Introdução
Atualmente, a escola enfrenta diversos problemas, como a evasão e a falta de interesse dos alunos em dar seguimento aos seus estudos. A necessidade de trabalho e geração de renda, as dificuldades de acesso (FIGUEIREDO; SALLES, 2017), o distanciamento entre os currículos praticados e os anseios dos jovens, e um ensino transmissivo, sem inovação, contribuem para esse panorama (DA COSTA; REGINATO; AMARAL-ROSA, 2021).
No que tange ao Ensino de Ciências, o desinteresse dos alunos pode estar associado às abordagens funcionalistas, marcadas pela memorização de conteúdos transmitidos como verdades absolutas, com o objetivo de os alunos serem aprovados em avaliações (BOUZON et al., 2018; DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000).
No caso da Química, a falta de significado dos conhecimentos e, ainda, a visão de que é muito difícil, são aspectos que contribuem para que a disciplina enfrente preconceitos entre os estudantes (CHASSOT, 2014; MOL, 2012; BOUZON et al., 2018). John Gilbert (2006) aponta que, em todo o mundo, o Ensino de Química enfrenta problemas como: sobrecarga dos conteúdos curriculares, que são abordados de maneira fragmentada e isolada; falta de transferência do que está sendo estudado para outras situações, pois os alunos dificilmente conseguem aplicar o que aprenderam em outros contextos; e ênfase no conhecimento cumulativo e desenvolvimento de habilidades científicas como único objetivo da educação química.
Diversos estudos, nas últimas décadas, buscaram superar esse modelo de ensino. Dentre eles, há os que trabalham na perspectiva da contextualização do ensino por meio de questões sociocientíficas (QSC), que apontam que o conhecimento científico que se desenvolve como resultado da problematização, discussão e negociação das QSC torna-se pessoalmente relevante e socialmente compartilhado (ACEVEDO-DIAS, 2009; SANTOS, SCHNETZLER, 2010; SADLER, ROMINE, TOPÇU, 2016).
Além disso, propõem-se mudanças nas relações entre professores e alunos, situando-os como agentes ativos do processo de ensino-aprendizagem e estimulando-os a pesquisar, analisar, debater, questionar e colaborar entre si e com outros sujeitos da comunidade e da sociedade em geral, como na perspectiva da Escolarização Aberta (OKADA; RODRIGUES, 2018; OKADA; ROSA; SOUZA, 2020).
Dentre as QSC, destacamos as que tratam das questões ambientais e a sua relação com os conhecimentos químicos, e que apresentam propostas de incorporação dessa problemática, desde contextos mais próximos da realidade da escola e da comunidade local, até contextos mais amplos e globais (FIRME; AMARAL, 2011, MATEUS; MACHADO; AGUIAR, 2019). Miranda et al. (2018) afirmam que a Química e seus conteúdos se inserem na realidade ambiental do planeta, podendo contribuir com o conhecimento científico específico para “abordar, informar, criticar, analisar, contextualizar e interagir com outras áreas, relacionando os temas presentes nos limites planetários e as suas diversas extensões” (p. 1995).
Portanto, pensar o Ensino de Química, permeado por questões ambientais relacionadas com a vida cotidiana dos alunos, significa focar no desenvolvimento de alunos críticos, capazes de fazer a leitura das transformações que acontecem no ambiente, a partir do entendimento das transformações da estrutura da matéria.
Tais questões, na atualidade, nos remetem ao uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), pois essas têm provocado mudanças significativas nas formas de nos comunicarmos e de aprendermos (ALMEIDA; VALENTE, 2012). Assim, os jovens, que atualmente crescem em contato direto com o ciberespaço, mesmo quando não participam ativamente da cultura digital, são influenciados por ela.
As TDIC configuram-se como novas linguagens que influenciam os modos de pensar, agir, representar e construir o conhecimento, ampliando os espaços educativos para além da sala de aula e dos materiais tradicionais, em espaços interativos de compartilhamento de experiências e saberes que potencializam o aprendizado (COLL; MONEREO, 2010). Integrá-las ao Ensino de Química contextualizado com temáticas ambientais pode contribuir com práticas educativas colaborativas e problematizadoras com uma linguagem mais próxima dos estudantes.
Nesse cenário, essa Pesquisa em Design Educacional (PDE) (MCKENNEY; REEVES, 2018) envolveu uma experiência de contextualização do Ensino de Química com um tema de Educação Ambiental na perspectiva da Escolarização Aberta (OKADA; RODRIGUES, 2018), incorporando as TDIC. O objetivo deste artigo é analisar o processo de intervenção pedagógica, compreendendo as etapas da PDE, como contribuição para o desenvolvimento de uma cultura científica e digital dos alunos, com foco na participação, engajamento e construção de propostas para problemas ambientais existentes em sua comunidade, relacionando-os com conceitos químicos.
Fundamentação teórica: QSC e Escolarização Aberta na contextualização do Ensino de Química
A necessidade de mudança no Ensino de Ciências tem sido discutida desde a década de 70, por meio da inclusão da educação científica com foco nas inter-relações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade. Compreender a Ciência sob esta ótica significa romper com uma visão de reprodução do conhecimento e desmistificá-la como algo inalcançável para a população, quando na verdade a ciência é parte de nossa vida, é uma forma de compreender o mundo (CHASSOT, 2014; SANTOS; SCHNETZLER, 2010; ACEVEDO-DIAS, 2009).
