1 Introdução
Este artigo é um recorte das pesquisas desenvolvidas em um curso de Mestrado em Educação, que tem como objetivo estudar as produções científicas sobre Inclusão de Estudantes com Deficiência Visual no Ensino Superior, analisando dissertações, teses e artigos científicos disponibilizados em bibliotecas digitais, portais de periódicos, revistas da área da Educação Especial, e dois Grupos de Trabalho (GT’s) da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). A escolha destas fontes de dados se deve ao fato de as bibliotecas digitais e os portais de periódicos reunirem um maior número de trabalhos; as revistas da área de Educação Especial possuírem artigos voltados exclusivamente para a educação especial; e as publicações dos GT’s da ANPEd trazerem pesquisas voltadas para o Ensino Superior e Educação Especial, sendo a ANPEd referência nacional na pós-graduação e pesquisa em educação. Assim, as fontes escolhidas trazem maior direcionamento, bem como são boas referências nas áreas pesquisadas. Fizemos esse balanço de produção porque a pesquisa realizada por Almeida, Leite e Lacerda (2015) apontou, a partir dos dados do Censo da Educação Superior entre 2000 e 2012, que a maioria dos estudantes com deficiência nesse nível de ensino eram estudantes com deficiência visual. Deste modo, almejávamos descobrir como estava o campo da pesquisa nesse tema.
Entendemos que conhecer as produções científicas nos permite entender uma das faces do posicionamento da educação sobre um tema de estudo, nos mostrando a realidade pesquisada. Deste modo, para conhecer como a Inclusão de Estudantes com Deficiência Visual no Ensino Superior tem se desenvolvido, o balanço de produção pode apontar o desenrolar de um dos âmbitos desse processo.
Nesta pesquisa, nos embasamos no Materialismo Histórico de Marx e Engels, no qual o ser social é extremamente importante para o entendimento de seus conceitos, já que se trata de uma teoria revolucionária em que os sujeitos podem ser ativos e têm a possibilidade de modificar a história ( NETTO, 2011; MARX, 2013). Portanto, aqui nos propomos a estabelecer discussões que mostrem os mecanismos utilizados pelo capital no processo de inclusão de estudantes com deficiência visual no ensino superior, a partir dos dados dos artigos e trabalhos de pós-graduação pesquisados. Nos propomos a entender como a inclusão desses estudantes vem ocorrendo, a partir das pesquisas desenvolvidas dentro dos limites da sociedade capitalista.
1.1 Acesso ao Ensino Superior por Estudantes com Deficiência Visual e o Materialismo Histórico
O Brasil passa a ter cursos universitários a partir do início do século XIX, ainda no período imperial. Já a primeira instituição voltada para a educação de pessoas com deficiência no Brasil foi o Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto Benjamin Constant, criado em 1854, também durante o Império, contudo, era uma escola especializada apenas em estudantes com cegueira.
No decorrer do século XX, tanto o Ensino Superior, como a educação das pessoas com deficiência se desenvolveram, a fim de ampliar o seu acesso ao ensino. Em 1990, inicia-se no Brasil o movimento pela inclusão de estudantes com deficiência na educação regular, surgindo inclusive legislações a respeito como a atual Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação por exemplo. Contudo, alguns sujeitos com deficiência já passaram pelo Ensino Superior bem antes desses ordenamentos legais, por exemplo, o primeiro cego que concluiu esse nível de ensino foi Edison Ribeiro Lemos, em 1956 ( ESTEVÃO, 2005; SELAU; DAMIANI, 2014).
