1 Introdução
Este artigo é o recorte de um estudo mais amplo sobre vida e obra do autor brasileiro Elias José1. Consagrada pelo público e pela crítica, a produção literária de Elias José, ao lado da de muitos outros escritores, sempre ocupou/ocupa um lugar de destaque nas escolas.
Nosso objetivo será não só apresentar o autor, mas o panorama da sua produção literária em consonância com o contexto de produção, bem como o diálogo entre algumas de suas obras e a escola pela mediação da LDB2 e dos PCN3, documentos que incentivaram a entrada dos livros de literatura nos espaços escolares. As obras produzidas pelo autor indiciam, por sua vez, um modo de condução possível ao trabalho do professor.
Dados os limites deste texto e em virtude do grande número de obras catalogadas no estudo mais amplo – cento e setenta e oito no total, sendo cento e cinquenta e quatro infantojuvenis – optamos por não apresentar os títulos, mas as tendências da literatura para crianças no país nos momentos históricos em que as obras foram dadas a ler, no intuito de contextualizar e compreender as características gerais dessa produção para posteriormente estabelecer um diálogo com a escola a partir de algumas obras.
A opção por apresentar as ideias pedagógicas presentes nos contextos em que as obras foram dadas a ler se justifica pelo fato de que o aparecimento da literatura infantil, conforme apresentado por Arroyo (2011, p. 75), está intimamente ligado à literatura escolar. O procedimento metodológico deste estudo de caráter bibliográfico e documental considera o percurso histórico de produção do escritor, dando visibilidade às tendências de um momento histórico da literatura infantil e educacional, contribuindo e reforçando com as pesquisas já existentes nessa área.
2 Elias José: uma história4
Elias José nasceu em 25 de agosto do ano de 1936, em Santa Cruz da Prata, num lugarejo chamado de “Pratinha”, distrito de Guaranésia, localizado mais no sudoeste de Minas Gerais, e faleceu no dia 2 de agosto de 2008, com 72 anos, em decorrência de complicações causadas por uma pneumonia diagnosticada tardiamente.
Frequentou, no início de sua escolarização, a escola pública da “Pratinha” e aos vinte e sete anos ingressou no curso de Letras, (1963/1967) na Faculdade de Filosofia de Guaxupé (FAFIG). Começou a dar aulas no “Científico”, atual Ensino Médio, iniciando sua carreira como professor na Escola Estadual Dr. Benedito Leite Ribeiro, em Guaxupé. Em seguida, foi convidado para assumir as aulas de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na FAFIG.
Enquanto professor, Elias José ficou em primeiro lugar no Concurso Nacional do Ensino de Redação, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1977, com o livro Redação escolar: análise, síntese, extrapolação. Ganhou medalhas de prata e ouro como Educador Emérito, dadas pelo Governo do Estado de Minas Gerais, nas gestões de Hélio Garcia e Itamar Franco (JOSÉ, 2007, p. 106).
Elias José não iniciou sua carreira de escritor publicando livros. Ele estreou escrevendo para o jornal O Acadêmico do Colégio São José, criado por ele e um grupo de colegas na época em que cursava contabilidade. A partir de então, começou a enviar seus contos primeiramente para a revista Vida Doméstica, em seguida para jornais locais e, posteriormente, para os jornais de outras partes do Brasil5, participando de concursos de contos.
Em 1968, já conhecido por meio de muitas publicações em suplementos literários, Elias José reuniu alguns contos já publicados num livro que intitulou de A Mal Amada, graças ao qual recebeu menção honrosa no “Prêmio José Lins do Rego”, da Livraria José Olympio Editora.
Em 1971 lança o livro de minicontos O Tempo, Camila e em 1974, Inquieta viagem no fundo do poço, ambos pela Imprensa Oficial de Minas Gerais. Com este segundo livro o escritor ganhou o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, como melhor livro de contos, e o prêmio Governador do Distrito Federal, como melhor livro de ficção.
A produção do escritor Elias José foi destaque em vários livros de estudos literários, dicionários de literatura e artigos de jornais e revistas, e seus contos aparecem em várias antologias do conto brasileiro e mineiro no Brasil e no exterior.