Nesse cenário, as QSC ancoram-se nos princípios da abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS aplicada à educação, a qual preconiza a necessidade de a escola rever suas práticas, especialmente de Ensino de Ciências, para estimular a discussão sobre questões que envolvem avanços científicos e tecnológicos e suas implicações sociais (SANTOS; MORTIMER, 2002; MENDES; SANTOS, 2013). As QSC envolvem controvérsias que articulam conhecimentos científicos em suas as dimensões sociais, históricas, culturais, éticas, políticas, econômicas e ambientais, promovendo uma discussão interdisciplinar (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007; SANTOS, 2008).
Portanto, a partir do debate de QSC, pretende-se promover o diálogo entre os conteúdos científicos escolares e o contexto social em que os alunos e suas comunidades estão inseridos, levando-os a refletir a partir de diferentes óticas e se posicionarem em relação às questões (MARTINS et al., 2018). Para isso, pode-se integrar temas ambientais que estão em debate na sociedade e que sejam do interesse dos alunos, valorizando a cultura científica na escola (CONRADO, 2017).
Vale destacar que existem diversas formas de abordar temas de Educação Ambiental. Nos importa a perspectiva crítica, pois é a que se contrapõe ao modelo tradicional, e que subsidia uma leitura mais completa do mundo, contribuindo para a construção de uma pedagogia dialógica com as dimensões políticas e sociais (LOUREIRO, 2004; GUIMARÃES, 2013).
No âmbito do Ensino de Química, Santos e Schnetzler (2010) propõem a contextualização de conceitos e fenômenos para elucidar a importância dessa ciência, que passa por suas aplicações práticas no cotidiano dos estudantes e pela análise crítica de sua utilidade, do uso dos recursos naturais e do respeito ao meio ambiente. O emprego de temas sociais potencializa o ensino, possibilitando práticas pedagógicas que explorem as contradições, viabilizem a problematização e, com isso, tornem o conteúdo pleno de sentido e significado (DELIZOICOV, 2005; MARI; VOGEL, 2012). Para Fernandes e Gouvêa (2020), abordar temas que sejam de interesse dos alunos proporciona mais motivação e dinamismo nas aulas de Ciências.
Gilbert (2006) também propôs que a contextualização esteja associada às questões sociais, e que sirva como base para a construção dos currículos, para enfrentar os desafios do Ensino de Química. Assim, os alunos podem relacionar conhecimentos escolares e situações do dia a dia e construir significados, transferindo as aprendizagens para outras situações e fazendo suas próprias analogias. Segundo o autor, esse processo torna o ensino mais relevante, promovendo o engajamento dos alunos e liberdade para o professor dar ênfase em aspectos diversos, além dos científicos. Finkelstein (2005) complementa, afirmando que o contexto não pode ser visto somente como um pano de fundo para ensinar o aluno, e sim estar junto dos conteúdos, sendo capaz de moldá-los, como também de serem moldados, inclusive, pelo aluno.
Sob esse viés, Freire (1987) defende uma educação baseada na realidade dos alunos e em temas geradores, que partem dos sujeitos. Para o autor, não existe um processo de educação neutro, a educação deve estar baseada no diálogo, na participação e na reflexão crítica. O diálogo freireano pressupõe a problematização e a solução de situações que requerem a participação da comunidade, uma vez que o indivíduo é capaz de ensinar e de aprender, de transformar e de recriar o mundo, tornando-se sujeito de uma prática “política, gnosiológica, estética e ética” (FREIRE, 1993, p.19).
Aproximando-se da perspectiva freireana, o conceito de Escolarização Aberta, introduzido no âmbito da Comissão Europeia, visa a cidadania responsável (RYAN, 2015). Envolve a interação com outros sujeitos como pesquisadores, profissionais em diversas áreas, membros das comunidades locais e famílias, permitindo a discussão de questões reais relevantes (OKADA; ROSA; SOUZA, 2020). Surge da necessidade de ampliar o conhecimento científico dos cidadãos e promover o interesse pelas carreiras científicas e de inovação (EC, 2015). Integra as aprendizagens formal e não formal, dando voz aos alunos e colocando-os no centro do processo educativo por meio de abordagens pedagógicas ativas em projetos autênticos.
Na escolarização aberta, as escolas, em cooperação com outras partes interessadas, tornam-se um agente do bem-estar comunitário conectando os estudantes com suas famílias que são parceiras na vida e nas atividades escolares e com os profissionais de empresas e sociedade civil que trazem projetos da vida real para a sala de aula (OKADA; RODRIGUES, 2018, p. 52).
Assim, acredita-se que a contextualização do Ensino de Química, com base nos princípios da Escolarização Aberta, seja um caminho para tornar os conhecimentos científicos mais relevantes para o aluno. Envolve situar essa ciência de forma abrangente, conectada com os problemas reais da sociedade, tais como os abordados pela Educação Ambiental, permitindo assim que os conceitos químicos se tornem recursos para uma leitura crítica do mundo e para o desenvolvimento de uma cultura científica escolar.
Abordagem metodológica
Este estudo é uma Pesquisa em Design Educacional (PDE), uma abordagem metodológica de pesquisa ancorada na natureza aplicada da pesquisa educacional, cuja motivação é conduzir estudos, criar designs educacionais úteis e apropriados e promover mudanças sustentáveis no contexto escolar, articulando três práticas epistêmicas: pesquisa educacional, design educacional e mudança educacional. Se desenvolve por meio de intervenções pedagógicas, a partir de problemas do contexto real de ensino-aprendizagem. As intervenções pedagógicas são implementadas em ciclos iterativos de análise, design, implementação e redesign, por meio da parceria entre professores e pesquisadores (MCKENNEY; REEVES, 2018; WANG; HANNAFIN, 2005).
