1 Introdução
A violência escolar é uma problema social e de saúde pública, que se caracteriza pela emissão de comportamentos agressivos e antissociais no ambiente das escolas, nos seus arredores ou no trajeto casa-escola. Manifesta-se por meio de agressões físicas, psicológicas, sexuais e/ou patrimoniais e pode envolver estudantes, professores, funcionários, gestores, familiares e moradores da localidade onde a escola se situa ( STELKO-PEREIRA; WILLIAMS, 2010). O bullying apresenta-se como uma categoria específica da violência escolar e é definido por ações negativas, intencionais e repetitivas de estudantes em relação a outros, que ocorrem com base na desigualdade de poder entre o(s) autor(es) e sua vítima ( OLWEUS, 2013).
Estudo realizado em 83 países de baixa, média e alta renda, a partir de levantamentos do Global School-based Student Health Survey (GSHS), de 2003 a 2015, mostrou que a prevalência de vitimização por bullying em estudantes foi de 30,5% (IC 95% 30,2-31,0%) ( BISWAS et al., 2020). No Brasil, o último levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar ( IBGE, 2021), realizado em 2019, apontou que há um número significativo de estudantes envolvidos em situações de bullying, sendo que 23% dos escolares afirmaram que duas ou mais vezes se sentiram humilhados por provocações dos colegas nos 30 dias anteriores à pesquisa. Além disso, 12% dos estudantes praticaram algum tipo de bullying contra seus pares.
A violência entre pares pode gerar graves consequências sociais e de saúde a crianças e adolescentes, como transtornos depressivos e ansiosos, sintomas psicossomáticos, ideação e tentativa de suicídio, isolamento social, irritabilidade e agressividade ( ARSENEAULT, 2017; FANTAGUZZI et al., 2018 ). No campo educacional, a ocorrência de bullying está relacionada a diversos desfechos negativos para toda a comunidade escolar. Neste sentido, essa violência prejudica o desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças e adolescentes, bem como está associada com baixo engajamento e desempenho acadêmico e com evitação e abandono escolar ( AZUINE; SINGH, 2019; CHO; CHOI, 2017). Além disso, prejudica a aprendizagem e o propósito das instituições educativas de formar cidadãos e cidadãs que convivam de forma saudável, respeitando os direitos das outras pessoas. O bullying também se encontra relacionado a um clima escolar negativo, gerando ambientes escolares inseguros, nos quais as relações entre as pessoas são baseadas na violência e no desrespeito ( ALCÂNTARA et al., 2019 ).
Intervenções com professores para o enfrentamento do bullying têm se apresentado como promissoras. Uma metanálise, que investigou a efetividade de programas antibullying com foco em professores, observou que estes programas apresentaram efeito moderado nos determinantes da intervenção dos professores e um efeito pequeno a moderado na intervenção dos professores em situações de bullying. A efetividade desses programas pode aumentar se forem incluídos componentes para: reforçar as atitudes positivas de professores frente ao bullying; questionar regras subjetivas sobre esse problema; e promover a autoeficácia e a aprendizagem de conhecimentos e habilidades para intervir no bullying ( VAN VERSEVELD; FUKKINK; FEKKES, 2019).
De acordo com Stacio, Savage e Burgos (2016), as práticas de ensino, as relações estabelecidas dos pares em sala de aula e a interação professor e aluno são fatores contextuais que explicam as variações de vitimização em crianças do ensino fundamental. Assim, práticas de ensino coercitivas e que estimulam a competitividade, relações negligenciadas de desrespeito entre os pares e vínculo fragilizado entre professor e aluno contribuem para um aumento da vitimização de estudantes. Nessa perspectiva, o estudo de Mucherah et al.(2018) demonstrou que, em escolas onde estudantes acreditam que os professores são efetivos em interromper o bullying, o índice de violência entre pares é menor.
Troop-Gordon e Ladd (2015), em um estudo sobre crenças acerca do bullying e da vitimização, apontaram que os conhecimentos dos professores, bem como as suas crenças, norteiam suas estratégias de resposta ao bullying, podendo contribuir para uma resposta ativa em prol da cessação da violência ou para uma postura omissa. Os autores identificaram a existência de três crenças gerais: 1) estudantes não seriam intimidados caso se defendessem das agressões; 2) estudantes não seriam intimidados se evitassem o contato com agressores; 3) o bullying constitui um comportamento normativo que ajuda na aprendizagem das normas sociais. Destaca-se que quando professores não intervêm no bullying, as vítimas interpretam que não estão seguras na escola e que é infrutífero solicitar a ajuda dos adultos de referência ( MUCHERAH et al., 2018 ). Dessa forma, é relevante conhecer as crenças dos professores em relação ao bullying e sua percepção de autoeficácia no enfrentamento desse problema para a construção de programas antibullying eficazes.
