INTRODUÇÃO
A anestesiologia é uma especialidade médica reconhecida por seus riscos associados e pela constante preocupação com as melhorias no campo da segurança do paciente (SP). Os anestesiologistas estão envolvidos no cuidado de uma grande parcela de pacientes, cujo trabalho se dá em sistemas complexos envolvendo procedimentos com diversas etapas críticas, profissionais de formações diferentes, uso de equipamentos, drogas, técnicas e tecnologias, o que requer alto nível de vigilância. Esses fatores, somados ao constante aumento da complexidade dos procedimentos cirúrgicos, à pressão crescente por produtividade e resultados, à alta carga de trabalho, à falta de controle sobre o cronograma e a questões relacionadas ao elevado risco de esgotamento mental, representam maior risco para falhas e lesões potenciais aos pacientes submetidos ao ato anestésico.
Uma educação robusta sobre SP, principalmente na fase de formação de novos profissionais, é uma demanda do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP)1 e da Declaração de Helsinki2 sobre a SP em anestesiologia, a qual destaca que “a educação tem um papel fundamental na melhoria da segurança, e apoiamos inteiramente o desenvolvimento, a disseminação e o treinamento em segurança do paciente”.
A matriz de competências dos programas de residência médica em anestesiologia no Brasil também dispõe de objetivos relacionados à formação em SP3. A matriz é resultado da mudança de um currículo tradicional baseado em tempo de treinamento para um currículo baseado em competências. Obrigatória desde 1º de março de 2020, a matriz de competências apresenta como objetivo específico “realizar a anestesia com segurança em todas as suas etapas” e outros objetivos relacionados à estratificação e diminuição do risco anestésico-cirúrgico3.
Apesar disso, não existe uma clara definição de como deve ser o currículo sobre a SP em anestesiologia, cabendo ao programa de residência estruturar seu método de ensinar sobre o tema por meio dos recursos disponíveis4. Estudos que avaliaram o desempenho de residentes de anestesiologia sobre o tema exibiram um baixo desempenho, o que foi atribuído à ausência de um conhecimento mais aprofundado e efetivo, à falta de valorização do tema e ao ensino não eficaz5. Além disso, médicos em especialização são uma população de profissionais de saúde vulneráveis quanto à SP devido à sua falta de experiência e conhecimento em torno da temática. Isso, combinado com a carga de trabalho e as prioridades de aprendizagem concorrentes, coloca potencialmente esses médicos e os seus pacientes num risco aumentado de envolvimento em eventos adversos6.
Diante desse cenário, este estudo busca capacitar residentes de anestesiologia sobre práticas seguras que são de grande relevância para a minimização de incidentes relacionados ao cuidado do paciente submetido ao ato anestésico. Para isso, teve como objetivos desenvolver e implementar um módulo educacional sobre SP em anestesiologia para residentes da especialidade, e avaliar a efetividade e o grau de satisfação deles com o módulo.
MÉTODO
Trata-se de um estudo com delineamento quase experimental e desenho série temporal interrompida com um grupo7, realizado no âmbito do mestrado profissional em Ensino na Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com dez residentes do primeiro ao terceiro ano do Programa de Residência Médica de Anestesiologia do Hospital Universitário Onofre Lopes (hospital da rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - Ebserh). O estudo foi desenvolvido em duas etapas, sendo a primeira a elaboração do módulo educacional intitulado Segurança do paciente na prática do anestesiologista, no formato de e-book com oito unidades, como apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 Conteúdo do e-book Segurança do paciente na prática do anestesiologista.
