Introdução
O processo de inclusão nas instituições de ensino sucede quando os procedimentos pedagógicos são planejados com objetivo de atender a especificidade do estudante, possibilitando que ele possa relacionar-se no âmbito institucional com todos os envolvidos e construir sua trajetória de aprendizagem. Para tanto, a instituição “[...] deve estar preparada, adaptada, capacitada para que a inclusão possa acontecer de forma significativa [...]” (Ribeiro; Lessa; André, 2020, p. 155).
Mazzillo (2009, p. 17), corrobora ao pontuar que “[...] a inclusão é um processo inacabado que ainda precisa ser frequentemente revisado”, com seriedade e discernimento, salientando-se que a inclusão precisa se fazer presente nas diversas esferas sociais e educacionais, buscando assegurar a todos o direito de uma participação efetiva. No contexto educacional, a proposta é oportunizar aos estudantes com Deficiência as mesmas oportunidades que os demais estudantes têm, levando em consideração suas capacidades, potencialidades e respeitando suas individualidades (Carvalho, 2012).
Diante disso, o presente artigo trata-se de um recorte de uma investigação no âmbito do mestrado em Educação, concluída em 2021, que abordou o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Ensino Superior2, e teve como problema central a questão: como ocorre o percurso acadêmico do estudante com TEA na perspectiva dos profissionais especializados do Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva, dos professores e dos coordenadores de cursos da universidade? Com o intuito de responder ao problema, perseguiu-se os seguintes objetivos: analisar a visão dos professores e dos coordenadores de cursos de graduação, que tiveram contato com estudantes com TEA3,sobre a inclusão desses alunos na Educação Superior; conhecer os apoios oferecidos aos alunos com TEA no âmbito da universidade; e, identificar as dificuldades enfrentadas por esses alunos na perspectiva dos profissionais envolvidos.
A partir da análise dos dados da pesquisa emergiram três categorias finais, sendo que a primeira discorre sobre as “Políticas de apoio aos estudantes”; a segunda trata da “Atuação docente”; e, a terceira se refere “A inclusão do estudante com TEA na Educação Superior”. O presente artigo centra-se na segunda categoria, que reflete sobre a atuação docente perante matrícula de alunos com TEA na Universidade e, portanto, tem como objetivo central analisar os desafios encontrados nesse nível de ensino, visto que se faz necessária a compreensão de dificuldades e de estratégias que cada docente buscou para ultrapassar os desafios que se apresentaram no processo.
O artigo está organizado da seguinte forma: introdução, que busca situar o leitor acerca das reflexões propostas; caminhos metodológicos, que busca explicitar o processo investigativo realizado; análise e discussão, que discorre sobre os desafios da inclusão e a atuação docente; e por fim, a conclusão, na qual as autoras retomam as ideias principais do texto e apresentam algumas considerações com o intuito de contribuir para o enfrentamento dos desafios e a construção de caminhos em direção a Educação Inclusiva no Ensino Superior.
Caminhos metodológicos: processo de investigação
A pesquisa que originou este artigo foi desenvolvida em uma Universidade localizada no Rio Grande do Sul, no período do mestrado em Educação. Tratou-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, que “implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível” (Chizzotti, 2003, p. 221), com a finalidade de construir conhecimento que seja base às interrogações que surgem no contexto de trabalho no campo da Educação. A pesquisa se caracteriza como exploratória, tendo como propósito, além de conhecer e compreender o tema a ser analisado, relatar suas peculiaridades a fim de fazer contribuições relevantes para o campo pesquisado, haja vista que a pesquisa exploratória propicia informação com abrangência mais completa e mais apropriada da realidade (Marconi; Lakatos, 2003).
No que tange ao campo e aos instrumentos da pesquisa, utilizou-se a entrevista semiestruturada como mecanismo principal de coleta de dados. De modo geral, esse instrumento é identificado pelo seu percurso não-linear, com questões abertas, sem uma ordem rígida de questionamentos, além disso, as entrevistas semiestruturadas permitem “um maior aprofundamento das informações obtidas” (Lüdke; André, 2018, p. 10), simultaneamente permitindo que assuntos de contextos mais pessoal possam ser dialogados.
