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Educação: Teoria e Prática

versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.29 no.61 Rio Claro maio/ago 2019  Epub 18-Dez-2019

https://doi.org/10.18675/1981-8106.vol29.n61.p513-532 

Artigos

PARA ALÉM DA DIFERENÇA: UMA INTERVENÇÃO EDUCATIVA NÃO FORMAL NO ÂMBITO DA DEFICIÊNCIA MENTAL

BEYOND DIFFERENCE/ DISABILITY: A NON-FORMAL EDUCATIONAL INTERVENTION IN THE FIELD OF MENTAL DISABILITY

MÁS ALLÁ DE LA DISCAPACIDAD: UNA INTERVENCIÓN EDUCATIVA NO FORMAL EN EL ÁMBITO DE LA DISCAPACIDAD MENTAL

Maria Conceição Pinto AntunesI 
http://orcid.org/0000-0003-3569-6020

Ana Patrícia SampaioII 
http://orcid.org/0000-0002-9942-1045

IUniversidade do Minho - Portugal. E-mail: mantunes@ie.uminho.pt

IIUniversidade do Minho - Portugal. E-mail: patriciasampaio.1994@gmail.com


Resumo

Este ensaio apresenta os resultados de um projeto de investigação/intervenção desenvolvido com jovens e adultos com deficiência em contexto de Centro de Atividades Ocupacionais, cuja finalidade se centrou na promoção de uma vida mais autónoma, ativa e participativa. Com base nas metodologias intrínsecas ao paradigma qualitativo interpretativo-hermenêutico e seguindo as diretrizes do método de investigação-ação-participativa, a intervenção baseou-se na dinamização de sete oficinas favorecedoras do processo de educação/aprendizagem dos participantes. Da análise dos resultados da intervenção, realça-se o contributo do projeto para a aquisição de competências promotoras do desenvolvimento de uma aprendizagem autónoma e do aprender a aprender ao longo da vida que possibilitou aos participantes a oportunidade de agir sobre os seus projetos de vida com vista à sua integração na comunidade.

Palavras-chave: Deficiência; Educação de Adultos; Autonomia; Competências de Vida

Abstract

This essay presents the results of an action-research project developed with the purpose of promoting a more autonomous, active and participative life of young people and adults with disabilities. The project was developed in the context of a Center for Occupational Activities. Based on the methodologies that inhere the interpretive-hermeneutic qualitative paradigm and following the guidelines of the participative-action-research method, the intervention was based on the dynamization of seven workshops targeting the education / learning process of the participants. The analysis of the results of the intervention revealed that the project contributed to the acquisition of competences promoting the development of autonomous learning and learning to learn through life, which enabled participants to take action on their life projects aiming at their community integration.

Keywords: Disability; Adult Education; Autonomy; Life Skills

Resumen

Este ensayo presenta los resultados de un proyecto de investigación/intervención desarrollado con jóvenes y adultos con discapacidad en centros de actividades ocupacionales, cuya finalidad se centró en promover una vida más autónoma, activa y participativa. Tomando como punto de partida las metodologías propias del paradigma cualitativo hermenéutico-interpretativo, y siguiendo las directrices del método de investigación-acción-participativa, la intervención consistió en la puesta en funcionamiento de siete talleres facilitadores del proceso de enseñanza/aprendizaje de los participantes. Del análisis de los resultados de la intervención se desprende la contribución del proyecto para la adquisición de competencias capaces de promover el desarrollo de un aprendizaje autónomo a lo largo de la vida, que permitió a los participantes actuar sobre sus propios proyectos vitales de cara a su integración en la comunidad.

Palabras clave: Discapacidad; Educación de adultos; Autonomía; Competencias de vida

1 Introdução

O projeto de intervenção socioeducativa de que resulta este trabalho, integrou 16 adultos com deficiência a frequentarem um Centro de Atividades Ocupacionais situado numa cidade do norte de Portugal e teve como finalidade a promoção de uma vida mais autónoma, ativa e participativa, promotora de competências de socialização e de desenvolvimento pessoal. Com base nas metodologias intrínsecas ao paradigma de investigação qualitativo interpretativo/hermenêutico e, tendo em consideração as diretrizes do método de investigação-ação-participativa, a intervenção que aqui se apresenta socorreu-se de metodologias ativas e participativas. Com base nas necessidades, expectativas e potencialidades dos participantes o projeto desenvolveu-se mediante a dinamização de sete oficinas: Informática; Simbologia Grupal; Musicoterapia; Escrita Criativa; Alfabetização Funcional; Cultural; Artes Plásticas. O trabalho que aqui se apresenta, descreve o projeto de investigação/intervenção desenvolvido e os resultados aferidos.