Swift et al.(2017) construíram um programa de enfrentamento do bullying no ensino fundamental com foco na formação de professores e realizaram pesquisa para avaliar a eficácia desse programa. Este estudo demonstrou que a crença de autoeficácia de professores em sala de aula está associada ao sucesso do programa, ou seja, a redução de bullying entre estudantes. Professores com alta autoeficácia têm maior confiança em sua capacidade de afetar o comportamento de estudantes e mostram maior persistência frente às dificuldades. Além disso, professores são mais propensos a implementar o programa quando sentem que podem fazê-lo com facilidade e sucesso. A autoeficácia foi desenvolvida por meio do ensino de habilidades de gerenciamento do tempo e de sala de aula e de estratégias de enfrentamento do bullying.
Este estudo tem como objetivos: identificar e relacionar as ocorrências de violência que envolvem discentes e docentes, as estratégias utilizadas por professores para intervir no bullying e as crenças e percepção de autoeficácia de professores em relação ao enfrentamento do bullying.
2 Métodos
Foi realizado um estudo transversal, com abordagem analítica, em outubro de 2018, no município de Guaiúba, região metropolitana de Fortaleza, Ceará, Brasil. A população do município é de 24.091 habitantes e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,652 ( IBGE, 2019). Este município foi escolhido para pesquisa por ser próximo à capital Fortaleza e por ser de pequeno porte, facilitando a realização da intervenção. Há 25 instituições de ensino em Guaiúba, sendo 14 na zona urbana e 11 escolas na zona rural. Destaca-se que as avaliações realizadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) vêm ocorrendo sistematicamente e apresentando evoluções significativas, de modo que, em 2017, o município atingiu o mesmo valor da nacional, ficando ambos com índices de 5,5 ( INEP, 2019).
A amostra deu-se por conveniência e, para isso, foram convidados todos os professores e professoras de 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. A escolha do referido público-alvo justifica-se por ser este o nível de ensino que absorve a maior quantidade de professores da Educação Básica no Brasil ( INEP, 2019). Além disso, revisão sistemática apontou que intervenções antibullying têm se mostrado mais efetivas com crianças menores de 10 anos de idade ( JIMÉNEZ-BARBERO et al., 2016). Soma-se a isso o fato de que o ensino fundamental é uma etapa escolar de grande vulnerabilidade para a ocorrência de bullying ( RETTEW; PAWLOWSKI, 2016), especialmente, nos períodos de transição, como a passagem do ensino fundamental I para o fundamental II.
O projeto da pesquisa foi enviado para o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, onde recebeu aprovação para realização do estudo, segundo parecer 2.281.645. Todos os professores assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os professores e professoras responderam a três instrumentos:
Escala de Violência Escolar (EVE) – versão professor: este instrumento foi elaborado por Stelko-Pereira (2012), sendo que empregaram-se as escalas: a) frequência de vitimização de funcionários por alunos, que apresentou consistência interna de 0.64, conforme as respostas dos professores deste estudo, e b) conhecimento de vitimização de alunos por alunos, que obteve um alpha de Cronbach de 0.91.
Instrumento para investigação das práticas utilizadas por docentes diante da vitimização entre pares: questionário elaborado por Da Cunha (2012) e Bérgamo (2016), que tem como objetivo investigar as estratégias de ação utilizadas diante da vitimização entre pares. Este questionário é dividido em três partes. Inicialmente, são apresentadas duas vinhetas ilustradas com incidentes de agressão: a primeira situação (SIT1) se passa fora da sala de aula, sem a presença do professor, enquanto, na segunda cena (SIT2), a agressão se dá em sala de aula, com a presença do professor. Após cada vinheta, os participantes são convidados a responder dois itens de questões fechadas. O primeiro item trata da percepção docente sobre: a necessidade de intervenção na situação; a gravidade do incidente; a autoeficácia para lidar com situações similares; e a frequência de episódios similares em suas próprias escolas. O segundo trata de possíveis estratégias de intervenção utilizadas pelos professores diante das ilustrações apresentadas nas vinhetas. São apresentadas 25 estratégias específicas aos professores para que respondam por meio de uma escala de quatro pontos: 1 – concordo totalmente; 2 – concordo; 3 – discordo; 4 – discordo totalmente.
Instrumento para investigação das crenças e percepção de autoeficácia dos professores em relação à vitimização e ao bullying: questionário elaborado por Da Cunha (2012) e Bérgamo (2016). Este instrumento é composto por 18 itens de crenças sobre bullying e vitimização. A estes itens, as pesquisadoras deste estudo acrescentaram nove questões que são: “A criança praticante de bullying apenas interromperá suas ações se for ignorada pela vítima”; “A melhor maneira de uma vítima de bullying lidar com o problema é pensar que um dia não irá mais conviver com os agressores”; “Os estudantes que praticam bullying precisam aprender a resolver conflitos de modo pacífico”; “Os professores podem ajudar os alunos a se relacionar melhor”; “Os alunos que praticam bullying precisam ser acompanhados pelos professores, para se verificar porque estão sendo agressivos”; “Os alunos que sofrem bullying devem buscar ajuda com os professores”; “É importante aplicar estratégias educativas para que os alunos não se envolvam em bullying”; “Os familiares deveriam conhecer sobre como podem auxiliar na prevenção do bullying”. Foram realizadas análises de consistência interna e as crenças foram agrupadas em três tipos: Crenças normativas (09 itens / α = 0,70); Crenças de esquiva (04 itens / α = 0,72); Crenças de aprendizagem (06 itens / α = 0,68). O instrumento ainda contém seis itens de percepção de autoeficácia (α = 0,92). Os itens são avaliados em termos de frequência em uma escala tipo Likert, de quatro pontos: 1 – discordo totalmente; 2 – discordo; 3 – concordo; 4 – concordo totalmente.