Participaram do estudo 3 profissionais especializados do Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva4, os quais indicaram 2 professores e 2 coordenadores5 de curso de graduação que contassem com estudantes identificados com TEA, matriculados em 2019, e que estivessem sendo acompanhados pelo núcleo em parceria com coordenador de curso e docentes, totalizando 7 participantes. Destaca-se que o número de participantes foi limitado tendo em vista a necessidade de aprofundamento de uma pesquisa de cunho qualitativo e o tempo limitado de uma investigação de mestrado e que os coordenadores apesar de desempenharem essa função, também atuam como professores destes alunos.
Profissionais do Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva, professores e coordenadores de curso participaram de uma entrevista semiestrutura individualmente e de forma remota (devido o momento pandêmico da Covid-19), no período de maio à julho de 2020,e, para manter o sigilo dos entrevistados, cada participante do estudo recebeu um código de identificação após a entrevista, o qual foi empregado nas unidades de sentido e computado da seguinte forma: EN1, EN2 e EN3 são os entrevistados do Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva; EP4 e EP5 são os entrevistados professores; EC6 e EC7 são os entrevistados coordenadores de curso de graduação. É importante explicar que a partir da Resolução nº 510, publicada em 7 de abril de 2016 (Conselho Nacional de Saúde, 2016), não haveria necessidade de enviar o projeto para o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e nem para a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), pois foi compreendido que não haveria riscos para os participantes.
A análise do material construído no campo da pesquisa foi feita a partir da Análise Textual Discursiva (ATD), que se “[...] propõe a descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura de um conjunto de textos pode suscitar” (Moraes; Galiazzi, 2011, p. 14). Nesse sentido,
A ATD consiste na: [...] construção de compreensão em que novos entendimentos emergem a partir de uma sequência recursiva de três componentes: a desconstrução dos textos do “corpus”, a unitarização; o estabelecimento de relações entre os elementos unitários, a categorização; o captar emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada (Moraes; Galiazzi, 2011, p. 12).
A análise de um texto fundamentado na ATD se inicia na unitarização ou unidades de sentido, que é a fragmentação do texto em unidades de significados, as quais são agrupadas em categorias; tais categorias resultam na produção de um metatexto interpretativo de todas as categorias (Moraes; Galiazzi, 2011).
Desta forma, o processo de análise resultou em 3 categorias de sentido, conforme supracitado. Contudo, este artigo se propõe a discorrer e reflexionar sobre uma dessas categorias, a saber: “Atuação docente: dificuldades e desafios”, que na organização do texto está dividida em dois blocos de análise:
“Os desafios dos professores na prática pedagógica”: propõe apresentar os dilemas vivenciados pelos professores na inclusão do aluno com TEA, identificar as estratégias utilizadas na resolução de conflitos e compreender as reflexões realizadas a respeito de sua própria prática docente.
“Ações de apoio e orientação aos professores”: visa apresentar como o Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva atua na orientação e suporte aos professores e aos coordenadores, trazendo informações pertinentes que possibilitam a atuação docente na inclusão do estudante com TEA.
Enfrentando os desafios e construindo caminhos
O aluno com TEA necessita de um olhar que respeita suas especificidades e que acredita nas suas potencialidades. Desta forma, é imprescindível que os professores estejam engajados e busquem oportunizar uma aprendizagem equânime para todos os sujeitos, independentemente de suas especificidades (Santos, 2016). Nesse viés, Carvalho (2012), enfatiza que o atendimento desses estudantes,
[...] exige, ainda, serviços de apoio integrados por docentes e técnicos devidamente qualificados. Uma escola aberta à diversidade, isto é, que respeita e ressignifique as diferenças individuais, bem como que estimule a produção de respostas criativas, divergentes, em oposição às estereotipias e à homogeneidade do sócio-culturalmente entendido como “normal”. Tal perspectiva implica numa redefinição do papel da escola, a partir da mudança de atitude dos professores e da comunidade (Carvalho, 2012, p. 59).
Segundo Olivati (2017), um dos fatores que impactam de forma negativa o processo de aprendizagem dos estudantes com TEA está centralizada no despreparo dos docentes em relação ao método de ensino e aplicabilidade do conteúdo. É importante mencionar que muitos docentes desconhecem os diagnósticos de TEA, acarretando prejuízo no desenvolvimento e aprendizado dos estudantes. Costa, Nakandakare e Paulino (2018) apontam que é escassa a formação para professores em relação ao TEA, e somente uma mínima parcela de profissionais procura formação nessa temática, evidenciando-se, assim, a carência de profissionais para atuarem em instituições, tanto no nível básico quanto no superior.