Segurança do paciente na prática do anestesiologista | |
---|---|
Unidade 1: Segurança em saúde: conceito, história e taxonomia | Apresenta conceitos básicos e aspectos estruturantes da SP e um breve histórico8 sobre a SP no Brasil e no mundo, e discute termos-chave. |
Unidade 2: Cultura de segurança e complexidade dos sistemas de saúde | Aborda informações que contribuem para a compreensão, promoção e sustentação da cultura de segurança; sistemas complexos e sua relação com o ambiente de trabalho do anestesiologista; abordagem adequada ao erro. |
Unidade 3: Cirurgias seguras salvam vidas e lista de verificação de segurança cirúrgica da OMS | Apresenta os eventos adversos em procedimentos cirúrgicos: morbimortalidade e impacto na saúde publica9; a importância e principais itens da Lista de Verificação Cirúrgica da Organizaçao Mundial da Saúde (OMS) e sua aplicação, incluindo a correta identificação do paciente. |
Unidade 4: Verificação do sistema de anestesia | Destaca os itens de verificação indispensáveis para realização do ato anestésico e sua regulamentação9),(10. |
Unidade 5: Prevenção de infecção do sítio cirúrgico | Aborda a higienização das mãos como componente da prevenção e controle de infecções11),(12),(13; o papel do anestesiologista na prevenção das infecções relacionadas à assistência à saúde, em especial a infecção do sítio cirúrgico. |
Unidade 6: Segurança na administração de medicamentos | Apresenta a anestesiologia como especialidade com risco importante de erro relacionado à medicação; práticas seguras para evitar eventos adversos associados à administração errada de medicamentos14),(15. |
Unidade 7: Eventos adversos relacionados ao manejo de vias aéreas | Discute a importância do manejo adequado das vias aéreas de forma a minimizar/evitar eventos adversos; estratégias de manejo de vias aéreas difíceis de acordo com diretrizes atualizadas16)-(21. |
Unidade 8: Prevenção de quedas e lesões por posicionamento em pacientes sob efeito anestésico16),(17),(22)-(24 | Discute o risco de quedas em pacientes submetidos ao ato anestésico; as alterações fisiológicas e os riscos de danos ao paciente associados a cada tipo de posicionamento na mesa cirúrgica; as práticas mais adequadas para o posicionamento do paciente. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Durante a segunda etapa, realizaram-se a aplicação do módulo educacional e a avaliação dos residentes, o que foi organizado em quatro encontros presenciais. Participaram dez residentes (três do primeiro ano, quatro do segundo e três do terceiro). No primeiro encontro, os participantes responderam a um questionário pré-teste para avaliação de conhecimento prévio, disponibilizado de forma online, composto por oito perguntas de múltipla escolha. Cada questão correspondia a uma unidade do e-book elaborado.
Ainda no primeiro encontro, o módulo educacional foi disponibilizado aos participantes no formato de e-book em PDF, e realizou-se uma aula expositiva introdutória sobre aspectos gerais da temática SP e da cultura de segurança, correspondentes às unidades 1 e 2 do e-book. Ficou estabelecido que, nos encontros seguintes (com intervalos de uma semana), após a leitura individual prévia do conteúdo pelos participantes, seriam apresentadas duas unidades do módulo educacional, de forma presencial no hospital-sede da residência, por meio da discussão de casos clínicos publicados, resolução e discussão de questões elaboradas pela Comissão de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), entre 2015 e 2022, e compartilhamento de experiências vivenciadas pelos residentes. Assim, nos encontros seguintes, essa estratégia pedagógica foi mantida.
Ao final do quarto e último encontro, além da apresentação e discussão de conteúdos do módulo, foram aplicados dois tipos de questionários: o primeiro para avaliação de conhecimentos adquiridos, por meio de um instrumento pós-teste semelhante ao pré-teste, e o segundo referente a um questionário de avaliação de satisfação.
O questionário de satisfação foi disponibilizado de forma online, com 18 questões organizadas em duas partes.
Na primeira parte, os participantes responderam às seis questões sobre sua satisfação em relação à estrutura do curso (conteúdo, linguagem, formato, organização e aquisição de conhecimentos) e à seguinte pergunta aberta: “Recomendaria outros temas que julga importantes para a discussão sobre segurança do paciente na prática do anestesiologista e que não foram abordados pelo material didático?”.