2 Fundamentação teórica da intervenção

Os comportamentos e as atitudes da sociedade face à problemática da deficiência foram, ao longo do tempo, apresentando variações em detrimento de contextos sociais e culturais específicos. A deficiência é um constructo social, construída na base de critérios socioculturais e históricos (SOUSA ET AL, 2007) tratando-se de um conceito de difícil definição. A concetualização de deficiência mental surge relacionada ao construto de funcionamento adaptativo, avaliado quando correlacionado com o Quociente de Inteligência (Q.I). “O funcionamento adaptativo refere-se ao modo como os sujeitos lidam com as situações da vida quotidiana e como cumprem as normas de independência social, esperadas por alguém do seu grupo de origem sociocultural e inserção comunitária” (DSM-IV, 2002, p. 42). O funcionamento adaptativo pode ser influenciado por fatores como, a educação, a motivação, as características de personalidade, as oportunidades vocacionais e sociais, as perturbações mentais e os estados físicos que podem coexistir com a deficiência mental (DSM IV, 2002).

A OMS (2011) estabelece uma relação entre adaptação e aprendizagem e define deficiência mental como o funcionamento intelectual geral inferior à média, com origem no período de desenvolvimento, associada a alterações ao nível do ajustamento ou da maturação, ou dos dois e que, com efeito, apresenta défices para o indivíduo ao nível da aprendizagem e da sociabilização.

A idade e a forma de aparecimento da perturbação mental dependem da etiologia e da gravidade da deficiência. As deficiências mais graves, principalmente quando associadas a uma síndrome com fenótipo característico, tendem a ser reconhecidas mais cedo, como é exemplo a Síndrome de Down, habitualmente diagnosticada aquando do nascimento. A deficiência mental moderada é geralmente, descoberta mais tarde. Em deficiências graves, a incapacidade intelectual desenvolve-se mais abruptamente. De acordo com o DSM-IV (2002, p. 47) é possível afirmar que a “evolução da Deficiência Mental é influenciada pela evolução do estado físico geral subjacente e por fatores ambientais (por exemplo, educação e outras oportunidades, estimulação ambiental e adequação do tratamento)”. Se um estado físico for estático ou inexistente a evolução da deficiência será dependente de fatores ambientais, podendo ser revertida, como é o caso da deficiência mental ligeira.

No que concerne à história da investigação sobre a deficiência mental, cujo início é consensualmente descrito por diferentes autores a partir do século XIX, apresenta três períodos. O primeiro teve início em 1800, época que se caracterizou pelo desenvolvimento científico da biologia e da psicologia, cujo impacto social é evidenciado pelas propostas de caracterização da deficiência mental em relação a outras deficiências. O segundo período estende-se até aos finais da 2ª Guerra Mundial cuja característica principal é a abordagem da definição de deficiência mental em termos operacionais, potenciada pela institucionalização da escolaridade obrigatória, na grande maioria dos países desenvolvidos, o que ocasionou implicações na investigação da aprendizagem. O terceiro período compreendido entre o pós-guerra e a atualidade, caracteriza-se pela dificuldade em definir concetualmente a classificação de inteligência e deficiência mental, e “[…] todas as consequências ao nível dos direitos de assistência; da escolarização; sociabilização e integração profissional das pessoas com deficiência mental.” (MORATO, 1995, p. 11). É um período fortemente marcado pela evolução científica e pelo reforço do movimento humanitário a favor dos direitos humanos “[…] em defesa dos grupos desfavorecidos socialmente, os deficientes de guerra, as minorias étnicas, o movimento associativo de pais de crianças e jovens com deficiência, associados ao desenvolvimento dos ideais da democracia pela igualdade de direitos” (MORATO, 1995, p.11).

Em 1976 na IX Assembleia da Organização Mundial de Sáude (OMS), surge uma nova concetualização de deficiência, a International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: Manual of Classification relating to the Consequences of Disease (ICIDH), um Manual de Classificação das Consequências das Doenças publicado em 1989. A ICIDH visa a criação de uma linguagem comum e utiliza uma categorização tripartida para Deficiência, Incapacidade e Desvantagem (ANNANDALE, 1976), a saber: Deficiência - entendida como a perda ou deformidade das estruturas/funções psicológicas, fisiológicas ou anatómicas, seja de forma temporária ou permanente; Incapacidade - considerada uma restrição ocasionada por uma deficiência que resulta na incapacidade para desempenhar uma atividade considerada normal para um ser humano. Surge como uma consequência/resposta direta do indivíduo a uma deficiência; a Desvantagem - entende-se como um prejuízo para o indivíduo que resulta de uma deficiência ou incapacidade que irá limitar ou até mesmo impedir o desempenho de papéis de acordo com a idade, género, papéis sociais e culturais.

