Introdução*1
Dubois (1993) descreve um jogo, tal como o de xadrez, ao se referir ao momento de captura de uma imagem. No percurso, o autor propõe “considerar que qualquer fotografia é um golpe (uma jogada), qualquer ato (de tomada ou de olhar para a imagem) é uma tentativa de “fazer uma jogada” (dar um golpe)”; metaforicamente, movendo as peças no tabuleiro, teríamos os objetivos, nítidos ou não, passaríamos pelo ato e observaríamos o que ocorre depois da jogada, ou no caso da foto, depois do golpe fotográfico (DUBOIS, 1993, p. 162). Desde que o primeiro golpe fotográfico foi realizado, que diferentes sujeitos discorreram sobre a técnica, arte, poder de representação, alcance entre o real e o imaginário, história, entre tantas outras descrições e conceitos de fotografia.
A artista Tarsila do Amaral também se dispôs a escrever sobre fotografia, no jornal Diário de São Paulo, no ano de 1946. A pintora, desenhista e escritora constrói seu texto apontando as semelhanças entre o nascimento do desenho e da fotografia, pontuando que a última nasce da ciência (graças às primeiras observações de coloração do cloreto de prata, ainda no século XVI, até a pesquisa do físico Charles, que projetou com o raio de sol a silhueta de um aluno sobre um papel branco embebido de cloreto de prata, deixando em branco a sombra do perfil do projetado) (AMARAL, 2008, p. 617). Tarsila (2008, p. 617) identifica um crescimento da prática de fotografar (“a fotografia continua na sua escala ascendente”), mas que não significava o acréscimo de profissionais (“o número de amadores se avulta”). A autora ressalta as atividades no salão de fotografias, no Palácio das Indústrias, durante a Exposição Universal (1855) e profetiza que, no centenário de tal evento, “a julgar pelo impulso crescente destes últimos anos, a par dos progressos fantásticos da ciência, pode-se esperar da fotografia novas realizações e aperfeiçoamentos em relação à estereoscopia, à técnica da cor e do relevo” (AMARAL, 2008, p. 617).
A crônica sobre fotografia, escrita por Tarsila do Amaral, nos dá pistas de que a discussão sobre a mesma estava na pauta dos profissionais e da população no geral, ou, como discrimina Dubois (1993), era discutida pelos seus parceiros: o fotógrafo, o observador e o referente. A imagem entendida como um objeto de cultura - “sobre o qual existe um enorme saber, e é preciso dominar esse saber para abordar essa imagem” - e como um objeto por natureza (DUBOIS, 2003, p. 152) adentra as instituições sociais, incluindo a escola.
E é para essa utilização que voltaremos o nosso olhar, nominando-as, neste trabalho, como fotografias escolares, uma vez que foram produzidas ou referenciadas como pertencente ao contexto escola2. A análise recai especificamente nas fotografias das escolas paranaenses arroladas pelo advogado e professor Alir Ratacheski3, quando este tinha 23 anos, em livro sobre a educação paranaense, sob o título da obra era Cem Anos de Ensino no Paraná, por tratar da educação desde a emancipação da província (1853) até o ano de comemoração do seu centenário (1953).
Seguindo a estrutura do livro, o autor copia alguns relatórios de presidentes da província na íntegra, intercalando com seus próprios comentários sobre os sujeitos ali referenciados ou sobre as propostas de ensino. Com o advento da República (1889), permanece o modo como ele lida com as fontes - os relatórios de governo referentes ao ensino, feito por governadores e inspetores gerais - sobrepondo, em alguns momentos, as fotografias escolares. Segundo opina Ratacheski (1953, p. 8), “o progresso do ensino, no Paraná, foi lento, mas seguro, até 1921, quando verdadeira transformação se inicia [...]”. Sobre este momento apontado pelo autor, Moreno (2007) descreve que:
O período 1920-1928 caracterizou-se por um movimento mais intenso de intervenção na esfera educacional paranaense quando estavam à frente da Instrução Pública César Prieto Martinez (1920-24) e Lysímaco Ferreira da Costa (1924-28). Foi um período de expansão quantitativa das escolas públicas, mas principalmente de intensificação de esforços para a inspeção, controle e mudanças da perspectiva pedagógica e da função social da escola (MORENO, 2007, p. 41).
