Introdução
A educação é um direito social salvaguardado pela Constituição Federal (Brasil, 1988). O monitoramento desse direito, materializado no direito de aprender (Soares; Alves; Fonseca, 2021), se dá a partir do acompanhamento de indicadores globais de resultados, desenvolvidos com o intuito de atribuir valor estatístico à qualidade da educação. Esses indicadores têm sido utilizados como instrumentos de gestão no âmbito das políticas públicas educacionais brasileiras, permitindo: identificar problemas existentes; apontar para a necessidade de mudanças; e acompanhar o alcance de metas preestabelecidas (Parmenter, 2023).
Desde 2007, a educação brasileira vem sendo monitorada, fundamentalmente, pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), obtido pela combinação de informações de fluxo escolar e aprendizagem. Para o primeiro, considera-se um indicador de rendimento calculado a partir da média harmônica das taxas de aprovação dos estudantes em cada série das etapas de ensino avaliadas, cujas informações são obtidas por meio do Censo Escolar. Para o segundo, as proficiências médias, padronizadas para um valor entre 0 e 10, obtidas pelos estudantes nas provas de Língua Portuguesa e Matemática do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A partir de sua introdução, o governo sinalizou que um sistema de ensino de qualidade deve garantir a aprendizagem dos estudantes por meio de uma trajetória educacional regular, sem reprovações (Fernandes, 2007a; 2007b).
O Espírito Santo demonstrou notáveis avanços no Ideb, especialmente no Ensino Médio, sendo que em ambos os anos de 2017 e 2019, o estado alcançou o melhor índice comparado a todas as outras unidades federativas (Soares, 2023). Não obstante, alguns estudos têm levantado preocupações sobre a crescente disparidade educacional que permeia o estado. (Barros et al., 2010; Campos; Silva; Valpassos, 2019; Ferrari; Castro, 2011; Grassi; Araújo, 2013; Leite; Magalhães, 2012).
Cabe destacar que, da forma como foi concebido, o Ideb não permite revelar as desigualdades existentes no campo educacional. Sua metodologia, baseada no conceito de média, é insuficiente para revelar as desigualdades na realização do direito à educação, fazendo-se necessário o desenvolvimento de outros indicadores visando à avaliação e o monitoramento dos sistemas educacionais.
Em uma pesquisa recente, Soares (2023) propõe uma métrica para analisar a heterogeneidade nas medidas de aprendizagem entre os municípios do estado. Suas conclusões indicam um elevado coeficiente de variação nas notas, destacando que os municípios com os maiores índices estão predominantemente localizados na mesorregião Central Espírito-Santense, com ênfase na microrregião Sudoeste Serrana. Por contraste, as regiões Noroeste Espírito-Santense e Sul Espírito-Santense concentram municípios com índices inferiores.
Soares et al. (2021) também apontam para as desigualdades educacionais territoriais no estado, utilizando uma medida para avaliar a eficiência dos gastos públicos em educação. Os autores, que também utilizam as notas do Ideb em suas análises, concluem que não há uma correlação direta entre os investimentos públicos em educação e a eficiência na área, destacando as divergências educacionais significativas entre os diversos municípios do Estado, o que também foi evidenciado no estudo de Sousa et al. (2016).
No que se refere às oportunidades educacionais por territórios, foi lançado, em 2015, pelo Centro de Liderança Pública (CLP) com o apoio do Instituto Península, da Fundação Lehmann e da Fundação Roberto Marinho2, o Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (Ioeb). O objetivo declarado para o seu desenvolvimento foi o de “agregar informações sobre as oportunidades educacionais oferecidas para todas as crianças e jovens em um município ou estado, identificando o quanto cada cidade ou estado contribui para o sucesso educacional dos indivíduos que lá vivem” (Fernandes; Felicio, 2019, p.1).
Mediante uma abordagem inovadora, a criação do Ioeb proporcionou compreender e abordar as disparidades no acesso à educação, contribuindo para a identificação de áreas que necessitam de intervenções específicas para melhorar a qualidade do ensino e reduzir as desigualdades educacionais. Assim, de acordo com seus idealizadores, além de complementar as informações já fornecidas pelo Ideb, o Ioeb expande o sistema de responsabilização (accountability) na educação básica para os dirigentes educacionais das três esferas administrativas do governo (municipal, estadual e federal), bem como a sociedade local, e não apenas o dirigente da respectiva rede de ensino (Fernandes; Felicio, 2019).