No que alude ao modo de entender a deficiência encontramos três modelos: o Modelo Biomédico/Médico, o Modelo Social e o Modelo Biopsicossocial/Relacional. No contexto da industrialização e da passagem de uma economia rural para uma economia liberal de origem urbana surge, a partir da segunda metade do século XIX, o Modelo Biomédico. Este modelo centra-se nas características biológicas do indivíduo, que funcionam como base para a categorização médica e social dos membros da sociedade e preconiza que as desvantagens enfrentadas pela pessoa com deficiência são uma consequência direta da sua incapacidade física, necessitando o sujeito de uma intervenção médica ao nível da prevenção, reabilitação ou tratamento. “A relevância atribuída aos medicamentos, tecnologias de tratamentos, aos novos fármacos capazes de melhorar a satisfação e bem-estar sobrepôs-se à consideração de fatores de ordem económica e social na explicação e ou resolução dos problemas das pessoas com deficiência” (SANTOS, 2014, p. 6).

Em alternativa ao modelo biomédico, ao demonstrar que deficiência não resulta de incapacidade física, mas dos obstáculos que se criam pela ausência de respostas sociais e políticas que permitam a inclusão social de pessoas com deficiência, surge pelas mãos de Michael Oliver em 1983, o Modelo Social. Contrapondo-se ao modelo biomédico dominante até à época, o modelo social despoletou uma reviravolta nos modelos tradicionais de entendimento da deficiência, quer ao nível do seu conceito, quer ao nível da compreensão da desigualdade experienciada pelos cidadãos com deficiência. “Muda-se a relação de causalidade da deficiência, descentralizando-a da cura, concentrando-a na sociedade e deslocando a desigualdade do corpo para as estruturas sociais” (SANTOS, 2014, p. 11). O modelo social estabelece uma distinção entre deficiência (disability) e incapacidade (impairment), “reportando-se o primeiro conceito à opressão social a que as pessoas com deficiência estão sujeitas e o segundo às características/atributos individuais e biológicos” (Santos, 2014, p. 11). Incapacidade e deficiência não possuem um significado universal, variam de acordo com o contexto social e cultural e, neste âmbito, as diferenças sociais podem ser categorizadas de diferentes modos. De acordo com a abordagem social, incapacidade não seria resultado de uma condição de saúde, mas sim devida à influência de fatores sociais, psicológicos e ambientais. Apesar do modelo social ter trazido importantes inovações à conceção de deficiência, sofreu algumas críticas ao colocar o problema da deficiência exclusivamente na sociedade, colocando de parte fatores ligados à saúde.

A Abordagem Biopsicossocial ou Relacional encontra-se descrita na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), publicada em 1993 pela OMS. A CIF possui como objetivo a comparação de dados entre países; a criação de um esquema de codificação para sistemas de informação de saúde; e o estabelecimento de uma linguagem e de um referencial teórico comum, que permita a descrição de todos os aspetos da saúde humana, “que não se aplica apenas às pessoas com deficiência, mas a todas as pessoas, mesmo aquelas que não apresentam qualquer incapacidade, apresentando uma aplicação universal” (SANTOS, 2014, p. 13).

No enquadramento da problemática descrita, o projeto de investigação/intervenção que apresentamos pretendeu adaptar-se às características individuais de cada um dos participantes, no sentido de lhes proporcionar competências para que possam ser uma voz ativa e reivindicativa dos seus direitos na sociedade, de forma a potenciar a sua integração, formação e responsabilização social, não só no que diz respeito à sua vida e à sua integração na instituição mas, também, no mundo que os rodeia.

A educação ao revelar uma preocupação com as populações mais desfavorecidas, no caso concreto da pessoa com deficiência (UNESCO,1976; 1990) e o seu acesso à educação como meio de desenvolvimento pessoal e das comunidades, sugere a importância do processo educativo enquanto ferramenta que contribui para a formação de cidadãos autónomos, conscientes da sua realidade e com capacidade para intervir sobre a mesma, independentemente da faixa etária, condição física, psíquica ou social em que se encontram. Ao considerar a globalidade do desenvolvimento humano, a educação contribui para que a comunidade local, nomeadamente as instituições de apoio a pessoas com deficiência, sejam um espaço privilegiado para o exercício da cidadania, em termos de valores e práticas e um estímulo para a participação ativa da pessoa com deficiência na sociedade.

