1 Introdução
Apesar dos conhecimentos que caracterizam a didática e a relação com a práxis docente, no ensino superior esta área ainda é frequentemente abordada sem a devida importância. A didática é definida como uma disciplina da Pedagogia que busca pesquisar e analisar o processo educativo e que, baseada em uma teoria educacional, visa organizar orientações para a atuação profissional de educadores através dos seus componentes: aprendizagem, ensino e conteúdos escolares (LIBÂNEO, 1990). Por este ângulo, neste trabalho será considerada a didática na atividade docente no ensino superior.
Por meio da caracterização dos aspectos que assinalam o trabalho e a carreira docente no ensino superior, é possível compreender os objetivos, desafios e compromissos dos educadores, pois, para ocorrer o desenvolvimento social pelas instituições de ensino superior, é necessário compreender que ao professor compete as atividades de lecionar, produzir e difundir conhecimentos. Neste cenário, compreende-se que a ação de educadores neste nível é caracterizada pela tríade composta por ensino, pesquisa e extensão.
Para cursos de graduação, os professores de ensino superior não são necessariamente graduados em licenciaturas (responsáveis pela formação inicial de educadores), e, deste modo, podem ser bacharéis que cursaram pós-graduação stricto sensu no nível de mestrado e doutorado e, através de aprovações em concursos públicos ou testes seletivos, ministram aulas nos cursos de graduação das instituições de ensino superior. Destarte, com o fato de a sua formação inicial não considerar os aspectos pedagógicos, o processo de ensino e aprendizagem poderá ser comprometido em função de questões conceituais e as implicações que a formação centrada exclusivamente na especificidade da área de conhecimento pode trazer.
É importante destacar que o docente precisa primeiramente ser capaz de ensinar, o que requer um processo contínuo de busca por formação pedagógica que não é ensinada nos conteúdos da especifidade da formação inicial. Reche e Vasconcellos (2019) apontam que, apesar de dominarem os conteúdos específicos da área de conhecimento, os professores de ensino superior que não possuem graduação em licenciatura ainda apresentam dificuldades ou falta de oportunidades para compreender as leis que regem a educação, bem como os conceitos específicos, princípios de organização e mecanismos de funcionamento do processo de ensinar e aprender, provenientes da didática.
A dificuldade enfrentada com a ausência de conhecimentos específicos do campo da didática pode tornar a aula um momento tedioso e desanimador, e pode apresentar prejuízos aos professores em formação inicial. Contudo, verifica-se baixa procura por capacitação profissional referente aos saberes extrínsecos (pedagógicos) da profissão de professor, pois as formações iniciais oferecidas nos cursos de graduação, principalmente os relacionados estritamente à habilitação de bacharelado, raramente incluem na organização curricular disciplinas direcionadas para os aspectos didáticos da prática docente. Contribui para o agravamento dessa situação a cultura do rendimento na carreira acadêmica dos docentes do ensino superior, a qual exige que o educador seja pesquisador e publique artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais bem avaliados segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Portanto, notam-se fragilidades na atuação docente referentes ao ensino dos conteúdos e às estratégias e técnicas pedagógicas necessárias para a construção de uma relação didática que contribua de fato para a formação de futuros professores, que se encontram no nível de formação inicial e, deste modo, necessitam de conhecimentos que agreguem ao crescimento e desenvolvimento do profissional. Esta disparidade observada nos professores de ensino superior demonstra uma problemática em que o profissional compreende e domina com clareza os conteúdos específicos da disciplina de atuação, entretanto, por algumas razões que serão apresentadas no decorrer deste texto, os aspectos didáticos são insuficientes, comprometendo o processo de ensinar e aprender e o processo de formação profissional.
Faz-se importante destacar que, além dessas preocupações, o professor necessita ainda refletir acerca das provocações contemporâneas da didática, que incluem os desafios relacionados à utilização de metodologias ativas e tecnologias, buscando então a participação ativa e efetiva do aluno no processo de ensino e aprendizagem, para que assim ocorra ampliação do conhecimento para docentes e discentes.
Considerando as inquietações apontadas, o objetivo desta pesquisa bibliográfica foi compreender as contribuições da didática no contexto da formação continuada do docente do ensino superior, considerando os saberes específicos e pedagógicos da práxis docente. Além disso, a questão norteadora da pesquisa foi “qual é a relevância da didática para a formação continuada do docente de ensino superior?”
Como procedimentos metodológicos, foram utilizadas as oito fases da pesquisa bibliográfica, propostas por Marconi e Lakatos (2010): escolha do tema, elaboração do plano de trabalho, identificação, localização, compilação, fichamento, análise e interpretação e, por último, a redação que apresentamos.