O objetivo deste artigo é contribuir para o debate acerca das oportunidades que cada território deve proporcionar a seus estudantes, a partir da análise do algoritmo do indicador e dos resultados obtidos pelos municípios do Espírito Santo, compreendendo como tais elementos contribuem para assegurar o direito à educação, referencial teórico implícito desta pesquisa. A escolha deste estado como campo de pesquisa se justifica pela política educacional adotada desde o início deste século, que vem valorizando o uso das avaliações padronizadas e indicadores de resultados educacionais na formulação de políticas públicas (Alcântara; Matos; Costa, 2020; Oliveira; Lirio, 2017; Soares, D.; Soares, T.; Santos, 2022a).
Teoria e método
Este artigo adota uma abordagem mista, empregando uma estratégia exploratória sequencial (Creswell; Clark, 2015), que, inicialmente, enfatiza uma fase qualitativa, mediante a realização de uma pesquisa documental e, em seguida, uma fase quantitativa, com análises estatísticas que consideram os resultados educacionais obtidos pelos 78 municípios do Espírito Santo no Ioeb.
Conforme Kripka, Scheller e Bonotto (2015), a pesquisa documental na análise qualitativa “[...] é aquela em que os dados obtidos são estritamente provenientes de documentos, com o objetivo de extrair informações neles contidas, a fim de compreender um fenômeno” (p. 58). Desse modo, assume-se, como fontes, notas técnicas oficiais produzidas com o objetivo de auxiliar na compreensão do algoritmo do indicador e fornecer orientações para o seu uso de forma responsável. Esses documentos foram obtidos mediante consulta ao portal eletrônico do Ioeb, gerenciado pela comunidade educativa Cedac.
A análise quantitativa realizada abrange a aplicação de técnicas descritivas e inferenciais em dados provenientes de todas as edições do Ioeb divulgadas até o momento: 2015, 2017, 2019 e 2021, correspondentes aos anos de 2013, 2015, 2017 e 2019, respectivamente, assumindo os 78 municípios do Estado do Espírito Santo como unidades de análise. Nesse contexto, buscou-se examinar a evolução do indicador, correlacionando os seus resultados com os obtidos no Ideb. As análises correlacionais propostas foram realizadas mediante o cálculo do coeficiente de correlação de Pearson, cujo pressuposto da normalidade dos dados foi verificado por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov (Gujarati; Porter, 2011). Também são apresentadas as classificações propostas pelo Ioeb, delineadas por meio de partições adotadas, cujos detalhes serão explorados na seção correspondente.
Em relação aos componentes do indicador, uma análise da evolução no respectivo período também foi realizada. Esse movimento permitiu uma discussão acerca das metas do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) a eles associadas. Vale ressaltar que o acesso a esses dados foi formalmente solicitado à Comunidade Educativa Cedac, que prontamente os compartilhou conosco por meio de e-mail, disponibilizando os microdados de interesse.
Em todas as análises realizadas, utilizou-se funções básicas da linguagem R (R Core Team, 2023). Essa escolha foi motivada pela natureza livre do software, além de seu código aberto, que possibilita interpretação simples e manuseio acessível. Com o intuito de proporcionar uma visualização geoespacial abrangente dos dados analisados, por meio dele foram construídos gráficos e mapas, utilizando os pacotes ggplot2 (Wickham; Chang; Wickham, 2016) e geobr (Pereira; Gonçalves, 2019). Para promover a transparência e a replicabilidade deste estudo, todos os códigos-fonte usados na análise, o banco de dados utilizado e as imagens geradas estão disponíveis em um repositório público no GitHub. Os interessados podem acessar esses recursos no seguinte link: https://github.com/denilsonjms/PhD-Thesis/tree/master/Chapter%202.
Estatística do algoritmo do Ioeb
O algoritmo do Ioeb buscou estimar uma característica latente - qualidade das oportunidades educacionais por territórios - construída com base na relação de um conjunto de fatores e seus respectivos pesos, mediante relações básicas de insumos/processos e resultados. Cabe destacar que o conceito de qualidade em educação e, consequentemente, das oportunidades educacionais é polissêmico, abrangendo inúmeras dimensões, tornando o desenvolvimento de indicadores, no campo, uma tarefa complexa. Para o caso do Ioeb, a escolha das variáveis a serem testadas para a composição do algoritmo seguiu os seguintes critérios: a) serem oriundas de fontes oficiais; b) terem periodicidade de divulgação de até dois anos; c) apresentarem resultados disponibilizados por municípios; e d) serem assumidas como possíveis insumos ou resultados no que se refere à educação básica nacional (Fernandes; Felicio, 2019).