O escritor recebeu muitos prêmios pela sua produção infantojuvenil, entre eles, destacamos: Prêmio Mobral de Literatura; várias vezes Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ); Prêmio da União Brasileira de Escritores (UBE); Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA); Prêmio Odylo Costa Filho; Prêmio Adolfo Aizen; Prêmio Cecília Meireles; Prêmio Centenário de Alaíde Lisboa; Academia Mineira; Academia Municipalista de Minas Gerais e Academia Feminina de Letras de Belo Horizonte.6
As características gerais e o contexto da produção infantojuvenil do escritor é o que vem a seguir.
3 A produção infantojuvenil: um diálogo com seu tempo
A literatura infantil na década de 1970 a 1979, segundo os estudos de Coelho (1985) recebeu como palavra de ordem a criatividade. Nesse período, a produção para crianças e jovens estava em alta e muitos escritores que começaram a escrever para esse público deram continuidade a sua produção, tentando novos caminhos. Assim sendo:
E, a par de inúmeros “continuadores” que seguem nas trilhas batidas, surgiram dezenas de escritores e escritoras, obedecendo à nova palavra de ordem: experimentalismo com a linguagem, com a estruturação narrativa e com o visualismo do texto.
(COELHO, 1985, p. 214, grifo da autora)
Zilberman (2014, p. 52) diz que as reformas ocorridas conferiram à literatura infantil um grande incentivo, considerando-a como material primordial nos primeiros anos escolares. A autora aponta duas alterações significativas na educação, ocorridas no início da década de 1970; foram elas: 1) a valorização dos autores contemporâneos e não necessariamente os canônicos; e 2) o estímulo à presença de obras literárias nas escolas, desobrigando o professor do uso exclusivo do livro didático, que passou a ser um instrumento auxiliar de ensino.
Nesta década Elias José produziu três livros para o público infantojuvenil7, todos em prosa. Dos três títulos lançados pelo escritor, dois foram publicados pela editora Melhoramentos (As curtições de Pitu e O fantasma no porão). Nessa época a editora Melhoramentos era a “segunda em tamanho no negócio de livros no Brasil” (HALLEWELL, 2012, p. 372).
Tiveram destaque nessa década: As curtições de Pitu (1976). primeiro livro infantojuvenil do escritor, lançado em convênio com o Instituto Nacional do Livro e O fantasma no porão (1979), que após permanecer em circulação durante quinze anos pela Melhoramentos, migrou em 2002 para a Martins Fontes e recebeu uma edição exclusiva para ser distribuída para as escolas públicas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), através da ação “Literatura em minha casa”.
Observando as editoras que publicaram obras do autor é possível afirmar que a entrada de Elias José na literatura infantojuvenil se deu pela via escolar8. Com isso o nome do escritor passa a ter visibilidade também nessa área, o que certamente justifica o aumento da sua produção nas décadas seguintes, bem como a presença de suas obras na escola.
Uma tendência apontada por Zilberman (2014, p. 128) na década de 1980-1989 foi a poesia. Segundo a autora, esse gênero sempre esteve presente na literatura infantil brasileira, mas foi nessa época que floresceu, em função dos parâmetros mais livres e libertários para criação artística desse gênero. Uma característica marcante e que promoveu o crescimento da poesia nessa época foi a forma lúdica de expressão. Em relação a isso, a autora aponta:
A valorização do lúdico da linguagem propiciou a expansão da poesia endereçada à infância, a partir dos anos 1980. Introduzindo, nos versos e nas estrofes, a perspectiva da diversão, do jogo e da brincadeira, o gênero poético pôde se livrar dos problemas que experimentou principalmente na primeira metade do século XX.
(ZILBERMAN, 2014, p. 132).
Nessa década Elias José lançou vinte e seis livros para o público infantojuvenil. A produção infantojuvenil do escritor nesse período foi quase nove vezes maior que a da década anterior. Esse significativo aumento de publicações demonstra o interesse pelas obras do autor, no momento com o nome já reconhecido também no campo da literatura infantojuvenil.
O levantamento de dados acerca da produção de Elias José nesse período evidenciou que dos vinte e seis livros lançados, sete são em verso. O movimento do escritor em direção à poesia indicia o quanto ele estava atento às tendências do momento, uma vez que a poesia endereçada ao público infantil estava florescendo nessa década, conforme exposto anteriormente.
Os dados levantados sobre as obras deste período apontam para uma significativa diversidade de editoras – treze editoras para vinte e seis livros publicados. A pesquisa acerca das editoras permitiu constatar que a maioria delas concentram suas atividades tanto na publicação de livros didáticos como nos de literatura9.