2 Formação inicial e continuada
Sabe-se que se tornar professor é o resultado de um percurso longo, dinâmico e complexo, o qual não ocorre de forma mecânica, mas considerando o processo de ensino e aprendizagem e também os fatores que o caracterizam. Aprender a ensinar é um processo evolutivo, em que haverá sempre uma bagagem cultural e histórica presente na vida dos envolvidos. Inicialmente, o indivíduo transita pela experiência de aluno e ao final do curso de graduação transpõe-se para o papel de professor. É por esse procedimento que o aluno que também é futuro professor perpassa pela teoria e prática docente (PACHECO; FLORES, 1999).
Deste modo, nas licenciaturas a formação inicial se traduz como um momento de preparação formal em que o graduando irá se apropriar dos conhecimentos e das habilidades indispensáveis para a atuação competente na profissão. Neste cenário, em busca da educação transformadora, o conjunto de conhecimentos que o educador constrói na formação inicial pode ser organizado em duas categorias de saberes: os que serão ensinados em sala de aula (saberes específicos) e os que serão necessários para sua própria formação docente (saberes pedagógicos) (PACHECO; FLORES, 1999).
Neste contexto, a formação inicial é compreendida como a primeira etapa da formação continuada, e esta última deve ser percebida como imprescindível, pois tem de conduzir o indivíduo durante toda a jornada profissional e precisa contribuir para a construção da identidade docente. Objetiva-se então que na formação continuada o professor encontre oportunidades para identificar e refletir sobre os mecanismos que caracterizam a ação docente e, ao compreendê-los, tome consciência das fragilidades e das possibilidades para transformações de sua práxis pedagógica. Quando o docente se mostra receptivo às novas reflexões, por meio da busca de novos conhecimentos, ele visa aprimorar o processo de ensino e aprendizagem para que faça sentido e apresente significado para o aluno, além de apresentar elementos que contribuam para a compreensão e avaliação acerca dos objetivos do planejamento.
Tendo em vista a necessidade de articulação entre a formação continuada e as práticas curriculares, assim como as necessidades dos professores e alunos, a formação continuada funciona como transformação qualitativa, isto é, como experiência de desenvolvimento qualitativo que possui saberes a acrescentar para a práxis docente, pois o professor pode então revisar os conhecimentos e refletir sobre a prática educativa (LIMA; AGUIAR, 2016). Outro fator relevante é que por meio da formação continuada o professor pode manter-se atualizado em relação à sociedade, que está em constante transformação. Portanto, a busca pelas potencialidades advindas da formação de professores é um desafio, tendo em vista que se caracteriza como processo em que é necessária a integração entre formação inicial e continuada, mesmo que estejam temporalmente organizadas em períodos distintos na vida do educador (PACHECO; FLORES, 1999).
Para além, é necessário compreender as possibilidades que a formação continuada apresenta para o professor, principalmente de ensino superior, quando relacionada aos aspectos didático-pedagógicos. Seu principal objetivo é transformar qualitativamente a formação profissional, visando a aquisição de conhecimentos efetivos para a prática docente, visto que aborda reflexões quanto aos processos de construção de conhecimento, socialização de experiência e as dimensões didáticas que caracterizam o processo de ensino e aprendizagem.
Neste sentido, se faz relevante discutir a definição de didática, a qual desde a Grécia Antiga apresenta significado de ação de ensinar repassada dos mais velhos para os mais jovens, sendo sua tarefa
compreender o funcionamento do ensino em situação, suas funções sociais, suas implicações estruturais; realizar uma ação autorreflexiva como componente do fenômeno que estuda, porque é parte integrante da trama do ensinar; pôr-se em relação e diálogo com outros campos de conhecimentos construídos e em construção, numa perspectiva multi e interdisciplinar, porque o ensino não se resolve com um único olhar; proceder a constantes balanços críticos do conhecimento produzido no seu campo (as técnicas, os métodos, as teorias), para dele se apropriar, e criar novos diante das novas necessidades que as situações de ensinar produzem. […] ajuda a criar respostas novas, assumindo um caráter ao mesmo tempo explicativo e projetivo, e crenças sobre a natureza do fenômeno, suas causas, suas consequências e remédios.
(PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 49)
É possível compreender então a didática em seus aspectos metodológicos, investigativos e sociais, sendo o objetivo planejar e organizar o processo de ensino visando a emancipação dos sujeitos e a sua inclusão social. Nesta perspectiva, é relevante ponderar que ao longo do tempo a didática manteve sua importância no processo educativo, principalmente quando relacionada a ambientes que produzem e socializam o conhecimento.