A “verdadeira transformação” enunciada por Ratacheski coincide com a chegada do paulista César Prieto Martinez ao Paraná, durante a gestão do presidente do estado Caetano Munhoz da Rocha, tendo como incumbência reformar o ensino público. Souza (2004, p. 48) evidencia que “a imprensa paranaense recebeu com otimismo a nova direção do governo estadual e afirmava que o ensino público merecia seriedade e prioridade”. No entanto, a autora demonstra que, ao mesmo tempo, havia críticas quanto à utilização das ideias desse sujeito para reformar o ensino paranaense e acabar se submetendo “à afamada organização paulista”. Homens de destaque na reformulação da educação no Paraná e de voz ativa nos embates envolvendo questões caras para o desenvolvimento do ensino não é uma prerrogativa do século XX, pois diferentes sujeitos - inspetores, presidentes de província, professores - já faziam isso no Oitocentos (BARBOSA, 2012; 2016). Ratacheski não os desconsidera, contudo, grande fôlego de sua pesquisa toma o período republicano como escopo, incluindo as fotografias arroladas.
Mas por que Ratacheski insistia tanto em escrever sobre o ensino no Paraná? Seria pela junção da função que desempenhava com a necessidade de comemorar o centenário de emancipação? Ou pesava sobre ele a responsabilidade social para com a transformação do cenário escolarizado no estado? São perguntas ainda sem respostas, pela dificuldade em encontrar escritos e informações sobre este senhor para além de seu profícuo desempenho como advogado. Se, como reforça Bloch (2001, p. 75), “o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”, a investigação em jornais que circularam na época em que escreveu esta obra e nos arquivos dos autos judiciais pode nos ajudar a reformular as questões acima e descobrir mais pistas. Deixo aqui o convite.
Entretanto, logo no início de sua carta de apresentação, Ratacheski escrevia que era mais ligado ao ensino primário, e é possível apontar que o autor se mantinha conectado com ideias que circulavam no Brasil desde a instauração do período republicano e que ganhava cada vez mais força: de que a modernidade e o progresso almejado para a nação seria alcançado pelo desenvolvimento do ensino em outro modo, de forma que o analfabetismo “passava a ser a marca da inaptidão para o Progresso” (CARVALHO, 1989, p. 40). Deste modo, o Paraná, no momento em que se dava a ver na comemoração do centenário de emancipação, assumia a retórica do moderno, apresentando e discutindo o desempenho educacional ao mesmo tempo em que lançava mão da fotografia escolar para demonstrar o que era, com palavras, descrito. Diante disso, fica aqui o convite a você, leitor e espectador, a ser um “parceiro ativo da imagem, emocional e cognitivamente”, como esboça Aumont (1993, p. 81), e analisar algumas fotografias escolares selecionadas por Ratacheski.
“Respondendo a vossa circular”
Em 20 de março de 1953, Ratacheski enviou uma circular aos municípios paranaenses solicitando algumas informações sobre o ensino e fotografias das escolas. Neste ano o Paraná contava com aproximadamente 113 municípios, como demonstra Ferreira (2006). Não é possível pela obra mapear para quantos, quais e os que efetivamente a receberam, porém sete municípios a responderam durante o mês de abril: Tomazina, Mangueirinha, Mandaguari, Mandaguaçu, Faxinal, Ibiporã e Pato Branco. Os dados solicitados, se por todos fossem respondidos, proporcionaria um censo do ensino no estado naquele ano. As respostas obtidas nos informam que 6.025 alunos estavam matriculados em 104 escolas e que os municípios se organizavam para manter um financiamento para as mesmas. Deteremos nossa análise para as fotografias que acompanham esses dados. A série aqui elencada totaliza 13 fotografias, das 65 que compõem a obra.