Com efeito, notamos que os dados de matrícula de estudantes público-alvo da educação especial no Ensino Superior, apresentados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) entre 2009 e 2015, mostram um aumento de quase 90% (INEP, 2010, 2018), resultado das discussões dos movimentos educacionais e das políticas e legislações criadas no fim do século XX e início do século XXI. O que indica que essa população tem buscado o acesso aos níveis superiores de formação acadêmico-profissional. Partindo do Materialismo Histórico como fundamentação teórica, analisamos a inclusão de estudantes com deficiência visual no Ensino Superior inserido na sociedade capitalista, discutindo suas contradições e buscando contribuir para melhorar esse processo inclusivo, mostrando a realidade do tema pesquisado, tentando entender como a classe burguesa exerce domínio sobre os indivíduos por meio da educação. Cabral (2017) e Williams (1992) sustentam que o domínio da burguesia não se restringe ao capital que possui, mas também à cultura que detém – que define o modo de vida dos sujeitos que sofrem sua influência –, pela dominação ideológica introduzida nas pessoas. Sendo a universidade um dos principais lócus da cultura, nela será desenvolvido esse domínio. Segundo Santos, Meletti e Cabral (2017), “Na perspectiva do materialismo cultural, apresentada por Raymond Williams, a análise crítica deve estabelecer relações com os meios em que as pesquisas ocorrem, considerando o contexto em que o estudo foi produzido” ( SANTOS; MELETTI; CABRAL, 2017, p. 472).
O Marxismo adota um ponto de vista da totalidade para explicar a história ( MARX; ENGELS, 2010), o estudo de produções científicas sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual é um dos recursos para entender a totalidade desse fenômeno, pois buscam retratar a realidade desse processo e delimitam o campo de estudo. A análise que o materialismo histórico faz da sociedade burguesa aponta que às massas se dá a educação mínima possível para atender aos interesses do capital, portanto, o Ensino Superior seria um nível mais direcionado aos jovens oriundos das classes mais abastadas. No atual momento, vivemos no país o avanço de medidas consideradas ultraneoliberais, como afirma Moreira e Oliveira (2020):
A ascensão da extrema direita, decorrente das eleições de 2018, tem significado a implementação de uma agenda econômica ultraneoliberal por parte do governo federal, de modo a descontruir os pilares da Constituição Federal (CF) de 1988, chamada de “constituição cidadã” no ato de sua promulgação
Igualmente, vemos numa fala do presidente durante os anos de 2018 a 2022, Jair Bolsonaro, que, antes mesmo de ser diplomado, afirmou em entrevista que “essa tara por diploma de ensino superior não pode existir” ( EXAME, 2018).
Vigotsky (1997, p. 295) afirma que a “própria cegueira” não é uma influência no desenvolvimento e educação de crianças cegas, mas sim as “consequências sociais da cegueira”. Assim, o modo pelo qual a sociedade se relaciona com a pessoa cega traz impacto em seu desenvolvimento. Além disso, de acordo com os dados do último Censo Demográfico, a maioria dos sujeitos com deficiência eram pessoas com deficiência visual, representando 18,6% ( IBGE, 2011). Portanto, é extremamente relevante desenvolver pesquisas que apontem como estes estão sendo incluídos na Educação Superior.
2 Método
No desenvolvimento da pesquisa, buscamos artigos científicos publicados em periódicos que têm avaliação por pares, bem como teses e dissertações de programas de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Não delimitamos nenhum período de tempo para a busca, pois imaginávamos que poderia haver poucos estudos no tema, portanto, restringir o espaço temporal de coleta não seria pertinente.
Para desenvolver a pesquisa dos artigos, delimitamos as fontes de busca, que foram: Portal de Periódicos da CAPES; Portal da SciELO; Site do GT 11 da ANPEd, que trata sobre As Políticas da Educação Superior; Site do GT 15 da ANPEd, que trata sobre a Educação Especial; Anais da ANPEd dentro dos dois GT’s; Revista Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria; e Revista Brasileira de Educação Especial, que é vinculada à Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial – ABPEE. A escolha das fontes se deu devido ao caráter científico de suas publicações e a sua interrelação com publicações sobre Educação Especial.
No Portal de Periódicos da CAPES da SciELO e na Revista Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria, utilizamos os mesmos termos descritores para as buscas, que foram: deficiência, cego, cega, cegueira, baixa visão, visão subnormal, tátil, braille e audiodescrição. Na Revista Brasileira de Educação Especial, nos GT’s 11 e 15 da ANPEd e nos anais da ANPEd, tivemos que fazer a leitura dos títulos e resumos de todos os trabalhos. Para identificar nas seis fontes o pertencimento ou não ao tema, líamos o título, resumo e outras partes dos textos. Após essa triagem inicial, desenvolvíamos a leitura integral dos textos, para confirmar o pertencimento ou não ao tema estudado.