Enquanto processo promotor de condições de desenvolvimento ao longo da vida, de capitalização de saberes, de criação de novos universos de referência e de novas formas de relação com esses saberes, a educação tem um papel determinante na (trans)formação das condições pessoais, sociais e profissionais dos adultos com deficiência. Neste quadro, a seleção de métodos capazes de motivar o grupo e desenvolver atitudes positivas face ao processo de educação/aprendizagem e o envolvimento ativo e efetivo no percurso de revisitação e aquisição de conhecimentos e saberes, é uma recomendação particularmente relevante, uma condição fundamental no processo de desenvolvimento integral desta franja da população (MITTLER, 2003; MANTOAN, 2008; CORREIA, 2013; Santos, 2018).

3 Desenho e Metodologia

No enquadramento das orientações teóricas esboçadas, foi desenvolvido um projeto de investigação-intervenção cuja finalidade se centrou na promoção de uma vida mais autónoma, ativa e participativa.

3.1 Participantes

A intervenção abrangeu 16 adultos com deficiência que integram o Centro de Atividades Ocupacionais de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, de idades compreendidas entre 22 e 52 anos de idade; dez do sexo feminino e seis do sexo masculino, sendo a faixa de idade mais representativa a compreendida entre os 29 e os 34 anos de idade. No que concerne aos percursos de educação e formação, verifica-se que oito dos participantes nunca frequentaram a escola. Dos restantes um frequentou a escola até ao 6º ano, outro frequentou até ao 7º ano e seis frequentaram a escola até ao 9º ano. Relativamente à retaguarda familiar, a maioria dos adultos portadores de deficiência encontram-se a viver com as suas famílias, quatro vivem com os seus progenitores, cinco vivem com apenas um dos seus progenitores, três vivem com irmãos e quatro residem no lar residencial da instituição.

3.2 Métodos e instrumentos de recolha de dados

No que concerne ao processo e às etapas em que se desenrolou o projeto, o paradigma qualitativo interpretativo/hermenêutico, assumiu a transversalidade do plano de investigação/intervenção. A partir da epistemologia hermenêutica, pretendeu-se investigar de um modo profundo e holístico o contexto e o público através da análise dos dados recolhidos no local, com o propósito de intervir no sentido de transformar a realidade e melhorar a qualidade de vida dos participantes. A opção pela investigação qualitativa, interpretativa/hermenêutica justifica-se pelo facto de promover a compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações num dado contexto, ou seja, pretender interpretar em vez de medir e procurar compreender a realidade tal como ela é vivenciada. (BOGDAN & BIKLEN, 2013; QUIVY E CAMPENHOUDT (1992).

Dado que o projeto na sua conceção e implementação implicou simultaneamente, investigação e ação e sugeriu a participação ativa dos agentes sociais ao longo de todo o processo, a metodologia adotada focou-se numa aproximação à investigação-ação participativa, que de acordo com Ander-Egg (1990) e Trilla (1998), visa a produção de conhecimento para a efetiva melhoria da qualidade de vida da população e opera na mudança da realidade social com a participação ativa dos atores sociais. Por ser investigação, constitui um conjunto de procedimentos operacionais e técnicos que visam a aquisição de um profundo conhecimento sobre a realidade social, tendo como finalidade atuar de um modo transformador sobre essa mesma realidade. Por ser ação, possibilita que a mesma atividade de investigação gere processos de atuação e transformação das condições de vida dos participantes (ANDER-EGG, 1990).

Relativamente às técnicas de investigação ou modos de agir para alcançar metas (Serrano, 2008), foram utilizadas: a pesquisa bibliográfica; a análise documental; a observação direta participante; as conversas informais; o inquérito por questionário; a entrevista semi-estruturada e o diário de bordo.

No que se refere às técnicas de intervenção fez-se recurso às técnicas de animação sociocultural tendo sido selecionadas as técnicas grupais; as técnicas de informação/comunicação; as técnicas ou procedimentos para a realização de atividades lúdicas; e as técnicas ou procedimentos para a realização de atividades artísticas (ANDER-EGG, 2000).