A primeira foto em destaque (Figura 1) é de uma escola no bairro de Barra Mansa, do município de Tomazina (que possuía 12 escolas primárias, 12 professores, 485 alunos matriculados), e que, segundo informação dada pelo prefeito Antonio Batista do Nascimento, em 01/04/1953, era a única foto que tinha.
Sontag (2003, p. 28) pontua que, independentemente de como a foto se concretiza (objeto ingênuo ou fruto de um fotógrafo experiente), “seu significado - e a reação do espectador - depende de como a imagem é identificada ou erroneamente identificada; ou seja, depende das palavras”. Essas palavras nos mostram (escrito à caneta, abaixo da moldura) o nome do professor, Roque F. das Chagas, que, provavelmente, é o senhor grisalho e de terno preto em pé, ao lado esquerdo da imagem. Sobre a fotografia, o prefeito informa: “deixo de mandar as referidas fotos por não ter no momento a não ser esta que junto a este vai” (RATACHESKI, 1953, s/n). O que a fotografia nos diz? Sobre o prédio escolar: que era de madeira, como muitas construções escolares da época. Não existia um calçamento ao redor do prédio, o que deveria dificultar a passagem nos períodos chuvosos, transformando o chão batido de terra em lama. É possível contarmos 32 crianças (algumas sentadas em um banco, outras quatro em cadeira e o restante em pé). Provavelmente esta mobília não ficava do lado de fora da escola em dias normais; ela deve ser a mobília que compõem a sala de aula e foi ali colocada para fazer a fotografia. Pela roupa podemos identificar que três crianças são meninas. Os semblantes das crianças estão sérios, alguns quase contrariados, talvez por estarem ali, imóveis, posando para a foto. Pelo menos oito crianças estão descalças. A seriedade e os pés sem calçados comparecem também em outras fotografias enviadas pelo prefeito de Mandaguaçu (Figura 2):
A vestimenta das crianças, apesar de descalças, provavelmente fazia parte do melhor que tinham em seus guarda-roupas, aquela que geralmente seus responsáveis escolhiam para os dias festivos ou eventos religiosos. Tal interpretação é possível se atentarmos para a informação, dada pelo prefeito, de que as fotografias foram “batidas em diversas inaugurações feitas” (RATACHESKI, 1953, s/n), o que pressupõe um preparo especial, visto que não era um dia de aula comum, mas um dia comemorativo. Todavia, não há um padrão quanto a cor ou modelo, o que exclui a presença de um uniforme.
No ofício que encaminha as fotografias do município de Mandaguaçu, o prefeito Arahy Herreira Siqueira informa que existiam 18 escolas municipais (10 construídas e funcionando plenamente), 29 professoras nomeadas e 2.500 alunos (RATACHESKI, Ofício nº45/53, de 11/04/1953). Percebe-se que houve celeridade em responder a circular de solicitação dos dados, ocorrendo em menos de um mês da data da solicitação feita em março, incluindo fotografias nesse envio. Talvez fosse porque era para um arrolamento importante, a comemoração do centenário, ou por ser mesmo de praxe a agilidade nas respostas de circulares. Todavia, Alir Ratacheski (1953, p. 76) demarca que “no Paraná, verdadeiros milagres realizam as prefeituras no setor do ensino. Casos há de municípios, recentemente criados, como o de Mandaguaçu, onde em seis meses a prefeitura já havia posto em funcionamento 25 escolas primárias”. Um novo município que se dava a ver por meio de suas escolas fotografadas. Na próxima fotografia (Figura 3) é possível observar outra escola isolada de Mandaguaçu:
O prefeito de Mandaguaçu informa que as fotos enviadas foram anexadas “para maior veracidade dos dados” (RATACHESKI, 1953, s/n). No caso da Figura 3, é possível identificar um grande número de crianças, provavelmente os alunos dessa escola, além de alguns adultos. Os dados enviados registram 2.500 alunos no município. Quando nos atentamos para as pessoas contidas no espaço delimitado pela cerca da escola, visualmente, podemos levantar o questionamento se tal organização não seria um esforço de representação do número avultoso de alunos, como uma possível comprovação do que o prefeito apresenta. Mauad (2008) pontua que tomar a imagem fotográfica como prova do que realmente aconteceu foi uma prática muito utilizada no século XIX, contudo, podemos aventar que esta relação ainda podia ser encontrada na primeira metade do Novecentos, quando lidamos com documentos que traziam os dados e anexavam a fotografia como “prova”.