No total, encontramos 263 artigos, dentre estes, excluindo aqueles se repetiam naquela fonte de dados, ficaram 171, os que estavam dentro do tema eram 28 e, excluindo as repetições entre as fontes de dados, obtivemos 16 artigos. Portanto, percebemos que poucos artigos foram publicados sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual no ensino superior, o que aponta uma lacuna neste campo de pesquisa, haja vista a grande presença destes estudantes neste tipo de ensino. Tendo em vista que a produção da academia advém das práticas sociais e da realidade educacional, a solidificação do campo educacional ocorre a partir do acúmulo de conhecimentos produzidos pelas pesquisas ( BUENO; OLIVEIRA, 2013). Todavia, o campo educacional objeto deste estudo possivelmente encontra-se ainda em processo de solidificação, devido à escassez de artigos encontrados.
Decidimos buscar trabalhos de mestrado e doutorado em nosso tema de estudo para complementar a pesquisa. Para tal, elegemos a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) como fonte de pesquisa. Nas buscas, utilizamos os nove termos relacionados à deficiência visual citados anteriormente, depois fazíamos a leitura dos títulos e dos resumos dos trabalhos que apresentassem título correlacionado à Inclusão de Estudantes com Deficiência Visual no Ensino Superior e, havendo dúvidas, líamos outras partes que pudessem indicar o pertencimento ou não ao tema; por fim, fazíamos a leitura integral dos textos, a fim de confirmar se se enquadravam nos critérios ou não. Deste modo, o número total de estudos encontrados foi 44, sendo 16 artigos, seis teses e 22 dissertações.
O critério de inclusão foi tratar exclusivamente sobre inserção de estudantes com deficiência visual, e apenas no ensino superior. Não importava se era pesquisa de campo ou balanço de produção ou pesquisa exploratória. Do mesmo modo, os sujeitos participantes não precisavam ser exclusivamente estudantes com deficiência visual, poderiam ser seus colegas, professores, familiares, tutores ou coordenadores. Foram excluídas pesquisas que tratavam de estudantes com outras deficiências ou que tratassem de outros níveis de ensino que não fosse o superior.
3 Resultados e discussão
Encontramos diversas informações sobre o tema pesquisado e as apresentamos na sequência, classificando-as em categorias de acordo com o que conseguimos identificar nos dados das pesquisas.
3.1 Tempo e Espaço
Os artigos, teses e dissertações foram publicados entre 2005 e 2019, o que nos indica que somente nas duas últimas décadas conhecer os processos inclusivos de estudantes com deficiência visual no Ensino Superior se mostrou mais relevante. Quanto aos artigos, foram publicados em 10 periódicos diferentes, além de um que foi publicado nos Anais da ANPEd, ligado ao GT 15. As produções apontam para um maior número de publicações em revistas relacionadas à educação especial. Entretanto, segundo Estevão (2005), desde 1956 estudantes com deficiência visual têm concluído o Ensino Superior e, conforme Martins, Leite e Lacerda (2015), entre 2000 e 2012, eram também a maioria no Ensino Superior dentre àqueles que possuíam deficiência. Portanto, o acesso desse público, além de não ser recente, também não é escasso, mas as pesquisas sobre ele não vão na mesma linha de desenvolvimento. Logo abaixo, na Tabela 1, apresentamos as 10 revistas fonte dos artigos.
Periódico | Quantidade |
---|---|
Educação Especial - UFSM | 3 |
Revista Brasileira de Educação Especial - ABPEE | 2 |
Journal of Research in Special Educational Needs - JORSEN | 2 |
Acta Scientiarium - UEM | 2 |
Perspectiva - UFSC | 1 |
Cinergis - Universidade Santa Cruz | 1 |
REMAT - IFRS | 1 |
Ciência e Educação - UNESP | 1 |
REAMEC - UFMT | 1 |
e-Curriculum – Programa de pós-graduação em Educação – Puc-SP | 1 |
GT 15 ANPEd | 1 |
TOTAL | 16 |
Fonte: A autora com base nos resultados das pesquisas.
