Nos últimos 20 anos, intensificam-se mudanças na educação superior, com mais investimento em políticas públicas de ampliação e democratização do acesso, como as políticas de cotas para negros, índios e alunos provenientes da escola pública, produzindo mudanças no perfil dos estudantes e novas demandas para a sala de aula. Problematizar a diversidade na Educação nos conduz a uma avaliação crítica, reconhecendo a presença de preconceitos e estigmas que nos dominam de múltiplas formas, desvalorizando saberes, comportamentos, afetos e modos de vida. O estudo do preconceito foi realizado inicialmente por Allport (1954, p. 9), no campo da Psicologia, definido como “uma antipatia baseada numa falha e generalização inflexível. Pode ser sentido ou expresso, ser dirigido a um grupo como um todo, ou para um indivíduo porque é membro desse grupo”. Outro termo que tem proximidade com o preconceito é o conceito de estigma, trazido por Goffman (1963/2004), do campo da Sociologia, definido como uma “situação em que o indivíduo está inabilitado para aceitação social plena” (Goffman, 1963/2004, p. 4), considerado menos humano por não atingir as expectativas de normalidade.
Como fenômeno complexo, os preconceitos e os estigmas estão enraizados na Educação, onde as instituições “reproduzem as condições para o estabelecimento e a manutenção da ordem social” (Almeida, 2020, p. 47), agravados em um contexto de múltiplas violências decorrentes da perversidade do sistema capitalista. Ao mesmo tempo em que a Educação reproduz também é capaz de enfrentamentos que articulam a igualdade e o reconhecimento das diferenças em espaços que provocam a emergência de dinâmicas outras que favorecem o protagonismo de sujeitos sociais silenciados, em uma proposta epistemológica, ética e política orientada à construção da democracia (Sacavino & Candau, 2020).
Dimensões dos preconceitos e estigmas
Os impactos dos preconceitos e estigmas, nesse estudo, são analisados a partir de uma perspectiva multidimensional, sendo consideradas as dimensões cognitiva, afetiva, comportamental e institucional que se materializam na Educação, compreendida como preconceituosa por fazer parte de uma sociedade que também mantém essa característica. A dimensão cognitiva, afetiva e comportamental, tem origem nos estudos de Allport (1954) e a quarta dimensão, a institucional, baseia-se no conceito de racismo institucional, nascido na luta pelos direitos civis nos EUA em 1967 (Almeida, 2020) que aponta a intersecção de múltiplas opressões nos mecanismos institucionais.
A dimensão cognitiva aborda como as concepções, crenças e estereótipos são construídos e como justificam racionalmente uma relação de desigualdade (Allport, 1954), imagens de controle (Collins, 2000), que servem para culpar e vitimizar as pessoas oprimidas. A dimensão afetiva se relaciona às emoções diante das diferenças observadas em pessoas ou grupos como medo, piedade ou desprezo, expondo-as a situações de estresse continuado com um alto custo psicológico (Goffman, 1963/2004, p. 98), desencadeando sentimento de vergonha que pode ameaçar a identidade por seu caráter depreciativo (La Taille, 2002, p. 19).
A dimensão comportamental é caracterizada pela discriminação, desde evitação do contato, insultos, piadas, até agressões físicas, ações consideradas crime, mas naturalizadas no preconceito sutil em muitas produções culturais e no humor brasileiro. A pessoa que discrimina se considera superior ao outro, limitando o acesso de determinados grupos a domínios importantes da vida (Allport, 1954). A dimensão institucional se refere às regras, diretrizes e normativas institucionais, identificando as condições que criam novos saberes e fazeres para enfrentamento dos estigmas e preconceitos, bem como as rotas que oprimem e silenciam. São contextos coloniais que reforçam “currículos monoculturais que privilegiam e entendem como o único conhecimento existente e válido o enfoque ocidental (euro-Estados Unidos-cêntrico), patriarcal, branco e monorreligioso” (Sacavino, 2020, p. 14). A partir do contexto de desigualdades e o potencial da Educação em disseminar saberes e práticas, este artigo tem como objetivo analisar as implicações dos estigmas e preconceitos na Educação na busca de compreender como esses conceitos se atualizam e reverberam em publicações científicas.