Acerca das parcerias estabelecidas na PDE, os sujeitos envolvidos são compreendidos como coparticipantes, desde o planejamento das ações até a avaliação do artefato (BARAB; SQUIRE, 2004). Dessa forma, atuam de forma horizontal, interpretando o problema, recorrendo à teoria norteadora, propondo princípios de design e analisando uma intervenção de forma colaborativa.
De acordo com Mckenney e Reeves (2018), o processo da PDE pode ser organizado em quatro etapas: 1) definição do problema educativo juntamente com os sujeitos da prática, que envolve: identificação do problema, definição dos objetivos da intervenção pedagógica e compreensão do problema a partir de uma teoria de aprendizagem; 2) desenvolvimento colaborativo de um artefato/ambiente/projeto pedagógico a partir de uma teoria norteadora e das especificidades do contexto; o artefato pedagógico pode ser um produto ou um processo; 3) implementação da intervenção com uso do artefato/ambiente/projeto pedagógico e avaliação da contribuição para a solução do problema educativo; contribui para a construção de conhecimentos e aprimoramento da experiência de aprendizagem; 4) elaboração de princípios de design, a partir da análise dos resultados, que permitirão refinar o artefato e/ou a intervenção, que podem ser pesquisados em outros contextos.
Por entender que, na PDE, as quatro etapas ocorrem de forma interdependentes, formando um ciclo de design educacional, suas análises se constroem por meio de "narrativas de design" (design narratives) que descrevem o processo de pesquisa, incluindo contextos, atores, comunidades, artefatos e práticas. A opção por priorizar a perspectiva qualitativa se deve à característica de participação social dos sujeitos em um processo de aprender, conhecer e pertencer, enquanto pesquisam, tomam decisões e planejam, assumindo agência e voz no processo de aprendizagem (AKKERMAN; BRONKHORST; ZITTER, 2013).
Contexto e Sujeitos do Estudo
O lócus deste estudo foi uma escola pública do Rio de Janeiro, na região de Jacarepaguá, zona oeste da cidade. Atende cerca de 1300 alunos em turmas de Ensino Médio Regular (1200 alunos) e Educação de Jovens e Adultos (100 alunos).
Essa região engloba um grupo de bairros, os quais apresentam índice de Desenvolvimento Humano - IDH de médio a elevado. Apesar disso, apresenta vulnerabilidades sociais, como falta de saneamento básico, moradias irregulares, comunidades carentes, algumas em permanente confronto.
O trabalho iniciou a partir de uma conversa entre os pesquisadores e uma professora de Química, que se interessou em discutir os problemas de ensino de sua disciplina e construir uma parceria com sua escola. A parceria estabeleceu-se no segundo semestre de 2019, quando os pesquisadores iniciaram conversas com a direção e a coordenação pedagógica e frequentaram a escola por três meses para conhecer o contexto, realizar reuniões com a professora e observar suas aulas. Participaram desta PDE três pesquisadores da área de Ensino de Ciências, a professora de Química e 33 alunos do primeiro ano do ensino médio, que tinham acesso ao Ensino Remoto Emergencial, tendo em vista a pandemia de Covid-19 no início de 2020.
O presente estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa - CEP (Plataforma Brasil) e aprovado sob o nº 30522620.6.0000.5286. Para garantir o anonimato dos participantes foram atribuídos códigos no lugar dos nomes dos sujeitos (alunos: A1, A2…; professora: Prof; pesquisadores: Pesq).
Narrativas de Design: resultados e discussões
Fase 1 - Definição do problema educativo e aporte teórico
Esta etapa envolveu oito reuniões com a docente e seis observações participantes em suas aulas, possibilitando a parceria entre pesquisadores e comunidade escolar, conhecer a compreensão da docente sobre os problemas de sua prática e as dificuldades dos alunos com a aprendizagem de Química. As reuniões foram gravadas e transcritas.
Em relação à prática da professora, foi possível observar uma dinâmica recorrente de aulas expositivas, com uso intensivo do quadro para que os alunos copiassem a matéria e acompanhassem a resolução de exercícios de aplicação dos conteúdos. Mesmo assim, era perceptível o seu empenho em tentar desconstruir o modelo de ensino que praticava, tentando conectar os conhecimentos químicos com situações do cotidiano dos alunos. No entanto, esses exemplos eram elencados sem o aprofundamento e o tempo necessários. Essa observação da prática da professora vai ao encontro do que Mol (2012) e Schnetzler (2012) afirmam ser o panorama na maioria das escolas: ensino marcado por memorização, excesso de informações fragmentadas, conteúdo separado do contexto histórico-social dos alunos, o que contribui para a dificuldade de compreensão e o desinteresse pela Química. Quanto aos alunos, observou-se que a maioria ficava alheia às aulas e conversando.
Nas reuniões, a professora expressou suas percepções sobre os impedimentos para uma atuação mais dinâmica e contextualizada, indicando, principalmente, as pressões da gestão escolar para aumentar as aprovações e os currículos extensos a serem cumpridos em prazo exíguo. Além disso, a professora relatou que os alunos consideram a Química muito difícil, ou impossível de se aprender:
Então, o que acontece, que é algo cultural: desde quando eles são crianças, todo mundo fala “Ah, química e física são muito difíceis, você não vai conseguir, eu não me dava bem, eu não gostava, não gostava!” (Prof).
A aversão pela Química, segundo Treagust, Nieswandt e Duit (2000), deve-se à forma como a disciplina é apresentada, geralmente por meio de linguagens e conceitos descolados da vida cotidiana.