Relembrando Barthes (1984), o que pode saltar aos olhos na imagem 4, o punctun4, é a cerca de madeira. É ela que permitiu que todos ficassem circunscritos a um espaço mínimo. O fotógrafo se posicionou de fora da cerca, fazendo com que todos se voltassem para a câmera. Conseguiu demonstrar um espaço escolar totalmente ocupado por pais (que possivelmente estavam entre alguns dos adultos ali fotografados), talvez algum inspetor do ensino, professores e alunos, sendo essa a sua intenção ou não. Adentrando nas escolas, é possível observar como se organizava o espaço e algumas mobílias:
Para além dos sujeitos, as fotografias registram também o prédio e objetos que compõem a cultura material escolar, como o quadro negro e as carteiras5. Em todas as imagens é possível notar que foi adotada a madeira como principal elemento estrutural, apesar das construções serem diferentes. O prefeito informa que as escolas isoladas, até aquele momento, receberam “218 carteiras duplas, 11 quadros negros, 8 caixas de giz lápis e alguns livros de matrícula” e reforça que estava em construção “uma escola com quatro salas e demais dependências, como Secretaria, direção, etc.” (RATACHESKI, 1953, s/n). Para ele, as fotografias serviam como uma amostra da realidade do ensino no município e eram alicerçadas pela promessa de que a construção de escolas melhores estava no projeto da prefeitura, talvez no intuito de acompanhar o movimento de consolidação de escolas com prédios maiores, comportando salas específicas para aula, direção, etc.6
Se “o que uma fotografia não mostra é tão importante quanto o que ela revela” (DUBOIS, 1993, p. 179), percebemos, pela continuidade do espaço representado pelo recorte da câmera, como na Figura 4 (b), que a sala de aula permitia três fileiras de carteiras para os alunos, sendo que a do meio possuía um recuo maior, para o deslocamento do professor frente à turma, no quadro negro. Ainda que a qualidade das fotografias não seja muito boa, elas nos permitem ver que as salas de aula ficaram lotadas nesses dias, com três ou quatro crianças dividindo uma carteira pensada para duas. O modo como o espaço aparece ocupado pelos alunos nas duas imagens nos possibilita traçar como era difícil o desenvolvimento do trabalho docente, caso esse fosse o número de crianças frequentando a aula normalmente. Todavia, não esqueçamos que tal imagem representa um dia festivo, de inauguração da escola. Algumas crianças não olham para a direção do fotógrafo, mas aquelas que o fazem nos deixam entrever um misto de curiosidade, timidez e a consciência de que posaram para a captação da foto, como o menino sentado na terceira fileira de carteiras, na direção da porta a direita, que sorri abertamente para a câmera na Figura 4 (a).
Voltando o olhar para a cidade de Faxinal, o prefeito Pedro Gonçalves da Luz aponta em seu ofício somente os dados solicitados por Ratacheski, sem nenhum outro destaque adicional, todavia escreve que enviava fotografias das “cinco das principais escolas” (RATACHESKI, 1953, s/n). Essas imagens comparecem grampeadas ao ofício, uma atrás da outra, demonstrando também os modos de registro e envio. Atentemo-nos então para estas imagens:
Já afirmava Rui Barbosa nos Pareceres sobre o ensino primário: “não há instrução popular sem escolas, nem escolas sem casas escolares” (BARBOSA, 1947, p. 233). Até o momento, a arquitetura escolar comparece em praticamente todas as fotografias aqui apresentadas, com exceção da Figura 5 (b), na qual as crianças e a professora estão em local aberto. Nas duas fotografias há uma estrutura mínima que limita o espaço - a cerca - e que pode nos informar que talvez seja a que circunda os limites da escola. É possível perceber que a ausência da arquitetura escolar (prédio) denota outros sentidos e questionamentos, tais como: por que fotografar naquele monte de terra? Por que não na escola? Continuemos...
