Introdução
O artigo traz como tema central o planejamento educacional, focalizando o monitoramento e a avaliação concebidos como instrumentos que podem favorecer a execução do Plano Nacional de Educação (PNE), mostrando os desafios da atuação dos conselhos de educação como uma das instâncias responsáveis para o cumprimento dessa ação.
Um importante marco histórico, no âmbito educacional, que traz a ideia de planejamento educacional é o Plano Nacional de Educação, principalmente a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, cujo processo de construção, como afirma Drabach (2016), foi atravessado por propostas colidentes e antagônicas entre a ideia de uma educação com qualidade social e a tese conservadora de uma educação submetida ao mercado.
A ideia de planejamento educacional se desenvolveu, com mais intensidade, a partir do processo de reconstrução democrática do Estado brasileiro, que se deu por meio do confronto entre forças antagônicas representadas, de um lado, por movimentos sociais, partidos progressistas, entidades formadas por pesquisadores no campo da educação e outros setores que resistiram contra as ideias neoliberais para que se consolidasse uma democracia participativa, visando ampliar direitos, sobretudo no campo educacional. De outro lado, havia as elites políticas e econômicas (nacionais e internacionais) conservadoras que ambicionavam consolidar um projeto de sociedade no qual o poder hegemônico mantivesse o status quo.
A partir da Constituição de 1988 foram retomadas as demandas sociais e a ampliação de direitos, mas os estudos de Pantoja e Damasceno (2022) comprovam que em seu texto final não incorporou importantes contribuições de caráter progressista, como as que se encontravam na Carta de Goiânia elaborada na IV Conferência Brasileira de Educação ocorrida naquela cidade em 1986. Entretanto, em que pesem seus limites, é possível afirmar que a Constituição de 1988, em relação a todas as anteriores, trouxe importantes avanços no campo educacional e demarcou mudanças que atenderam, mesmo em parte, os objetivos do campo progressista.
Todavia, junto com os pontuais direitos advindos de sua concepção se consolidou um projeto de sociedade mais voltado para os princípios do neoliberalismo, como a diminuição da atuação governamental na educação, o que implicou, por exemplo, na abertura para uma atuação mais intensa das entidades privadas, que passaram a assumir serviços antes exclusivos do Estado.
Mesmo em meio a mudanças na conjuntura e de consolidação do Estado neoliberal, os estudos de Dourado (2010; 2013; 2016; 2017), Saviani (2008; 2017), entre outros, evidenciaram não só o estabelecimento de leis, mas a implementação de espaços de participação social em todo território nacional e a inserção de diferentes segmentos sociais no processo de planejamento e avaliação de políticas, entre eles, estão os conselhos de educação.
A promulgação da Constituição de 1988 e a aprovação da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, definiu como ato importante a elaboração do plano de educação que deveria ser construído de forma integrada e articulada entre os entes federados (arts. 9º, 10 e 11). A partir dessa legislação, a elaboração e aprovação dos planos nacionais foram marcadas pela ampla mobilização e participação social.
Como resultado, o PNE de 2001-2011 trouxe o planejamento educacional como elemento central, e a aprovação do PNE de 2014-2024 avançou ainda mais na concepção do planejamento educacional das políticas públicas, inserindo novos elementos para favorecer a execução do plano, como o monitoramento e a avaliação e acrescentou novos partícipes sociais para efetivar essa tarefa, como por exemplo, inseriu a participação dos conselhos de educação para não só acompanhar, mas monitorar e avaliar o cumprimento do plano de educação.
No âmbito educacional, a adoção desses instrumentos de monitoramento e avaliação de políticas públicas tem uma história recente, e esses instrumentos são compreendidos como aparelhos que verificam se uma política alcançou seus objetivos ou não e apontam possibilidades para o replanejamento das ações até sua efetivação.
Os avanços e retrocessos na efetivação dos planos de educação no Brasil nos faz interrogar qual a importância do monitoramento e a avaliação como instrumentos do planejamento educacional para o atingimento das metas do PNE. Para responder a essa pergunta, nos propomos a analisar o processo de elaboração e implementação do PNE como ferramenta de planejamento educacional no Brasil. Para isso, abordaremos esse apontamento a partir da Constituição de 1988, depois examinaremos os conceitos de monitoramento e avaliação, abordando limites e possibilidades da atuação dos conselhos de educação nesse processo; e apresentaremos os desafios atuais para recuperar um projeto educacional democrático e para todos.