A construção do estado do conhecimento da pesquisa corrobora essa escassez de formação continuada na temática e aponta, ainda, para a ausência de informações pertinentes sobre a inclusão dos alunos com TEA nos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação, uma ferramenta fundamental para garantir o processo de inclusão. Bandeira (2020) refere que o ingresso desses sujeitos ainda é um obstáculo vivido tanto pelos discentes quanto pelos docentes, e que a falta de informação sobre o Transtorno gera preconceito. Em sequência, Rezende (2019) sinaliza que o ingresso do estudante com TEA vem crescendo nas universidades, o que se reflete em um desafio para os professores que precisam atender suas particularidades, oportunizando o desenvolvimento de suas competências. A autora reforça a necessidade de formação para a prática docente, uma vez que é notória a falta de conhecimento por parte dos professores sobre o transtorno e, também, sobre o significado de inclusão.
As entrevistas realizadas com os participantes trouxeram informações relevantes para conhecer quais são os desafios vivenciados pelos docentes no Ensino Superior com relação a este público; a partir delas é possível pensar em alternativas para lidar com os desafios que surgem nesse cenário, sendo preciso que as práticas pedagógicas se relacionem com as particularidades e as singularidades de cada sujeito, visando avanço na aprendizagem dos estudantes (Olivati, 2017).
Nesta conjuntura, é possível visualizar as dificuldades enfrentadas pelos docentes conforme descrito abaixo:
A principal dificuldade foi a nossa inexperiência e inaptidão, não sabíamos como nos comportar (EC7).
Torna-se um problema porque não tem preparo, nós temos que ter uma responsabilidade social com todo mundo, todo mundo tem direito à educação, mas o que não pode acontecer é o despreparo no acolhimento (EP5).
Quando surgiu a primeira menina com esse problema, eu era coordenador e fiquei um pouco assustado, eu passei o final de semana todo lendo artigo sobre TEA (EC6).
Os participantes apontam que a inexperiência e a falta de preparo (tanto teórico quanto prático) são grandes empecilhos vivenciados pelos professores e coordenadores; a falta de conhecimento sobre o sujeito com TEA e a inexperiência profissional pode acarretar o sentimento de inabilidade que muitos relatam. Assim, podemos observar que incluir impõe grandes desafios às instituições educativas como um todo “e em especial ao professor que irá lidar diretamente com aluno” (Silva, 2011, p. 15), sendo fundamental o amparo tanto para o estudante quanto para os profissionais que lidam diretamente com ele. Um dos desafios dos professores é justamente romper barreiras e promover uma instituição inclusiva.
O EP4 partilha sua inquietude no que se refere à dificuldade do planejamento das atividades, pois o “maior problema eu penso é fazer uma adaptação, os critérios da avaliação [...]”.
Nessa perspectiva, Gomes e Barbosa (2006) argumentam sobre o despreparo de professores para atender esse alunado e a necessidade de reformular a prática pedagógica para que se efetive o processo de inclusão. Assim, para uma instituição inclusiva, é imprescindível uma organização institucional que capacite seu corpo docente, principalmente para atender as peculiaridades de todos os alunos envolvidos no processo aprendizagem, não apenas dos sujeitos com TEA.
Tendo em vista que atualmente as universidades tendem a receber matrículas de pessoas com as mais diversas deficiências, falas que remetam à falta de preparo para atender alunos com alguma deficiência, podem ser entendidas como fuga das responsabilidades docentes; existe uma tensão entre o dever da instituição de promover formações e a responsabilidade do profissional de buscar qualificar seu trabalho de acordo com as demandas apresentadas. Dessa forma, “as estratégias e flexibilizações, planejadas pelo professor, devem considerar a individualidade de seus alunos, tenham eles autismo ou não” (Barbosa; Gomes, 2019, p. 6). Ainda segundo os autores,
[...] o acesso da pessoa com autismo no ensino superior não garante a inclusão, logo, afirma-se que estar em consonância com o paradigma da inclusão em educação significa direcionar o olhar para a compreensão da diversidade, oportunizando a aprendizagem de todos os alunos, respeitando suas diferenças e necessidades (Barbosa; Gomes, 2019, p. 9).