Caminho metodológico
Emprega-se a revisão sistemática como técnica de pesquisa para avaliar e sintetizar a literatura publicada sobre determinada temática para conhecer evidências científicas, sendo necessário, indicar de forma precisa o caminho percorrido e o tipo de análise realizada. Nesse sentido, iniciamos a pesquisa dos artigos que se aproximassem da temática preconceito ou estigma pelo acesso às bases de dados Redalyc e PsycINFO, utilizando os descritores com os operadores booleanos em inglês: “stigma” OR “prejudice” AND “shame”. Em seguida, na base de dados Redalyc foram usados os mesmos descritores traduzidos para o português: “preconceito” OR “estigma” AND “vergonha” e espanhol “estigma” OR “prejuicio” AND “vergüenza” e realizadas novas buscas.
Foram buscados artigos nas áreas de Educação e Psicologia, pela possibilidade de aproximação da perspectiva psicossocial dos preconceitos e estigmas e seus impactos nas instituições de educação. Um total de 873 artigos foram encontrados e selecionados 44 deles, de acordo com os critérios de inclusão: artigos produzidos de janeiro de 2013 a maio de 2021, disponíveis na íntegra; mencionavam no título ou resumo as palavras preconceito, estigma, vergonha, diferença, deficiência, gênero, sexismo, discriminação, machismo, racismo, homossexualidade, gordofobia, LGBTfobia ou homofobia; indicavam pesquisa com estudantes ou docentes, tratando da formação de professores ou refletindo sobre a educação. Esta diversidade de termos foi necessária para uma aproximação com a temática, que nem sempre usa a terminologia específica estigma ou preconceito. O critério de exclusão foi a presença de investigações ligadas ao campo da saúde, que grande parte versava sobre transtornos mentais, HIV/AIDS e doenças contagiosas. De forma geral foram identificados 405 artigos na Redalyc e realizada uma triagem dos artigos pela leitura dos títulos e/ou resumo para aplicação dos filtros de inclusão e exclusão, sendo selecionados 24 artigos para análise. Na PsycINFO foram identificados 468 artigos e realizada a triagem dos artigos e aplicação dos mesmos filtros, restando 20 artigos para análise. A Figura 1 apresenta sinteticamente a busca realizada.
Destacamos que na busca dos artigos foram utilizados os mesmos descritores nas duas bases, com pequenas diferenças nos filtros utilizados em virtude da organização de cada plataforma, tentando manter ao máximo a proximidade no processo de busca para que mantivesse a rigorosidade da revisão sistemática. Na Redalyc foi marcado o filtro das disciplinas Psicologia e Educação e na PsycINFO foi adicionado o descritor psychology AND education para pesquisa no abstract dos artigos
O banco de dados final contou com 44 artigos, que foram lidos integralmente e analisados com o auxílio do software Atlas ti versão 5.2. Para categorização geral dos artigos foi identificado nas produções: país de filiação do primeiro autor, ano de publicação, foco do preconceito ou estigma estudado, tipo de pesquisa e sujeitos envolvidos. Em uma análise qualitativa das produções, no software Atlas ti, cada artigo foi categorizado a partir de quatro dimensões dos preconceitos e estigmas: dimensão cognitiva, afetiva, comportamental e institucional, na busca de compreender como operam na Educação.
Resultados
Caracterização dos estudos
A publicação geral de artigos demonstra que a América Latina concentra 56,8% da produção mundial, com destaque para o Brasil com 17 artigos (38,6%), 4 artigos do México (9%), 3 artigos da Argentina (6,8%) e 1 artigo do Chile (2,3%). Em seguida vem os Estados Unidos com 7 artigos (15,9%), 6 artigos da Espanha (13,6%) e 1 artigo publicado nos países: Suécia, Reino Unido, Itália, Amsterdã e Alemanha.