A trajetória da didática permitiu que esta fosse institucionalizada como uma disciplina do ensino superior nos cursos de formação de professores, e sua evolução perpassa por propostas, contrapropostas e movimentos que oscilam entre metodologias focadas nos alunos ou nos professores, bem como nos conceitos ou práticas e nos processos e conteúdos. É possível afirmar que atualmente o centro do processo didático se encontra na valorização do aluno, bem como a relação dos seus conhecimentos com a aprendizagem e o saber (ALARCÃO, 2020).
Neste sentido, observa-se que o desenvolvimento da didática proporcionou reflexões acerca da integração de novos recursos no meio educativo, tais como os componentes tecnológicos, o que acarretou ainda mais a constante necessidade de atualização docente – afinal, não faz mais sentido a utilização de procedimentos que se centralizam na repetição de informações e memorização, os quais não consideram a subjetividade dos alunos. Deste modo, o conhecimento acerca da didática deve considerar a utilização de métodos de ensino ativo, de modo a contemplar o processo, o aluno, suas características e necessidades. Como um exemplo de integração de novos recursos no meio educativo, pode-se considerar as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).
As TDIC vêm sendo discutidas e avaliadas pois podem potencializar a comunicação entre professores e alunos, bem como a busca por materiais atualizados e a pesquisa em fontes digitais, e disseminar conhecimentos e conteúdos além das barreiras físicas. São ferramentas a serviço do processo de ensinar e aprender. Permanecem “velhas” questões que nos acompanham atualmente, pois, ainda que tenhamos novos dispositivos como as TDIC, são apenas instrumentos e não inauguram um conceito de ensinar e aprender. Neste sentido, os equipamentos devem funcionar a serviço dos processos e não o contrário, em que os processos dependem das ferramentas. Não adianta apresentar instrumentos se o professor não compreender a finalidade de seu uso no processo educativo. Portanto, é pertinente que a formação continuada relacionada aos aspectos didático-pedagógicos seja compreendida como um movimento constante, que não se restringe a cursos específicos e de realização obrigatória imposta pelas instituições de ensino superior.
Para Alarcão (2020), especialistas de outras áreas têm cada vez mais se interessado em estudar os campos da educação, afinal, para a autora, a didática envolve ensino, aprendizagem, formação, contextos institucionais, formação de profissionais, supervisão e avaliação, elementos estes que nos apresentam a possibilidade de refletirmos e reorganizarmos, quando necessário, o processo educativo, em especial o de docentes do ensino superior. Essa temática será abordada no próximo item.
2.1 A formação do docente do ensino superior
A princípio, é necessário compreender a legislação que rege as atribuições do docente de ensino superior. A Lei nº 12.772/2012, em seu artigo 2º, delimita que os cargos pertinentes ao ensino superior são os que estão relacionados à tríade que envolve o ensino, a pesquisa e a extensão. Ademais, o parágrafo primeiro do mesmo artigo aponta que a carreira de docência neste nível de ensino é destinada a “profissionais habilitados em atividades acadêmicas próprias do pessoal docente no âmbito da educação superior” (BRASIL, 2012).
Assim sendo, se faz relevante compreender a trilogia do ensino superior. O ensino está relacionado à atuação docente em sala de aula, na produção e transmissão de conhecimento e no processo de ensino e aprendizagem para a formação de futuros profissionais, associando-se aos objetivos da carreira docente. A pesquisa é fomentada com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento científico e tecnológico das diferentes áreas de formação, além de ofertar significativas contribuições sociais. Já a extensão possibilita que as realidades ensinadas em sala de aula possam ser vividas e experimentadas no cotidiano da sociedade, através de projetos extracurriculares.
Especificamente na formação de professores tem-se, por exemplo, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência e a Residência Pedagógica, que visam, entre outros objetivos, a promoção da potencialização da qualidade de ensino e de aprendizagem nos processos de formação inicial e continuada de docentes da educação básica e do ensino superior (EMMEL; KRUL, 2017). Assim sendo, a relação entre pesquisa, ensino e extensão é de extrema relevância para o desenvolvimento da interdisciplinaridade, da construção de conhecimentos e para a relação teoria e prática, em busca da práxis docente.
Considerando este cenário, é significativo compreender o processo histórico que caracteriza a formação de professores do ensino superior. Historicamente, a formação de professores universitários realizava-se através do autodidatismo, sem nenhuma exigência de agentes externos à formação. Quanto maior o nível de ensino em que o professor atuava, menor era a exigência do grau de formação pedagógica. Com o passar dos anos, os processos de formação docente passaram a ser ofertados pelas instituições de ensino superior.