Nesse entendimento, é visível que a instituição, juntamente com seu corpo docente, necessita articular estratégias e buscar apoio sistematizado com o Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva para romper com o paradigma de que somente professores especialistas em Educação Inclusiva precisam ter “formação” para atender esses estudantes; a responsabilidade é de todos que atuam diariamente com essa população. Assim, cabe ao professor especialista dar suporte e apoio aos demais docentes e discentes, formando uma teia de aprendizagem e de ensino para tornar a instituição, de fato, inclusiva.
De acordo com Bandeira (2020), são visíveis as dificuldades em relação à inclusão de sujeitos com TEA ou deficiências em diversos setores sociais, “pois há carência de qualificação profissional, o que acarreta um tipo de despreparo docente [...]” (Bandeira, 2020, p. 36). É possível observar essa situação principalmente na Educação Superior, na qual os profissionais universitários muitas vezes procuram especializar-se somente em sua área de atuação, esquecendo-se de que os processos de ensino e de aprendizagem também passam pelo conhecimento das especificidades dos estudantes e dos próprios processos de ensinar e aprender, não somente dos conteúdos técnicos.
As narrativas dos entrevistados pontuam questões importantes sobre as dificuldades em lidar com o estudante com TEA quando há falta de informações e conhecimento acerca do transtorno. O EC7 afirma: “eu não tinha ideia que era autismo [...] no início eu pensei que era apenas uma questão comportamental, por falta de entendimento inicial que Asperger, é um tipo de autismo” (EC7), visto que, de acordo com nova classificação do DMS- 5, o Asperger está incluído dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), por apresentar características semelhantes ao autismo. Já o EC6 expõe: “eu realmente não sabia identificar as características, de como lidar” (EC6). Nota-se, então, quão importante é o conhecimento sobre cada estudante, pois o TEA não se configura da mesma forma em todos os sujeitos com o diagnóstico (Silva, 2021).
No entanto, de acordo com as narrativas dos entrevistados, é possível observar que “as dificuldades dos professores, de um modo geral, se apresentaram na forma de ansiedade e conflito ao lidar com o diferente” (Camargo; Bosa, 2009, p. 69), pois essas dificuldades, quando não compreendidas, além de acarretarem inquietações para os professores geram desconforto e sofrimento também para o estudante que participa dessa angústia, o que pode ser observado nos trechos a seguir:
Eu falava uma coisa, ele me interrompia, quanto tempo falta, é pra copiar? (EP5).
Ele ficou no grau de ansiedade imenso, ele levantou e começou a bater na cabeça dele [...] e foi batendo cada vez mais forte (EP5).
O meu primeiro encontro [...] com aluno autista, se tem um manual das dez coisas erradas que não se deve fazer, eu fiz catorze, porque eu fiz todas erradas (EP5).
Percebe-se que a falta de informação causa insegurança no professor e pode acarretar dificuldades para o estudante, tornando ainda mais difícil a convivência e sua permanência na universidade, visto que ele demanda um “olhar diferenciado para suas especificidades por parte do professor, o qual igualmente necessita conhecer as particularidades existentes para poder lidar com esse aluno” (Dantas, 2017, p. 168). Essa questão pode ser percebida também no relato do entrevistado EP5, quando refere: “eu não me sentia preparada para lidar com ele e isso me deixava muito estressada” (EP5), apresentando preocupação em julgar que seu trabalho não estaria sendo tão eficaz.
Nesse sentido, o participante EC6 cita que é preciso que “haja, da parte dos professores, [...] da instituição, condições e estratégias para que a gente possa lidar bem”, encontrando encaminhamentos para os dilemas vivenciados e evitando frustrações para ambos. Desta forma, fica evidente que “a inclusão não é só colocar o aluno dentro da Educação Superior e achar que o professor sozinho tem que resolver os problemas” (EP5); o relato dele não diz respeito simplesmente à matrícula, mas a todo um conjunto de ações dentro da rede de apoio oferecida ao estudante.
A partir dos relatos, verifica-se que os professores têm consciência de que é preciso incluir, mas alegam falta de suporte que propicie uma inclusão real. Dessa forma, a universidade necessita providenciar debates, reflexões, que visem a conscientização sobre a inclusão, “abarcando desde a estrutura física e a formação dos professores até as atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de aula ou fora dela” (Dantas, 2017, p. 125), aliadas ao acompanhamento dos casos que progressivamente possam produzir certa segurança nos docentes para lidar com os desafios da diversidade.