Quanto à distribuição dos artigos, dissertações e teses por instituição, utilizamos o vínculo do autor apresentado no artigo para os artigos, e o programa de pós-graduação ao qual a dissertação ou tese se vinculam para estes trabalhos. São 38 estudos ligados a instituições públicas e seis oriundos de instituições privadas. Favato e Ruiz (2018) afirmam que a maioria dos centros universitários e faculdades são privados e não existe a exigência da oferta de pesquisa, mas apenas ensino, assim podemos entender por que a maioria das pesquisas são de instituições públicas. Na Tabela 2, apresentamos as instituições de vínculo dos artigos.
Instituição | Quantidade |
---|---|
IF Baiano | 1 |
Escola Estadual de Minas Gerais | 1 |
PUC Brasília | 1 |
PUC SP | 1 |
Faculdade de Astorga | 1 |
UEMA | 1 |
UFPA | 1 |
UFPB | 1 |
UFSC | 1 |
UNESPAR | 1 |
UNIPAMPA | 4 |
Universidade de Taubaté | 1 |
UTFPR | 1 |
TOTAL | 16 |
Fonte: A autora com base nas informações dos artigos e dos currículos lattes de seus autores.
Podemos encontrar na Tabela 3 a relação das instituições de vínculo das dissertações e teses pesquisadas neste estudo. Dividindo as publicações pelas cinco macrorregiões brasileiras, com base na instituição de ensino, as regiões sudeste e nordeste tiveram maior número de publicações, num total de 15 por cada região, enquanto a região sul teve 12 trabalhos publicados e as regiões Norte e Centro-Oeste tiveram dois. De acordo com o portal E-Mec ( MEC, 2021), os estados do Sudeste juntos possuem o maior número de IES’s (Instituições de Ensino Superior) do país, e os estados do Norte juntos possuem a menor quantidade. Corroborando com o que Marx e Engels (2010) afirmaram sobre a distribuição desigual dos produtos do trabalho na sociedade capitalista: as regiões menos desenvolvidas na educação superior são as que menos pesquisam e, consequentemente, menos usufruem de estudos condizentes com sua realidade regional.
3.2 Metodologias e Bases Teóricas
Os artigos, teses e dissertações são em sua maioria de abordagem qualitativa – 34 produções, um estudo possui abordagem qualitativa e quantitativa e nove pesquisas não informaram a abordagem. Quanto ao tipo de estratégia de pesquisa, 29 utilizaram estudo de caso, sete estudos fizeram pesquisa exploratória, dois fizeram pesquisa de campo, três pesquisa-ação, dois são utilizaram a pesquisa descritiva, dois fizeram balanço de produção, um se tratava de biografia, um de pesquisa por amostragem, um utilizou pesquisa teórico empírica, há pesquisas que mesclam as estratégias. Quanto ao instrumento de coleta, 33 estudos utilizaram entrevistas, 20 pesquisas utilizaram pesquisa bibliográfica e/ou documental, 11 estudos utilizaram a observação, nove pesquisas utilizaram questionário, um estudo fez análise de sites e um estudo fez análise de fotografias, além disso há produções que utilizam mais de um instrumento de coleta.
Dentre as 44 produções, treze indicam fundamentação teórica: seis estudos são fundamentados na Psicologia Histórico-Cultural de Vigotsky, três são baseados na Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer, dois estudos partem da Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici, um trabalho tem a Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica proposta por Moreira como embasamento, combinada com a Teoria da Educação para a Cidadania extraída das proposições feitas por Paulo Freire sobre cidadania e um estudo utiliza a Teoria “Information Literacy” de Seamans como fundamentação teórica.
Entendemos que a diversificação de estratégias de pesquisa, bem como variados instrumentos de coleta, enriquecem tanto o estudo como o panorama da pesquisa na área. Também compreendemos que entrevistar os estudantes com deficiência visual acaba retratando melhor a realidade estudada, pois o sujeito do processo inclusivo é quem, na maioria das vezes, tem maior condição de avaliá-lo. Porém, esperávamos encontrar mais estudos que apontassem embasamento teórico, já que este ajuda a melhor direcionar os objetivos e o foco da pesquisa, garantindo uma maior unidade e coesão ao trabalho. Desta forma, consideramos que a ausência de fundamentação teórica, na maioria das pesquisas, demonstra o esvaziamento teórico da universidade apontando por Chauí (2014) e Williams (2015), que denunciam a valorização do tecnicismo em detrimento da reflexão.
