Introdução
Com a evolução das tecnologias digitais e, sobretudo, com as possibilidades geradas por estas, a sociedade hibridizou-se. Torna-se cada vez mais difícil distinguir o que é real e o que é virtual; o que é humano, máquina ou natureza (FLORIDI, 2015). Por isso, é necessário repensar a forma como se vê a Escola e como se define a “melhor” pedagogia numa realidade educativa cada vez mais “onlife” (FLORIDI, 2015).
Seguindo os autores que entendem que a aprendizagem é o foco central do ato educativo (BEETHAM; SHARPE, 2007), esta pode e deve articular-se com a tecnologia digital, mesmo que se possa concordar com a frase: “pedagogia antes da tecnologia”. E é por esse mesmo motivo que se entende que uma escola que se centra na aprendizagem será aquela que também fará um uso refletido, crítico e ponderado de todos os recursos e de todas as estratégias que a tecnologia digital permite. Ainda que não falando desta questão em particular, Nóvoa reflete sobre a Escola que precisamos, indicando precisamente que, para fazer face aos novos tempos, sobretudo de públicos bastante heterogéneos, se devem “abrir novas perspectivas que coloquem a aprendizagem no centro das nossas preocupações” (2009, p. 14).
Na verdade, precisam as escolas, os professores e os estudantes de encontrar uma nova via para o desenvolvimento das aprendizagens, onde os currículos e as competências se cruzem, complementem e deem origem a um perfil educativo de base humanista, onde possamos considerar as aprendizagens como centro do processo educativo, a inclusão como exigência e a contribuição para o desenvolvimento sustentável como desafio, já que temos de criar condições de adaptabilidade e de estabilidade, visando valorizar o saber (MARTINS, 2017).
Assim, não há como evitar a inserção da tecnologia na Escola, pois, esta está presente no quotidiano de todos os nossos estudantes, fazendo parte integrante da sua vida. Assim, o desafio está em saber utilizar pedagogicamente a tecnologia “para transformar a aprendizagem num ato normal do quotidiano, até mesmo fazendo com que esta nem seja sequer reconhecida como sendo aprendizagem” (TRINDADE; MOREIRA, 2017, p. 55).
Neste contexto, o modelo teórico Tecnological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) (MISHRA; KOELHER, 2006; KOEHLER; MISHRA, 2009) pode assumir um papel central, uma vez que reconhece a necessidade de integrar a tecnologia no ensino, interligando conhecimentos científicos (CK), conhecimentos sobre pedagogia, nomeadamente processos, práticas e métodos de ensino e de aprendizagem (PK) e também sobre tecnologia, ferramentas e recursos que podem ser utilizados para desenvolvimento dos conhecimentos científicos e pedagógicos (TK). Assim, este modelo pode e deve ser integrado na formação de professores, na medida em que identifica a natureza do conhecimento exigido para a integração da tecnologia no ensino, sem negligenciar a natureza complexa, multifacetada e situada de conhecimento dos professores (KOEHLER; MISHRA, 2009).
Beetham e Sharpe (2007) explicam a importância de redefinir e repensar as pedagogias com uma refletida incorporação das tecnologias neste início do século XXI, apesar de tantas e tantas vezes as metodologias, as estratégias e as práticas pedagógicas terem sofrido alterações. Referem estes autores que, por vezes, os professores ficam tão entusiasmados com as hipóteses geradas pelas tecnologias digitais que as usam sem verificar se são ou não pedagogicamente efetivas.
É por isso que se torna hoje premente perceber exatamente como se poderá diferenciar aqueles que são digitalmente letrados, daqueles que são digitalmente fluentes. Já no final do século passado o National Research Council dos EUA apontava a diferença entre alguém que sabia usar determinadas ferramentas tecnológicas e alguém que compreendia efetivamente a tecnologia digital, sabendo-a aplicar de forma produtiva no seu trabalho e na sua vida quotidiana e de reconhecer quando as tecnologias da informação podiam ajudar ou impedir o alcançar de um objetivo, e de continuamente ser capaz de adaptar as mudanças e os avanços nas tecnologias da informação1 (NRC, 1999, p. 15).
Para além desta questão, relacionada com a forma como se pode interagir com diferentes ferramentas digitais, Wang, Myers e Sundaram (2012) concluíram que a questão da fluência digital nada tem a ver com idades ou com géneros. Os autores estudaram a diferença entre nativos e imigrantes digitais, tendo elaborado um modelo a este respeito, e concluíram que existem diversos fatores para explicar a fluência digital, nomeadamente, o facto de que a
relação recíproca entre o uso real e a fluência digital implica um potencial círculo virtuoso para melhorar a fluência digital de uma pessoa e que, alternativamente, isso também poderia implicar um círculo vicioso, que aprofunda a divisão digital”2 (WANG; MYERS; SUNDARAM, 2012, p. 10).