A partir disso, foram selecionados como insumos e processos educacionais para compor o modelo: a escolaridade dos professores; a experiência dos diretores; o número de horas-aula/dia; e a taxa de atendimento na educação infantil. Como produtos, os resultados mais recentes do Ideb para os anos iniciais e finais do ensino fundamental e a taxa líquida de matrícula do ensino médio ajustadas pela escolaridade média dos pais dos estudantes, a partir da estimação do efeito fixo que a considera como variável explicativa, visando ao controle do background familiar. Esse movimento se justificou pela intenção de se extrair do modelo apenas a qualidade atribuída às oportunidades educacionais, subestimando a parte determinada pelas oportunidades individuais (Fernandes; Felicio, 2019).
Desse modo, a partir de um Modelo Estrutural de Múltiplas Causas e Múltiplos Indicadores (MIMIC), conforme proposto por Jöreskog e Goldberger (1975)3, foram estimados os pesos necessários para o cálculo do Ioeb. Foi atribuído peso igual a 33,5% para os insumos e 66,5% para os resultados. Os valores dos pesos estimados para cada variável estão apresentados no Quadro 1. Como podemos constatar, é dado um maior peso para a “proporção de docentes com pelo menos o ensino superior completo”, dentre as variáveis insumos, e ao “Ideb dos Anos Iniciais Ajustado”, dentre as variáveis resultados.
Variáveis | Pesos Estimados | |
---|---|---|
Insumos (33,5%) |
Prop. de docentes com pelo menos o ensino superior completo (I1) | 31,5 |
Prop. de diretores com pelo menos três anos de experiência na escola (I2) | 0,5 | |
Prop. de diretores com pelo menos seis anos de experiência na escola (I3) | 4,3 | |
Média de hora aula diária das escolas públicas e privadas das turmas de EF e/ou EM (I4) | 8,3 | |
Taxa de atendimento na educação infantil (0 a 6 anos) (I5) | 5,1 | |
Resultados (66,5%) |
Ideb Anos Iniciais Ajustado (R1) | 43,5 |
Ideb Anos Finais Ajustado (R2) | 10,0 | |
Taxa Líquida de Matrícula no Ensino médio (R3) | 13,0 |
Fonte: Adaptado de Fernandes e Felício (2019).
Matematicamente, sendo I1,⋯,5 as variáveis insumos e R1,⋯,3 as variáveis resultados, tem-se:
Destaca-se, ainda, que a Nota Técnica que detalha as opções metodológicas assumidas no desenvolvimento do Ioeb, por sua vez, não indica quais foram as variáveis testadas e excluídas do modelo, seja por não apresentarem significância estatística para compô-lo, seja por estarem correlacionadas com outras variáveis escolhidas. Neste último caso, também é necessária uma explicação sobre a opção pelo uso de uma em detrimento de outra. A ausência dessas informações limita as possibilidades de análises sobre a estrutura do indicador.
Os resultados do Ioeb, assim como os do Ideb, são divulgados bienalmente e estão compreendidos em uma escala ordinal que varia entre 0 e 10. Ademais, é divulgada uma classificação para esse resultado, conforme a alocação em quadrantes desenvolvidos com o intuito de alocar os municípios em quatros grupos com tamanhos semelhantes que consideram, para além do índice obtido, a evolução comparada com o Ioeb de 2015, ano de sua criação. Esses grupos são nomeados de acordo com a situação em que o município se encontra: crítico; atenção; em desenvolvimento; e otimizado. Os dois primeiros (últimos), estão abaixo (acima) da mediana nacional, quando considerado o crescimento no indicador. No que se refere ao índice obtido, municípios classificados como “atenção” e “otimizado” (“crítico” e “em desenvolvimento”) estão acima (abaixo) da mediana nacional.