Nas cinco fotografias enviadas pelo prefeito de Faxinal, visualiza-se o semblante de quase a metade dos alunos do município (eram 191 crianças, segundo informado no ofício de 20 de abril de 1953). Cada fotografia sugere que os alunos estavam de uniforme, visto a predominância do branco, principalmente na foto anterior, na Figura 6 (b). Essa é uma possível interpretação, de acordo com uma dada “realidade” naquele momento representada, pois “a fotografia, diferente das narrativas literárias, usurpa verdades e propõe ao imaginário de seus observadores possíveis situações de exposição” (JÚNIOR, 2012, p. 44). Como fontes históricas, as fotografias das escolas do município aqui referido, sem um texto que as apresente ou uma anotação de pelo menos o nome das instituições ou de suas professoras, são pistas para a compreensão daquela realidade. Indícios estes que nos informam que havia crianças muito pequenas frequentando as escolas, como fica evidente nas figuras 6, 7 e 8. Nesta última (Figura 8 b), a menina, que está à frente, de vestido e gorro escuro, chupa o dedo e olha para baixo; uma ação mais natural do que a de seus companheiros que já compreendiam que aquele momento exigia a seriedade e a retidão do olhar para a câmera.
No Código do Ensino que estava em vigor, a obrigatoriedade de matrícula e de frequência nas escolas era de 7 a 12 anos para as meninas e 7 a 14 anos para os meninos (art. 48º). É claro que a obrigatoriedade para determinada faixa etária não impede as crianças pequenas de frequentar a escola, todavia, elas deveriam estar nas Escolas Maternais, entre os 2 aos 7 anos (art. 33º) ou, com 4 a 7 anos, nos Jardins de Infância que, segundo o código, eram “institutos destinados a preparar convenientemente as crianças para o curso primário, suavizando a transição entre o lar e a escola” (art. 39º) (PARANÁ, Código do Ensino, 1915, p. 11 a 13). Talvez, na falta desses locais para a educação da criança pequena no município de Faxinal, tenha ocorrido a frequência cada vez mais cedo delas nos bancos escolares. A fotografia pode indicar a falta desses espaços previstos em lei ou a estratégia de um município em manter nas escolas o máximo de crianças possível, contribuindo para um projeto republicano que, entre outras demandas, esperava da escola o apoio para o fim do analfabetismo que impedia o progresso (CARVALHO, 1989; SOUZA, 1998). Ou era apenas a irmã mais nova de algum aluno ou aluna que ali estava no dia do registro fotográfico.
Na última fotografia (Figura 6), fica bem destacada a predominância do branco na vestimenta das crianças, talvez uma tentativa de padronização, de criação de um uniforme, pelo menos nos dias de fotografia, como também pode ser observada na imponente escola de madeira de Ibiporã, a Escola Concórdia:
- “Meninos para a minha direita, meninas para a esquerda e diretor e professoras ao centro, por favor!” - Esse poderia ter sido o comando dado pelo fotógrafo, entendendo aqui, como aponta Dubois (1993, p. 178), que cabia a ele recortar, separar, iniciar o visível, determinar a imagem como um todo; pois, “no espaço literalmente talhado de uma vez e ao vivo pelo ato fotográfico, haja ou não encenação, tudo acontece por inteiro de uma só vez”. Mas esta disposição pode ainda nos indicar uma divisão nas funções que expressam um ordenamento escolar, apontado também em outros estudos brasileiros que se voltam para a análise de tais imagens. Uma organização do lugar que cada um ocupa para tirar a fotografia, que demonstra a “estrutura hierárquica em que eram estabelecidas as relações de subordinação e graus sucessivos de poderes, de situação e de responsabilidade [...]. Não é por acaso que o diretor é o homem adulto no primeiro plano que se sobrepõe à imagem das colegas professoras” (BENCOSTTA, 2011, p. 403).