É por isso importante procurar perceber as diferenças entre os conceitos de literacia e fluência, em particular de que forma estes termos configuram etapas ou níveis de competência diferenciados no uso da tecnologia em contexto educativo (BRIGGS; MAKICE, 2011).
Assim, neste texto apresenta-se um instrumento de avaliação, baseado num questionário desenvolvido pelo EU Science Hub (Serviço de Ciência e Conhecimento da Comissão Europeia) que procura fazer uma avaliação das competências digitais dos professores, da sua proficiência nesta área. A partir deste questionário, desenvolvemos, pois, o presente estudo. Este, que visou avaliar o nível de competência digital de um conjunto de professores portugueses, identificando as áreas de competência com maiores ou menores fragilidades e, a partir desta análise, apontar possíveis respostas formativas em função do nível alcançado.
Proposta de definição de competências digitais dos professores
Quer a nível nacional, quer internacional, o crescimento da percepção de que os professores devem acompanhar a evolução digital e capacitar-se para a utilização das tecnologias digitais tem sido uma realidade. Conscientes desta necessidade, o EU Science Hub, departamento da União Europeia, que se dedica à identificação das necessidades dos professores ao nível das competências digitais, tem vindo a realizar diferentes relatórios para apoiar e sustentar o trabalho desenvolvido nesta área.
Um dos produtos mais recentes, desenvolvido por este departamento, é o relatório DigCompEdu, que visa identificar as competências digitais dos educadores e que se encontra acessível ao público em geral desde 2017. Um dos principais objetivos deste relatório é contribuir para que todos os professores, do ensino pré-escolar ao universitário, inclusive na formação de adultos, tenham acesso a um quadro europeu de referência, relativo a competências digitais específicas para a sua profissão, de forma a conseguirem aproveitar o que de melhor as tecnologias digitais possam ter para melhorar e inovar a educação (REDECKER, 2017).
A partir deste relatório, e com a colaboração de diferentes países europeus, a equipa de trabalho deste departamento desenvolveu um questionário, que está já disponível online em inglês3 e que oferece aos docentes a possibilidade de, não só identificar o nível de competência digital em que se encontram, mas também receber informação concreta sobre a formação a realizar para evoluir para um nível superior pois, em função das respostas dadas, são apresentadas sugestões para melhorar as práticas pedagógicas que já desenvolvem.
Este relatório configura-se como um excelente ponto de partida para definir um instrumento de avaliação das competências digitais dos docentes portugueses do ensino não superior, avaliando, por um lado, as suas competências digitais, e por outro, identificando as áreas de maior fragilidade e, partindo daí, apresentar sugestões formativas para superação dessas fragilidades ou lacunas.
No que aos docentes diz respeito, interessa avaliar as diferentes dimensões do questionário, definir aquelas em que os docentes encontram mais ou menos dificuldades e delinear estratégias de atuação adequadas às suas necessidades, quer ao nível da formação contínua de professores, quer mesmo extrapolando estas informações para as adequar às necessidades de um docente ainda em formação inicial.
Metodologia
Com fundamento nas conceções já expostas, desenvolvemos um estudo que, em termos metodológicos, realizou uma abordagem de cariz quantitativo, sendo aplicado o questionário já referido no ponto anterior. Este foi administrado em maio de 2018, em dois Agrupamentos de Escolas públicas de Portugal, respondido por 127 docentes do Ensino Básico e Secundário.
Na Figura 1 apresentam-se as três dimensões, as seis subdimensões e os títulos dos itens das vinte e duas competências abordadas no questionário.
A primeira subdimensão - Motivação Profissional -, enquadrada na primeira dimensão - Competências Profissionais dos Educadores -, dedica a sua atenção ao desenvolvimento profissional e procura que os docentes percebam as suas competências no que diz respeito ao uso de tecnologias digitais para comunicar, colaborar e evoluir profissionalmente.
A segunda subdimensão - Recursos Digitais -, por sua vez, enquadrada na segunda dimensão - Competências Pedagógicas dos Educadores -, diz respeito aos recursos digitais e à capacidade de procurar, criar e partilhar esses mesmos recursos.
A terceira subdimensão - Ensino e Aprendizagem -, também enquadrada na segunda dimensão, procura ajudar os docentes a identificar a sua capacidade para gerir e organizar o uso de tecnologias digitais no processo de ensino e de aprendizagem.