Equivocadamente, parece haver aceitação de que a docência no ensino superior não requer formação no campo pedagógico, e seria suficiente o domínio de conteúdos específicos da prática profissional, afinal, na teoria, os professores precisam dominar o conteúdo e deter experiência na área específica, pois, de acordo com um ditado popular, “quem sabe faz” e “quem não sabe ensina”.
Geralmente, nos processos de contratação dos profissionais nas instituições públicas e privadas, embora cada instituição de ensino superior apresente uma forma específica quanto à realização do processo seletivo ou concurso público, é comum que se priorize o conhecimento específico da área em que o professor atuará. Deste modo, faz-se relevante compreender que a docência universitária foi fortemente influenciada pelas ciências modernas, da natureza e exatas, que apresentavam condição definidora dos conteúdos considerados valiosos. Por conseguinte, seus conteúdos específicos assumiram maior importância do que os conhecimentos pedagógicos, tais como a didática, na formação de professores (CUNHA, 2004).
No ensino superior, geralmente não ocorrem questionamentos quanto à forma como o docente organiza a relação pedagógica com os alunos no processo de formação profissional. Os saberes pertencentes ao campo da didática são frequentemente deixados em segundo plano, pois se confere maior visibilidade aos saberes específicos da área de conhecimento de atuação do professor de ensino superior. Neste cenário, sabe-se que factualmente a formação específica para a docência era considerada dispensável e não era registrada preocupação com a caracterização pedagógica do conhecimento, pois a sua valorização aconteceu tardiamente.
Tal constatação é contraposição do que é exposto no Plano Nacional de Graduação, o qual requer que o perfil docente no ensino superior apresente:
Formação científica na área de conhecimento; pós-graduação scricto sensu preferentemente, no nível de doutorado; domínio do complexo processo histórico de constituição de sua área; ampla e crítica compreensão dos métodos que produziram o conhecimento acumulado; e competência pedagógica.
(FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE GRADUAÇÃO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS, 2004, p. 4)
Nesta perspectiva, para Veiga (2014), embora os programas de pós-graduação apresentem competências e habilidades didático-pedagógicas, o aprimoramento do processo de formação continuada destes conhecimentos é de responsabilidade do indivíduo, na busca constante de emancipação e formação integral profissional.
Diante de inúmeras incumbências, a didática evidencia então sua importância perante o processo de ensinar e aprender, pois fornece elementos que, relacionados, permitem compreender a complexidade da trajetória educativa e os desdobramentos para o desenvolvimento humano e para a formação profissional. Isto posto, para Libâneo (1990, p. 26), a didática tem por finalidade
converter objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. […] trata da teoria geral do ensino.
Assim, o autor ressalta o valor da didática nas contribuições ao desenvolvimento de habilidade crítica dos educadores em formação, de modo que possam investigar de maneira esclarecedora a realidade do contexto educativo. Libâneo (1990) ainda adverte que a didática verifica as categorias e metodologias que se consolidam no ensino e, paralelamente, investiga os aspectos reais provindos da sociedade, tais como vertentes culturais, sociais, políticas e psicossociais, as quais são condicionantes das relações entre a aprendizagem e a docência.
Por meio das reflexões referidas e considerando a herança cultural, a qual tematiza que o campo pedagógico se caracterizava exclusivamente feminino, o conjunto de saberes específicos (extrínsecos) e o de saberes pedagógicos (intrínsecos) pouco dialogavam nas estruturas do conjunto de conhecimentos necessários para que se garantisse sentido e significado no processo de ensino e aprendizagem. Cunha (2004, p. 528) conclui que
tudo indica que […] a carreira universitária se estabelece na perspectiva de que a formação do professor requer esforços apenas na dimensão científica do docente, materializada pela pós-graduação strictu-sensu [sic], nos níveis de mestrado e doutorado. Explicita um valor revelador de que, para ser professor universitário, o importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade e das formas acadêmicas de sua produção.
Neste contexto, por meio da análise da relação entre a formação do professor de ensino superior e a prática de ensino, percebe-se que geralmente existe uma tendência de que os docentes organizem as aulas por meio da reprodução de processos e metodologias aplicados durante a sua própria formação inicial, isto é, repetições, que acabam por colocar o estudante em uma posição de receptor das informações. Em alguns casos, é possível afirmar que se trata de uma ação inconsciente do professor em questão.