Entretanto, além dos desafios relacionados à inclusão citados até aqui, a sobrecarga de trabalho é um dos fatores expostos pelo entrevistado EP5 como um dificultador dos processos inclusivos, como pode ser observado em seu relato:
Muito trabalho para o professor fazer a inclusão, porque a inclusão é tratar igual alguém que é diferente [...] (EP5).
[...] é muito desafiador, eu saía muito cansada da aula no início (EP5).
Acaba lá na ponta, todas as mazelas institucionais, a falta de cuidado, quer que seja por legislação, organização, despreparo, estoura tudo [...] na sala de aula do professor, então ele sozinho tem que resolver e ele não dá conta (EP5).
O participante EP5 tem conhecimento sobre a importância da inclusão, mas pontua que é pertinente a implementação de uma rede de apoio para evitar a sobrecarga do professor; é preciso que a inclusão não seja vista como algo desgastante e cansativo, mas que proporcione a todos oportunidades iguais, “num aprendizado cooperativo, e que todos podem desenvolver seus talentos e auxiliar os colegas num ambiente de amizade e respeito” (Barby; Vestena, 2007, p. 124). Por conseguinte, o entrevistado EC7 expõe que “a maior demanda dos professores é conhecer e saber como trabalhar com eles” (EC7). Essa fala também é observada no relato do EP5: “eu fiquei exausta, super cansada porque eu não sabia o que fazer,os meus materiais não estavam preparados para ele, o ritmo que eu fazia as coisas não era inclusivo”. Nota-se que esse professor faz referência à ausência de equilíbrio entre atender a individualidade do estudante com TEA e, simultaneamente, os demais alunos da turma, pois ambos necessitam de atenção e orientação.
Fica evidente, também, a necessidade de formação docente, conforme ressalta o entrevistado EC6, que partilha seus anseios ao afirmar que “seria importante um investimento maior [...], para que houvesse um tipo de treinamento, um tipo de aconselhamento” (EC6). Verifica-se, assim, que a formação é algo almejado pelos entrevistados a fim de se sentirem mais seguros na inclusão dos alunos com TEA e outras deficiências. Para o EP5, “é importante ter o pessoal de apoio especializado, o conhecimento é uma coisa fundamental, é preciso ter acolhimento e preparar os professores”.
Destarte, a formação continuada é uma oportunidade para a elaboração de uma proposta inclusiva, pois permite aos professores (re)pensar e analisar suas práticas, objetivando desenvolver ambientes acolhedores para a aceitação das diferenças. A formação na Educação Superior geralmente não engloba ações que dialogam sobre a diversidade dos estudantes com e sem deficiência (ROCHA, 2017), conforme pontua o EC7: “acho que não existe uma formação de professores para aturem com alunos com TEA”.
De acordo com Perez (2020), são vários os mecanismos que propiciam uma formação de qualidade, desde o diálogo entre os profissionais de Educação para compartilhamento de ideias até o ingresso em congressos. Cabe ao docente analisar e repensar os impactos da formação em sua prática, pois o simples fato de participar de situações formativas não garante uma reformulação de saberes e princípios, tendo em vista que “é necessário refletir que a formação nunca é algo dado, e sim construída, reconstruída e repensada dentro do cotidiano escolar e fora dele [...]” (Perez, 2020, p. 56). Ademais, a formação continuada vem da necessidade de fundamentar as práticas docentes com o intuito de ressignificar a visão ao seu entorno - a “prática é definida como o lugar de produção de consciência crítica e da ação qualificada” (Rozek, 2012, p. 15).
Sendo assim, formação continuada, reflexão sobre a prática docente, estudos sobre a diversidade da aprendizagem e das formas de ensinar, entre outras questões, podem ser considerados formas de enfrentar as adversidades e construir caminhos para a inclusão do aluno com TEA no Ensino Superior. Contudo, é no exercício da docência e no exercício da crítica à sua própria ação docente e humana, tendo em vista qualificar sua ação no mundo, que existe uma das principais matérias-primas para a construção desses caminhos.