Nessa vertente, municípios classificados como “crítico” oferecem menos oportunidades educacionais e não têm conseguido avançar no Ioeb. Municípios em “atenção”, embora tenham apresentado Ioeb acima da mediana nacional, pouco avançaram ou retrocederam no indicador ao longo dos anos. Municípios “em desenvolvimento” possuem Ioeb abaixo da mediana nacional, porém mostraram avanço ao longo dos anos. Os municípios “otimizados” apresentaram avanço e se encontram com Ioeb acima da mediana nacional (Império; Lima, 2021).
Análise dos resultados dos municípios do Espírito Santo no Ioeb
Conforme apresentado na seção anterior, o Ioeb não é um indicador de qualidade da educação, tampouco de desempenho dos estudantes. Seu algoritmo foi desenvolvido de modo a analisar a trajetória educacional de sujeitos em diferentes localidades, apresentando uma medida de oportunidades educacionais que pode ser comparada por territórios. Dessa forma, ele não é calculado por escolas nem por redes de ensino, como é feito pelo Ideb, e seu algoritmo abrange toda a educação básica, ao invés de suas etapas. Ademais, diferentemente do Ideb, o Ioeb é um indicador de valor adicionado. Dessa forma, enquanto o primeiro indica apenas o desempenho final dos estudantes, sem se preocupar com suas características individuais, o segundo realiza um ajuste de acordo com o background familiar desses sujeitos.
Apesar dessas diferenças conceituais, alguns estudos tem demonstrado que o Ioeb é altamente correlacionado com o Ideb (Corte; Mendes; Dutt-Ross, 2018; Silva, 2018; Soares, D.; Soares, T.; Santos, 2022b), o que é esperado para o ensino fundamental, considerando que o algoritmo do primeiro utiliza dados do segundo, para a referida etapa da educação básica, como variável resultado, apesar do ajuste supracitado. Especificamente, considerando apenas os municípios do Espírito Santo, para a edição de 2021 do Ioeb (calculada a partir de dados de 2019) e de 2019 do Ideb, essa correlação também se mostra estatisticamente significativa para os anos iniciais (ρ=0,769,p-valor<0,001) e finais (ρ=0,691,p-valor<0,001) do ensino fundamental. Para o ensino médio, cujo Ideb não é diretamente utilizado como variável resultado do Ioeb, também há significância estatística, embora de menor magnitude, entre os resultados alcançados nos indicadores (ρ=0,444,p-valor<0,001).
Contudo, assim como os resultados educacionais expressos por meio do Ideb, as oportunidades educacionais, mensuradas via Ioeb, também se distribuem de forma desigual entre os municípios do Estado. Para uma melhor visualização desse fenômeno, na Figura 1 apresentamos essa distribuição em cada edição do indicador, publicitada até o momento em que esta pesquisa foi realizada. Desse modo, por meio dela, é possível realizar, também, uma análise sobre a evolução do índice evolução por região.
Inicialmente, é preciso destacar que, em geral, os municípios do Espírito Santo evoluíram no Ioeb ao longo dos anos. O destaque positivo fica com os localizados nas microrregiões Central e Sudoeste serrana do Estado. Santa Teresa, por exemplo, alcançou índice 5,9 na edição de 2021 do Ioeb, o melhor do Estado, e 36° melhor do país.
Por outro lado, municípios localizados nos extremos norte e sul capixaba ainda carecem de uma evolução avultada para alcançar índices comparáveis com as referidas mesorregiões. O destaque negativo fica com a mesorregião Litoral Sul capixaba que, devido à Indústria Extrativa Mineral, à arrecadação de royalties e também às participações especiais em razão da extração de petróleo e gás, concentra os municípios de maiores Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Estado, como Itapemirim (PIB per capita 2020 = R$ 93.609,55) e Presidente Kennedy (PIB per capita 2020 = R$ 301.474,89). Os índices obtidos por esses municípios no Ioeb mostram que as oportunidades educacionais que eles oferecem a seus habitantes não refletiram tamanha riqueza. Em contrapartida, sinalizam para uma enorme desigualdade social que precisa ser urgentemente superada para que eles possam alcançar uma educação de qualidade (Soares et al., 2020).