A prática de ensino não deve ser constituída por transmissão de conhecimento, mas necessita fazer sentido e apresentar significado para quem aprende e para quem ensina. Cunha (2004) explicita que as dificuldades dos professores estão relacionadas aos saberes pedagógicos, que até então eram considerados desprestigiados, pois não quantificam produtos finais. Portanto, os desafios dos docentes de ensino superior estão relacionados, entre tantas necessidades, com a forma como organizarão a ação de ensinar para que os alunos possam compreender o que está sendo ensinado e, assim, aproximar-se de uma atuação mais satisfatória, relacionada aos objetivos específicos e pedagógicos da profissão.
Nesta circunstância, o ingresso do docente na universidade exige reflexões acerca da qualificação profissional e conhecimento na área de atuação. Ressalta-se neste universo a lógica da produtividade introduzida na atuação profissional do professor de ensino superior, o que leva estes sujeitos a serem dependentes das pontuações de trabalhos apresentados em congressos e, principalmente, pela exigência de publicação (e aceitação) em periódicos bem avaliados. Essas são ações vinculadas ao processo de avaliação do docente (que impactam a remuneração) e relacionadas aos programas de financiamento (sendo projetos de ensino, pesquisa ou extensão que disponibilizam bolsa-auxílio aos estudantes de graduação e algumas vezes também ao professor do ensino superior) (BEHRENS, 2011).
Alguns equívocos que devem ser superados costumam pairar sobre a prática docente, pois não é raro nos depararmos com argumentos que tendem a transferir erroneamente o pressuposto de que o professor “nasce pronto”, como se a docência fosse um aspecto biológico e genético. Outro ponto a se considerar é o conceito de que para ser professor é necessário, primeiramente, ser um bom profissional especialista da área, acompanhando a rasa compreensão na qual se acredita que para ensinar basta dominar os conteúdos específicos da disciplina, e não necessariamente saber ensinar.
É preciso compreender que é necessário equilíbrio entre o conhecimento da especificidade do que será ensinado e os saberes do campo da didática, os quais possibilitam a compreensão do processo de ensinar e de aprender. Libâneo (2015) defende a inseparabilidade entre os conhecimentos ditos específicos das disciplinas e os saberes pedagógicos, e para isso se faz necessário que no processo educativo se busque uma integração de associações teóricas e práticas mais adequadas, considerando a primordial necessidade de ligação entre os aspectos da didática e os conhecimentos das disciplinas. Neste sentido, para o autor, há necessidade de mudança na organização curricular dos cursos de formação inicial, de modo a assegurar que os graduandos apresentem domínio dos saberes que envolvem o processo educativo, para que estes últimos consigam assumir o importante papel na formação integral dos futuros alunos, em busca da reflexão crítica da realidade.
É relevante também refletir a propósito da necessidade de investimento na capacitação profissional relacionada à formação continuada do docente. Assim sendo, programas que tratem da formação continuada para professores se mostram relevantes; afinal, nestes ambientes os profissionais podem dispor de um espaço de diálogo e discussão acerca de ações que possibilitam que reflitam conscientemente sobre as experiências de ensino, podendo ainda se caracterizar como um ambiente que objetiva sanar dúvidas quanto à prática pedagógica e, deste modo, possibilita ponderações acerca dos mecanismos que configuram o processo de ensino e de aprendizagem.
Os envolvidos no processo de ensinar e aprender precisam atuar como “corpos conscientes” e que retratam “consciência institucionalizada no mundo”. Afinal, “a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir ‘conhecimentos’ e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação ‘bancária’, mas um ato cognoscente” (FREIRE, 1987, p. 68). Nesta lógica, é necessária a problematização dos homens em suas relações com o mundo.
Para Freire (1987), na concepção tradicional o professor é um agente indiscutível, que apresenta total domínio dos saberes, e visa preencher a cabeça do estudante com os conteúdos que devem ser ensinados. Funciona como se o processo de ensinar e aprender se baseasse em verdadeiros depósitos, em que o educador seria o total responsável pela aprendizagem e o depositante de conhecimentos, constatações e verdades, e o aluno seria um sujeito passivo, o qual não possui saberes, experiências ou individualidades, que absorve e internaliza os depósitos. Esta concepção estimula a formação de indivíduos ingênuos, acríticos, oprimidos e satisfeitos com os interesses das classes opressoras, e a proposta de avaliação é uma ferramenta que qualifica o que foi depositado.