Na segunda parte, autoavaliaram a percepção do impacto que o conhecimento adquirido por meio da intervenção educacional poderá gerar em sua prática clínica. Os itens avaliados dizem respeito aos objetivos de cada temática discutida, tais como: maior interesse em contribuir para a cultura de segurança; adesão ao checklist de cirurgia segura da OMS; identificação do paciente; verificação adequada de equipamentos, antes da indução anestésica; higienização das mãos; realização de antibiotiprofilaxia no momento adequado; identificação adequada de drogas; avaliação das vias aéreas de todos os pacientes submetidos ao ato anestésico; planejamento da abordagem de vias aéreas; maior atenção aos cuidados de posicionamento do paciente.
Além disso, houve, ao fim dessa parte, um espaço destinado a críticas, sugestões ou elogios ao material didático apresentado, que não era de preenchimento obrigatório.
Foi utilizada a escala Likert de cinco pontos - “discordo totalmente” = 1, “discordo” = 2, “neutro” = 3, “concordo” = 4 e “concordo totalmente” = 5 - para as questões fechadas das duas partes do questionário. Com o objetivo de estimar a confiabilidade do questionário de satisfação, calculou-se o valor do coeficiente alfa de Cronbach (análise realizada por meio da linguagem de programação R - R CORE TEAM)25, com as 16 questões do questionário em que se utilizou a escala Likert.
Quanto à análise de dados, os categóricos foram representados em tabelas por meio de frequências e seus respectivos percentuais. Medidas como valor mínimo, mediana, média, desvio padrão e valor máximo foram utilizadas para a representação dos dados quantitativos. Para análise dos questionários pré e pós-teste, compararam-se as notas finais dos alunos no pré e pós-testes, avaliando se as notas apresentaram diferença significativa, por meio dos testes t e de Wilcoxon. Utilizou-se também o teste de Shapiro-Wilk para testar a normalidade dos dados. Adotou-se como nível de significância o valor α = 5%. Todas as análises foram realizadas por meio da linguagem de programação R25. Por fim, realizou-se a avaliação das respostas do Questionário de Satisfação, as quais foram sumarizadas em uma tabela com a distribuição dos dados gerais e por ano de residência, bem como os respectivos percentuais.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição sob o CAAE nº 60774022.2.0000.5292, e todos os residentes envolvidos assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Avaliação de conhecimento de pré e pós-testes
Dez residentes (três do primeiro ano, quatro do segundo e três do terceiro) participaram da atividade formativa, no entanto, nove concluíram o pré e o pós-testes. As notas do pré-teste variaram de 6,25 a 8,75, enquanto, no pós-teste, houve uma variação de 7,50 a 10,0, com médias de 7,50 e 9,03, respectivamente (Tabela 1), com diferença significativa para os valores das notas medianas nos dois momentos de aplicação do teste, por meio do teste de Wilcoxon.
Tabela 1 Comparação das notas de pré e pós-testes obtidas pelos residentes.
Métrica | Média | P-valor1 | |
---|---|---|---|
Pré-teste (N = 9) | Pós-teste (N = 9) | ||
Mínimo | 6,25 | 7,50 | 0,0199 |
Mediana | 7,50 | 8,75 | |
Média | 7,50 | 9,03 | |
Desvio padrão | 0,62 | 1,04 | |
Máximo | 8,75 | 10,00 |
1 Teste de Wilcoxon. Nível de significância alfa = 5%.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Avaliação de satisfação
Nove participantes concluíram o questionário de satisfação. O valor calculado para o coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,793, sendo a consistência desse questionário dada como “aceitável”. Calculou-se o coeficiente por meio da linguagem de programação R25.
De forma geral, as respostas do questionário foram satisfatórias para cada um dos itens, com a totalidade delas variando de “concordo” a “concordo totalmente”, como apresentado no Gráfico 1.
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Fonte: Elaborado pelos autores.
Gráfico 1 Avaliação da satisfação do aluno com o material didático Segurança do paciente na prática do anestesiologista.