Os dados levantados sobre as obras deste período apontam para uma significativa diversidade de editoras – treze editoras para vinte e seis livros publicados.
É possível observar também que os livros do escritor contaram com ilustradores de grande importância no setor editorial, dentre os quais destacamos: 1) Adalberto Corvanaca, que ilustrou Marcelo, Marmelo, Martelo (1976). de Ruth Rocha; 2) Eva Furnari, que acabara de estrear na literatura com a Coleção Peixe Vivo (1980) e que ao longo de sua carreira recebeu diversos prêmios; 3) Helena Alexandrino, que ganhou com a ilustração de Caixa mágica de surpresa o prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de Melhor Ilustração de Livro Infantil e, depois dele, nessa mesma década, dois Jabutis (1987 e 1989) na categoria Melhor ilustrador de Livro Infantil; 4) Maria José Boaventura, ganhadora de importantes prêmios tais como: o Jabuti (1987), Luiz Jardim (FNLIJ- 1988), (FNLIJ -1989); 5) Rogério Borges, ganhador do APCA Lourenço Filho (1987), Altamente Recomendável pela FNLIJ (1988, 1992, 1993, 1994) e o Jabuti (1996) e Ana Raquel, que tinha acabado de representar o Brasil na Bienal de Ilustração de Bratislava (Capital da Eslováquia).
Em síntese, pode-se dizer que esse investimento na produção das obras indicia a boa qualidade dos textos e a relevância das temáticas apresentadas pelo escritor, o que justifica o interesse empreendido nesses novos projetos.
Nas décadas de 1990 a 1999 e 2000 a 2010 surgem muitas campanhas de incentivo à leitura e à formação do leitor, promovidas por iniciativas privadas e pelo governo, aumentando ainda mais a demanda por livros de literatura infantojuvenil, que já vinha crescendo desde a década de 1970. Dalcin (2013) destaca que esses acontecimentos impulsionam os debates acerca da literatura infantil, do livro e da importância da formação do leitor. Segundo Castelo Branco (2014, p. 119), “a proliferação dos eventos foi tão intensa que se pode falar no surgimento de uma ‘indústria de eventos ligados à literatura infantil”.
É importante ressaltar que a promulgação da nova LDB (Lei 9394/96) e a divulgação, pelo Ministério da Educação, dos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN) com apresentação dos Temas Transversais – Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual e Temas Locais – fez com que a produção literária infantojuvenil se apresentasse com tais temáticas.
No período (1990-1999) Elias José produziu trinta e oito obras para o público infantojuvenil e sua produção em verso também cresceu. Nessa década o autor apresentou quatorze títulos em verso, o dobro do período anterior. A diversidade de editoras permaneceu: quatorze editoras10 para trinta e oito obras, no entanto, a proporção do número de obras publicadas por editora aumentou.
Os livros do autor continuaram a ser publicados, predominantemente, por editoras que possuem foco educacional e continuaram a receber ilustrações de importantes e premiados ilustradores. Nessa década foram destaques: escritor e ilustrador Ricardo Azevedo, que ganhou prêmios importantes, entre eles, cinco vezes o Jabuti; Nelson Cruz, várias vezes Altamente Recomendável pela FNLIJ e ganhador do Jabuti; Graça Lima, que recebeu pela FNLIJ os Prêmios: Luiz Jardim, Malba Tahan, o Melhor para o Jovem, muitas vezes o Altamente Recomendável e o Jabuti, na categoria ilustração (1982, 1984 e 2003); Ciça Fittipaldi, ganhadora do APCA (1986), Hans Christian Andersen (1995) e Jabuti (1986, 1990 e 2014).
O número de publicações do escritor não parou de crescer, na última década da carreira de Elias José (2000/2010), foram publicadas cinquenta e seis obras, em média cinco livros por ano. Deste total, trinta livros foram escritos em verso, representando um acréscimo de 135,71% em relação à produção em verso do período anterior.
A intensa produção do autor confirma o quanto ele estava atento às tendências do momento, para despertar o interesse de diversas editoras e permanecer em circulação, especialmente na escola.
A pesquisa sobre as editoras mostrou que todas têm como alvo, principalmente, o leitor escolar11. O interesse por esse público pode ser explicado pela grande quantidade de obras adquiridas pelos governos12 Federal, Estaduais e Municipais para distribuir nas escolas por meio das campanhas e programas de incentivo à leitura.