Ações de apoio e orientação aos docentes
O Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva, da Universidade na qual a pesquisa foi realizada, é formado por profissionais especializados, e atuam em colaboração com professores e coordenadores de curso na inclusão de estudantes com TEA e outras deficiências, a fim de que seus direitos sejam garantidos durante o percurso acadêmico, conforme explicitado anteriormente. Nesse contexto, o participante PN1 afirma que os profissionais realizam orientações aos “docentes, fazendo uma mediação entre o aluno e o professor, vendo as dificuldades desses alunos, [dando] apoio a esse docente [...]”. O PN2 acrescenta: “nós informamos esses professores, nós auxiliamos esse professor de como pode ser o melhor jeito desse aluno estar em sala de aula”. O objetivo sempre é apoiar os docentes nas demandas que necessitam de mais preparação.
Os professores e coordenadores de curso são informados sobre quais estudantes necessitam de apoio para adequações pedagógicas durante os processos de ensino e de aprendizagem. De acordo com o entrevistado PN2, o Núcleo deve “informar o professor e o coordenador qual é o manejo em função daquelas dificuldades que o aluno possa ter no curso”. Os apoios oferecidos aos professores são imprescindíveis para a atuação, visto que “[...] enfrentam, atualmente, o desafio de transformar seu exercício docente [...]” (Donati; Capellini, 2018, p. 1468), oportunizando aprendizagem aos sujeitos com deficiência e outras necessidades específicas, evitando evasão e exclusão.
Para tal propósito, os profissionais do Núcleo agendam reuniões no momento do ingresso do estudante com TEA e no decorrer do curso, com os professores e coordenadores de curso, nas quais conversam sobre as ações necessárias para os estudantes com TEA e outras necessidades específicas, como é possível observar a seguir:
Os professores muitas das vezes são convidados a irem ao Núcleo para conversar com o psicopedagogo(a), que vai explicar algumas questões em função do manejo ou da deficiência que aquele aluno pode ter (PN2).
Informar o professor não só das questões práticas, mas também de todas as características ou das necessidades que o aluno tem (PN2).
Vamos apresentar essas características para o professor entender que faz parte do funcionamento quando ele entra numa situação de ansiedade, levanta muito, é um aluno que fala de uma forma mais objetiva, parecendo ser agressivo [...] (PN3).
Observa-se que o Núcleo desempenha uma função muito importante dentro da universidade, atuando em colaboração com os professores e os coordenadores de curso, além de todo o trabalho realizado com os estudantes. Ainda, foi relatado que, apesar do empenho do Núcleo, não é possível ter a presença de todos os professores nas reuniões que geralmente é coletiva, mas ainda há situações que é necessário fazer uma reunião individual, devido ao tipo de vínculo empregatício com a instituição, como pontua o entrevistado PN3: “temos que agendar e que esse professor nos receba, isso é um pouco mais difícil, porque muitos professores são horistas, eles vêm para dar aula e depois vão embora”, pois trabalham em outras instituições.
Além disso, outro fator que dificulta o contato é o fato de o estudante cursar disciplinas optativas em diferentes cursos, com outros coordenadores, e não com o do seu curso. O entrevistado PN1 afirma que utilizam estratégias para que as informações cheguem até os professores e coordenadores, tais como:
A gente manda por e-mail toda informação com o nome do aluno, o que ele tem e quais as dificuldades dele [...] para o professor observar e fazer a adaptação [...] (PN1).
Para aqueles que não podem comparecer às reuniões, uma carta de apresentação do estudante é encaminhada via e-mail, informando os procedimentos pedagógicos adotados para apoio discente. Após essas orientações, os profissionais do Núcleo se colocam à disposição para conversar, seja por e-mail, telefone ou presencialmente. De acordo com Oliveira e Leite (2007, p.514), é possível reflexionarmos que “o êxito da educação inclusiva dependerá, em grande medida, da oferta de uma rede de apoio à escola, através do trabalho de orientação, assessoria e acompanhamento do processo de inclusão” (Oliveira; Leite, 2007, p. 514), cujo objetivo é atender as demandas dos professores e coordenadores visando à educação inclusiva.
Observa-se que os apoios e as orientações aos professores e coordenadores também estão presentes na elaboração das atividades em sala de aula e nas avaliações, como é possível verificar a seguir:
Organizamos a apresentação deste aluno com as orientações de manejo pedagógico, que será apresentado para o coordenador e para os professores [...] de como esse aluno funciona (PN3).