Os participantes, ao serem questionados se recomendariam outros temas que julgam importantes para a aprendizagem sobre SP na prática do anestesiologista e que não foram abordados pelo material didático, responderam em sua totalidade “não”. Esse resultado demonstra que eles se sentiram contemplados com a temática desenvolvida no curso. Na outra pergunta aberta, destinada a críticas, sugestões ou elogios ao material didático apresentado, dos nove questionários respondidos, quatro participantes mencionaram o seguinte:
Excelente! Tempo adequado, questões bem selecionadas. A abordagem com questão seguida de teoria é boa para aumentar o engajamento no assunto.
Abordagens com questões levam a maior aprendizado.
Foi ótimo. Didático e objetivo.
Parabéns, ótimo material.
Com relação à autopercepção dos residentes sobre o impacto que o conhecimento adquirido por meio do material didático poderá gerar em relação à sua prática, todos responderam favoravelmente (Gráfico 2) com respostas do tipo “concordo” e “concordo totalmente”.
DISCUSSÃO
O módulo educacional Segurança do paciente na prática do anestesiologista foi avaliado positivamente pelos residentes do primeiro ao terceiro ano de anestesiologia, que consideraram seu conteúdo relevante, com potencial impacto positivo na capacitação de residentes da especialidade na temática em questão e altos níveis de satisfação.
A metodologia de avaliação de conhecimentos prévios por meio de pré-teste é recomendada no Guia curricular de segurança do paciente da Organização Mundial da Saúde26, que aponta como benefícios: estabelecer normas, possibilidade de avaliação do domínio de habilidades, conhecimentos prévios e progresso ao longo do tempo, estabelecimento de classificação de alunos, diagnóstico dos pontos de maior dificuldade, avaliação da eficácia de um curso, possibilidade de fornecer feedback e motivação aos alunos. Perguntas de múltipla escolha (multiple-choice questions - MCQ) foram consideradas pelo guia como formatos adequados para avaliar conhecimentos dos alunos, porém com a desvantagem dessa avaliação não mensurar a aplicabilidade do conhecimento na prática. Outro ponto a ser considerado sobre MCQ é o efeito de teste. Esse efeito refere-se à ideia de que o teste não teria apenas uma função de avaliar conhecimento, mas melhorar o processo de aprendizagem27. Assim, o efeito de teste permite o uso de MCQ também como uma ferramenta de ensino, com capacidade de promover o ganho e a retenção de conhecimento por um maior período que outras abordagens, de modo mais adaptável28.
Apesar de estudos apontarem baixo desempenho de residentes em aspectos da SP por ausência de conhecimento mais aprofundado e efetivo, pouca valorização do tema e ensino não eficaz5, a média das notas de pré-teste dos participantes (notas entre 6,25 e 8,75, com média de 7,5) foi acima de 7,0, o que foi considerado um achado positivo. Após a intervenção educativa, houve aumento na média das notas (9,03 - notas variando de 7,5 a 10,0), com diferença estatisticamente significativa para os valores das notas medianas, o que demonstra a efetividade do módulo educacional trabalhado em seu objetivo de capacitar residentes de anestesiologia acerca de cuidados em SP.
Estudos sobre estratégias para o desenvolvimento e a implementação de um módulo educacional sobre SP direcionados aos residentes de anestesiologia e anestesiologistas são escassos4. Mesmo com o entendimento de que a educação é um fator fundamental para a contínua promoção de um ambiente seguro e de que a formação em SP é a tarefa mais importante e mais urgente para uma mudança na cultura de segurança29, um currículo sobre a temática, sua abordagem e métodos educacionais não estão bem estabelecidos na especialidade. A literatura disponível está direcionada principalmente a estudantes de áreas da saúde ou residentes de especialidades médicas diversas.
Em um estudo realizado com 120 alunos na Escola de Medicina Johns Hopkins, foi desenvolvido e implementado um currículo de SP e avaliado seu impacto no conhecimento de segurança, na autoeficácia e no pensamento sistêmico dos estudantes de Medicina30. Por meio de avaliação pré e pós do conhecimento de segurança dos alunos, da autoeficácia em habilidades de segurança e do pensamento baseado em sistemas, além da coleta de dados de satisfação, observaram-se melhora significativa em pontuações de conhecimento e de pensamento sistêmico, aumento estatisticamente relevante em habilidades de comunicação e segurança ensinadas, e alta satisfação. O estudo destaca a necessidade de maior aprofundamento quanto ao impacto de longo prazo dessa educação nos conhecimentos, nas competências, nas atitudes e nos comportamentos dos alunos30.