Considerando o Estado como campo geral de análise, os índices alcançados no Ioeb foram superiores à média nacional nas quatro edições divulgadas até o momento em que esta investigação foi realizada: 2015 (4,6 vs 4,54); 2017 (4,7 vs 4,65); 2019 (5,0 vs 4,85); e 2021 (5,1 vs 5,02). Contudo, em termos de avanço percentual entre as edições de 2015 e 2021, o crescimento foi consonante com uma leve vantagem para o Ioeb no Espírito Santo (10,87% vs 10,57%). Para uma melhor descrição das variáveis que corroboraram esse avanço, a Figura 2 apresenta a evolução dos componentes do Ioeb, por edição.
Fonte: Autores com base em informações extraídas do portal do Ioeb (2023).Os insumos do Ioeb cresceram 2% entre 2015 e 2021 e 4% entre 2019 e 2021. Os resultados do Ioeb, por sua vez, apresentaram crescimento de 13% e 2%, respectivamente. Desse modo, embora a parte de resultados tenha um avanço superior no período completo, no último biênio, a parte de insumos teve um avanço mais considerável. Porém, diferentemente do primeiro, que apresentou um decréscimo no índice entre 2015 e 2017, o segundo tem apresentado evolução a cada edição divulgada, o que corroborou, considerando o maior peso atribuído a ele, os sucessivos aumentos no indicador geral.
Especificamente, para as variáveis insumos, apenas a “média de horas-aula diária das escolas públicas e privadas das turmas de EF e/ou EM” obteve um decrescimento no período completo (5%). Cabe destacar que, para a referida variável, assim como para os demais insumos, é feita uma normalização por mínimo e máximo de modo a redimensioná-la com um valor de distribuição entre 0 e 10, tornando as escalas, mais harmoniosas4. Esse decréscimo indica que, embora o Estado tenha avançado em matrículas em tempo integral nos últimos anos, por exemplo, quando se analisa sob a ótica do valor normalizado, percebe-se que esse avanço não foi suficiente para promover um aumento no índice estimado para a variável em questão.
Para o ensino médio, o Estado apresenta 23,6% de matrículas em tempo integral, de acordo com o Censo Escolar 2022, considerando a rede pública. Esse percentual está acima da média nacional (20,4%), mas bem abaixo de Pernambuco (62,5%) e Paraíba (57,8%), Estados que apresentam as maiores proporções. Para o ensino fundamental, tem-se 10,7%, abaixo da média nacional, que é de 14,4%. Para fins de comparação, o Estado com maior proporção é o Ceará, com 41% de matrículas em tempo integral.
Ainda em relação aos insumos, os destaques positivos ficam para as variáveis “experiência de diretores” e “atendimento na educação infantil”, ambos diretamente relacionados com as metas propostas pelo PNE 2014-2024, em vigor. Para a primeira, que apresentou um avanço de 31% e 50%, no período completo, considerando a proporção de diretores com pelo menos três e seis anos de experiência na escola, respectivamente, a Meta 19 prevê a garantia de uma gestão democrática da educação, indicando que a nomeação do diretor escolar deve estar associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar (Brasil, 2014), o que corrobora a estabilidade desses profissionais e, consequentemente, o aumento do percentual de diretores experientes nas unidades escolares. A segunda, cujo aumento foi de 19%, é reflexo da Meta 1 do Plano, que propõe a universalização, até 2016, da educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade e a ampliação da oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, a 50% das crianças de até três anos até 2024 (Brasil, 2014).
A variável “Proporção de docentes com pelo menos o ensino superior completo”, embora apresente um avanço mais tímido de 1% no período completo e de 3% no último biênio, é a que mais se aproxima do valor máximo (10), indicando que o Estado pode ser considerado como referência para os demais nesse quesito. Contudo, essa variável não mensura a adequação dessa formação em relação às disciplinas que esses docentes ministram.
Considerando as variáveis resultados, embora o “Ideb dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Ajustado” tenha apresentado índices superiores ao “Ideb dos Anos Finais do Ensino Fundamental Ajustado” em todas as edições do Ioeb, quando se analisa a evolução, há uma superioridade do segundo em relação ao primeiro, tanto no período completo (28% vs 16%), quanto apenas no último biênio (6% vs 1%).
No que se refere à “Taxa Líquida de Matrícula no Ensino Médio Ajustada”, houve um decréscimo de 1% no período completo analisado, indicando que a problemática da trajetória irregular dos estudantes do ciclo, amplamente discutida pela literatura educacional (Girardi; Orzechowski, 2016; Portella; Bussmann; Oliveira, 2017; Bof; Oliveira; Barros, 2018; Soares; Alves; Fonseca, 2021; Soares, 2023) não tem sido superada com o passar dos anos.