A quarta subdimensão - Avaliação - ainda enquadrada na segunda dimensão, é dedicada às competências na avaliação, concretamente na forma como são usadas as tecnologias digitais para melhorar o processo de avaliação dos estudantes.
A quinta subdimensão - Empoderamento dos Estudantes -, última da segunda dimensão foca-se no empoderamento dos estudantes, nomeadamente sobre a capacidade de utilizar as tecnologias digitais para aumentar a inclusão, personalização e o envolvimento ativo dos estudantes no ensino.
Finalmente, a sexta dimensão - Promoção da Competência Digital dos Estudantes -, enquadrada na terceira dimensão - Competências dos Estudantes - diz respeito às competências docentes para auxiliar os estudantes a usar tecnologias digitais de forma criativa e responsável.
Entre os 127 participantes, 17 são do sexo masculino e 110 são do sexo feminino. Quanto às idades, nenhum participante possui menos de 30 anos de idade, o que revela, de alguma forma, o envelhecimento da classe docente portuguesa, uma vez que apenas 18 docentes têm entre 30 e 39 anos (14,2%), 54 estão entre os 40 e os 49 anos (42,5%), 40 incluem-se na faixa etária dos 50 aos 59 anos (31,5%) e ainda 15 professores com mais de 60 anos de idade (11,8%).
As áreas de ensino são também variadas e relativamente equilibradas entre si, sendo que o Departamento de Matemática e Ciências Experimentais é aquele que tem a maior representação (27,6%), e o Departamento de Ciências Sociais e Humanas aquele com menos representação (15%), o que, na verdade, não se afasta da norma nas escolas portuguesas.
Resultados
Analisadas as respostas, verifica-se que a média dos professores participantes se situa no nível B1-Integrador, com 49 pontos (num máximo de 88), bastante próxima do nível B2-Perito que se inicia nos 50 pontos. De acordo com os autores do questionário original este nível refere que os respondentes possuem as seguintes características:
Os integradores experimentam a tecnologia digital em diferentes contextos, para diferentes fins e integram-na nas suas práticas. Usam-nas criativamente para melhorar diferentes aspetos do seu envolvimento profissional. Estão ansiosos para expandir o seu repertório de práticas. Porém, ainda estão a tentar compreender que ferramentas funcionam melhor em que situações e como é que os media digitais se encaixam nas estratégias e metodologias educativas. Precisam de um pouco mais de tempo para experimentar e refletir, complementado com apoio colaborativo e partilha de conhecimentos, para se tornarem Peritos (B2)4.
Observando em detalhe o Gráfico 1, onde constam as médias de resposta em cada uma das vinte e duas competências, verificamos que são as dimensões dois - Competências pedagógicas dos educadores - e três - Competências dos estudantes - aquelas que apresentam os valores mais baixos.
Estes resultados refletem aquilo que é definido para o nível B1-Integrador, nomeadamente o facto de que estes professores utilizam as tecnologias digitais e mostram vontade em continuar a utilizá-la e em refletir sobre o seu uso - em linha com as competências três, cinco e treze, que apresentam os valores médios mais elevados. Porém, mostram ainda alguma dificuldade em adequar as diferentes ferramentas digitais a objetivos específicos, em particular no que diz respeito a estratégias e metodologias diferenciadas, uma vez que as competências onze, catorze e dezanove (que apresentam os valores mais fracos) remetem, precisamente, para um uso articulado com os seus estudantes para que também estes aprendam a utilizá-las pedagogicamente na construção do seu próprio conhecimento.
Se as dimensões dois e três são as que apresentam valores médios mais fracos, o nível de competências na dimensão um - Competências profissionais dos educadores - revela-se mais elevado, aproximando-se efetivamente do nível seguinte, B2-Perito. Porém, há que ter em conta que ambos são níveis médios, e ainda há a necessidade de se fazer um maior investimento em formação também nesta dimensão, para conseguir alcançar os níveis seguintes.
Analisando em detalhe cada uma das vinte e duas competências, verificamos que as sete que apresentam melhores resultados (valores médios acima de 2,5 pontos) são:
Dimensões | Subdimensões | Competências |
---|---|---|
Um - Competências profissionais dos educadores | Um - Motivação profissional | 1- Comunicação organizacional |
3- Prática reflexiva | ||
Dois - Competências pedagógicas dos educadores | Dois - Recursos digitais | 5- Seleção |
6- Criação e modificação | ||
Três - Ensino e aprendizagem | 8- Ensino | |
9- Aconselhamento | ||
Quatro - Avaliação | 13- Análise de evidências |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Nestas sete competências encontramos um conjunto de itens que se relacionam com uma prática reflexiva, de análise e preparação ao nível das estratégias e dos recursos digitais, mais próximo do trabalho de planificação que todo o professor deve ter.