Nesta última década de produção do autor destacam-se os seguintes ilustradores: Maurício Negro, Altamente Recomendável pela FNLIJ; Cesar Landucci, premiado com Jabuti em 1993 e Altamente Recomendável em 1995 e 1998; Semiramis Paterno, Altamente Recomendável pela FNLIJ; Luiz Maia, ganhador do Jabuti (1991) e do selo White Ravensem 1999; Rogério Coelho, Altamente Recomendável pela FNLIJ e recentemente o Jabuti (2016); Cláudia Scatamacchia recebeu o APCA, Jabuti e foi Altamente Recomendável pela FNLIJ; Mariana Massarani, ganhadora do Jabuti (1997 e 2003); Elisabeth Teixeira, ganhadora de dois Jabutis, 2004 e 2010; Andrea Corbani, Altamente Recomendável pela FNLIJ em 2001; Michele Iacocca, APCA, Altamente Recomendável (2006), Prêmio Luiz Jardim (2008) e Melhor Livro de Imagem (2009) pela FNLIJ; Ciça Fittipaldi e André Neves, Altamente Recomendável e ganhador do Prêmio Luiz Jardim na categoria melhor livro de imagem, ambos pela FNLIJ.
Segundo Lajolo e Zilberman (2017, p. 28), a emergência, expansão e difusão das histórias em quadrinhos no Brasil fez com que a imagem passasse a ser “tão ou mais relevante que o texto, impondo sua presença nos gêneros com os quais compartilhava o público”. As autoras afirmam ainda que a literatura infantil e juvenil, por se dirigir a um público com maior número de consumidores, “incorporou a linguagem visual, cedendo espaço crescente à matéria figurativa” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 29). De acordo com as pesquisadoras, o “sintoma do reconhecimento progressivo e contemporâneo da importância desta parceria verbo-visual são as transformações ocorridas nas categorias de distribuição de prêmios a livros para crianças e jovens” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 29). Esse fato justifica todo o investimento no suporte dos livros.
Daibello (2013) destaca que uma produção literária, por ser um produto cultural, necessita do reconhecimento das instâncias de legitimação para facilitar o sucesso junto ao público e ao mercado.
Assim sendo, e levando em conta o cenário apresentado, consideramos relevante destacar duas importantes instâncias autorizadas a legitimar uma obra literária como sendo ou não de qualidade; são elas: o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e a FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil).
Pode-se presumir que o investimento das editoras destinado às obras do escritor Elias José, indiciado pela escolha de renomados ilustradores, tinha em vista o reconhecimento dessas duas instâncias supracitadas, pois a visibilidade – em nível nacional e internacional – dada pela FNLIJ aos livros que ela seleciona ou premia é sinal de prestígio e representa maiores chances de venda, uma vez que o catálogo com a seleção das obras feita por esta instituição é disponibilizado para orientar a compra de livros por Secretarias de Educação, escolas, entre outras.
A seguir teceremos o diálogo entre algumas obras do escritor Elias José com dois importantes documentos oficiais (LDB e PCN) cujos princípios apontam para a importância do desenvolvimento do imaginário, por meio do jogo entre o faz de conta e a brincadeira com as palavras, bem como a diversidade de temas, no intuito de compreender a presença das obras do escritor nas escolas, principalmente as públicas.
4 A brincadeira e a diversidade de temas nas obras do autor: interlocuções com a escola
Para compreender as contribuições do escritor Elias José no âmbito da educação, optou-se por apresentar possíveis aproximações entre algumas de suas obras com as demandas da escola de educação básica, tais como a alfabetização e o desenvolvimento da leitura e da escrita e a necessidade de incorporar o texto literário nas práticas pedagógicas para trabalhar com temas de diversas áreas do conhecimento.
Para tanto, considerou-se relevante fazer alguns apontamentos, quando necessário, acerca dos documentos oficiais (Lei de Diretrizes e Bases - LDB e Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN), no intuito de evidenciar em que pontos as obras de escritor Elias José puderam/podem contribuir com o que se espera da escola, segundo esses documentos.
A respeito das especificidades e do trabalho com o texto literário, o PCN de Língua Portuguesa ressalta que
É importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento. Essa variável de constituição da experiência humana possui propriedades compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral do texto literário.