Este texto traz como opção metodológica a abordagem qualitativa que, segundo André (2013, p. 97) se fundamenta “[...] numa perspectiva que concebe o conhecimento como um processo socialmente construído pelos sujeitos nas suas interações cotidianas, enquanto atuam na realidade, transformando-a e sendo por ela transformados”. Considerando as afirmações citadas, o enfoque qualitativo é um caminho que nos ajuda a compreender o mundo real a partir da prática social dos sujeitos que se constroem por meio das relações sociais, culturais, políticas e econômicas transformando e sendo transformados numa relação de mutualidade.
Assim, para problematizar o processo de monitoramento e avaliação dos planos de educação, focalizando os conselhos de educação como uma das instâncias responsáveis por essa tarefa, se faz necessário analisar algumas determinações históricas, sociais e políticas mais amplas para conhecer a essência do fenômeno educativo desse objeto de estudo.
Para materializar o trabalho, realizamos inicialmente a revisão bibliográfica acerca da temática e selecionamos os documentos necessários, tendo como principais bases teóricas os estudos de Dourado (2010; 2013; 2016; 2017), Bordignon (2009; 2013; 2014) Santos e Scaff (2021), Scaff e Ferreira (2019) e outros. Definimos como corpus principal de análise o Plano Decenal de Educação para Todos de 1993 a Emenda Constitucional nº 59/2009, a Lei nº 10.172/2001, que aprovou o PNE 2001-2011 e a Lei nº 13.005/2014, que aprovou o PNE 2014-2024.
Para além da introdução, o texto é composto de mais três partes. A primeira abrange uma breve análise do processo de elaboração e implementação do PNE como ferramenta de planejamento educacional no Brasil, relacionando a concepções ligadas aos princípios e às práticas da gestão democrática, como também vinculadas aos princípios neoliberais. A parte subsequente examina conceitos de monitoramento e avaliação do PNE, abordando limites e possibilidades da atuação dos conselhos de educação como partícipes sociais e coletivos nesse processo. Por último, as considerações finais apresentam os achados do estudo apontando os desafios atuais para recuperar um projeto educacional democrático e para todos.
Planejamento educacional no Brasil a partir da Constituição de 1988
Nesse item apresentaremos uma breve análise do processo de elaboração e implementação do PNE como ferramenta de planejamento educacional no Brasil, relacionando a concepções ligadas aos princípios e às práticas da gestão democrática, como também vinculadas aos princípios neoliberais.
Entre o fim da década de 1980 e início dos anos de 1990, segundo Beisiege (1999, p. 220), o Brasil participou de importantes eventos internacionais, a exemplo da “Conferência Internacional de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990; Declaração de Nova Delhi, Índia, 1993; Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, Egito, 1994 [...]” e outros. Como participante, e influenciado por esses eventos, o país mobilizou amplamente os estudantes, professores, gestores das escolas e entidades representativas que participaram das discussões que geraram o Plano Decenal de Educação para Todos em 1993, tendo como base as ideias oriundas dos eventos citados.
O Plano Decenal de Educação para Todos (1993), segundo Shiroma, Moraes e Evangelista (2000, p. 62), traçou “[...] metas locais a partir do acordo firmado em Jomtien e acenava aos organismos multilaterais que o projeto educacional por eles prescrito seria aqui implantado”. De acordo com essa afirmação, esse documento, mesmo sendo elaborado com ampla participação dos segmentos sociais, foi fortemente influenciado pelos princípios neoliberais e não se erigiu na forma de lei. Além disso, conforme os estudos de Sá e Ferreira (2020), esse documento não fez referência às estratégias políticas para o enfrentamento e superação dos desafios socioeconômicos do país.