Num nível intermédio situam-se um conjunto de oito competências (entre 2 e 2,49 pontos):
Dimensões | Subdimensões | Competências |
---|---|---|
Um - Competências profissionais dos educadores | Um - Motivação profissional | 2- Colaboração profissional |
4- Competências Digitais | ||
Dimensões | Subdimensões | Competências |
Dois - Competências pedagógicas dos educadores | Três - Ensino e aprendizagem | 10- Aprendizagem colaborativa |
Cinco - Empoderamento dos estudantes | 15- Acessibilidade e inclusão | |
17- Motivação ativa dos estudantes | ||
Três - Competências dos estudantes | Seis - Promoção da competência digital dos estudantes | 18- Informação e literacia mediática |
21- Uso responsável | ||
22- Resolução de problemas |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Analisando este grupo, pode identificar-se aqui uma tónica na ação de planificação do docente, apesar de já contemplar competências ao nível do trabalho com estudantes, nomeadamente no que diz respeito a promover a utilização das tecnologias digitais no desenvolvimento de trabalhos em grupo.
Finalmente, o conjunto que apresenta os valores mais baixos (abaixo de 1,99 pontos), integra as seguintes competências:
Dimensões | Subdimensões | Competências |
---|---|---|
Dois - Competências pedagógicas dos educadores | Dois - Recursos digitais | 7- Gerir, proteger, partilhar |
Três - Ensino e aprendizagem | 11- Aprendizagem autorregulada | |
Quatro - Avaliação | 12- Estratégias de avaliação | |
14- Feedback e planeamento | ||
Cinco - Empoderamento dos estudantes | 16- Diferenciação e personalização | |
Três - Competências dos estudantes | Seis - Promoção da competência digital dos estudantes | 19- Comunicação |
20- Criação de conteúdo |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Este conjunto de competências está ligado a um trabalho mais individualizado com os estudantes, sobretudo no que diz respeito à adaptação das estratégias em função das necessidades destes. De facto, desenvolvimento de estratégias, feedback, autorregulação das aprendizagens, criação de conteúdos e comunicação são competências que carecem de uma interação entre o professor e o estudante e a capacidade de moldar e, por vezes, individualizar as competências científicas e pedagógicas docentes à realidade prática.
Resultados relativos à distribuição por faixa etária
Analisando os resultados médios obtidos por faixa etária, verifica-se que os resultados apontam para os níveis B1 e B2, sendo os professores mais velhos os que apresentam mais resultados nos níveis A2 (20%) e os mais novos os que apresentam mais resultados no nível C1 (16,7%). Porém, não se verifica uma progressão linear de resultados por faixa etária que nos permita afirmar que quanto mais novos, maior a competência digital, dado que, por exemplo, o segundo grupo com mais resultados no nível C1 é precisamente o dos professores com mais de 60 anos de idade (Gráfico 2).
Quando fazemos a leitura da média dos resultados globais (Gráfico 3), percebe-se que quanto mais velhos são os professores, menor é a sua competência digital.
Porém, a diferença nas médias é tão pequena (5 pontos) que decidimos aferir a sua significância. Para isso realizámos o teste de análise de variâncias ANOVA, comparando as duas amostras com maior diferença (o grupo de professores mais novo e o mais velho) e o resultado confirmou que não existem diferenças estatisticamente significativas na média destes dois grupos, uma vez que o valor está acima de 0.05 (Tabela 4).
Resultados relativos à distribuição por departamento disciplinar
Os participantes distribuíram-se de forma relativamente homogénea pelos diferentes departamentos disciplinares. Analisados os seus resultados médios (Gráfico 4), não se encontraram diferenças, uma vez que aqui também não há grande discrepância nos resultados. O Departamento com um nível de desempenho mais elevado é o de Ciências Sociais e Humanas, sendo também o que apresenta um melhor resultado global médio - 57 pontos, nível B2 (Gráfico 5). Por sua vez, o Departamento de Expressões é aquele que apresenta mais níveis inferiores (25% no A2), o que lhe vale também o resultado global mais baixo - 44 pontos, correspondente ao nível B1.
Depois de realizar novamente o teste ANOVA para avaliar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os resultados também não se encontram diferenças significativas (Tabela 5).
Mesmo quando se tenta associar a média de idades de cada um dos grupos disciplinares para aferir se poderá haver alguma relação entre estas variáveis, verificamos que a média é idêntica para os Departamentos de Expressões e de Ciências Sociais e Humanas, ambos com a mais elevada média de idades (51 anos). O Departamento mais jovem é o do Primeiro Ciclo (média de 45 anos de idade), sendo o segundo grupo que apresenta uma média de resultados mais baixa.