Com relação ao ano de publicação podemos destacar que a produção de artigos que articulem preconceito, estigma e vergonha no campo da Educação e da Psicologia é assistemática. Foram publicados dois artigos em 2013 (4,5%), um artigo em 2014 (2,2%), oito artigos em 2015 (18,2%), cinco artigos em 2016 (11,4%), quatro artigos em 2017 (9,1%) e cinco artigos em 2018 (11,4%). Em 2019 ocorreu um aumento das publicações com 14 artigos (31,9%), voltando a diminuir em 2020 com três artigos (6,8%) e até maio de 2021, foram publicados dois artigos sobre a temática. Dos artigos brasileiros (n=17), a vinculação de autoria, em sua maioria, é com instituições da região Sul (29,4%), seguida pela região Centro-Oeste (23,5%), a região Sudeste (17,6%), a região Nordeste (17,6%) e, por último, a região Norte (11,8%). As publicações apresentam uma certa regularidade entre 2015 e 2020, exceto a região Nordeste, que só publicou artigos sobre essa temática em 2019. Considerando as contribuições sociais que esses estudos são capazes de gerar, pode-se afirmar que a quantidade de artigos publicados sobre o tema no Brasil ainda é restrita. Esse dado não significa a inexistência de avanços no enfrentamento às diversas formas de discriminação na Educação, mas aponta que muitas práticas com essa finalidade estão sendo realizadas sem a divulgação em artigos científicos, o que dificulta o progresso dos estudos pertinentes a essa área. Das publicações analisadas, a maior parte foi de pesquisa empírica (81,1%, n= 36) e oito artigos teóricos (n=18,9%), enfocando em sua maioria, a diversidade étnico racial, xenofobia e a diversidade afetiva-sexual, possivelmente pela luta histórica de instituições e coletivos para dar visibilidade às situações de opressão sofridas. A maioria dos artigos (90,9%) estudou apenas um alvo de preconceito, demonstrando ainda a necessidade de dar visibilidade a situações específicas de violência. Das pesquisas empíricas (n= 36), a maioria envolveu estudantes (86,1%, n= 31), com pouca participação de docentes (22,2%, n=8) e gestão institucional (2,8%, n=1), sendo que apenas três pesquisas envolveram mais de um ator institucional, demonstrando limitação de aproximação da complexidade da instituição pesquisada, ao escutar apenas uma narrativa. Destaca-se também que apenas uma pesquisa (2,8%, n=1) envolveu docentes da educação superior, demonstrando uma lacuna nesse espaço de formação onde as pesquisas sobre preconceitos e estigmas poderiam favorecer pistas para qualificar a formação docente na consolidação de uma cultura de direitos humanos.
