de provas e títulos”.
Vale destacar que a redação do PME de Itanhaém deu-se no ano de 2015 e, no que se refere ao ingresso e acesso ao cargo de diretor(a) de escola e outras funções do magistério público, a Lei Complementar n. 193, de 7 de junho de 2018, alterou a forma de ingresso/acesso aos cargos de diretor(a) de escola no município:
Art. 3º Os cargos das classes de suporte pedagógico do Quadro do Magistério Público Municipal serão providos e as funções de confiança serão exercidas na seguinte conformidade:
[...]
II - mediante designação pelo Prefeito, funções de confiança de Diretor de Escola, Vice-Diretor de Escola e Assessor Pedagógico.
Art. 4º Os cargos de Diretor de Escola providos em caráter efetivo, mediante concurso público, serão extintos na vacância. (ITANHAÉM, 2018)
Os PMEs elaborados e aprovados em 2015, em conformidade com o PNE, trouxeram em seu cerne a necessidade, conforme já apontado, de alterações nas formas de ingresso e acesso ao cargo de diretor de escola, de modo que tal ação fosse feita de maneira democrática, participativa e pautada em critérios objetivos de seleção. Entretanto, desde o sancionamento do PME de Mongaguá, em 2015, a educação municipal não teve nenhuma legislação, emenda, dispositivo ou decreto que alterasse as formas de ingresso/acesso aos cargos de diretores de escola nas unidades municipais de ensino, permanecendo, ainda, como cargo de livre provimento e exoneração. Já em Itanhaém, a legislação de 2018, posterior à promulgação do PME de 2015, alterou a forma de ingresso ao cargo de diretor(a) e normatizou que os cargos antes concursados passam a ser comissionados, de confiança e de indicação do prefeito e que, inclusive, aqueles atualmente concursados na ocasião da vacância serão extintos.
Os mecanismos de acesso e ingresso na gestão das unidades escolares nas municipalidades demonstram a fragilidade no processo de escolha dos(as) diretores(as) das escolas municipais fundamentando-se em formas de acesso que não promovem efetiva democratização da educação e da escola, pois ratificam o poder exercido pela política local.
Essa constatação reitera limites na ampliação de formas democráticas de acesso ao cargo, já apontados em outras pesquisas, revelando ser ainda predominante, na realidade das redes municipais de ensino, a concentração de poder em órgãos centrais, caracterizada inclusive por indicações políticas do executivo e/ou de representantes do legislativo local. [...] Como a escolha de dirigentes escolares (não abordada na LDB) é feita de diferentes formas por estados e municípios, desenha-se um mosaico, conforme apontam pesquisas da área. (MARTINS et al., 2018, p. 1.046- 1.047).
É preciso refletir sobre possíveis desdobramentos nos critérios que regem o acesso/ingresso de diretores(as) de escola nos municípios, uma vez que as normativas/legislações municipais definem que o cargo é de livre provimento do Poder Executivo, o que pode promover intercorrências políticas e dificultar a efetivação da gestão democrática nas unidades escolares. Pode-se inferir, assim, que essa forma de acesso/ingresso revela predominância de decisão no executivo municipal e na impossibilidade de participação no processo de escolha, pela comunidade escolar ou mesmo de outros critérios objetivos que deveriam ter sido criados.
É possível inferir que, por se serem essencialmente funções de livre provimento e exoneração do executivo, os ocupantes de cargos podem omitir, em suas práticas profissionais, discordâncias das decisões do executivo local, ou configurar, por acomodação ao cargo, uma participação na escola caracterizada como regulamentada e formal (LIMA, 2011), remetendo, muitas vezes, a um envolvimento reservado e passivo, uma vez que o(a) diretor(a) está condicionado/a a uma dependência profissional e às relações político-partidárias. Essa dinâmica pode ocorrer em função da proximidade dos(as) diretores(as) com os órgãos de gerenciamento municipais e, principalmente, pelos meios de acesso ao cargo, predominantemente por indicações políticas (MARTINS et al., 2018).
Considerações Finais
O panorama histórico-político e dos contextos de produção e configuração dos documentos oficiais que regem a educação nos municípios da RMBS permite-nos refletir sobre as carências e os entraves encontrados pelos municípios em decorrência da ausência do PEE no estado de São Paulo, promovendo linearidades textuais entre os documentos oficiais locais e metas contidas do PNE.
Pode-se inferir que a ausência de publicização dos relatórios de monitoramento e avaliação dos PMES por grande parte dos municípios da RMBS evidencia a dificuldade das municipalidades na efetivação do acompanhamento e avaliação dos planos implicando – conforme assinala o estudo de Scaff, Oliveira e Lima (2018) – em prejuízos quanto à transparência das ações relativas à educação municipal e também no descumprimento do que está proposto no PNE e apontado nos próprios PMEs, no que se refere às garantias de participação social, democratização da educação e acompanhamento dos planos em nível local. No cenário que emergiu por meio das análises dos PMES da RMBS identifica-se que é preciso aplicar garantias de acesso, participação e democratização da educação nas municipalidades, principalmente no que se refere à avaliação e monitoramento dos planos.
O memorial do processo de produção do PME em Mongaguá revela que embora o plano tenha sua construção em consonância com as diretivas apregoadas pelas legislações maiores (PNE e LDBEN) garantindo o princípio da democratização e de participação, a equipe técnica responsável pela sistematização e consecução do documento era composta majoritariamente por membros que compunham a gestão da educação à época, deixando transparecer, assim, certo controle por parte do executivo na organização e finalização do documento. Neste caso, vale destacar que, talvez, seja necessário consagrar a independência da educação municipal por meio da criação da SME, de modo a garantir autonomia para legislar e legitimar as ações adotadas e implementadas.
Em Itanhaém, o processo de elaboração do PME foi garantido pela participação social conforme apregoam as diretrizes federais, com a constituição da comissão técnica composta por diversos atores sociais e também pelos momentos de discussão e (re)construção do documento, concretizados por meio das conferências.
No que concerne ao ingresso/acesso ao cargo de diretores(as) escolares, previstos pela meta 19 do PNE e dos PMES nos municípios, é preciso refletir sobre possíveis desdobramentos nos critérios que os regem. As normativas municipais definidas para acesso ao cargo, nas duas cidades, são por meio de indicação do Poder Executivo o que pode promover intercorrências políticas e dificultar a efetivação da gestão democrática nas unidades escolares revelando, assim, a soberania da decisão político-partidária ferindo o princípio da democratização da escola e do ensino.