Um ensaio clínico randomizado6 avaliou a eficácia de dois tipos de metodologias de aprendizagem online para melhorar os comportamentos de SP exigidos pelas Metas nacionais de segurança do paciente (National patient safety goals - NPSG) da Joint Commission, e participaram desse estudo 371 residentes de diferentes especialidades. O estudo teve como objetivo observar o impacto no comportamento, na retenção de conhecimento e na satisfação do usuário. Avaliaram-se a melhoria do conhecimento das NPSG, os comportamentos compatíveis com as NPSG num cenário de simulação, a confiança autorrelatada na segurança e qualidade, e a aceitabilidade e relevância do programa. Incluiu-se uma simulação de inserção de cateter central, e as metas definidas para avaliação da estação foram: aprimorar a eficácia da comunicação; melhorar a precisão da identificação do paciente; reduzir o risco de infecção associada aos cuidados de saúde; cumprir as diretrizes de higiene das mãos; realizar processo de verificação pré-procedimento; aperfeiçoar a segurança no uso de medicamentos.
Os residentes desse estudo, que receberam a intervenção educacional, preencheram uma pesquisa de satisfação online para avaliar sua confiança e aceitabilidade das intervenções em uma escala Likert de 1 a 5, variando de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. Os programas de aprendizagem online melhoraram a retenção de conhecimento e a confiança autodeclarada. O estudo encontrou um desempenho relativamente ruim para todos os estagiários na estação de simulação de inserção de cateter central e concluiu que talvez existam lacunas significativas na educação médica na área de SP e que é importante o investimento em programas de educação na área para jovens médicos. No entanto, considerou a existência de múltiplas barreiras à integração sustentável dos cursos, que abrangeram alunos, professores e fatores institucionais6.
Um estudo que revisou sistematicamente os currículos de melhoria da qualidade e SP publicados para estudantes de Medicina e/ou residentes31 teve como objetivos: determinar o conteúdo educacional aplicado e a metodologia de ensino, avaliar os resultados de aprendizagem obtidos e identificar obstáculos para a implementação curricular. O conteúdo dos 41 currículos avaliados incluiu com mais frequência temas como melhoria de qualidade contínua, análise de causa raiz e pensamento sistêmico. Em relação à metodologia, o desenho mais utilizado foi a comparação simples antes-depois e cursos com carga horária que envolviam em torno de dez horas de contato e de um a cinco encontros. O autorrelato foi usado como método nos cinco estudos que reportaram mudanças comportamentais31. Os currículos foram geralmente bem-aceitos com melhorias significativas na aquisição de conhecimento em todos os estudos. Obtiveram-se altos índices de satisfação, avaliados geralmente por meio de escala Likert, e um terço dos estudos implementou mudanças na prestação de cuidados31. Uma revisão sistemática posterior32) teve o objetivo de atualizar esse estudo e apresentou conclusão semelhante.
O presente estudo é compatível com os dados disponíveis na literatura acerca da implementação de um curso sobre SP realizado com estudantes de Medicina e residentes de diferentes especialidades médicas, como os apresentados anteriormente. Existe similaridade entre todos esses trabalhos em diversos aspectos:
Primeiro, em relação à escolha dos temas considerados relevantes, como: os aspectos gerais sobre SP (terminologia-chave e histórico), a análise de causa raiz/baseada em sistemas e as metas internacionais estabelecidas pela OMS e pela Joint Commission International.
Segundo, em relação à metodologia adotada, desenho dos estudos do tipo antes e depois (avaliação pré e pós do conhecimento); avaliação de satisfação por meio de questionários pós-intervenção em escala Likert; avaliação sobre percepções de mudança comportamental por meio de autorrelato e usando questionários personalizados com itens correspondentes aos objetivos de aprendizagem do curso.