Análise e discussão das dimensões dos preconceitos e estigmas
Dimensão Cognitiva
Esta dimensão é a mais enfocada nos artigos analisados, tendo a sua importância diminuída quando tratada de forma isolada o tema, muitas vezes limitando-se ao repasse de conteúdos informativos ou discursos morais. Ganha sentido quando é capaz de instrumentalizar teoricamente e desenvolver uma consciência mais crítica sobre a realidade. Nas relações de preconceito e estigma ocorre a construção de estereótipos, repetindo pensamentos, sentimentos e comportamentos de forma automática, com fechamento a novas experiências (Nunes et al. 2015), coisificando e controlando socialmente o outro (Ruiz-Román et al., 2017), favorecendo rupturas na trajetória de vida dos sujeitos que imaginam o seu próprio futuro ainda preso ao sofrimento (Kaplan, 2016). Esse controle social é exercido sobre o corpo feminino, quando as estudantes que desafiam as expectativas ligadas ao gênero são identificadas como “não mulher” ou “cheia de hormônio masculino” (Tomasini et al., 2017), perdendo o seu pertencimento social e identidade (McCullough et al., 2019). A naturalização de ideias de subalternidade de determinados grupos sociais é assentada em teorias divulgadas como verdades científicas que até hoje influenciam os discursos médicos, jurídicos e educacionais, defendendo a inferioridade intelectual e moral dos negros (Maia & Zamora, 2018) e indígenas, vistos ainda como pobres, sujos e ignorantes (Echeverria & Galaz, 2013). Nessa direção, a pesquisa de Victorino et al. (2019), identificou que os estereótipos afetaram o julgamento de estudantes e docentes de doutorado na avaliação de artigos científicos, desqualificando produções associadas a instituições de origem africana. Em pesquisa com estudantes da educação superior, Techio et al. (2019) identificaram a associação de pessoas brancas a estereótipos de maior status, como ricas e bonitas e as pessoas negras com menos status, por serem pobres e trabalharem mais, imagem negativa que favorece, para Pilati e Turgeon (2019), a negação da importância das políticas afirmativas.
As pessoas com deficiência também são estereotipadas como menos capazes por docentes, enfatizando a necessidade de tratamento, correção e superação (Nunes et al., 2015), tratando estudantes surdos como dignos de pena e dependentes (Santos & Molon, 2016). A diversidade afetiva-sexual é relacionada à patologização pelos docentes, em discursos morais se limitando ao senso comum (Esperança et al., 2015; Oliveira Júnior & Maio, 2019), buscando uma postura neutra em meio a conflitos e contradições, desmerecendo a discussão de conteúdos ligados ao prazer e ao afeto (Neves et al., 2015). Para Gesser e Martins (2019), a formação docente deve questionar essa cultura da normalidade, utilizando teorias críticas que apontem a intersecção de opressões.
Nas questões de gênero, a crença em uma natureza feminina e masculina é fonte de graves tensionamentos, alertam Madureira e Branco (2015), deslocando um problema social para o campo do insolúvel, justificando a ausência de ações de enfrentamento. O processo de negação da diversidade sexual também se observa entre estudantes, quando relacionam a masculinidade à heterossexualidade, à sedução, à racionalidade, à autoconfiança e à baixa expressão do afeto (Mingo & Moreno, 2015), justificando atos de violência pelo medo de ter a sua existência desvalorizada, repetindo uma história anterior de maus-tratos sofridos na família e no bairro (Sabuco et al., 2013). Nas aulas de Educação Física, o estudante obeso é associado à preguiça, falta de força de vontade, burrice e inabilidade esportiva (Gobbi et al., 2017) e se for do sexo feminino, esperam menos desempenho em função do gênero (Alvariñas-Villaverde & Pazos-González, 2018). A população indígena é discriminada, responsabilizada por sua condição de pobreza e baixa escolaridade (Echeverría & Galaz, 2013), desqualificados por suas características físicas e culturais (Rousell & Osorio 2016).
Dimensão afetiva
Essa dimensão é a menos enfatizada nos artigos, indicando como a Educação ainda é desafiada a reconhecer e integrar o conflito, a angústia, a raiva, o prazer, o medo e a alegria de partilhar e conviver com o outro como pressuposto de uma humanização das relações educativas e capacidade de envolvimento nas mudanças necessárias. A pessoa preconceituosa, segundo Nunes et al. (2015), apresenta sensação de vazio e insegurança por medo da própria fragilidade e de sentir prazer, demonstrando uma fortaleza falsa, com frieza de sentimentos pelo outro. Essa insegurança emocional, para Bueno (2017), facilita a vinculação com a liderança fascista em busca de gratificação emocional, sendo difícil questionar suas ideias e valores. Apresenta a sensação de desconforto e ansiedade diante da ideia do contato com pessoas transgênero (McCullough et al., 2019), de pessoas com deficiência (Nunes et al., 2015; Delgado et al., 2018), de pessoas obesas (Gobbi et al., 2017) e de homossexuais (Sabuco et al., 2013; Madureira & Branco, 2015; Esperança et al., 2015).