O fotógrafo tinha um amplo espaço para trabalhar, visto que a escola aparece em um terreno sem cercas e, aparentemente, sem construções ao seu redor, com algumas árvores. Não é possível visualizarmos um caminho até a entrada da escola, supõe-se que existia outra porta por onde todos passavam, ou pais, alunos, professores e inspetores tinham que desbravar o mato/a vegetação, que já atingia um tamanho considerável. Ainda podemos aferir que esta foto foi tirada para marcar a inauguração do prédio, por isso a presença de alguns detalhes incomuns (como a vegetação por podar) e a presença de outros adultos, para além dos responsáveis pelo ensino, ou em virtude de comemoração de uma data específica (como a Independência do Brasil), visto que os alunos vestiam roupa clara, como um uniforme, e alguns seguravam pequenas bandeiras. Este último parece ter sido o motivo da fotografia anexada após o ofício enviado pelo município de Pato Branco7, como nos mostra a identificação da imagem abaixo:
Essa foto foi enviada duplicada pelo município. Na primeira, não tem a identificação escrita como Sete de Setembro de 1952, o que dificulta ainda mais qualquer pesquisa que permita perceber o contexto dessa escola8. Diferente de todas as outras, essa imagem não tem um adulto destacado - no caso, o professor ou professora - acompanhando os alunos, assim como não tem o prédio da escola ao fundo, seja de forma imponente ou não. Mas o que caracteriza essa imagem como uma fotografia escolar? Nos moldes apontados por Souza (2001), a foto (13) possui, na disposição em que as crianças posaram para a câmera, um ritual de compenetração, que pode ser notado não somente em seus semblantes como na disciplina dos corpos em se manter em uma determinada posição; podendo ainda ser observado, como pontua a autora, “a homogeneidade e a uniformização [que] são características dos retratos escolares, cujo enquadramento, disposição formal, ângulos, focalização e plano são semelhantes em diferentes épocas e em diferentes instituições educativas” (SOUZA, 2001, p. 79). Destaca-se ainda que as imagens aqui passaram pela análise e interpretação de acordo com a fonte escrita que as acompanhava.
Fechando a lente da máquina fotográfica...
Por meio dos ofícios enviados pelos governantes municipais, em resposta ao pedido de informação sobre o ensino feito por Ratacheski, podemos identificar uma rede de apoio à obra por ele organizada, mesmo que de forma secundária. Nestes ofícios, ele aparece como responsável ou integrante da Secretaria de Educação e Cultura. Talvez tenha sido a função desempenhada neste órgão público - com a combinação entre um lugar social, práticas e escrita, tal como nos convida refletir Certeau (2002, p. 66) - que permitiu a compilação do material por ele apresentado. Ainda que, no caso das fotografias, o autor informa não as ter conseguido no Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e reforça: “embora minha insistência se tenha tornado até importuna” (RATACHESKI, 1953, p. 02).
Quando escreve ao secretário da Editora Globo em maio de 1953, Ratacheski já possuía uma concepção dos usos e significados de uma fotografia, mesmo que não demonstre como ela foi construída. Ele classificou como ilustrativas as fotografias das escolas que conseguiu juntar e aponta como deveriam ser dispostas no livro: “ignoro qual o critério que será adotado para a inserção delas no Guia, entretanto tomo a liberdade de sugerir sejam colocadas em páginas paralelas, isto é, do lado esquerdo a matéria e do direito as fotografias a ela correspondente” (RATACHESKI, 1953, p. 02). A imagem funcionaria como atestado de veracidade para o que estava escrito. Seguindo a sua sugestão, ao invés de ficarem ao final do livro, elas poderiam entrar ao lado da tabela em que elenca os municípios e a quantidade de grupos escolares e escolas isoladas que funcionavam em 1920, bem como serem dispostas quando escreve sobre o ensino mantido pelos municípios.