No que concerne ao plano de tratamento e análise dos dados, recorreu-se à estatística descritiva simples que permitiu o tratamento e análise dos dados de caráter quantitativo, aferidos no inquérito por questionário. A estatística descritiva, como o próprio nome indica, possui como objetivo organizar por meio de tabelas, gráficos e de medidas descritivas uma série de valores com a finalidade de os interpretar e descrever (BARBETTA, 1998). Quanto aos dados qualitativos fez-se recurso à análise de conteúdo enquanto técnica que possibilita organizar e sistematizar o conteúdo da informação (BARDIN, 2013; PARDAL E LOPES, 2011) recorrendo a tabelas.

3.3 Procedimentos

A realização de um projeto de investigação/intervenção pressupõe diversos procedimentos e fases distintas. A intervenção que aqui se apresenta obedeceu a três fases: inserção no contexto e avaliação diagnóstica, implementação da intervenção e avaliação. A fase de integração no contexto correspondeu ao período de inserção na instituição e durante o qual se procedeu à avaliação diagnóstica. Nesta fase, apresentou-se aos participantes e ao Diretor Técnico da Instituição, o enquadramento institucional e objetivos do estudo, bem como a explicação referente às questões éticas inerentes, nomeadamente, o caráter voluntário da participação no estudo, a salvaguarda da identidade, a confidencialidade dos dados recolhidos e a divulgação (anónima) dos resultados.

No que se refere à fase de implementação, a mesma centrou-se no desenvolvimento de uma intervenção socioeducativa que pretendia a promoção de uma vida mais autónoma, ativa e participativa com recurso à metodologia de investigação-ação participativa e às técnicas de animação sociocultural, dado que a animação sociocultural é uma estratégia de intervenção que possui como finalidade promover a participação e a dinamização social, a partir de processos de responsabilização dos indivíduos, no que concerne à gestão e direção dos seus próprios recursos. (ANDER-EGG, 2000). O quadro 1 dá conta do plano de atividades desenvolvido.