Por outro lado, as pessoas com deficiência sofrem, de acordo com Nunes et al. (2015) por não alcançar a expectativa da escola, podendo gerar, segundo Santos e Molon (2016), efeitos negativos na sua integridade psicológica. Estes estereótipos negativos também afetam os(as) docentes que têm estudantes com deficiência que experimentam mais solidão pela falta de espaços de diálogo e troca de experiências na escola (Gesser & Martins, 2019). Estudantes do sexo feminino apresentam desmotivação nas aulas de Educação Física em decorrência da baixa expectativa dos docentes em relação ao seu rendimento (Alvariñas-Villaverde & Pazos-González, 2018) e aqueles(as) que apresentam estigmatização em função da sua orientação sexual têm afetada a sua valorização pessoal, autoconfiança e confiança no outro, diminuindo o apoio social, aumentando o risco de vitimização e assédio (Pérez & Murgiondo, 2014). O riso, a raiva, o nojo e a esquiva do contato são reações corriqueiras diante da homossexualidade (Sabuco et al., 2013), tendo consequências mais graves para a saúde mental dos jovens LGBT pela dificuldade em integrar a orientação do desejo e dividir essa experiência com a sua rede de proteção (Pérez & Murgiondo, 2014). Também favorece o sentimento de vergonha quando colegas e docentes se negam a intervir ou silenciam diante da agressão presenciada (Oliveira Júnior & Maio, 2019). Para Eller et al. (2020), outro sentimento que pode ocorrer é o de raiva e ressentimento em decorrência das privações sofridas, acirrando conflitos interpessoais que são de natureza estrutural.
Na educação superior, Mingo e Moreno (2015) narram a experiência de funcionárias e estudantes que foram assediadas, o medo paralisante e a sensação de avaliação contínua e desproporcional de seu desempenho acadêmico ou profissional, forma de vestir, falar, olhar, andar, dançar ou beber, os lugares e horários que transitam e as companhias que frequentam. Sentimentos de medo e vergonha provocam o silêncio dessas mulheres, dificultando a denúncia além de diminuir a energia intrapsíquica pelo intenso desgaste emocional (Mingo & Moreno, 2015). A estratégia de silenciar para sobreviver também foi encontrada por estudantes do ensino médio assediados pela orientação afetivo-sexual (Espejo, 2018) que não relatavam aos pais a violência sofrida por vergonha ou receio de punição. Agressões decorrentes de preconceitos e estigmas são colocadas no status de assunto privado, aumentando a invisibilidade do tema e afastamento dos grupos sociais, produzindo maiores “danos na esfera dos sentimentos, da dignidade, do desempenho escolar” (Oliveira Júnior & Maio, 2019, p. 97).
Dimensão comportamental
Nenhum dos artigos analisados fez referência à discriminação como crime, aspecto considerado importante para enfrentamento dessa situação, da importância da denúncia e responsabilização. As publicações enfatizaram mais o comportamento sutil de agressão, mais difícil de denunciar, inclusive pela invisibilidade da sua discussão nas intuições de educação.