No tocante a isso, a reforma do Estado ocorrida no ano de 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), reafirmou os princípios neoliberais da governança pública2 e accountability3, consolidando o movimento da Nova Administração Pública (NAP), com isso a perspectiva gerencial radicou a ideia de que a gestão do orçamento combinado com esses princípios favoreceria a efetividade das políticas públicas, patrocinando e implementando procedimentos do campo empresarial sob alegação de substituir o Estado, burocrático e inoperante (BRESSER-PEREIRA, 1997).
A ideia gerencial de gestão segundo Carvalho (2009) foi engendrada para delegar responsabilidade ao poder local para acompanhar, monitorar, avaliar, planejar os resultados das políticas, aumentando as responsabilidades dos municípios mas diminuindo a atuação da União, significando muito mais a desconcentração das ações e recursos no lugar do que deveria ser uma descentralização articulada entre os entes federados, ou seja, um verdadeiro regime de colaboração, já previsto na Constituição de 1988 (art. 211).
A “retirada” do Estado e o enfraquecimento federalista também representou o que Montaño (2014) chamou de desresponsabilização com as questões sociais, entre elas a educacional, muito característico do Estado neoliberal. Diante disso, entendemos que ao pensamento neoliberal interessa fragmentar as políticas públicas educacionais previstas nos planos, prova disso é que, mesmo o Brasil sendo uma das maiores economias mundiais, não consolidou seus planos de educação.
Traçando possíveis análises sobre esse assunto, nos últimos 30 anos, diante das crises econômicas, o Brasil foi uma das maiores economias mundiais, mesmo com a queda no ranking nos anos 2019 a 2021 o PIB do Brasil se manteve no 13º (décimo terceiro) lugar e voltou a crescer em 2022, como divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2022). Isso nos leva a afirmar, no mínimo, que não se trata de falta de recursos para investir em educação no Brasil.
Em síntese, entendemos que a não efetivação dos planos de educação não está relacionada à falta de recursos, mas à ideia de que a educação não é prioridade neste país, porque sem investimento ela se fragiliza e atende muito mais à manutenção do status quo, cujo interesse é formar pessoas com o mínimo necessário para se adequar aos anseios, necessidades e mudanças do mercado do que a um projeto societário e solidário.
Um movimento contraditório foi evidenciado com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 59, de 11 de novembro de 2009, que determinou que os planos decenais deveriam abranger todos os níveis e modalidades do ensino, oportunizando aos cidadãos acesso ao estudo obrigatório dos 4 a 17 anos de idade e a todos aqueles que não tiveram esse acesso na idade certa e definiu também que, para organizar os sistemas de ensino, os entes federados deveriam definir formas de colaboração (art. 2º).
Em 2016, pelas pressões do capital nacional e internacional e por meio de grupos políticos e econômicos, a presidente Dilma Rousseff foi cassada por motivos controversos, quando assumindo, Michel Temer promoveu uma sequência de decisões que ofenderam direitos já conquistados, fortalecendo ainda mais o projeto neoliberal das elites e enfraquecendo os direitos já conquistados na legislação educacional.
Uma dessas ações governamentais foi a aprovação da EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que conteve os recursos da saúde e da educação por um período de 20 anos, resultando na diminuição dos investimentos aos entes federados, corroborando a precarização e comprometendo o alcance das metas do PNE (BRASIL, 2016b).
Nesse contexto, Scaff, Oliveira e Lima (2018) sustentam a ideia de que as oscilações no campo político e social fragilizaram e comprometeram a efetividade dos planos de educação no Brasil. Assim, corroborando essas ideias, Militão e Aranda (2019) afirmaram que existe uma tendência de que o processo de elaboração das políticas públicas seja mais privilegiado que as ações governamentais para efetivá-lo.
Essa tendência do descaso com o cumprimento dos planos de educação se dá em âmbito nacional, abarcando também a interrupção ou protelação da efetividade dos planos subnacionais, como comprovam as afirmações de Arelaro (2015, p. 33), que diz que no Brasil não se costuma priorizar investimentos de recursos financeiros ao que está estabelecido nos planos, “[...] Ao contrário, sua elaboração é burocrática e seu dever com os Planos termina tão logo os mesmos sejam aprovados”.