Quadro 1 Oficinas e Atividades Desenvolvidas 

Designação da Oficina Descrição/Atividades
Oficina de Informática
Objetivos:
• Promover a educação para a inclusão/literacia digital;
• Promover a aquisição e/ou desenvolvimento de competências para a vida que potenciem a autonomia pessoal e social;
• Promover estratégias de reforço da autoestima e do autoconceito.
A oficina de informática contemplou o desenvolvimento de uma intervenção especializada ao nível das novas tecnologias, a partir de atividades que privilegiaram a inclusão digital e o estímulo da comunicação para a autonomia dos participantes.
Atividades realizadas:
No que concerne às atividades realizadas, apresentam-se: “Como realizo uma pesquisa na internet?”; “O PowerPoint”; Jornal “A Voz Do Silêncio”1ª; 2ª; 3ª Edição; “A água e o ciclo da água”; Visionamento do documentário: “25 Minutos De Uma Revolução”; e Visionamento da curta-metragem: “Como devemos cuidar da família.”
Oficina de Simbologia Grupal
Objetivos:
• Promover momentos de partilha, interação grupal e convívio;
• Desenvolver a capacidade de exprimir sentimentos e exteriorizar emoções, através da expressão corporal;
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico.
A oficina de simbologia grupal centrou-se em temas e atividades propostas pelos participantes e serviu propósitos como a interação grupal, o convívio, a partilha de momentos e de experiências e a realização de sonhos.
Atividades realizadas:
No que se refere às atividades realizadas, fazem parte: “Espaço para o Relaxamento”; “Baile de Máscaras”; “Ida à discoteca”; “Workshop de Confeção de Pizzas”; “Programa Manhãs verdes”, “Programa de voluntariado realizado no lar com o intuito de requalificar os espaços exteriores afetos ao lar residencial”; “Caminhadas pelo parque; “A expressão e o corpo” e o “Arraial de comemoração dos Santos Populares”.
Oficina de Musicoterapia
Objetivos:
• Promover momentos de partilha, interação grupal e convívio;
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico;
• Possibilitar o desenvolvimento de competências motoras e de comunicação.
No contexto das necessidades educativas especiais, pessoas com défice mental respondem mais positivamente à música em alternativa a outras estratégias educativas e terapêuticas. Neste sentido, a musicoterapia possui propriedades terapêuticas de excelência e opera em problemas de comportamento característicos da deficiência mental, passíveis de tratar e de obter benefícios para a pessoa, é uma estratégia de melhoria de comportamentos sociais e emocionais e um contributo indispensável para o desenvolvimento de competências motoras e de comunicação.
Atividades realizadas:
Sessões de musicoterapia e workshop de criação de instrumentos com materiais de desperdício.
Oficina de Escrita Criativa
Objetivos:
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico;
• Estimular a criatividade, a imaginação e a sensibilidade dos participantes;
• Desenvolver a inteligência linguística através do enriquecimento vocabular e do aperfeiçoamento da construção textual;
• Promover estratégias de reforço da autoestima e do autoconceito.
A oficina de escrita criativa contemplou o desenvolvimento de uma intervenção especializada, ao nível da promoção do gosto pela escrita e criatividade na escrita.
Atividades realizadas:
No contexto da oficina surgiu a revista “No Lugar da Imaginação”. Da revista fazem parte os textos criados pelos adultos que participaram na oficina. Cada história encontra-se ilustrada, e as ilustrações foram da responsabilidade de um dos participantes da oficina.
Oficina de Alfabetização Funcional
Objetivos:
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico;
• Promover a aquisição e o desenvolvimento de competências para a vida que potenciem a autonomia pessoal e social;
• Promover estratégias de reforço da autoestima e do autoconceito;
• Desenvolver a capacidade de reconhecer e nomear as letras do alfabeto, os números, palavras, objetos e situações funcionais relacionadas com o quotidiano.
A oficina de alfabetização funcional contemplou propósitos como a aquisição e o desenvolvimento de competências para a vida e para a autonomia pessoal e social dos jovens.
Atividades realizadas:
No contexto da oficina de alfabetização funcional foram realizadas as seguintes atividades: O espaço “O Jogo, a atenção e a concentração”; realização de jogos online de estímulo à concentração e à atenção e realização de fichas de trabalho.
Oficina Cultural
Objetivos:
• Promover momentos de partilha, interação grupal e convívio;
• Proporcionar visitas a museus e a exposições;
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico.
Assente na premissa de que todo o ser humano tem o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade e de fruir das artes, a oficina cultural proporcionou a realização de visitas a museus, exposições e monumentos abertos e serviu como estímulo para a interação grupal e o convívio entre pares.
Atividades realizadas:
Visita à exposição “Terrário: um ecossistema em miniatura” nos serviços educativos do Parque da Devesa; Visita à exposição interativa: “Uma viagem pela Biodiversidade do Vale do Ave” nos serviços educativos do Parque da Devesa; a Visita à Casa-Museu Camilo Castelo Branco; e a Visita à cidade de Lisboa.
Oficina de Artes Plásticas
Objetivos:
• Dinamizar atividades lúdico-pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento cognitivo, motor, social, cultural e artístico;
• Desenvolver a coordenação motora em atividades que envolvam a utilização da motricidade fina;
• Apelar à criatividade e à imaginação;
• Potenciar o convívio e a interação entre pares.
A oficina de artes plásticas pretendeu ser um espaço de liberdade e contemplou propósitos como o desenvolvimento das competências criativas e motoras, privilegiando a expressão, a imaginação e a experimentação artística a partir de técnicas como o desenho, a pintura, a colagem e criações com materiais de desperdício.
Atividades realizadas:
“Trabalhos alusivos ao Natal”; “Decorações de Inverno”; “Trabalhos alusivos ao Carnaval”; “Trabalhos alusivos às comemorações do Dia da Amizade”; “Trabalhos alusivos à chegada da Primavera”; “Prenda para o Dia do Pai”; “Decorações alusivas à Páscoa”; “Workshop de pintura de sacos em tecido”; “Trabalhos alusivos às comemorações do 25 de Abril”; “Prenda do Dia da Mãe”; “Trabalhos alusivos às comemorações do Dia da Família”; “Trabalhos alusivos aos Santos Populares”.

Fonte: Autoras

A avaliação é uma componente do processo de planeamento. Pelo exposto, a avaliação da intervenção obedeceu a três fases distintas, a avaliação diagnóstica, avaliação contínua e a avaliação final. A avaliação diagnóstica ou avaliação para o planeamento de programas de intervenção social possibilitou a obtenção de dados relativos ao público-alvo e ao contexto que permitiram o desenho do plano de ação ajustado às necessidades, interesses e expectativas dos potenciais participantes da intervenção. No que respeita à avaliação contínua ou avaliação com fins de acompanhamento, esta ocorreu na fase de execução do projeto e permitiu determinar e monitorizar de modo sistemático a intervenção, identificar entraves e riscos potenciais, propor alternativas e, se necessário, introduzir correções ao plano de ação previamente estabelecido (GUERRA, 2002; SERRANO, 2008). Relativamente à avaliação final, esta se caracterizou por ser um processo de verificação do impacto do projeto, ao averiguar em que medida os objetivos propostos foram alcançados e aferir os resultados do impacto da intervenção.