(BRASIL, 1997, p. 29).
No que diz respeito à diversidade de temas presentes em livros voltados para o público infantil e juvenil, Lajolo e Zilberman (2017) apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997) como um dos responsáveis por essa tendência. Segundo as pesquisadoras, temas como: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual e Temas locais passaram a fazer parte dos catálogos de editoras após a implementação dos PCN, sobretudo quando a intenção se volta para as “compras governamentais”, uma vez que tais temas, “ultrapassando o âmbito editorial, chegam às instâncias que os avaliam” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 70).
Elias José, em 1984 – treze anos antes da criação dos PCN – lança O herói abatido13, pela editora Moderna. Em 2005 esta obra é reeditada pela Larousse com o título de Amor sem fronteiras. Nesse livro, o escritor traz para discussão a questão da emigração, do preconceito e da dificuldade em conviver com as diferenças.
A leitura dessa história, em consonância com o Artigo 32 da LDB14, que prevê a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores, permite promover discussões acerca da pluralidade de culturas presentes no nosso país em função da emigração e acerca de valores éticos que envolvem, entre outros, o respeito para com o ser humano e à diversidade conforme evidencia o fragmento a seguir:
Já sei a razão da briga de vovô e papai...
Eu já consegui entender uma coisa... O problema é de raça e é também por isso que papai não gostava do apelido de Turquinho na escola. Não é? (JOSÉ, 1984, p. 36).
Para abordar o tema sexualidade, o escritor apresentou ao seu leitor adolescente – em 1992, Cantigas de adolescer reeditado com novo projeto gráfico no ano de 2005, pela mesma editora15. Elias José dividiu essa obra em duas partes: na primeira, “Cantigas de Maria”, são apresentados vinte e nove poemas supostamente escritos por uma adolescente, Maria. A segunda parte, denominada “Cantigas de João”, contém vinte e um poemas escritos por João, um garoto nessa mesma fase.
Nesses poemas, os adolescentes Maria e João escrevem sobre as mudanças físicas pelas quais estão passando, sobre os desejos, o amor, os conflitos familiares, entre outras situações comuns no universo dos adolescentes, conforme se pode observar nos trechos abaixo. Assim diz Maria, no poema “Primeiras vezes”:
Há dois anos escrevi um poema
sobre as sensações
do primeiro beijo na boca
e falhei.
Não consegui o doce calor
e a magia do fato.
(JOSÉ, 1992, p. 23).
João, no poema ‘Tempo”, diz:
[...]
Chegou o tempo de pensar em namoradas
e sonhar com corpos e beijos
que vivem mais nos poemas que no real.
(JOSÉ, 1992, p. 39-40).
Elias José trouxe também para sua poesia o retrato do Brasil – remetendo-nos aos temas regionais brasileiros –, nas suas diversas formas, apresentando lugares, paisagens, festas, rituais, entre outros, que serão apresentados nos fragmentos a seguir.
Em Ciranda brasileira (2006), disse o poeta no poema de abertura do livro, cujo título deu nome à obra:
Esta terra morena, doce e sonora,
tem sido feita até agora,
pelo amor da gente simples,
pelo amor de homem e mulher,
pelo amor da família,
pelo amor da amizade,
pelo amor da sua flora,
pelo amor de sua fauna,
pelo amor no encontro das águas,
pelo amor que aquece e brilha.
É um amor que se aflora
em canções de todo tipo,
em orações para tantos santos,
em danças, festas e feitiços.
Está aqui, ali, em todas as partes.
(JOSÉ, 2006, p. 5).
O escritor Elias José, para compor a sua Ciranda brasileira, inspirou-se, nas xilogravuras de J. Borges16. Esta obra oferece ao leitor a oportunidade de conhecer alguns aspectos da cultura brasileira por meio da apreciação de duas importantes formas de expressão artísticas: a poesia e a arte por meio das xilogravuras, no traço de J. Borges, conforme se pode observar no texto e na imagem a seguir.
MARACATU DO NORDESTE
O Maracatu do Nordeste saiu
E a multidão aplaude, grita vivas,
Bate palmas, ri, aponta e assobia.
Parece que a vida perdeu o juízo.
O Maracatu do Nordeste iluminou
E encheu as ruas de sons de tambores,
Chocalhos, caixas, triângulos e agogôs.