As análises de Arelaro (2015) reforçam a ideia de que educação nesse país não é prioridade, pois os planos em seu processo de elaboração parecem ganhar ênfase e importância, mas quando aprovados, são secundarizados e não recebem destaque nas ações dos governos. Reforçando essa ideia, Bordignon (2014, p. 47) ressalta que existe uma “[...] preocupação predominante [...] focada na elaboração do plano como documento técnico. Tarefa concluída, missão cumprida. Registra-se pouca preocupação com o planejamento das ações para sua implementação”.
Em síntese, planejar as ações de cada meta do PNE deve ser prioridade inserindo a mobilização do processo de monitoramento e avaliação em cada etapa para verificar seu cumprimento ou redefinir o caminho que devem percorrer, ou seja, no mínimo, deve-se abandonar as improvisações e agir com objetividade e transparência (SANTOS; SCAFF, 2021; BORDIGNON, 2014).
No tocante à ação de planejar, o primeiro PNE 2001-2011 referencia o planejamento educacional como figura central. O atual PNE 2014-2024 incorporou os princípios da EC nº 59/2009 e avançou em relação ao PNE anterior, porque determinou quais instâncias deveriam realizar o monitoramento e a avaliação do plano (art. 5º) e estabeleceu a comissão executora desse processo incluindo partícipes sociais, como é o caso do conselho e do fórum de educação.
Assim, o PNE passou a ser entendido no âmbito educacional como epicentro de políticas públicas para a nação, representando o caminho para a melhoria educacional para todos (DOURADO 2016; 2017). Portanto, em tese, passou a representar o centro das ações governamentais para permanentemente ser monitorado e avaliado. Nesse contexto, aparece o conselho de educação como uma das instâncias importantes para assumir o protagonismo e exercer o controle social, função que lhe é própria.
No período de 2019 a 2022, as ações descontinuadas e fragmentadas adotadas no governo Bolsonaro resultaram em retrocessos no campo educacional e em outros campos no âmbito social, já que os recursos públicos, como afirma Palú, Schütz e Mayer (2020), circularam muito mais para atender e manter o status quo que para suprir os problemas educacionais no país vividos, sobretudo, no período pandêmico da COVID-19, porque mesmo com a queda da posição econômica no ranking mundial nesse período, o Brasil com frequência ainda foi listado entre as dez maiores economias do planeta, mas a educação não avançou no país porque faltou a vontade política de fazê-lo.
Portanto, corroborando as ideias de Pinto (2017, p. 17), “[...] não é fácil aprovar um plano de educação, mais difícil ainda é garantir sua implantação de forma efetiva”, para isso, o esforço deve ser colaborativo, de acordo com o que anunciou Dourado (2010) precisamos desenvolver uma federação colaborativa entre os entes.
Dourado (2017, p. 12) ainda pontua que “[...] a relação entre proposição e aprovação do plano não é linear ao seu processo de materialização como política pública”. Isso quer dizer que para se materializar o PNE e os planos subnacionais implicará necessariamente ações e políticas para sua efetividade, o passo seguinte seria a implementação do processo de monitoramento e avaliação que podem ser instrumentos de gestão no âmbito educacional.
Monitoramento e avaliação dos planos de educação: limites e possibilidades à atuação dos conselhos de educação
Nesse tópico examinamos os conceitos de monitoramento e avaliação dos planos de educação, abordando limites e possibilidades da atuação dos conselhos de educação como partícipes sociais e coletivos nesse processo. Antes, porém, apresentaremos sinteticamente como se consolidou a construção do PNE de 2014.
A proposta original do PNE 2014-2024 foi elaborada coletivamente a partir de discussões promovidas na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010. Dos intensos debates e deliberações oriundas das plenárias resultou um documento que contribuiu para a elaboração de um projeto de lei que foi enviado ao Congresso Nacional.
Antes da aprovação o projeto de lei passou por muitas mudanças até sua versão final que também incorporou as contribuições advindas da CONAE de 2010, entre elas cito a criação da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) ocorrida em 2011 e a inserção das entidades colegiada no processo de monitoramento e avaliação do plano.