Quanto aos resultados obtidos, com uma boa aceitação dos currículos apresentados, melhorias estatisticamente significativas na aquisição de conhecimento e altos índices de satisfação.
Por fim, a respeito das limitações apresentadas, referentes a questões metodológicas, como a realização em centros únicos e amostras pequenas; necessidade de mensuração do impacto em longo prazo das intervenções nos conhecimentos, nas competências, nas atitudes e nos comportamentos dos alunos; ausência de evidências do impacto das intervenções educativas nos resultados dos pacientes.
Nesse sentido, observou-se que a combinação da estratégia pedagógica adotada associada ao tempo e espaço protegidos para a participação dos residentes no presente estudo foi um fator essencial para a aplicação do módulo educacional e para os resultados positivos obtidos. Tais achados destacam a importância da inserção formal do tema SP na estrutura curricular dos cursos de residência, de forma a favorecer a aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades sobre a temática, durante o processo formativo, em consonância com as recomendações da OMS26 e do PNSP1 do Brasil.
A literatura disponível sobre educação de residentes de anestesiologia em SP versa principalmente sobre a importância do desenvolvimento de habilidades não técnicas, como comunicação, liderança e trabalho em equipe, e o papel do treinamento prático em simulação como ferramenta fundamental33. No entanto, a maioria dos estudos publicados faz pouca referência à base teórica aplicada, dificultando a generalização de resultados em diferentes contextos34. Segundo um consenso de especialistas, a recomendação é de que “os investigadores descrevam a base teórica para os componentes de intervenção escolhidos ou forneçam um modelo lógico explícito que explique por que essa prática de segurança do paciente deve funcionar”34. Dessa forma, é possível desenvolver e selecionar melhor as diferentes abordagens de educação em SP, avaliar sua implementação e permitir generalizações.
Pesquisas adicionais sobre educação em SP destinada a residentes de anestesiologia são necessárias, especialmente no que diz respeito ao currículo ideal e à sua abordagem educacional. Além disso, é necessário avaliar de que modo as intervenções educacionais influenciam na mudança de comportamento ou no desenvolvimento de competências pelos residentes, se essas mudanças são sustentadas e se são capazes de trazer resultados práticos aos pacientes. No entanto, essas pesquisas são inerentemente desafiadoras, visto que, devido ao tamanho dos programas de residência, os tamanhos das amostras costumam ser pequenos e a randomização dos alunos pode ser antiética ou impraticável35. Ademais, estudos com metodologias que permitam a avaliação de parâmetros em níveis mais elevados da pirâmide de Miller, como a aplicação do conhecimento adquirido pelos residentes, a resolução de problemas e o impacto positivo no paciente, podem ser difíceis e requer apoio institucional.
A prática da anestesiologia envolve habilidades manuais e gestão em sistema complexo. Assim, o desenvolvimento e a implementação de abordagens educativas em SP, a esse grupo, requerem práticas baseadas em evidências para aprimorar as mais diversas competências. O ensino e a avaliação dessas competências exigem metodologias ativas de aprendizado por meio de simulação e exames clínicos estruturados, além da participação dos residentes na análise de eventos adversos e envolvimento em projetos de melhoria relacionados à SP4.
CONCLUSÃO
A estratégia educacional desenvolvida e aplicada neste estudo se mostrou efetiva para o treinamento de médicos residentes em anestesiologia acerca da temática SP, conforme o aumento na aquisição de conhecimentos e os altos níveis de aceitação e satisfação deles. Nesse sentido, observou-se o diferencial quando são ofertados tempo e espaço protegidos para a aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades sobre a temática durante o processo formativo, inferindo-se que a inserção formal do tema SP na estrutura curricular dos cursos de residência é um caminho com grande potencial de êxito.
No entanto, são necessários mais estudos que possam mensurar o impacto dessa estratégia em longo prazo, sua influência na aquisição de competências e se resultam em melhores desfechos para os pacientes.