Quanto à classificação do Ioeb, conforme a alocação em quadrantes que consideram, para além do índice obtido, a evolução comparada com o Ioeb de 2015, apresentamos as Figuras 3 e 4 que, considerando o Ioeb 2021, indicam o quantitativo de matrículas por quadrantes e seu percentual, respectivamente.
A análise dos dados das Figuras 3 e 4 nos mostra que a evolução apresentada por meio da análise geoespacial, na Figura 1, tem ocorrido de forma lenta e é digna de atenção especial dos gestores educacionais do Espírito Santo. Percebe-se que grande parte dos estudantes da educação básica no Estado estão matriculados nos 17 municípios classificados no quadrante Crítico do Ioeb, ou seja, que oferecem poucas oportunidades educacionais e que não estão conseguindo avançar no índice.
Esses resultados ganham uma relevância ainda mais premente, especialmente diante do atual panorama educacional moldado pela pandemia, que impõe desafios adicionais a esses municípios. Problemas relacionados à infraestrutura digital, por exemplo, que não está diretamente contemplada pelo algoritmo do Ioeb, podem estar altamente associados com as oportunidades educacionais ofertadas. Nesse contexto, torna-se imperativo que os gestores educacionais intensifiquem seus esforços para superar essas adversidades, garantindo não apenas o fortalecimento dos aspectos pedagógicos, mas também a implementação de soluções que promovam a equidade no acesso às ferramentas digitais, assegurando um ambiente educacional mais adaptável e inclusivo.
Considerações finais
Desde sua criação, o Ideb tem demonstrado ser um importante instrumento para a formulação e monitoramento das políticas educacionais, ganhando notoriedade sobretudo a partir de sua inclusão no PNE para o decênio 2014-2024, que o reconheceu oficialmente como o parâmetro oficial da qualidade da educação brasileira. Contudo, conforme exposto neste artigo, essa qualidade não pode ser reduzida a uma única medida, sendo mais adequadamente descrita por meio de um conjunto de indicadores capazes de fornecer informações abrangentes que possibilitem as mais variadas análises e planejamentos que podem facilitar a resolução de problemas identificados, devidamente contextualizados.
Nessa vertente, o desenvolvimento do Ioeb se deu para complementar algumas informações trazidas pelo Ideb, por meio de análises territoriais que indicam o quanto cada município ou Estado contribui para o sucesso educacional dos indivíduos que lá vivem, a partir da combinação ponderada de diversas medidas de insumos e resultados que, por sua vez, são controlados pelo background familiar. Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisar o algoritmo do Ioeb e os resultados obtidos pelos municípios do Espírito Santo, compreendendo como tais elementos contribuem para assegurar o direito à educação, referencial teórico implícito adotado para o desenvolvimento da pesquisa.
Os resultados obtidos indicam a complexidade da estrutura do algoritmo do Ioeb, cujos componentes dialogam com algumas das metas propostas pelo PNE proposto para o decênio que, quando cumpridas, podem maximizar seus resultados. Especificamente, o Espírito Santo tem apresentado, em média, avanços significativos no indicador, principalmente devido às medidas utilizadas como variáveis resultados no algoritmo do Ioeb, que se referem ao Ideb da 1ª e 2ª etapa do ensino fundamental e à taxa líquida de matrícula do ensino médio, ajustada pela escolaridade média dos pais dos estudantes.
Contudo, a distribuição dos índices obtidos por seus municípios tem sido muito desigual. Em síntese, a microrregião Sudoeste Serrana apresenta melhores resultados educacionais. Por outro lado, municípios localizados nos extremos norte e sul capixaba ainda carecem de melhorias expressivas para asseverar o direito de aprender dos estudantes, com equidade, conforme princípios constitucionalmente estabelecidos.
Por fim, destaca-se o alto percentual de matrículas em municípios que oferecem poucas oportunidades educacionais. Recomenda-se uma atenção especial por parte dos gestores e formuladores de políticas educacionais estaduais a esses municípios, a fim de abordar as deficiências identificadas. Este estudo enfatiza a importância de implementar estratégias direcionadas para promover a equidade educacional e reforça a necessidade de intervenções específicas em regiões menos favorecidas, contribuindo para o aprimoramento do sistema educacional regional e nacional.