Considerações finais
Fruto das transformações que veem ocorrendo na atualidade, que modificam a forma de viver, de pensar e de interagir uns com os outros, a Escola vê-se a braços com a necessidade de mudar mentalidades e, sobretudo, práticas. O foco encontra-se, por um lado, num novo modelo de estudante “cujas práticas de trabalho e padrões de atenção parecem ser multifocais, multivocais e tendentes à distração” (SANTAELLA, 2010, p. 304) e, por outro lado, nas novas necessidades dos mercados de trabalho, que hoje buscam nos seus profissionais competências que vão além das fundacionais e que promovam comportamentos de ordem superior, assumindo-se como cada vez mais necessária a adoção de novas estratégias e de novas metodologias que promovam práticas pedagógicas da emancipação, nomeadamente com vista ao desenvolvimento das competências para o século 21 (WEF, 2015).
Seguindo esta corrente de pensamento, as tecnologias digitais podem contribuir para a promoção destas competências, de carácter transversal e multidimensional, pois podemos conseguir complementar as pedagogias e metodologias já existentes com novas estratégias focadas em projetos, pesquisas ou métodos de aprendizagem adaptativos.
É nesse sentido que entendemos que o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo EU Science Hub é muito importante, nomeadamente, o relatório DigCompEdu, que procura definir um quadro europeu de referência relativo a competências digitais específicas para a docência, de forma a conseguirem aproveitar o que de melhor as tecnologias têm para melhorar e inovar a educação (REDECKER, 2017).
No que diz respeito aos resultados desta pesquisa, assente no instrumento construído pelo EU Science Hub, foi possível concluir que, em termos globais, os professores portugueses apresentam um nível de proficiência digital moderado, o nível B1- Integrador, sendo que as dimensões Competências pedagógicas dos educadores e Competências dos estudantes são aquelas que apresentam valores mais baixos, sendo que de acordo com o definido para este nível os professores: “[...] Precisam de um pouco mais de tempo para experimentar e refletir, complementado com apoio colaborativo e partilha de conhecimentos, para se tornarem Peritos”.
Concluiu-se, ainda, que os professores percecionam possuir mais competências na Dimensão um - Competências Profissionais -, nomeadamente a nível das competências comunicação organizacional e práticas reflexivas, uma vez que resultados mais elevados são aqui obtidos, aproximando-se do nível B2 - Expert -, o que não significa que não necessitem de investir em mais formação para alcançar o nível seguinte, de Leader (C1) ou Pioneer (C2).
Analisando com mais pormenor as vinte e duas competências do questionário, verifica-se que são as competências que mais se articulam com uma adaptação às diferentes necessidades dos seus estudantes, que refletem maiores dificuldades em ser concretizadas. Quando estas remetem para o feedback, para uma aprendizagem autorregulada, para a adaptação das aprendizagens, ou seja, para um trabalho prático em função das necessidades dos estudantes, surgem maiores dificuldades na adaptação ao contexto digital.
Para além disso, a pesquisa revela também que não existem diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis idade e departamento disciplinar e o nível de competência digital, notando-se, no entanto, a existência de valores médios ligeiramente superiores para os mais novos e para os departamentos mais ligados às Ciências Sociais, Humanas e Exatas. É interessante notar que estes resultados são idênticos aos de Wang, Myers e Sundaram (2012), que sugerem a existência de um continuum e não de uma dicotomia rígida entre os designados nativos e imigrantes digitais, e que existem vários fatores, para além da idade ou da própria acessibilidade a ferramentas e conteúdos digitais para explicar a questão da fluência digital.
Considerando estes resultados afigura-se, pois, necessário desencadear processos educativos destinados a melhorar e a desenvolver a qualidade profissional dos professores, recorrendo a ações de capacitação e modelos de formação que se coadunem com as dinâmicas pedagógicas em ambientes digitais como o modelo TPACK (KOEHLER; MISHRA, 2008). Este é um modelo de formação que poderá favorecer a aquisição destas competências digitais e a definição de uma didática mediada pela tecnologia, baseada, sobretudo num conhecimento pedagógico da tecnologia nas duas dimensões onde foram detetadas os valores mais baixos, e consequentemente maiores fragilidades. Com efeito, este modelo ao identificar a natureza do conhecimento exigido para a integração da tecnologia no processo de aprendizagem, pode permitir uma resposta muito eficaz para colmatar as lacunas identificadas neste estudo a nível da proficiência digital.