Para conhecer a visão dos alunos sobre a disciplina de Química, assim como as suas dificuldades e necessidades, foi aplicado um questionário exploratório com 12 perguntas. O levantamento, realizado com os 33 alunos, apontou que 26 (79%) classificaram o ensino de Química como difícil ou às vezes difícil, reforçando o relato da professora. Vinte e cinco alunos (75,7%) elencaram diferentes dificuldades de aprendizagem que variaram de conceitos básicos a limitações pessoais, tais como tabela periódica (n=6, 18%), compreensão da disciplina (n=4, 12%), fórmulas (n=3, 9%), misturas (n=3, 9%), resolução de exercícios (n=3, 9%), memorização (n=2, 6%), substâncias químicas (n=2, 6%), cálculos matemáticos (n=1, 3%) e dislexia (n=1, 3%). Em relação à pergunta sobre quais temas os alunos gostariam que fossem abordados, as respostas mais recorrentes foram os temas corpo humano (n=6, 18%) e experimentos (n=6, 18%). Alguns alunos (n=10, 30%) responderam que não gostariam de aprender nada, que o conteúdo já era suficiente ou que não sabiam responder, corroborando a falta de motivação e interesse pela disciplina. Em relação aos recursos e tipos de aula, os alunos afirmaram que gostariam de: aulas práticas (n=10; 30%), videoaulas (n=4; 12%), aulas lúdicas (n=4; 12%), aulas interativas (n=3; 9%), aulas de campo e visitas (n=3; 9%), aulas presenciais (n=2; 6%). Aulas de reforço, mais exercícios, pesquisas e resumos bem elaborados foram indicados apenas uma vez, quatro alunos não responderam e outros três afirmaram não saber opinar.
Assim, identificou-se que o problema educativo está relacionado à falta de motivação dos alunos para aprender Química, associada ao estigma atribuído à disciplina, à forma como as aulas são conduzidas e ao seu distanciamento da vida cotidiana dos alunos. Observou-se que os alunos têm uma visão restrita da disciplina, no sentido de relacioná-la, principalmente, ao ambiente de laboratório, não incluindo outros contextos, além de não compreender a utilidade desta ciência em suas vidas. Há, ainda, uma referência aos conteúdos matemáticos, à reprodução de fórmulas e à memorização, o que provavelmente contribui para que os alunos se desmotivem.
Tendo identificado o problema educativo, pesquisou-se a fundamentação teórica que contribuísse para aprofundar a definição do problema e também orientar o desenvolvimento do artefato e da intervenção, visando a solução do problema. Neste sentido, a contextualização no ensino de Química se apresentou como uma abordagem conceitual, discutida na literatura, que atribui maior sentido na aprendizagem dos conteúdos curriculares (FINGER; BEDIN, 2019; SANTOS, 2007; GILBERT, 2006). Dionor et al. (2020) afirmam que a maioria dos estudos sobre QSC em sala de aula, têm como objetivo abordar os conceitos científicos a partir da contextualização.
A contextualização não se limita a situações do cotidiano para facilitar a compreensão de conteúdos, ou ainda, a um método que aumenta a motivação e ajuda a aprendizagem. Ela situa as dimensões sociais em que os fenômenos estão inseridos. Não se trata somente de explicar como os conhecimentos químicos funcionam no mundo e na vida do aluno, mas também de esses conhecimentos tornarem-se instrumentos de leitura crítica da sociedade (SCHNETZLER, 2012). A aprendizagem concebida como prática social, ultrapassa os limites da sala de aula, mesmo quando acontece dentro de uma escola, pois o processo cognitivo é reconhecido como um fenômeno histórico, social e cultural, situado na prática cotidiana (SILVA, 2016).
Assim, a parceria e a colaboração são elementos-chave desse processo e se integram aos princípios de coaprendizagem, coinvestigação e coautorias propostos pela Escolarização Aberta (Open Schooling). Okada e Rodrigues (2018, p. 42) a entendem como caminho para a “co-construção de conhecimentos “para” e “com” a sociedade em busca de viabilidade e sustentabilidade”. Os autores se referem às parcerias entre escolas, comunidades locais, famílias e instituições visando conectar as três abordagens de aprendizagem (formal, informal e não formal). Neste sentido, a perspectiva da Escolarização Aberta encontra articulações com a abordagem metodológica da PDE, por suas naturezas contextuais, com foco na discussão e na proposição de soluções para problemas locais e globais que afetam as práticas educacionais e o cotidiano dos sujeitos e que se desenvolvem a partir da parceria entre pesquisadores, professores, alunos e comunidade, envolvidos em um processo intensivo de longa duração (AKKERMAN; BRONKHORST; ZITTER, 2013).
Fase 2 - Desenvolvimento do artefato pedagógico
A partir da análise do problema educativo e do arcabouço teórico, a construção do artefato pedagógico baseou-se no modelo de Escolarização Aberta Care (Importar-se/Cuidar), Know (Saber/Conhecer), Do (Fazer/Agir) 1 proposto pelo Projeto CONNECT - Escola Aberta Inclusiva por meio de ciência envolvente e voltada para o futuro, (EC, 2015; NERHAUS, 2021). O CONNECT objetiva “promover a integração dos conhecimentos e habilidades adquiridas dentro e fora da escola para que os jovens aprendam de uma forma mais contextualizada e útil em suas vidas e futuras carreiras profissionais” (OKADA; MATTA, 2021, p. 1775).
“Cuidar” envolve a identificação de problemáticas que preocupam a comunidade local/global e a formulação de questões a serem investigadas; “Saber” engloba o estudo dessas questões, incluindo a colaboração de especialistas; e o “Agir” diz respeito à autoria, às propostas de solução do problema e à produção de materiais que possam ser divulgados para a comunidade e para gestores e formuladores de políticas.