Diante da negativa quanto ao paradigma tradicional, Freire (1987) propõe então a educação problematizadora, que considera a bagagem histórico-cultural do aluno, bem como sua essência, que visa impulsionar o educando a realizar questionamentos, de modo a poder compreender a realidade de maneira emancipada, visando a formação do aluno crítico, reflexivo e autônomo. Baseado no diálogo, o autor defende que, ao investigar a realidade, o homem reflete sobre sua práxis, e neste sentido se fazem imprescindíveis ponderações acerca do contexto de mundo em que o sujeito está inserido.
Ainda para Freire (1987), o diálogo sempre é compreendido como uma trajetória ou um caminho, em que os indivíduos se conscientizam das suas próprias ações com os outros, com a cultura ou com a natureza. Isto posto, o diálogo é uma potencialidade que o ser humano apresenta ao existir. A dialogicidade é o elemento-base e sustenta a teoria pedagógica freiriana, principalmente quando considera o aluno como parte do processo educativo e como sujeito com individualidades e particularidades.
Para Morais (1986), no ato de ensinar é necessário que o docente se exponha para os alunos, com o propósito de contribuir para que o discente possa descobrir a ciência por meio do caminho do raciocínio e do discernimento, para que o processo de aprendizagem seja inesquecível, positivo e assinalado por potencialidades. Logo, o papel do professor é esclarecer o choque de ideias, bem como estimular momentos de embates entre dualidades, tais como informação, conhecimento e alienação, consciência política e social.
O processo de ensino e aprendizagem é compreendido de forma potencial, pois os objetivos do professor exprimem relação com a realidade do educando. Desta forma, a metodologia passa a ser coletiva, pois aluno e professor juntos aprendem e ensinam, dadas as possíveis contribuições individuais. Neste cenário, é possível analisar que há necessidade de revisar o conjunto de percepções pedagógicas, para que assim seja possível discorrer acerca de uma representação que ressignifique a conexão entre discente e docente, de modo que se torne um instrumento eficaz no processo educativo. É a transformação da metodologia que propicia melhores resultados para todos os envolvidos no processo.
O aluno neste contexto se reconhece como pessoa autônoma e atuante no âmbito escolar e pode apresentar mais confiança e satisfação ao estar na presença do professor, pois conta com a figura do docente mediador e motivador, que contribui para a sua formação integral. Já a avaliação passa a ser concebida como integrante do processo de ensino e aprendizagem, como uma ferramenta que orienta o trabalho do professor na trajetória educativa e um referencial para sabermos os avanços, as limitações e possibilidades da práxis docente. Morais (1986, p. 10) confirma este conceito ao apontar que “só há ensino quando há companheirismo entre educador e educando, pois o que caracteriza o ensinar é a ultrapassagem da coexistência para a convivência”.
É desta maneira que a formação pedagógica se faz necessária para o professor do ensino superior, pois além da especificidade, os conhecimentos da didática são imprescindíveis para a atuação profissional. Para Anastasiou (2002), ensinar e aprender são ações relacionadas, pois o ensino estimula a ação de aprender, e o verbo “ensinar” apresenta aplicação intencional sobre a aprendizagem, mas que nem sempre será seguida da obtenção do objetivo.
Neste aspecto, a aula é estruturada como momento de superação, e é um espaço privilegiado de encontro de ações, que deve ser construído pela ação conjunta de alunos e professores, sem hierarquia, num processo contínuo em que há uma linha tênue, em que ambos aprendem e ambos ensinam. Assim, cabe ressaltar a definição apresentada por Pimenta e Anastasiou (2014, p. 208) quando retratam as atividades dos docentes e discentes no processo educativo, em que “o ensino é atividade do professor e do aluno, acentuado na atividade do primeiro e a aprendizagem como atividade do professor e do aluno, acentuada na atividade do segundo”.
Deste modo, é necessário que a ação docente busque constantemente a prática interdisciplinar, que objetive a relação de saberes e a busca pela inovação. Para Pimenta e Anastasiou (2014), para se alcançar a interdisciplinaridade é preciso ir além do “o que ensinar”, acrescentando o “como ensinar” e o aprender a “pensar”, elementos que se relacionam e acontecem simultaneamente, organizando assim o diálogo com outros campos de conhecimento.
A ideia central é que a ação docente privilegie práticas interdisciplinares, que priorizam a ação humana e o contexto em que essa ação se materializa. Para corroborar a argumentação, Behrens (2009) assegura que é inadequada a fragmentação educativa, o que acarreta cada vez menos interdisciplinaridade e relações de equilíbrio entre o aluno e o professor, enfraquecendo o processo de ensino e aprendizagem.