Gente pobre naquela noite se enriquece.
E exibe lantejoulas, brilhos, roupas coloridas,
rendas, fitas, turbantes, adornos, babados,
colares, brincos, pulseiras e flores.
Duas belas negras bem vestidas
Abrem alas para os Reis do Congo.
As duas trazem duas bonecas encantadas
E mudas, que pedem ajuda à multidão.
(JOSÉ, 2006, p. 18)
Em Cantos de encantamento, lançado em 1996 – antes ainda da publicação dos PCN, mas já em discussão do mesmo, Elias José apresentou belos poemas sobre as tradições, os personagens e os mitos do folclore brasileiro, uns conhecidos, outros nem tanto. Esta obra foi também dividida em duas partes: “Encantamentos da Terra” e “Encantamentos da Água”. Na primeira, o escritor apresentou, entre outros: Os sonhos do Saci, O Curupira, O negrinho do Pastoreio, Pedro Malasartes, As Cavalhadas, Os Caiapós17 e oração de São Longuinho. Na segunda, foram apresentados: Os feitiços da Iara, Iemanjá, Nossa Senhora Aparecida, etc.
Sobre a dança dos Caiapós, versou Elias José:
Hoje tem Caiapós
nas ruas da cidade.
Hoje tem Caiapós,
tem festa e novidade.
[...]
É dança, é luta, é guerra,
é garra, é raio, é raça,
é pena de passarinho
e é roupa de sapé.
Hoje tem Caiapós
para alegrar a cidade.
(JOSÉ, 1996, p. 18-19).
Os trechos apresentados anteriormente, retirados de algumas obras do escritor Elias José, demonstram que o autor, ao procurar entrelaçar literatura e ensino, trazendo para sua poesia temas de grande relevância para a escola, reforça a importância do texto literário para o desenvolvimento das crianças.
Nessa direção, a citação abaixo, retirada do PCN de Língua Portuguesa, a respeito das “especificidades do texto literário”, sustenta e permite compreender as contribuições da literatura no desenvolvimento da capacidade criadora nas crianças.
A literatura não é cópia do real, nem puro exercício da linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da história dos homens. Se tomada como uma maneira particular de compor o conhecimento, é necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta. Ou seja, o plano da realidade pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginário como uma instância concretamente formulada pela mediação dos signos verbais (ou mesmo não-verbais conforme algumas manifestações da poesia contemporânea). Pensar sobre a literatura a partir dessa autonomia relativa ante o real implica dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo regido por jogos de aproximações e afastamentos, em que as invenções de linguagem, a expressão das subjetividades, o trânsito das sensações, os mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos racionalizantes, referências indiciais, citações do cotidiano do mundo dos homens.
(BRASIL, 1997, p. 29).
Por esse viés, Cristofoleti e Ometto (2016, p. 67) destacam que “a experiência que temos com o mundo e a vivência com os outros humanos nos possibilitam espaços para criação e para invenção do novo”. Essas mesmas autoras apontam como desafio para a escola pensar as relações de ensino voltadas para a formação de pessoas criativas, destacando as brincadeiras e o faz de conta como exemplos de criação e, a partir dessa formulação, ressaltam “o importante papel que tem o professor e as condições sociais de produção de ensino e de acesso às formas culturais que são possibilitadas às crianças. Quanto mais rica for a experiência social e cultural, mais possibilidades essa criança terá de criação e de imaginação” (CRISTOFOLETI; OMETTO, 2016, p. 68).
Na esteira dessas considerações, apresentamos a seguir trechos retirados de algumas obras do escritor Elias José que podem sugerir um trabalho pedagógico com a leitura que vai em direção ao desenvolvimento da imaginação infantil.
Elias José, com a obra Um pouco de tudo de bichos, de gente, de flores (1982), seu primeiro livro de poesia para crianças, procurou apresentar uma brincadeira por meio das letras, com as quais ele escreve, numa linguagem quase musical e bem humorada, os diversos sentidos das palavras em situações próximas do cotidiano dos leitores.
O trecho a seguir, retirado do poema “O girassol”, presente no livro citado anteriormente, mostra o entrelaçamento de seres reais numa situação não real, demonstrando que por meio da linguagem é possível criar o impossível:
À noite se encanta,
enfeita-se, dança e canta.
E a lua também enfeitiçada
faz caprichos de namorada.