O artefato pedagógico foi definido e planejado como um conjunto de seis momentos que integram o Ensino de Química a uma QSC, mediadas pelo uso das TDIC, conforme o modelo Care, Know, Do (Figura 1):
Como o objetivo da pesquisa envolveu trabalhar a Química a partir da Educação Ambiental, a etapa “Cuidar” envolveu uma sensibilização (Momentos 1 e 2), onde foi passado um filme que aborda uma problemática ambiental, seguido de uma roda de conversa; e a identificação e reflexão sobre as questões socioambientais presentes no contexto dos alunos (Momento 3).
O uso de filmes no Ensino de Ciências tem se configurado como um recurso para discutir e visualizar as relações entre ciência, ambiente e sociedade (SILVA et al., 2015). Segundo Arroio (2010), os filmes têm impacto sobre os alunos e despertam seu interesse por temas científicos.
Optou-se pelo filme Erin Brockovich, pois este apresenta uma questão ambiental que influenciou a vida de uma comunidade, envolvendo a Química e seu impacto social, econômico e de saúde. Para Santos, Rezende Filho e Mello (2020), o uso desse filme com fins educativos pode inspirar uma ação cidadã e crítica no público, tendo um de seus sentidos o encorajamento de pessoas simples e humildes para o enfrentamento de injustiças e a busca por seus direitos. Arroio (2010) analisou o mesmo filme, concluindo que este pode engajar os alunos para a discussão de questões sociocientíficas, como mudanças climáticas e de conteúdos químicos de forma contextualizada.
Para o Momento 3, planejou-se que os alunos registrassem imagens do seu entorno, que tivessem relação com o tema ambiental escolhido, para que identificassem os problemas socioambientais de sua comunidade e refletissem sobre eles. As imagens poderiam vir acompanhadas de uma narrativa, explicando o motivo da escolha, caso o aluno julgasse necessário para complementar o significado atribuído às imagens.
A fotografia transmite um ponto de vista, uma visão de mundo, e possibilita o compartilhamento de experiências e a associação a outras imagens de nossa memória, atribuindo emoções e significados. Além disso, é uma forma de narrar uma história, de dialogar com a cultura e a realidade do aluno (LEMOS; VEIGA; PEREIRA, 2018).
A partir do Momento 3, as atividades passaram ao formato remoto, em decorrência da pandemia de COVID-19. Uma série de adaptações foram necessárias, inclusive em relação à produção de imagens, cuja alternativa encontrada foi a ferramenta de geolocalização Google Street View, de uso gratuito.
A etapa “Saber” foi idealizada para acontecer nos Momentos 4 e 5, com o objetivo de os alunos desenvolverem os conceitos essenciais para a compreensão das situações problematizadas por meio do acesso e troca de informações com os pesquisadores e a professora.
A etapa “Agir” buscou mobilizar os conhecimentos abordados nos momentos anteriores e permitir que os alunos fossem agentes no processo de sua aprendizagem a partir da elaboração e divulgação de projetos.
Fase 3 - Intervenção Pedagógica
Cuidar - Momentos 1 e 2 - roda de conversa a partir do filme Erin Brockovich
O filme Erin Brockovich apresenta a história real de uma comunidade contaminada com a substância química altamente tóxica Cromo VI, usada por uma indústria local. Durante a exibição, os estudantes se mostraram interessados e atentos, inclusive alguns pediram a cópia do arquivo. Na semana seguinte, a roda de conversa foi iniciada a partir da pergunta: O que ocasionou o problema apresentado no filme? As respostas e os assuntos sobre o tema se desenvolveram à medida em que os participantes faziam suas colocações e citavam trechos do filme para fundamentar seus argumentos. Houve um diálogo sobre a valorização do conhecimento em que uma aluna ressaltou o fato de Erin ter conseguido reunir provas para ajudar mais de 600 pessoas, mesmo sem ter concluído seus estudos.
Prof: Então você acha que estudar não é importante?
A1: Não fez diferença pra ela professora.
Prof: Você não acha que o fato de Erin ter pesquisado muito sobre o assunto significa que ela precisou estudar?
A1: Sim…
A2: E ela também procurou um cientista. Para entender né?
Prof: Justamente! Mas realmente foi muito interessante essa parte da história, que mostra como a Erin pesquisou o caso, se aprofundou no assunto...É o que costumamos fazer em relação aos nossos estudos.
Alguns alunos citaram que a Química pode fazer mal para as pessoas: “Mas é claro que faz mal. Você não vê que, quando a gente vai falar de um produto bom, a gente fala que ele é natural e não tem química! (A3); “Eu acho que faz mais mal que bem” (A4). Um dos pesquisadores explicou que existem substâncias químicas menos tóxicas que poderiam ser usadas pela indústria em questão, suscitando um diálogo crítico:
Pesq: O que vocês acham que levou a empresa a usar essa substância tóxica?
A5: o dinheiro né professora. Eles queriam economizar!
A3: Mas não falou isso no filme.
Pesq: Vocês acham que a responsabilidade pelo que aconteceu foi da empresa de energia?
A5: Foi. Eles não se preocuparam com ninguém, só com o dinheiro.
A2: Também foi das pessoas que não procuraram saber o que estava acontecendo.
Prof: Mas o que elas poderiam fazer?
A2: Sei lá...desconfiar...todo mundo ficando doente.
Prof: E os órgãos públicos?
A5: Também. Eles encobriram, igual acontece aqui. Ninguém faz nada.