4 Apresentação dos Resultados

Nesta secção apresentam-se os resultados da avaliação final, obtidos a partir do inquérito por questionário. Torna-se importante referir que se optou por agregar a informação tendo em consideração os tópicos considerados de maior relevância para a avaliação de cada uma das oficinas, sintetizados na Tabela 1.

Tabela 1 Tópicos de Sistematização da Informação 

TÓPICOS
Aprendizagens mais significativas
Benefícios/ Melhoria do grau de satisfação pessoal com a vida
Razões que motivaram a permanência no projeto

Fonte: Autoras

4.1 Aprendizagens mais significativas

A leitura da Tabela 2 permite-nos compreender que, os dados relativos às aprendizagens mais relevantes, segundo a perceção dos participantes, fizeram emergir cinco categorias (i) “Conhecimentos sobre informática” (=16), “com a informática eu aprendi a ir à internet a escrever os textos para o jornal e aprendi a fazer um PowerPoint.” (Q.1). (ii) conhecimentos adquiridos na redação e ilustração da “Revista - No lugar da Imaginação” (=16), “gostei muito da oficina de escrita criativa, escrever textos é muito importante e é muito importante ver os textos que nós fizemos, publicados na revista.” (Q.9). (iii) conhecimentos adquiridos durante as “ Visitas a locais que não conheciam” (=16) “A ida a Lisboa foi muito importante para mim, principalmente a ida ao Zoo de Lisboa, onde vi os macacos e o espetáculo dos golfinhos” (Q.7); (iv) as competências adquiridas ao nível do “Ler, escrever e contar” (=16); (v) e as competências de escrita e edição implícitas na redação de notícias de divulgação das atividades realizadas pelos participantes junto da comunidade a partir do “Jornal - A Voz do Silêncio” (=16) “aprendi muito com a informática. Aprendi a escrever para o jornal, a pesquisar na internet, a apresentar um PowerPoint e sobre os cuidados que devo ter com o meu facebook” (Q.9).

Tabela 2 Aprendizagens mais significativas 

CATEGORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS N=16
Conhecimentos sobre informática 6
Revista - No Lugar da Imaginação 16
Visitas a locais que não conheciam 16
Ler, escrever e contar 16
Jornal - A Voz do Silêncio 16

Fonte: Autoras

4.2 Benefícios do Projeto/ Melhoria do grau de satisfação pessoal com a vida

A análise da Tabela 3 permite-nos compreender que a intervenção teve um impacto positivo, pois na sua totalidade os participantes referiram ter percecionado benefícios e melhoria no grau de satisfação com a vida ao nível do (i) “Crescimento pessoal e/ou social” (=16), concretizado pelo aumento da autoestima e autoconfiança experienciada a partir da integração no projeto, “as atividades que realizei tornaram-me mais confiante, sinto-me mais feliz e realizada” (Q.9); ao nível da (ii) “Melhoria do funcionamento cognitivo” (=16), concretizada numa sensação de maior autonomia “porque sinto que se aprender não preciso tanto de ajuda dos outros” (Q.13), e melhoria do bem-estar emocional, mental e social e ao nível da (iii) “Otimização dos tempos livres” (=16), concretizados em momentos que privilegiaram a educação/aprendizagem participada, a relação interpessoal e o convívio, dimensões recorrentemente assinaladas como importantes benefícios do projeto, “gostei das atividades que fizemos no lar com os nossos colegas” (Q.16).

Tabela 3 Benefícios do Projeto /Melhoria do grau de satisfação pessoal com a vida 

CATEGORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS N=16
Crescimento pessoal e/ou social 16
Melhoria do funcionamento cognitivo 16
Otimização dos tempos livres 16

Fonte: Autoras

4.3 Razões que motivaram a permanência no projeto

Como podemos verificar a partir da análise da tabela 4, os participantes na sua globalidade consideraram o projeto bastante relevante e importante, as razões referidas como motivação para permanecer no projeto fizeram emergir três categorias: (i)“Novas aprendizagens” (n=16) cuja menção aparece relacionada, de modo muito particular, com as oficinas de informática, escrita criativa e musicoterapia; (ii) “Convívio /ou melhoria na relação com os outros” (n=16), referido pela totalidade dos participantes e (iii) “Satisfação com as atividades realizadas” (n=16), que na opinião dos participantes se deveu à diversidade de atividades e variedade de metodologias e dinâmicas utilizadas para a sua realização.