Em síntese, o ensino apresenta como atribuição o aperfeiçoamento da competência de reflexão e de obtenção de elementos indispensáveis para a atuação profissional, e, deste modo, a ação de ensinar não se limita à exposição de conteúdo, mas abrange o resultado bem-sucedido daquilo que se pretende realizar. Nesta perspectiva, é necessário superar a visão da aula como momento de transmissão, pois deve ser estabelecida pela atuação síncrona entre os discentes e docentes (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
Por fim, se faz relevante compreender a relação entre a prática e a teoria, para que a aprendizagem docente não se perca diante da realidade educativa e, com isso, seja possível estreitar laços entre o saber e o fazer.
2.2 Aproximação entre o saber e o fazer: a práxis docente
A origem da docência é caracterizada pelo processo de transição da condição de aluno para futuro professor nos primeiros anos de atuação, seja na prática profissional legal ou na fase de graduação que inclui estágios obrigatórios e projetos de ensino, pesquisa e extensão. É neste momento que o sujeito construirá e refletirá sobre seu desenvolvimento pessoal e profissional, assim dizendo, da sua prática docente.
Para Freire (1987), teoria e prática são fatos inseparáveis, pois através de sua relação constituem a práxis pedagógica, a qual permite aos envolvidos no processo de ensinar e aprender refletir sobre a ação, e, desta forma, acarreta a definição de que a educação para a liberdade e a práxis docente, juntas, possibilitam que os indivíduos transformem o mundo, pois sem elas não ocorre a superação da oposição entre oprimido e opressor. Em vista disso, o processo pedagógico da práxis, além de produzir conhecimento, orienta o professor e o aluno para a transformação perdurável e a aquisição da função de pesquisadores que se baseiam numa educação que investiga, transforma e ensina.
Para Freire (1987, p. 25), a práxis “é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos”, isto é, a ação potencializadora para transformar provinda da práxis vai decorrer da compreensão entre interpretação da realidade e da vida, bem como da prática que decorre desta percepção. Portanto, a práxis é um conhecimento libertador e humanista, que também é a pedagogia dos homens que lutam por liberdade, e assim se fundamenta como a causa da consciência oprimida (FREIRE, 1987). Neste âmbito, é no campo educativo que serão promovidas reflexões acerca dos valores e das ações pertinentes à prática docente, que possibilitarão ao professor relacionar a teoria tão almejada em sala de aula com a realidade da prática que, no que lhe concerne, só é possível alcançar se for sustentada por uma teoria.
Nesta perspectiva, para que o processo de ensino e aprendizagem seja aperfeiçoado ao longo da atuação docente, o professor necessita superar as raízes da formação inicial, buscando possibilidades e conhecimentos e desenvolvendo novos processos de mediação, que só são elaborados a partir das necessidades da prática e não devem ser realizados apenas como elemento de obrigatória adaptação. Além disso, os docentes precisam investigar uma forma de resolução para as questões e os dilemas provindos da prática, e também aqueles que derivam da teoria ensinada nas instituições de ensino superior.
O processo de tomada de consciência do educador propõe identificar e refletir sobre as estruturas que concretizam sua ação na relação pedagógica. A perspectiva de potencializar a formação docente para atingir uma educação que cumpra seu propósito de cidadania só é possível quando o professor tem consciência dos seus atos, pois nenhum indivíduo é autônomo antes de ocorrer a decisão; afinal, a autonomia faz parte de um processo que não ocorre em momento pré-definido. O indivíduo se torna autônomo por meio da sua intervenção, consciente das consequências, e através da capacidade de compreensão da amplitude da ação para si mesmo e para os outros, que visa ponderar pela reciprocidade. É neste sentido que um conhecimento considerado autônomo deve estar ordenado em experimentações que incentivem determinação e seriedade, considerando também momentos de livre-arbítrio (FREIRE, 1996).
Sendo assim, é pertinente apresentar reflexões acerca da tomada de consciência, que não se restringe meramente a um processo de iluminação, pois se configura como um princípio dinâmico em ação constante. Logo, é fundamental que o professor compreenda a definição, para que assim seja possível contemplar integralmente o processo educativo, o que permitirá ao profissional melhor intervir e orientar adequadamente, de modo a atingir os objetivos da ensinagem. Deste modo, Piaget (1977, p. 126) define em resumo que a tomada de consciência é “uma reconstituição conceitual do que tem feito a ação”.
A tomada de consciência, assim como o tornar-se professor, é um processo sucessivo e provisório e, portanto, exige construção das relações entre sujeito e objeto, entre professor, aluno e conhecimento, para possibilitar que na relação pedagógica todos compreendam os mecanismos de sua ação e os respectivos desdobramentos para si e para o outro. Neste sentido, para Freire (1980) há ainda apontamentos quanto aos limites e fronteiras entre o ser e o não ser, pois quando se atinge essa reflexão é que o indivíduo inicia a atuação de forma reflexiva e emancipada, visando conquistar o que ainda não havia sido experimentado.