Os pesquisadores e a professora procuraram estabelecer conexões entre as questões levantadas pelos estudantes e a Química, ressaltando a importância dessa ciência para a sociedade e os seus vínculos com experiências do dia a dia. Observou-se que suas colocações estavam centradas nas questões ambientais e seus impactos, com poucos conceitos químicos envolvidos. Eles falaram sobre problemas ambientais como desmatamento e poluição, e sobre a responsabilidade com o meio ambiente.
Com base nas discussões, os alunos demonstraram interesse em trabalhar com a temática da água, sua potabilidade e possível contaminação. Além do filme, outra motivação citada para a escolha do tema, foi o problema de abastecimento de água na cidade, ocorrido no início de 20202.
A8: Eu acho que uma coisa muito ruim que tá acontecendo é a gente ter que comprar água. Nem todo mundo pode, e aí, quem não tem dinheiro, tá tomando água suja.
A9: A água está podre! Falaram que não está mais, mas é mentira. Lá em casa ainda está com gosto ruim.
Foi possível observar que o tema água estava presente no cotidiano dos alunos, seja atrelado a problemas ambientais, como a poluição, ou até mesmo ao impacto no orçamento doméstico. Em síntese, o filme Erin Brockovich proporcionou um diálogo entre os alunos, a professora e os pesquisadores e suscitou questões que foram além da história apresentada. Os alunos puderam se sensibilizar sobre meio ambiente e a Química, abrindo espaço para aprofundar questões relacionadas com o tema água em sua comunidade.
Cuidar - Momento 3 - Aula com mapa de localização
Como as aulas presenciais foram interrompidas devido à pandemia, foi preciso reforçar a comunicação com os alunos por meio do WhatsApp. Muitos tinham dificuldade de acesso à internet, não possuíam computador ou celular individual, nem um local adequado para aulas remotas e, até mesmo, pouca familiaridade com alguns recursos tecnológicos. A professora e os pesquisadores auxiliaram os alunos com a plataforma disponibilizada pela escola (Google Classroom) e com o Google Street View, selecionado para eles registrarem imagens de situações socioambientais envolvendo a água no caminho entre suas casas e a escola.
As imagens e as narrativas produzidas pelos alunos (Figura 2) foram discutidas na medida em que eram apresentadas no Mapa de localização construído no Google Maps (Figura 3).
Conforme a professora mostrava as imagens no mapa, os alunos expunham suas ideias pelo microfone ou pelo Chat:
Dependendo do como está o estado da água e como eles vão estudar aquele determinado local, geralmente, quando tem muito lixo, as pessoas devem avisar para o governo poder melhorar esse tipo de situação. Muitas das vezes a gente vê garrafa pet no esgoto, aquilo vai acumulando e outros lixos também são jogados. Se isso continuar vai acontecer uma enchente e afetar os moradores (A6).
A6 expôs uma questão socioambiental que se constitui como um problema para sua comunidade. Apesar de indicar que pessoas jogam lixo no “esgoto”, que na verdade é o Rio Pavuninha, A6 demonstra compreender o papel do Estado para resolver a poluição do rio e o saneamento básico.
Onde eu moro tem esses dois problemas. A primeira coisa é o lixo. A Comlurb quase não vai recolher os lixos. Isso me revolta. Às vezes acaba que vejo alguns vizinhos queimando lixo e fica aquele cheiro horrível, aquela fumaça cinza. E também quando chove os carros quase não conseguem subir ou chegar na metade do caminho de tanta lama...isso atrapalha muito (A7).
[...] também tem muito esgoto e lixo na rua. Outra coisa é um cheiro insuportável. Dá vontade de vomitar (A8).
Se a prefeitura limpasse o rio ele não seria um valão! (A9).
As questões levantadas foram além das apresentadas nas imagens e, com isso, avançaram no sentido de uma prática educativa crítica e conectada aos problemas da sua comunidade. Surgiram as primeiras relações do tema com a Química, mediadas pela professora, que identificou, nos alunos, lacunas em relação ao conhecimento químico.
As falas, imagens e narrativas dos alunos foram analisadas de acordo com a análise de conteúdo de Bardin (2016) com o uso do software Atlas TI para a organização e identificação de códigos e categorias. As categorias (Quadro 1) evidenciaram as preocupações dos alunos com problemas ambientais e as dimensões dessas questões em suas vidas e da comunidade.
Situações socioambientais | Sentimentos dos alunos | Soluções propostas |
---|---|---|
Poluição do Rio Pavuninha Alagamento/enchentes Poluição do solo Falta de água Desperdício de água Falta de saneamento básico Falta de manutenção das vias públicas Lixo acumulado nas ruas Moradias inadequadas Cheiro desagradável Presença de animais vetores de doenças Risco de doenças Ausência de peixes no rio por causa da poluição |
Tristeza Impotência Nojo Solidariedade Decepção |
Conscientização das pessoas Retirada das pessoas dos lugares de vulnerabilidade para lugares mais seguros Poder público atuante na limpeza do rio e das ruas Fiscalização realizada pelos agentes ambientais Educação como meio de ascensão social |
Fonte: elaborado pelos pesquisadores.
Os alunos retrataram problemas de moradia, enchentes, lixo nas ruas e poluição do rio que corta uma das ruas do bairro (Rio Pavuninha), porém algumas falas continham situações que vão além das questões ambientais como problemas de segurança pública e econômicos. Os problemas relacionados à poluição do Rio Pavuninha foram os mais recorrentes, indicando ser uma questão socioambiental que afeta a vida dos alunos e de sua comunidade.