3.3 Sujeitos e Fontes de Dados
Participaram dos estudos analisados 146 estudantes com deficiência visual, com faixa etária entre 19 e 58 anos de idade, porém, há 21 estudos que não informam a idade dos participantes. Foram 78 alunos, 50 alunas e 18 estudantes que não tiveram seu sexo informado. Nenhum artigo relata qual a raça/etnia dos estudantes, e apenas uma dissertação traz este dado, sendo o trabalho de Voos (2013), dentre cinco participantes desta pesquisa, quatro eram brancos e um pardo. Além dos estudantes com deficiência visual, participaram dos estudos professores, tutores, monitores, coordenadores, colegas e familiares todos videntes. Do mesmo modo, utilizou-se outras fontes de dados como pesquisa documental, observação, entre outras. Grande parte dos estudos possui mais de uma fonte de dados.
Notamos que existem estudantes participantes das pesquisas que estavam fora da faixa etária adequada ao Ensino Superior, a pesquisa de Eches (2021) sobre os indicadores educacionais do Censo da Educação fez também essa constatação, pois verificou que 54% dos estudantes com deficiência visual que frequentaram o Ensino Superior entre 2009 e 2018 estavam fora da idade adequada.
Constatamos que participaram das pesquisas mais estudantes homens do que mulheres, e que a única pesquisa que relatou a cor/raça dos participantes teve mais brancos do que negros colaborando. Portanto, indo ao encontro da constatação de Pereira (2016), ao analisar os indicadores educacionais que apontaram mulheres negras com deficiência como as que menos acessam o ensino. A autora afirma que:
Se é possível dizer que o marxismo permite uma compreensão científica da questão racial, também se pode afirmar que a análise do fenômeno racial abre as portas para que o marxismo cumpra sua vocação de tornar inteligíveis as relações sociais mais concretas. Os conceitos de classe, Estado, imperialismo, ideologia e acumulação primitiva, superexploração, crise e tantos outros ganham concretude histórica e inteligibilidade quando informados pelas determinações raciais
(ALMEIDA, 2016, p. 9).
Dentre os artigos, teses e dissertações, apenas um trabalho relata a raça ou etnia dos estudantes com deficiência visual, e 21, dentre os 44 estudos, apresentam a faixa etária dos estudantes com deficiência visual participantes. Acreditamos que, caso estes trabalhos apresentassem a idade dos estudantes com deficiência visual que participaram da pesquisa, bem como sua cor/raça e classe social, teríamos mais contextualização nos estudos. Entendemos que o uso de mais de um tipo de fonte de dados é benéfico para a pesquisa, pois pode colaborar para uma maior variedade de dados e apresentar um contexto mais completo da realidade estudada, possibilitando uma melhor discussão dentro do Materialismo Histórico.
3.4 Objetos de Estudo
Quanto aos objetos de estudo das produções, os classificamos em quatro temas: percurso acadêmico, que inclui acesso, permanência e conclusão, foram 40 estudos neste objeto; propostas de inclusão, que trata de acompanhamento no percurso acadêmico, encontramos cinco trabalhos; adaptação, que pode ser de material, curricular, acessibilidade e tecnologia assistiva, foi objeto de estudo em sete pesquisas; Formação de Professores, um estudo pesquisou esse objeto; e Balanço de Produção, um trabalho pesquisou as produções no tema.
Os objetos de estudo nos possibilitam conhecer quais são os interesses dos pesquisadores do tema e traçar um melhor panorama da área no campo da pesquisa, a grande variedade aqui relatada contribui para uma visão mais contextualizada da inclusão de estudantes com deficiência visual no Ensino Superior. Deste modo, colaborando com a análise dentro do Materialismo Histórico, pois neste é preciso “estudar toda a história” para que se possa deduzir as ideias “políticas, jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas e etc. que lhes correspondem” ( MARX; ENGELS, 2010, p. 107).