A docência se exibe como um processo que se constrói de maneira constante, aliando o espaço da prática com a reflexão teorizada, relacionando-se assim com a tomada de consciência, visto que é por meio desta que o método de ensino e aprendizagem se legitimará, pois será caracterizado por fatores tais quais a superação das práticas tradicionais, revisão dos pressupostos relacionados à visão de mundo, cultura e sociedade relacionado com o processo de reprodução de conhecimento.
À medida que professor e aluno compreendem os mecanismos de funcionamento de suas ações, podem elaborar níveis mais complexos de apropriação e de compreensão da relação pedagógica, dos conhecimentos aprendidos e inseridos no contexto de sua produção. Neste sentido, a formação continuada contribui para a prática profissional docente e também do futuro professor, de modo a possibilitar condições para alcançar o aprimoramento do processo de ensinar e aprender.
3 Considerações finais
A atuação docente no ensino superior pressupõe um processo contínuo e constante procura por formação pedagógica específica que não é ensinada nos conteúdos da especificidade da área de estudo de cada professor. Cabe ressaltar que o processo de formação precisa garantir ao sujeito a leitura do mundo, da sociedade, da ação do profissional que se pretende formar e atuar na qualificação do mundo do trabalho.
Tornam-se imprescindíveis para a intervenção docente os conhecimentos do campo da didática, pois permitirão ao educador atuar de modo a garantir os objetivos do processo educativo, tendo como finalidade maior o desenvolvimento social. Portanto, os desafios dos docentes do ensino superior estão relacionados com a forma como organizarão a ação de lecionar para que os alunos possam compreender o que está sendo ensinado. Desta maneira, é possível possibilitar ao futuro professor que se aproxime de uma atuação alinhada aos objetivos específicos e pedagógicos da profissão, além de atenuar a distância na relação aluno-professor, superando a hierarquia na relação entre educador e educando.
Sendo assim, é pertinente refletir que os conhecimentos específicos da área de atuação do docente não devem ser negados e são importantes para o desenvolvimento da disciplina ministrada, sendo preciso compreender a necessidade de equilíbrio entre o conhecimento da especificidade do que será ensinado e os saberes do campo da didática. Caso o docente não tenha estudado a respeito dos conhecimentos pedagógicos durante a formação inicial, nada impede que o indivíduo procure capacitação na formação continuada, de modo a adquirir conhecimentos que vão além dos conteúdos da especificidade da área, permitindo-lhe conhecer a didática e suas contribuições para a docência no ensino superior.
É neste sentido que o processo de tomada de consciência, que se configura como um elemento de ação constante na atuação profissional, objetiva que o professor identifique e reflita sobre os mecanismos que concretizam sua ação na relação pedagógica, bem como as fragilidades apresentadas na atuação profissional. Deste modo, a perspectiva de potencialização da formação profissional para alcançar uma educação que cumpra seu propósito de cidadania só é possível quando discentes e docentes apresentam consciência acerca dos seus atos, e quando à medida que vivem o processo de ensino também compreendem os mecanismos de produção do conhecimento social e as implicações deste para sua atuação profissional.
Neste cenário, ao considerar as transformações tecnológicas ocorridas no mundo e que se encaixam na contemporaneidade da didática, além da necessidade de busca por formação continuada relacionada aos conhecimentos pedagógicos, se faz relevante que o professor tome posse também da utilização de métodos de ensino ativo, pois as TDIC ampliam universos de pesquisa e materiais, bem como a comunicação entre pares, e podem transformar o processo educativo em uma trajetória mais dinâmica, de modo a potencializar a aprendizagem dos alunos e romper com métodos pedagógicos tecnicistas.
Para concluir, o atual desafio da carreira dos docentes de ensino superior está pautado no investimento na formação continuada relacionada ao campo pedagógico e, deste modo, é primordial assumir e compreender a importância dos conhecimentos provenientes da didática. Este processo poderá proporcionar aos educadores oportunidades de pesquisas, estudos e reflexões sobre a sua própria ação, possibilitando a tomada de consciência do fazer pedagógico. Sendo assim, caberá ao professor a realização desta ponderação de modo a atuar em uma docência cada vez mais comprometida com o processo de formação dos futuros profissionais e, portanto, de uma sociedade mais livre, autônoma e evoluída.