Esse modo de conceber a organização das imagens iconográficas como espelho da realidade ou sob a ótica de um caráter comprobatório está intrinsicamente ligado ao conceito de fotografia-documento, referindo-se “inteiramente a alguma coisa palpável, material, preexistente, a uma realidade desconhecida, em que se fixa com a finalidade de registrar as pistas e reproduzir fielmente a aparência” (ROUILLÉ, 2009, p. 62). Segundo Rouillé (2009), as principais funções dessas imagens seriam arquivar, ilustrar, informar, ordenar, unificar modelos ou problematizá-los, funcionando como o que classificamos atualmente como banco de dados. Contudo, é importante que se compreenda ao analisar estas fontes que a fotografia não é uma verdade em si, esta, assim como outros documentos primários, devem ser interrogadas e confrontadas com outros registros, para que se possa construir uma interpretação histórica
Podemos ressaltar ainda, como sustenta Viana (2013), que a fotografia, como um documento empírico, constitui um texto, que é visual, cuja compreensão de sua representação se relaciona diretamente “à natureza da linguagem fotográfica (certo domínio da técnica de produção fotográfica), [...] ao contexto histórico, no qual foram produzidas as imagens”, cotejadas, quando possível, com outros documentos complementares (VIANA, 2013, p. 21114). Por sua vez, Bencostta (2002) pondera que o uso e a interpretação de fontes iconográficas, sobre as instituições e o universo escolar, tem nos auxiliado “na busca e organização de compreensões e explicações acerca da cultura escolar manifestada nos ambientes em que ela interage” (BENCOSTTA, 2002, p. 24). Dois pesquisadores brasileiros que fazem coro ao debate internacional sobre o tema, apontado por Rubí (2010)9.
Por fim, destaca-se que as fotografias nos auxiliam sim na compreensão da cultura escolar, porém, não deixa de ser um desafio entender os fenômenos do passado por meio das cenas expostas nesses registros fotográficos. Rubí (2010, p. 11), no diálogo com diversos investigadores10, indica alguns procedimentos/cuidados que devemos ter ao utilizar a imagem como fonte: 1º como qualquer outra fonte escrita, ela deve ser questionada, esmiuçada, investigada, criticada; 2º ela possui outros tipos de informações que muitas vezes complementam ou agregam aquilo que a fonte escrita já nos informa; 3º lembrar que a imagem não retrata necessariamente “como era” determinada escola ou o que aconteceu em determinado momento, ou seja, cuidar para a questão do real e da ingenuidade na interpretação com este tipo de fonte - que não deixa de ser o mesmo procedimento que tomamos com as fontes escritas, necessita-se manter uma atenção redobrada para que não haja construções equivocadas na análise histórica; 4º deve-se atentar para não formular interpretações anacrônicas, que é um problema quando analisamos a foto fora do seu contexto. Podemos acrescentar ainda um 5º ponto: entender como era feita a fotografia na época de determinada imagem - o recurso técnico. Uma vez que, faz diferença saber se a máquina utilizada era daquela em que as pessoas tinham que se manter paradas, até a imagem ser capturada, ou não. A questão da imobilidade, nas fotos que retratam alunos e seus professores, é muito complicada. Manter todos na posição correta e imóveis por algum momento, até a captura da imagem, não deveria ser uma tarefa fácil. Entendam, não se trata aqui de elaborar um guia sobre como lidar com a fonte fotográfica, mas de elencar alguns pontos que suscitam o debate na área na relação com a história do Paraná.
Seja com intencionalidade comercial, política ou outra, podemos conjecturar, pela análise das imagens aqui elencadas, que a ida do fotógrafo à escola era um acontecimento que fugia do que se esperava no cotidiano escolar. Exigia o envolvimento não somente dos alunos e professores, como dos funcionários, diretores e convidados presentes naquele momento (inspetores, pais, prefeito, etc.), que se manteriam na mesma posição para a captação da imagem. Mas todo esse ordenamento ou ritual de compenetração (SOUZA, 2001, p. 89) não impedia os alunos de se envolverem com a lente e posarem para a foto. Para Kossoy (2012) a imagem é portadora de mensagens diversas e ela nunca será real, uma vez que o real é objetivo e subjetivo, portanto, deve-se “ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado” (KOSSOY, 2012, p. 119). Cabe a nós, historiadores da educação, buscarmos os outros fragmentos.