3.5 Assuntos Relatados
Analisando o conteúdo dos textos, notamos que alguns assuntos estavam presentes em vários deles, portanto apresentando grande frequência. Desta forma, optamos por classificá-los em ordem de maior incidência:
Adaptação de material e/ou tecnologia assistiva: sua falta foi relatada em 37 trabalhos. Já o acesso a material adaptado foi encontrado em 23 estudos.
Formação de professores para a Inclusão: 25 produções científicas evidenciam a falta de formação de professores. Já a formação adequada dos professores é relatada em 24 estudos.
Presença de profissional de apoio: 15 estudos relatam a existência deste profissional na instituição.
Existência de núcleo de acessibilidade: 14 trabalhos apontam a existência destes espaços.
Pansanato, Rodrigues e Silva (2016) mostram que a adaptação de materiais, bem como aquisição de diversas tecnologias assistivas, a capacitação de professores, a contratação de um tutor e um professor especialista, além do trabalho do núcleo de acessibilidade, foram essenciais para um estudante cego concluir um curso superior na área de informática com êxito.
Atitudes discriminatórias e excludentes: relatada em 21 estudos. A pesquisa de Martins (2016) com universitários cegos e seus professores concluiu que as barreiras para a inclusão desses estudantes se concentram nas atitudes e comunicação.
Ajuda dos colegas: 13 estudos relatam a existência desta ajuda. A tutoria por pares, pesquisada no trabalho de Fernandes e Costa (2015), apontou que quando os tutores são colegas do mesmo curso, o percurso acadêmico do estudante com deficiência visual se dá com melhor qualidade.
Falta de acessibilidade arquitetônica: 12 pesquisas relatam este assunto. A pesquisa de Santos, Moraes e Sales (2017) mostra que, após a entrada de estudantes com deficiência visual, a universidade se preocupou em colocar piso tátil, algo que trouxe maior autonomia e facilidade na sua locomoção.
Falta de formação dos demais funcionários: oito estudos expõem a falta de formação dos funcionários da universidade que não são professores. Os participantes da pesquisa de Souza (2014) relataram que, apesar de terem tido ledores no vestibular, esses eram mal capacitados. Tal afirmação indica a necessidade de formação dos funcionários da universidade.
Implementação de políticas de inclusão: quatro pesquisas relatam esta implementação. A passagem pelo ensino superior ocorre de modo mais facilitado quando a universidade busca implementar políticas de inclusão, segundo Fortes (2005).
Quanto aos assuntos relatados nas pesquisas, podemos notar que alguns estão relacionados a questões facilitadoras da aprendizagem e outros relacionados a questões que a dificultam. Williams (2015) entende que a educação é a ferramenta necessária para formar sujeitos que analisem e critiquem sua realidade, do mesmo modo, ele considera a educação como uma forma de dominação da burguesia.
4 Considerações finais
Diante dos dados apresentados, podemos conferir o quão complexa é a inclusão de estudantes com deficiência visual no ensino superior, confirmando os preceitos do Materialismo Histórico, que discute como a inclusão é um falso problema social, haja vista que as condições necessárias para que ela ocorra de modo equânime não estão plenamente disponibilizadas. Concordamos com Williams (2011; 2015) ao afirmar que o espaço de crítica e reflexão sobre a sociedade deve ser a educação e a produção intelectual, pois, nesses dois espaços, é possível refletir sobre as questões sociais, discutindo-as e analisando-as. Assim, as dissertações, tese e os artigos trazidos podem mostrar como essa crítica e reflexão tem se desenvolvido, assim como nos levar a refletir criticamente sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual no ensino superior.
Os estudos científicos encontrados demonstram que mesmo o acesso ao Ensino Superior por Pessoas com Deficiência Visual tendo se iniciado na década de 50 do século XX ( SELAU; DAMIANI, 2014), mais de 60 anos depois ainda é possível encontrar alguns empecilhos para a sua permanência e conclusão com êxito nesse nível de ensino. Ferraro e Ross (2017), ao realizarem diagnóstico da escolarização no Brasil na perspectiva da exclusão concluem que:
Tudo isso significa que seria uma simplificação, para não dizer uma ilusão, reduzir o objetivo da universalização do direito à educação básica a uma questão de vagas ou de acesso à escola, quando na realidade o desafio maior está dentro da escola, no próprio processo de escolarização, isto é, na necessidade de superação da lógica de exclusão que continua imperando no próprio funcionamento da escola brasileira
A citação trata da Educação Básica, contudo, podemos relacioná-la a parte das informações que encontramos nas dissertações, nas teses e nos artigos, o aluno está matriculado no Ensino Superior, mas há uma ausência de atendimento às suas especificidades. O estudante é incluído pelo acesso e pela matrícula, mas o processo não tem sido inclusivo, portanto, a exclusão é presente na sua permanência.