No poema “O sapo e o jacaré”, do livro Caixa mágica de surpresa (1984), o autor brinca com os sentidos e os sons das palavras apresentando, por meio de um divertido trocadilho, que os sentidos das palavras não são únicos. Aqui o leitor descobre que com a linguagem também se joga:
O jacaré
num sopapo
acertou o papo
e pisou no pé
do pobre sapo.
[...]
O sapo
pô
que barato!
O sapo, sô,
Só tem papo.
O sapo
tá no papo
e é gato
e sapato
- se é –
do jacaré.
(JOSÉ, 1984, p. 3).
Em Um jeito bom de brincar (2002), no poema que deu o nome à obra, Elias José apresenta a poesia como uma forma de brincar. Cada verso mostra de forma bem-humorada que a poesia está em toda parte e através dela pode-se também divertir.
Comeu muito? Teve azia?
Levou um pito da tia?
Tirou nota que não devia?
Caiu problema que não sabia?
BRINQUE DE POESIA.
[...]
Quer rimar noite com dia?
Descobriu das palavras a melodia?
Gosta de embarcar na fantasia?
Cedo, tarde, noite, todo dia:
BRINQUE DE POESIA.
(JOSÉ, 2002, p. 46-47).
A partir do exposto, pode-se pressupor que havia uma preocupação por parte do escritor Elias José em deixar evidente nos livros as diversas possibilidades de leituras e práticas – entretenimento, aprendizagem, criação – para atrair o leitor criança mas também o professor, para quem o livro de literatura pode ser também fonte de informação e aprendizagem.
Não se pode afirmar que as obras foram produzidas com finalidades escolares, ou que seja esse o propósito do texto literário, mas que o professor, por meio de uma interdiscursividade18 com a literatura, pode abordar assuntos de ordem do conhecimento formal, por meio de um texto que acreditamos ter como propósito a fruição19, ainda que não se possa garantir que isso acontecerá, se esse mesmo texto for lido num outro momento, numa outra situação em que a leitura não esteja direcionada para algum fim. Segundo Barthes (2010, p. 9), a intenção do escritor – de fruição – não assegura o prazer do leitor, mas o espaço de fruição fica então criado. Nessa direção “não é a ‘pessoa’ do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo” (BARTHES, 2010, p. 9).
5 Considerações acerca da produção do escritor para a escola
Após conhecer a trajetória do escritor Elias José é possível dizer que se trata de um escritor que queria se fazer presente no campo da literatura como um todo. No entanto, o volume de sua produção infantojuvenil em trinta e dois anos (1976-2008) aponta para um escritor que optou por se fazer presente principalmente no âmbito da literatura para crianças.
Foi possível constatar que a obra do autor é marcada por uma grande diversidade de temas que abordam principalmente as situações cotidianas do leitor, seja ele jovem ou criança, como exemplo: meio ambiente, cultura brasileira, relações pessoais e familiares, escola, preconceito, sexualidade e, sobretudo, o faz de conta e as brincadeiras por meio do jogo com os sons e os sentidos das palavras.
Nessa direção, há que se destacar que uma característica marcante dessa produção é o diálogo que o escritor estabelece com as demandas educacionais, trazendo para sua produção temas e formas de dizer que permitem um trabalho interdiscursivo. Face às leituras apresentadas, pode-se dizer ainda que o escritor procurou entrelaçar literatura e ensino com a preocupação de não descaracterizar a primeira. As consonâncias observadas entre as obras do escritor Elias José com a escola são ecos das vozes do menino, do professor de Ensino Fundamental, Médio e Universitário, do diretor da Escola Básica, do marido, do pai e do cidadão comum.
Elias José se valeu do cotidiano e de diversas formas de produção da cultura popular e produziu a partir deles novas versões, nas quais trabalhou com a polissemia e a sonoridade das palavras, evidenciando ritmos e sons. Com esse jogo de sons e sentidos, o escritor cria um espaço ou uma oportunidade de entrelaçar fruição e aprendizagem.
Em síntese, a trajetória de Elias José, bem como o número de obras produzidas apresentam um escritor que foi se tornando um importante representante da literatura infantil brasileira na contemporaneidade dentro e fora do país, tendo sido reconhecido por várias instâncias legitimadoras, acolhido por diversas e renomadas editoras e consagrados ilustradores, cuja expressiva presença e destaque se dão principalmente pela poesia.