Diante desta análise, alunos, professora e pesquisadores elegeram a poluição do rio Pavuninha como uma QSC a ser estudada. As QSC têm sido apontadas por diversos pesquisadores como um recurso para tornar o Ensino de Ciências mais relevante e contribuir para o desenvolvimento de cidadania responsável, na medida em que suscitam discussões que envolvem juízos de valor, aspectos éticos e relacionam-se com problemas sociais locais ou globais (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000; RATCLIFFE; GRACE, 2003; FERNANDES; GOUVÊA, 2020).
Saber - Momentos 4 e 5 - Desenvolvimento da QSC Poluição do Rio Pavuninha
Durante os momentos 4 e 5, no Google Meet, a professora apresentou notícias relacionadas às discussões das aulas anteriores, assim como as imagens produzidas pelos alunos. Os conteúdos científicos da disciplina de Química foram abordados por meio do tratamento de água e esgoto, envolvendo todas as etapas e dialogando com as ideias trazidas pelos alunos.
A professora fez perguntas, estimulando a participação ativa de todos, buscando superar as limitações do distanciamento físico. Os assuntos foram surgindo naturalmente, com a Química entremeada de questões sociocientíficas. Os pesquisadores também participaram das discussões, compartilhando experiências, aprofundando os conteúdos científicos e dando exemplos de aplicação em outros contextos. A transcrição dos diálogos foi analisada e identificados três aspectos de destaque na construção do conhecimento dos alunos sobre a QSC. O primeiro se refere à identificação pelos alunos dos problemas vivenciados em seu contexto:
A10: Como a gente vai saber se a água tá mesmo limpa? Porque olha o que aconteceu: todo mundo tava bebendo água com terra. E ninguém fez nada! E ainda tem aquele valão que de noite tem um cheiro horrível dentro de casa.
A11: Não tem o que fazer. Meu pai teve que colocar umas madeirinhas pra gente chegar na porta de casa, porque passa muita água podre ali.
O segundo aspecto diz respeito ao interesse dos alunos em aprofundar os conhecimentos científicos a partir da situação-problema do território:
A4: Eu não sabia que a água passava por tanta coisa pra ficar pura pra gente beber.
Prof: [...] A água só é considerada pura quando não tem nenhuma outra substância que não seja a molécula da água. E essa água pura só é possível de obter em laboratórios por meio de processos que retiram alguns íons, como os dos sais minerais. A água que sai da estação de tratamento na verdade é uma mistura.
A5: Professora, e quando a gente bebe a água do poço, como a gente vai saber que ela tá limpa? Lá na casa da minha vó só tem água do poço.
Prof: O certo seria fazer análises para atestar a qualidade da água do poço. Análises físico-químicas como pH, turbidez, alcalinidade... e microbiológicas, para verificar a presença de bactérias nocivas à nossa saúde.
O terceiro aspecto se refere ao desenvolvimento de uma consciência cidadã a partir das discussões sobre a QSC Poluição do Rio Pavuninha e suas implicações sociais e políticas:
A8: Professora, eu acho que o descaso com o meio ambiente é de nós mesmos, de todos!
A12: Eu acho que é mais nosso né, porque a gente está poluindo. O maior descaso é o nosso, porque somos nós que jogamos o lixo na rua.
Prof: Então, se nós pararmos de poluir, você acha que isso seria suficiente?
A8: Não, o governo também tem que colaborar. Porque todos têm que colaborar[...]
Pesq: E vocês acham que isso está relacionado, de alguma maneira, com o nosso sistema econômico, em como a nossa sociedade está instituída?
A12: Não é só o governo ou as pessoas. A gente tem que fazer a nossa parte e eles também. Porque não adianta a gente fazer a nossa parte, e eles continuarem a desmatar árvores e poluir o ar. Eu acho que poderíamos reivindicar nossos direitos, porque nós também somos donos das árvores, das terras, e tudo que eles desmatam está afetando principalmente a gente. Porque eles estão lá em cima e a gente tá aqui embaixo, a gente é quem sofre com os impactos ambientais.
Assim, alcançou-se a construção de valores vinculados ao compromisso social e ao respeito ao meio ambiente; além da capacidade de transformá-los em atitudes e ações para a melhoria das condições da comunidade, que é um dos objetivos de uma educação CTS (FINGER; BEDIN, 2019; SANTOS; MORTIMER, 2002).
Agir - Momento 6 - Apresentação dos projetos dos alunos
Para a realização dos projetos relacionados à QSC, os alunos trabalharam em grupos de até seis componentes, durante três semanas. Vinte e quatro alunos participaram dessa etapa, apresentando cinco projetos: Poluição dos rios; Economizando Água; Dragagem do Rio Pavuninha; Filtração Caseira da Água; Solucionando as Enchentes do Bairro.
O projeto Poluição dos Rios envolveu planejamento e produção de um folheto educativo para a comunidade sobre o descarte de lixo nos rios e seu impacto na qualidade da água e na vida marinha; o grupo usou a rede social Discord para trabalhar de forma síncrona e um editor de texto para confeccionar o folheto. O projeto Economizando Água trouxe informações sobre a importância da água no planeta, seu gasto em diversos setores da sociedade, bem como ações para economizá-la e reaproveitá-la; o grupo produziu pequenos textos e imagens no aplicativo Paint e divulgou em uma conta na rede social Instagram. O projeto Dragagem do Rio Pavuninha consistiu em um texto detalhando a situação de assoreamento e sujeira do rio, acompanhado de um abaixo-assinado solicitando sua dragagem à prefeitura, por meio de uma plataforma online, divulgado nas redes sociais dos alunos. O projeto Filtração Caseira da Água envolveu a construção de um filtro com garrafas pet e camadas de pedras e carvão vegetal, e de um tutorial em editor de texto sobre como fazê-lo, que foi distribuído na comunidade. O projeto Solucionando as Enchentes do Bairro optou por elaborar três desenhos feitos à mão, retratando uma cidade devastada por uma enchente, a realização de obras para solucionar o problema e a cidade revitalizada, após as obras. A Figura 4 mostra os projetos de três grupos.