Extinta em 2019, por motivos questionáveis, a SASE possuía entre outras funções4 a de instituir o Sistema Nacional de Educação (SNE), estimular a colaboração entre os sistemas estaduais, municipais e do Distrito Federal e de construir uma rede de apoio técnico em nível nacional para as instâncias de monitoramento e avaliação dos planos.
A SASE forneceu os fundamentos para a construção dos planos estaduais e municipais de educação no país e expressou nos cadernos de orientação a inclusão dos fóruns e dos conselhos de educação na comissão de monitoramento e avaliação dos planos subnacionais (BRASIL, 2016a).
A institucionalização da avaliação das políticas públicas educacionais foi adotada pelos dois últimos PNEs. Embora tenham diferenças entre si, o PNE de 2014 estabeleceu o monitoramento contínuo e as avaliações periódicas das metas do plano e definiu quais instâncias passariam a realizá-las, entre as instâncias, encontram-se o conselho e o fórum de educação.
Diante dessa tarefa tão importante delegada também a esses Órgãos colegiados, a lei nº 13.005/2014 (PNE 2014-2024) estabeleceu três importantes incumbências às instâncias responsáveis pelo monitoramento e avaliação (art. 5º, §1º e §2º). A primeira, de divulgar os resultados desse processo nos sites institucionais; a segunda, de analisar e de propor políticas que visem cumprir as metas do plano; e a terceira, de analisar se o recurso destinado à implementação das metas é suficiente para o seu cumprimento.
A partir dessas incumbências, as instâncias de monitoramento e avaliação precisam acessar os indicadores oficiais e, para isso, a lei do PNE de 2014 responsabilizou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para publicar estudos a cada dois anos visando subsidiar o monitoramento e avaliação do plano e divulgar os indicadores para o alcance das metas previstas (§ 3º, art. 5º).
Diante desse importante debate, compreendemos a necessidade de conceituar monitoramento e avaliação do plano de educação. O monitoramento é entendido como “[...] um ato contínuo de observação, pelo qual são tornadas públicas as informações a respeito do progresso que vai sendo feito para o alcance das metas definidas” (BRASIL, 2016a, p. 6). Avaliação deve ser entendida como “uma ação que dá valor aquilo que foi obtido, determina até que ponto os objetivos traçados estão sendo alcançados” (BRASIL, 2016a, p. 6). Entendemos que esse movimento de monitorar e avaliar deve influenciar a decisão dos gestores públicos para quando for o caso de ajustar ou mudar as estratégias para se alcançar as metas do plano de educação.
Tendo em conta esses conceitos, podemos afirmar que monitorar e avaliar são partes constitutivas e inseparáveis do planejamento educacional. Nessa perspectiva, Santos e Scaff (2021, p. 2) afirmam que o monitoramento e a avaliação devem ser compreendidos como “[...] procedimentos técnicos, de cunho analítico, sistemático e contínuo que, ao gerarem informações sintéticas e em tempo eficaz, permitem a rápida avaliação situacional e a intervenção oportuna”, assim, os gestores podem ajustar e/ou corrigir as ações monitoradas.
Santos e Scaff (2021, p. 3) advertem ainda que a avaliação tem caráter diagnóstico e deve se pautar em informações de “[...] fontes oficiais, de modo a dimensionar e caracterizar o fenômeno objeto da intervenção”. Nesse mesmo caminho, Bordignon (2014) diz que avaliar políticas públicas deve ser uma ação técnica e política. Somandose a essa perspectiva, Scaff e Ferreira (2019, p. 3) afirmam que os planos de educação passaram a se configurar como “[...] instrumentos fundamentais para a efetivação da política pública de educação, que se realiza no contexto de condições objetivas que se processam na esfera local”.
A lei do PNE de 2014 definiu formas para a execução das metas do plano (art. 7º), e isso implicaria necessariamente no envolvimento colaborativo entre os entes federados, das instâncias de monitoramento e avaliação e da equipe técnica operacional indicada pelo poder executivo para colaborar para a realização dessa tarefa, a soma disso deve favorecer o cumprimento das metas dos planos subnacionais e, consequentemente, as do PNE.