Tabela 4 Razões que motivaram a permanência no projeto 

CATEGORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS N=16
Novas aprendizagens 16
Convívio /ou melhoria na relação com os outros 16
Satisfação com as atividades realizadas 16

Fonte: Autoras

5 Considerações Finais

É no reconhecimento da importância da educação ao longo da vida e para a vida do jovem adulto com deficiência, e no direito que tem de continuar o seu processo de desenvolvimento de forma participada e integrada nas suas experiências pessoais e nos saberes provenientes do seu capital humano que reside a marca maior desta intervenção educativa não-formal.

A deficiência mental deve ser percecionada como parte da diversidade humana, que limita a pessoa, mas que não anula o seu desenvolvimento. O desenvolvimento do adulto com deficiência depende das capacidades e possibilidades de cada indivíduo, mas, fundamentalmente, das possibilidades para aprender e se desenvolver, não apenas cognitivamente, mas, também, social, afetiva e profissionalmente. A crença de que o adulto com deficiência não tem capacidades de aprender e se desenvolver é uma marca social historicamente construída e não uma característica da deficiência mental. A educação enquanto processo promotor de desenvolvimento ao longo da vida, desempenha um papel determinante na (trans)formação das condições pessoais, sociais e profissionais dos adultos com deficiência. Neste enquadramento, crê-se essencial possibilitar à pessoa com deficiência, o direito de aceder a uma educação que respeite as suas diferenças e a oportunidade de continuar o seu processo de desenvolvimento.

No desenvolvimento da presente intervenção educativa, corroborando Gândara, R., (2013), as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) revelaram-se ferramentas excelentes na intervenção socioeducativa com pessoas com deficiência, evidenciando-se uma estratégia facilitadora do processo de aprendizagem. Para além de minorarem a desigualdade social experienciada por estes cidadãos e potenciarem a sua efetiva inclusão social, as TIC assumiram-se como uma mais-valia no processo de educação/desenvolvimento, não só pelas possibilidades de comunicação que ofereceram, mas também pelo interesse e motivação que despertaram para a aquisição de novos conhecimentos.

Tendo em consideração os resultados obtidos é de realçar o contributo da intervenção educativa não-formal na aquisição de capacidades que permitiram ao grupo aprender a aprender, desenvolver uma aprendizagem autónoma, bem como agir sobre os seus projetos de vida com vista à sua integração na comunidade. Durante a implementação do projeto, recorrendo a um plano e acompanhamento regular e sistemático e a diferenciadas estratégias e métodos de aprendizagem foi-se verificando uma significativa evolução dos participantes, corroborando a literatura da área que refere que o determinante decisivo no processo de aprendizagem e desenvolvimento neste público é o recurso a práticas e estratégias adequadas às caraterísticas de cada indivíduo, contrariamente a uma prática educativa única e transversal (MITTLER, 2003; MANTOAN, 2008; CORREIA, 2013; VYGOTSKY, 1983; BOOTH & AINSCOW, 2015; ECHEITA, 2017; SANTOS, 2018).

A intervenção demonstrou como a educação não formal é decisiva no processo de autoformação participada de adultos com deficiência ao contribuir para um aumento significativo da motivação e interesse na participação das atividades, indo ao encontro dos resultados do estudo de Veiga, Ferreira e Quintas (2013) que evidenciam que o desenvolvimento de um programa de educação não formal teve resultados positivos ao nível da demostração de um maior interesse, participação e envolvimento nas atividades.

Corroborando os resultados do estudo de Gonçalves (1997) que com base no desenvolvimento de um Programa de Cultura Geral a um grupo de adultos com deficiência mental moderada evidenciaram um enriquecimento das competências comunicacionais, uma melhoria a nível do autoconceito e aumento da motivação e interesse pela aprendizagem, a nossa intervenção evidencia, também, resultados positivos na aquisição de aprendizagens, na relação interpessoal, e na satisfação pessoal resultante de um maior bem-estar físico e psicológico.

Tal como outras (ainda que poucas) intervenções na área, a nossa intervenção evidencia a importância da educação não formal com pessoas com deficiência, evidenciando a educação como instrumento promotor de desenvolvimento humano, independentemente da idade, raça, género, condição física e/ou cognitiva (UNESCO, 1976, 1990). No caso vertente do processo de desenvolvimento de pessoas com deficiência é importante notar a importância decisiva na seleção de estratégias e métodos adequados a cada indivíduo de modo a conseguir motivar e desencadear atitudes positivas e o envolvimento dos participantes no processo de aprendizagem apostando num percurso de revisitação e recontextualização de saberes inerentes aos seus percursos de vida.

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Recebido: 24 de Junho de 2019; Aceito: 26 de Agosto de 2019

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