As pessoas que sofrem preconceitos na escola apresentam de forma frequente um comportamento de silenciar que acaba fortalecendo a sua naturalização e reprodução sem questionamento entre estudantes e docentes, principalmente sobre a diversidade afetivo-sexual (Madureira & Branco, 2015; Neves et al., 2015) e o assédio de mulheres na educação superior (Mingo & Moreno, 2015). Os docentes se limitam a intervir simplesmente para retomar a aula ou assumem a “impotência diante da situação, ou o mais completo desconhecimento de como fazê-la, consequentemente minimizam a opressão que os/as alunos/as LGBTQIA são submetidos/as” (Oliveira Júnior & Maio, 2019, p. 102). Segundo LeMaire e Oswald (2016), grande parte dos estudantes silencia quando presencia comentários preconceituosos contra gays, com receio de entrar em conflito com o seu grupo, ser considerado sensível, queixoso ou identificado como LGBTQIA+, favorecendo, de acordo com Pérez e Murgiondo (2014), a diminuição do apoio social, a continuidade do assédio verbal e as agressões físicas. Destacamos a importância do confronto diante de discursos preconceituosos, expressando a insatisfação com o tratamento que gera dor e culpa, aproveitando essas cenas como momentos oportunos de problematização mediados pelo diálogo e acolhimento daquele(a) que sofre, podendo gerar no futuro, segundo LeMaire e Oswald (2016), posições menos estereotipadas dos agressores.
Dimensão institucional
É a segunda dimensão mais retratada nos artigos analisados demonstrando o esforço dos(as) pesquisadores(as) em apontar pistas para o enfrentamento dos estigmas e preconceitos na cultura institucional, apesar de reconhecer que essas relações de poder transcendem as ações individuais porque estão mantidas na estrutura social.
A existência de normativas que coíbam situações de preconceitos e estigmas na educação superior são fontes de apoio que criam um efeito cascata (Quinton, 2019), controlando a pessoa preconceituosa que tem orientação heteronormativa, presa às regras institucionais, com dificuldade para refletir sobre a própria conduta (Nunes et al., 2015), influenciadas pela motivação externa (Costarelli & Gerłowska, 2015). Nesse sentido, para Hoyo et al. (2019), a partir dos três anos de idade a instituição de educação pode fomentar habilidades de cognição social, uma flexibilidade cognitiva que favorece questionamento dos estereótipos, função importante para regular o comportamento preconceituoso. Por outro lado, a ausência de normativas nos casos de sexismo, para Mingo e Moreno (2015), favorece a cultura do silêncio, desencorajando a denúncia, desqualificando as mulheres, mantendo privilégios masculinos. No ensino médio, também mantém a violência diante da diversidade sexual quando “o/a diretor/a escolar é aquele que não ouviu, a pedagoga não viu e a professora não quer falar. Recursos, esses, empregados como estratégia de pacificação e convivência harmônica” (Oliveira Júnior & Maio, 2019, p. 97). Nesse sentido, as diversas identidades sociais devem ter lugar na instituição, com o mesmo status de importância (Reimer et al., 2021).
Apesar de sua importância, as normativas são insuficientes para empreender mudanças reais, sendo necessário um processo de consciência e autonomia crítica, levando em consideração os motivos para o contato entre os grupos diferentes, articulando os motivos pessoais e as normas (Fousiani et al., 2016). Processo negligenciado pelas políticas de atenção à diversidade do governo brasileiro que justificam os conflitos como fenômeno interpessoal (Graff & Lopes, 2020). Quanto às ações institucionais, devem oferecer apoio psicológico, acompanhamento e tutoria para vítimas de discriminação e formalização de denúncias com protocolos confidenciais (Espejo, 2018), incluir educação sexual nos currículos na perspectiva dos direitos humanos (Esperança et al., 2015), de forma transversal, com apoio dos movimentos sociais (Pérez & Murgiondo, 2014) e envolvimento das famílias (Pérez & Murgiondo, 2014; Madureira & Branco, 2015). As intervenções devem ser longas com incentivo e valorização das amizades (Miklikowska et al., 2021), frequentes e flexíveis, aproveitando as iniciativas existentes e os recursos disponíveis, com abordagem interdisciplinar e baseada em pesquisas científicas que indiquem as estratégias mais eficazes (Pescosolido et al, 2020), sem encobrir a realidade por meio de um discurso de tolerância e igualdade (Carvalho & França, 2019).