Nessa mesma direção, Santos e Scaff (2021, p. 3) confirmam que o monitoramento e a avaliação dos planos de educação “[...] devem se delinear articuladamente, a partir de informações e conhecimentos de viés técnico, operacional e político, sem que um procedimento se sobreponha ao outro [...]”. Essa ação ampla, articulada e colaborativa pode, segundo Joppert (2021, p. 884), fortalecer a chamada “[...] governança pública com a implementação de medidas que controlem e avaliem os resultados” de uma política.
Em síntese, verificamos que monitorar e avaliar os planos de educação da forma como está expressa na lei do PNE de 2014 deve ser um exercício coletivo, permanente e envolver a sociedade de forma ampla e articulada, não sendo um movimento somente da ação do poder executivo, mas com a total disponibilidade e empenho deste.
A partir da lei do PNE 2014, a atuação dos conselhos de educação ganham maior visibilidade social e política na medida em que passariam a atuar tanto da etapa da elaboração como da implementação, monitoramento e avaliação da execução dos planos de educação, a partir disso, entendemos que exercendo essa tarefa podem contribuir para que esse processo se torne cada vez mais democrático e transparente, cumprindo uma de suas maiores funções a do controle social.
Na medida em que conselhos de educação são legitimados como uma das instâncias de monitoramento e avaliação das metas do plano de educação, receberam a tarefa de mobilizar e divulgar à sociedade cada movimento da atuação governamental. Tendo em conta essa empreitada, inferimos que, sem as condições objetivas para cumprirem essa tarefa de forma aberta, tecnicamente preparadas e tecnologicamente aptas, a ação de monitoramento e avaliação está fadada ao fracasso.
Os conselhos de educação como parte da estrutura administrativa municipal, estadual e federal, conforme as afirmações de Bordignon (2009), passam a exercer atribuições, também atreladas aos interesses dos governos, mas emergem a partir de uma concepção de participação que se fortaleceu com a reabertura democrática do país, como já mencionado anteriormente.
Assim, afirmamos que a democratização da gestão se constrói na prática social dos sujeitos e somente se concretiza por ações e inter-relações que se fazem no plano real, pautadas por relações não autoritárias, como afirma Paro (2016), a democracia não se faz por decreto ou por força da lei, mas se constrói nas relações estabelecidas socialmente.
Santos e Scaff (2021, p. 5-6) afirmam também que os “conselhos municipais assumiram qualidade de instrumentos de expressão, representação e participação popular”, isso quer dizer que os conselhos devem compartilhar com a população não só a preocupação com a educação municipal, mas com a possibilidade de sua transformação.
Isso reforça as possibilidades da atuação dos conselhos de educação no monitoramento e avaliação dos planos. Contudo, sua atuação tem limites institucionais para esse exercício do poder. Sobre isso, Bordignon (2013, p. 84) afirma que esses colegiados devem funcionar independentemente das secretarias de educação, com prédio próprio, pessoal e dotação orçamentária própria. Diante dessa análise, entendemos que, para cumprir a ação de monitorar e avaliar o plano de educação, será necessário autonomia e condições objetivas de funcionamento, caso contrário, o processo democrático se fragiliza.
Militão e Aranda (2019) e Bordignon (2014) enfatizam que um dos fatores decisivos para os gestores abandonarem os planos ocorre quando existe a ausência do acompanhamento e avaliação das etapas de sua execução. Assim, afirmamos que isso ocorre também quando o governo não tem interesse de investir tempo, recursos para a melhoria da educação ou mesmo quando não há interesse que esse movimento seja democrático e participativo.
Em síntese, mesmo com os avanços do PNE de 2014 que agregou importantes características de plano de Estado quando incorporou instâncias coletivas nesse processo, um elemento fundamental para essa consolidação é o regime de colaboração ainda um desafio a ser construído. Afirmamos que monitorar e avaliar o plano de educação tal como está previsto na lei precisa se traduzir em um amplo movimento articulado, contínuo, democrático, participativo e transparente.