Entretanto, os estudos também apontam ações inclusivas desenvolvidas pelas instituições ou por seus servidores. Essas constatações mostram as contradições do processo inclusivo, que fazem parte da sociedade burguesa, pois as contradições é que garantem seu movimento. Como no Materialismo Histórico o mundo não é um conjunto de coisas acabadas, mas um conjunto de processos (MARX; ENGELS, 1963, apud NETTO, 2011, p. 31), podemos concluir que a inclusão de estudantes com qualquer necessidade especial, não apenas àqueles com deficiência visual, sempre estará em constante mudança. E aquilo que apresentamos hoje nesta pesquisa dentro de algum tempo poderá ter se alterado em algumas questões, exigindo novos estudos e novas análises, consequentemente, a teoria social marxista permanece em constante construção na análise da sociedade. Entretanto, enquanto o modo de vida e de produção for capitalista, a inclusão não será completamente includente, pois sempre aparecerão novos desafios que impedem que tenhamos uma sociedade em que ser diferente seja algo normal.
Como encontramos poucas pesquisas neste balanço, entendemos que essa área de estudo precisa ser mais pesquisada, a fim de demonstrar como podemos melhorar a inclusão destes alunos no Ensino Superior, da mesma forma, mostrar como esta inclusão vem sendo desenvolvida, analisando e discutindo este fato social.
Listas de produções que versam sobre deficiência visual no ensino superior.
Artigo | Autor |
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A conclusão da educação superior por cegos e a psicologia de Vygotsky: a ponta do iceberg | Bento Selau da Silva Junior |
A narrativa de universitários cegos acerca de suas experiências acadêmicas | Danielle Sousa Silva |
Autonomia, Formação, Deficiência Visual E Ledores | Maria Cristina Dancham Simões |
Desafios dos alunos com deficiência visual no ensino superior um relato de experiência | Eduardo Gauze Alexandrino |
Estudantes cegos na educação superior: o que fazer com os possíveis obstáculos? | Bento Selau da Silva Junior |
Ferramentas tácteis no ensino de Matemática para um estudante cego: uma experiência no IF Sudeste MG | Felipe Almeida de Mello |
Genealogia da Ideia de Superação por Cegos: um estudo com base em Vygotsky | Bento Selau da Silva Junior |
Inclusão de estudante cego em curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas de uma instituição pública de ensino superior: um estudo de caso | Luciano Tadeu Esteves Pansanato |
Inclusão de pessoas com deficiência visual na educação a distância | Taíssa Vieira Lozano Burci |
Inclusão de uma aluna cega em um curso de licenciatura em Química | Anelise Maria Regiani |
O Braille Fácil Em Matemática No Ensino Superior: uma experiência com um aluno cego na perspectiva de promoção de autonomia | Felipe Moraes dos Santos |
Pessoas Com Deficiência No Ensino Superior | Marcos André Ferreira Estácio |
Possibilidades da Tutoria de Pares para Estudantes com Deficiência Visual no Ensino Técnico e Superior | Woquiton Lima Fernandes |
Quando não se falava em inclusão: a história de vida do primeiro advogado cego formado no Brasil | Bento Selau da Silva Junior |
Sombreando a Pessoa com Deficiência: Aplicabilidade da Técnica de Sombreamento na Coleta de Dados em Pesquisa Qualitativa | Jackeline Susann Souza da Silva |
Universitários cegos: A visão dos alunos e a (falta de visão) dos professores | Roseli Albino dos Santos |
Dissertação | Autor |
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A Inclusão da pessoa com deficiência visual na UFRN: a percepção dos acadêmicos | Vanessa Gosson Gadelha de Freitas Fortes |
Abordagem histórico-cultural em sala de aula inclusiva de Matemática: o processo de apropriação do conceito da função derivada por um aluno cego. | Sandro Salles Gonçalves |
Analisando a educação inclusiva no curso de licenciatura em geografia da Universidade Estadual do Maranhão | Ivone das Dores de Jesus |