As escolas devem promover a convivência com grupos diferentes (Gonzalez et al., 2015), aumentando o conhecimento sobre eles, favorecendo a empatia e a tomada de perspectiva do outro (Groyecka et al., 2019), com abertura para falarem sobre si (Quinton, 2019), favorecendo a percepção do significado da vida, da autotranscendência e da flexibilidade psicológica (Florez et al., 2019). A metodologia deve ter caráter participativo com recursos variados como filmes, debates, jogos, dramatizações, análise crítica de piadas e programas televisivos (Madureira & Branco, 2015), podendo usar usando vídeos curtos com interação agradável que servem para diminuir a ansiedade intergrupal (Siem et al., 2021), com papel ativo dos estudantes (Brenick et al., 2019; Paulín, 2015) e interação com narrativas pessoais de sujeitos que são alvo de discriminação (McCullough et al., 2019).
A formação docente deve ser contínua para lidar com o multiculturalismo e a educação equitativa de gênero (Alvariñas-Villaverde & Pazos-González, 2018), fortalecimento da identidade negra (Marques, 2018) e indígena, valorizando a sua língua, tradições e modo de vida (Rousell & Osorio, 2016), incluindo os profissionais da escola e as famílias para saber como agir em situações de assédio e vitimização (Pérez & Murgiondo, 2014). Na ausência de intervenções explícitas, de acordo com Gonzalez et al. (2015) e McCullough et al. (2019), os jovens tendem a aceitar cada vez mais ações preconceituosas, tanto implícitas quanto explícitas.
Considerações finais
Para dar concretude à disseminação dos estigmas e preconceitos, analisamos as suas implicações na Educação por meio da sua dimensão cognitiva, afetiva, comportamental e institucional. Os achados dessa revisão apontam, na dimensão cognitiva, que a construção dos preconceitos e estigmas ocorre de forma automática baseada em um conhecimento superficial e estático da realidade, que reforçam estereótipos, interferindo na dimensão afetiva, desencadeando a raiva, o riso, o nojo e a esquiva do contato, enquanto os sujeitos que sofrem, apresentam, muitas vezes, medo, angústia e silêncio. A estereotipia do pensamento e o distanciamento emocional favorecem, na dimensão comportamental, o aumento das agressões e a diminuição do apoio social. As instituições de Educação necessitam de intervenções sistemáticas em uma abordagem de longa duração, usando múltiplas estratégias com metodologias participativas, reconhecendo a dimensão estrutural do fenômeno. Nesse sentido, os resultados dessa pesquisa, quando consideradas as quatro dimensões dos preconceitos e estigmas, se articulam à perspectiva da Educação intercultural crítica e decolonial que busca desvelar as opressões silenciadas e naturalizadas na Educação e no cotidiano, construindo novas dinâmicas a partir do reconhecimento de grupos que foram subalternizados (Sacavino & Candau, 2020), abarcando “uma ética que considera a coletividade, os sonhos enquanto mobilizadores, as histórias dos sujeitos que lutaram contra as violações de direitos humanos, e a multiplicidade dos saberes contextualizados igualmente relevantes e legítimos” (Fernandes & Tavares, 2018, p. 33).
Nos artigos analisados observou-se, como limitação, o baixo número de pesquisas com docentes da Educação Superior e a predominância da participação de estudantes, favorecendo a compreensão unitária de um fenômeno complexo que envolve uma multiplicidade de atores. Destacamos também, a limitação dessa revisão sistemática empreendida que não incluiu teses, dissertações, livros e publicações de projetos e programas que se vinculam ao tema, trabalho que pode ser objeto de pesquisas futuras. Por fim, destacamos a importância de compreender os estigmas e os preconceitos como decorrência de uma estrutura social enraizada nas relações educacionais, jurídicas, econômicas, políticas e familiares que também nos habitam, desafiando-nos cotidianamente a construir uma cultura de direitos em uma educação problematizadora, dialógica e humanizadora.