As provas têm que ser elaboradas de forma mais objetiva e direta, não utiliza metáfora ou ironias, tanto nas explicações de conteúdos quanto nas avaliações (PN3).
Temos que avisar ao professor [...] porque ele tem que elaborar essa prova antes e nos enviar para análise e retornar para ele caso necessita de fazer acomodações, para que possamos aplicar ao aluno (PN3).
Verifica-se que professores e coordenadores são acolhidos para que o processo inclusivo seja realizado dentro do que é possível para atender as particularidades de cada indivíduo. Ademais, o entrevistado EC7 pontua: “o apoio que a gente recebe do Núcleo, tanto o de acompanhamento como de orientação, é fantástico, sem esse apoio a gente não teria nem saído do primeiro nível com esse aluno autista”,evidenciando-se a importância e a necessidade dessa parceria.
O entrevistado EP5 corrobora este posicionamento quando menciona que o apoio do Núcleo é essencial: “[...] eu mandava relatórios semanais [...] e recebia orientações, e a cada duas semanas eu fazia reuniões de 1 hora”. Nesse sentido, destaca-se que é notório que o Núcleo é um espaço de real necessidade para a inclusão dos estudantes com TEA na universidade e de acolhimento às demandas dos profissionais, promovendo um ambiente mais seguro para uma educação inclusiva.
Nesse ínterim, Schmidt; Nunes; Pereira; Oliveira; Nuernberg; Kubaski (2016, p. 232), destacam que quando os “professores sentirem-se acolhidos em suas angústias e dúvidas e apoiados em suas decisões pedagógicas poderão incorporar novas estratégias e (re) construir suas práticas na direção da inclusão de todos os seus alunos”, proporcionando uma educação que atenda toda a diversidade humana. Ainda, é possível ressaltar que uma educação que se pretende inclusiva, precisa refletir sobre “ações e diretrizes” ao longo do percurso, a fim de “garantir e oferecer suporte às demais iniciativas sob a ótica da inclusão como direito” (Perez, 2020, p. 49), o que se trata de um desafio para a sociedade como um todo e não somente para as instituições educativas.
Considerações finais
Constatou-se que o ingresso desses estudantes na Universidade tem sido um desafio para os profissionais devido ao desconhecimento acerca do transtorno e suas peculiaridades, gerando inquietações, frustrações e ansiedade em professores e coordenadores de curso. Além disso, foi possível observar que outros desafios no que tange à inclusão dos estudantes com TEA, são: necessidade de uma reorganização da prática pedagógica, com o intuito de criar estratégias para atender esse alunado em suas especificidades; e, também de uma reorganização institucional, como a previsão de carga horária de planejamento para todos os professores, haja vista a dificuldade de formação contínua dos horistas, que estão na universidade apenas quando estão em sala de aula.
Compreende-se que essas mudanças no âmbito universitário são fundamentais para atender a individualidade do estudante com TEA, mas é preciso que o docente esteja aberto para compreender, aceitar e respeitar o que foge da dita normalidade. Para incluir, entretanto, é preciso desenvolver um processo de conscientização crítica das equipes, capacitando-os com formações de forma contínua, formando a partir de situações da prática docente, de modo que pela reflexão e análise crítica, o professorado possa deparar-se com pré-conceitos, medos e crenças produzidas na cultura, buscando de forma ativa construir caminhos em direção à superação dessas cristalizações de uma sociedade extremamente segregacionista.
Ao conhecer os apoios oferecidos aos alunos com TEA no âmbito da universidade, ficou evidente que a instituição, juntamente com a equipe de profissionais especializados, professores e coordenadores, preocupa-se com o acolhimento, bem como com o tipo de atendimento que cada indivíduo com TEA necessita. Os apoios oferecidos vão desde o vestibular até a conclusão da graduação, com destaque para o vestibular com tempo adicional, leitor, transcritor e outros recursos que são importantes para o desenvolvimento do aluno.
À vista disso, a inclusão do estudante com TEA vem sendo construída à medida que a universidade se depara com esses sujeitos; situações que possibilitam perceber as fragilidades da implementação de políticas sociais, educacionais e, até mesmo, institucionais para a educação inclusiva.