Autonomia e dependência na relação entre estudantes com deficiência visual e seus ledores | Maria Cristina Danchan Simões |
Contribuição das tecnologias da informação e comunicação (tics) para a acessibilidade de pessoas com deficiência visual: o caso da Universidade Federal do Ceará | Vera Lúcia Pontes Juvêncio |
Descrição de imagens: um estudo discursivo de provas de vestibular adaptadas para deficientes visuais | Valéria de Vasconcelos Santana |
Educação matemática inclusiva no ensino superior: aprendendo a partilhar experiências | Renato Marcone |
Inclusão de alunos que apresentam deficiência visual na educação superior: adaptação de material didático | Bruna da Silva Ferreira Miranda |
Inclusão e educação tecnológica em foco: percepções de uma aluna com deficiência visual, de seus professores e de seus colegas | Amabriane da Silva Oliveira Shimite |
Inclusão no Ensino Superior: um estudo das representações sociais dos acadêmicos com deficiência visual da UFPB | Raphaela de Lima Cruz |
Luz do conhecimento na escuridão do olhar: acessibilidade aos estudantes de ensino superior com deficiência visual no Ensino à Distância | Lúcio Ricarte Serra Junior |
O impacto do sistema de apoio da Universidade de Brasília na aprendizagem de universitários com deficiência visual | Patrícia Neves Raposo |
O processo educativo em ciências da natureza para cegos em cursos de graduação em fisioterapia: a tecnologia assistiva e as interações sociais | Ivani Cristina Voos |
O uso de tecnologias assistivas no acesso à web por alunos com deficiência visual da UFS | Alberto Dantas de Souza |
Políticas de Acesso para Discentes com Deficiência Visual no Ensino Superior: um estudo de caso | Maria Carolina Albuquerque de Azevedo |
Políticas públicas para a pessoa com deficiência na UFC: a percepção dos alunos com deficiência visual | Teana Fátima Brandão de Souza |
Possibilidades e limitações nas práticas pedagógicas no ensino superior: uma análise do material didático e dos recursos de tecnologia assistiva acessíveis as pessoas com deficiência visual | Judith Vilas Boas Santiago |
Práticas e formação docente na UFRN com vistas à inclusão de estudantes cegos | Lisie Marlene da Silveira Melo Martins |
Suportes para estudantes com deficiência visual no Ensino Superior | Daniele Sentevil da Silva |
Tecnologia assistiva: analisando espaços de acessibilidade às pessoas com deficiência visual em universidades públicas | Uilian Donizeti Vigentim |
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC): ferramentas como interface inclusiva de estudantes com deficiência visual no ensino superior público de Macapá | Graça Auxiliadora Nobre Lopes |
Um estudante cego no curso de licenciatura em música da ufrn: questões de acessibilidade curricular e física | Isaac Samir Cortez de Melo |
Tese | Autor |
A facilitação do acesso de alunos com deficiência visual ao ensino superior na área biomédica: pesquisa para o desenvolvimento e avaliação de materiais e métodos aplicáveis ao estudo de disciplinas morfológicas | Michele Waltz Comarú |
A inclusão de alunos com deficiência visual na Universidade Federal do Ceará: ingresso e permanência na ótica dos alunos, docentes e administradores | Ana Cristina Silva Soares |
A information literacy e os deficientes visuais: um caminho para a autonomia? | Jeane Passos Santana |
Acessibilidade e ensino superior: desvendando caminhos para o ingresso e permanência de alunos com deficiência visual na Universidade Regional do Cariri – URCA sob a perspectiva da avaliação educacional | Marla Vieira Moreira de Oliveira |
Design de moda e neuroeducação: o desenvolvimento de uma metodologia de desenvolvimento projetual aplicado a pessoas com deficiência visual | Geraldo Coelho Lima Junior |
Fatores associados à conclusão da educação superior por cegos: um estudo a partir de L. S. Vygotski | Bento Selau da Silva Junior |