Considerações finais
De acordo com as análises expostas, inferimos que a implementação dos planos de educação vem se consolidando no Brasil ao longo dos anos, sobretudo nos últimos 30 anos, mobilizada por movimentos que lutam por uma educação com qualidade social. Vimos que um marco importante foi a promulgação da Constituição de 1988, quando os planos de educação tornaram-se um caminho para a melhoria da educação na forma de lei.
Em que pesem seus limites, o atual PNE de 2014 atendeu em parte aos anseios progressistas. Contudo, estes ficaram muito mais demarcados no âmbito da legislação que na materialização de uma educação que se almejava socialmente qualitativa, referenciada e para todos.
Constatamos os avanços significativos na construção dos planos de educação no país, ressaltamos os dois últimos PNEs que consolidaram processos de ampla participação e de tomada de decisão e, se não fossem os reveses políticos e ações que impediram e desarticularam sua execução, poderiam se tornar um importante instrumento do planejamento educacional e, com isso, tornar-se o epicentro das políticas públicas educacionais no país e até mesmo alterar o quadro social tão desigual que temos hoje.
O estudo mostrou que o atual processo de desmonte das políticas educacionais implementadas a partir do ano de 2016, como vimos, demarcou uma conjuntura adversa que atuou a partir dos princípios neoliberais e neoconservadores que comprometeu o atingimento das metas do PNE, por se tratar de um projeto de sociedade que atende muito mais às ideias hegemônicas do capital.
Os descompassos das ações governamentais mostraram a fragilidade do interesse para construir uma educação mais humana, emancipatória e igualitária, como prova disso, tomamos por base a aprovação da EC nº 95/2016, que acarretou, entre outros problemas, o congelamento dos recursos para educação; a extinção da SASE; o enfraquecimento da atuação do MEC e das instâncias de monitoramento e avaliação dos planos subnacionais, provocando com isso o descumprimento dessas etapas imprescindíveis para execução e consolidação das metas do PNE e provocando ainda uma desmobilização entre os entes federados, ao contrário do que a Constituição de 1988 determinou em seu artigo 211, que é o regime de colaboração que, no mínimo, resultaria a articulação e cooperação entre os entes.
O estudo enfatizou também que a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (PNE 2014-2024), trouxe avanços significativos ao processo de execução do plano ao instituir as instâncias de monitoramento e avaliação, inserindo nesse processo novos partícipes sociais, entre eles os conselhos e os fóruns de educação, mas evidenciamos que houve maior concentração de esforços na fase de elaboração do plano que na fase do planejamento das metas e sua execução propriamente dita.
Nos últimos anos, no que tange à educação, as ações governamentais fragmentadoras percebidas tanto no governo Temer (2016-2019) como no governo Bolsonaro (2019-2022) afetaram e arrefeceram a atuação do MEC e das instâncias de monitoramento e avaliação, tornando a execução do PNE tardia e ainda mais difícil de serem cumpridas.
Um dos maiores desafios se refere à ampliação dos recursos para educação, pois a EC nº 95/2016 se tornou um obstáculo por congelar os recursos para educação por um prazo de vinte anos. Outro desafio é a necessidade de reverter as desastrosas performances governamentais envidadas nos anos de 2019 a 2022 que, entre outras ações, interromperam um importante ciclo de apoio ao monitoramento e avaliação dos planos de estados, municípios e do Distrito Federal ao extinguirem a SASE em 2019 e limitarem as ações do MEC prejudicando o apoio técnico aos entes federados na execução dos planos subnacionais e, consequentemente, o atingimento das suas metas e do PNE.
E para recuperar um projeto educacional democrático, que garanta direitos e uma educação para todos, será imprescindível, urgente e prioritário fortalecer as entidades representativas da sociedade como os conselhos de educação. Ora, o desafio será não só elaborar um novo plano, mas empenhar maior esforço para sua execução, cremos que isso implicará em efetivar o regime de colaboração entre os entes federados, criar e concretizar o Sistema Nacional de Educação, erguendo instâncias que articulem e apoiem os estados, os municípios e o Distrito Federal nas etapas de monitoramento e avaliação dos planos subnacionais, promovendo um sistema articulado de ensino que dialogue com as demandas nacionais e regionais, cumprindo a importante função do PNE como plano de Estado e ferramenta de planejamento de gestão da educação.