Os alunos desenvolveram propostas para a melhoria das condições de vida na região, articulando conhecimentos científicos com aspectos sociais, históricos, culturais e políticos. Assim, demonstraram que, ao mesmo tempo em que ganharam conhecimentos, ampliaram sua visão crítica sobre as condições de vida de sua comunidade e de seu papel como cidadãos, não apenas no sentido de reivindicar políticas públicas do Estado, mas também atuar junto à coletividade com ações de comunicação e educação, agregando esforços para transformar aquela realidade (FREIRE, 1993; SANTOS; SCHNETZLER, 2010; SILVA, 2016).
Estas observações sobre os projetos encontram eco nas reflexões dos alunos sobre as experiências vivenciadas, refletidas nas narrativas elaboradas por 11 participantes. A análise dessas narrativas indicou que os alunos orientaram suas reflexões a partir de três principais categorias: Ensino de Química, uso das TDIC no desenvolvimento do trabalho e desafios do processo.
A respeito do Ensino de Química, os alunos revelaram que se identificaram e se envolveram positivamente com a dinâmica do artefato construído:
Esse ano de Química aprendi sobre diversos assuntos e me aprofundei em matérias que sempre tive interesse e acabei me surpreendendo com o processo e todo o procedimento (A5).
Eu amei fazer esse trabalho de Química, eu gosto de estudar sobre assuntos que tocam com a realidade (A12).
Evidenciou-se, também, que os alunos relacionaram a Química com o cotidiano, indicando que a contextualização foi importante para motivar e facilitar a aprendizagem da disciplina.
Na pesquisa eu aprendi coisas da Química. Que Química tem em nosso cotidiano. [...] o floco que vai ser usado na água, que vai separar a água pela ação da gravidade; na própria desinfecção pode ser usado o cloro que vai eliminar germes nocivos para garantir a qualidade da água até a torneira do consumidor. Também tem as bactérias no esgoto por falta de saneamento básico, podendo ter cólera, meningoencefalite, leptospirose (A20).
Nesses dias aprendi bastante coisa sobre o meio ambiente, uma delas foi sobre o desperdício de água no Brasil (A7).
Eu achei que eu não iria conseguir aprender nada, mas até eu me surpreendi. Aprendi sobre o tratamento de água, eu já tinha escutado falar sobre isso mas eu nunca tinha ido a fundo como fui agora (A13).
Apesar de elencar dificuldades como o acesso à Internet, problemas no uso de aplicativos e sobrecarga de trabalhos escolares, além de problemas ocasionados pela pandemia, os 11 alunos sinalizaram a contribuição das TDIC para o desenvolvimento dos trabalhos, seja pela motivação da novidade, por poder fazer o trabalho em grupo mesmo à distância, por aprender a utilizar recursos tecnológicos que não conheciam ou por poder compartilhar suas descobertas com outras pessoas:
Tudo que está acontecendo também foi um aprendizado de como estudar online, nunca tinha passado por essa experiência, eu tive contato com várias plataformas online como o Zoom, Google Meet e Hangouts e até que foi legal (A13).
[...] deu mais facilidade para fazer o trabalho e para ter mais informações (A9).
Poder compartilhar nossas descobertas para o público é bem legal porque ajudamos aqueles que ainda não sabem (A14).
Portanto, ficou claro que os alunos ressaltaram o potencial de comunicação, de acesso e disseminação de informações e principalmente de como essa nova cultura de aprendizagem possibilitou uma prática educativa colaborativa próxima de sua realidade, permitindo a construção de significados e favorecendo o desenvolvimento de uma educação crítica (COLL; MONEREO, 2010). Além disso, a contextualização contribuiu para que eles compreendessem a importância da cultura científica em sua formação e o papel social das ciências.
Considerações finais
Esta PDE partiu de um problema educativo conhecido na literatura da área de educação, relacionado ao desinteresse dos alunos pela escola e pela aprendizagem de Ciências, a partir de motivações pedagógicas, econômicas e sociais. Neste estudo, a problemática se concretizou com base na desarticulação entre os conhecimentos de Química e a vida cotidiana dos alunos, o que faz com que eles tenham resistências à aprendizagem desta disciplina. Do ponto de vista metodológico, a articulação da abordagem da PDE com a Escolarização Aberta se mostrou adequada, tendo em vista que ambas compartilham princípios de colaboração, coparticipação e co-aprendizagem, por meio de parcerias entre sujeitos da prática educativa, pesquisadores e outros profissionais, alavancando a pesquisa e relação da escola com outros setores de nossa sociedade. A adoção do modelo Care, Know, Do para desenvolver o artefato pedagógico e conduzir a intervenção, de forma articulada com a abordagem CTS a partir de QSC e da contextualização, possibilitou que os alunos identificassem a questão socioambiental de seu interesse e de sua comunidade, se engajassem nas atividades e elaborassem projetos que revelaram consciência ambiental, social e comunitária com conhecimentos científicos sobre a problemática da Poluição do Rio Pavuninha. Assim, este estudo se alinha aos seguintes objetivos da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável: Educação de qualidade; Água potável e saneamento; Cidades e comunidades sustentáveis; Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança global do clima; Vida na água e Vida terrestre (ONU, 2015).
Embora tenha havido alguns desafios e limitações, especialmente por conta da pandemia, esta narrativa de design traz elementos que contribuem para outras experiências que proponham um novo olhar para o currículo e para a escola.