Os questionários foram aplicados com metade dos docentes participantes antes de uma capacitação sobre violência escolar. O restante dos professores, pertencentes ao grupo controle desta capacitação, respondeu em seus ambientes de trabalho, sob supervisão de autores do estudo ou dos profissionais da Secretaria de Educação.
Os dados foram processados e analisados no programa estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 23.0. Foram realizadas análises descritivas, frequências absolutas e percentuais, além da média, mediana e desvio padrão. Na análise inferencial, para identificar se havia semelhanças entre as perceções de fora e dentro da sala de aula, foi utilizado o teste Qui Quadrado de Pearson. Para se verificar o grau de concordância com as atitudes a serem tomadas nas SIT1 e SIT2, fez-se uso do teste de Wilcoxon. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para testar se havia diferenças entre os docentes que foram autores e docentes que foram vítimas em idade escolar, no que concerne às crenças, percepção de autoeficácia e ocorrências de violência. Por fim, foi empregado o coeficiente de correlação de Spearman para identificar se havia correlação entre as estratégias utilizadas por professores. Em todos esses testes, adotou-se o nível de significância de 5%.
3 Resultados
3.1 Caracterização dos sujeitos da pesquisa e das ocorrências de violência a professores e entre alunos segundo docentes
Participaram do estudo 46 professores (62,1% do total de profissionais do município). Esses docentes apresentaram média de 39 anos (mínima 22, máxima 56), eram, predominantemente, mulheres (n=36/78,2%) e alguns possuíam o ensino superior (n=14/ 32,6%), sendo que 48,8% destes concluíram especialização lato sensu e 4,2% finalizaram curso de mestrado. A maioria destes profissionais trabalhava por 20 a 40 horas semanais (n=36/83,7%).
No que se refere à violência sofrida pelos professores por parte de estudantes, nos últimos seis meses, nenhum afirmou ter o cabelo puxado propositalmente ou ter sido roubado e furtado na escola. Adicionalmente, cerca de 2% afirmou ter tido seus materiais destruídos de propósito ou ter sido cuspido propositalmente uma ou duas vezes. Ainda sobre espalhar rumores, 14% afirmaram terem sofrido isso uma ou duas vezes. Ademais, 4,3% dos professores relataram que já foram socados, chutados ou receberam tapas uma ou duas vezes, 4,3% já tropeçaram por ação de estudantes e 8,7% tiveram objetos jogados em si propositalmente. No que se refere a agressões verbais, 13,3% dos professores afirmaram ter sido ameaçados por estudantes uma ou duas vezes e 26,7% já foram xingados uma ou duas vezes.
Em relação à violência entre estudantes, percebida pelos professores, 17,4% afirmaram já ter presenciado estudantes que foram roubados na escola; 43,3% viram estudantes serem ameaçados por outros e 80% observaram xingamentos entre estudantes. Quando indagados sobre as agressões físicas diretas: 30,5% relataram ter presenciado estudantes que cuspiram em colegas; 69,5% já viram estudantes jogarem objetos propositalmente em outros; 56,8% assistiram a situações de estudantes trocando socos, chutes e/ou tapas e 67,2% dos professores presenciaram estudantes fazendo os colegas tropeçarem.
3.2 Percepção do professor sobre estratégias em relação às situações de bullying
Ao se analisar as respostas do “Instrumento para investigação das práticas utilizadas por docentes diante da vitimização entre pares”, notou-se, conforme Tabela 1, que os professores consideraram como necessárias intervenções em ambas as vinhetas apresentadas, seja na que três estudantes esbarram em outro estudante de propósito, no corredor da escola, e riem dele (SIT1), ou na que a agressão ocorre dentro da sala de aula, na presença do professor, em que há um estudante que é xingado em sala por ser uma pessoa estudiosa e participativa (SIT2). Dessa forma, 62,8% dos professores classificaram a SIT1 como tendo um alto grau de gravidade, enquanto 76,7% consideraram a SIT2 deste modo.
A Tabela 1 ainda apresenta dados referentes a se havia situações semelhantes nas turmas de 4º e 5º ano nas quais lecionavam, sendo que 34,9% afirmaram já ter presenciado situações de bullying fora da sala de aula e 37,2% observaram essas situações dentro da sala de aula. Ademais, 79,1% e 93% dos professores afirmaram ter facilidade em lidar com situações de bullying fora e dentro da sala de aula, respectivamente.
SIT1 | SIT2 | Z | p | |
---|---|---|---|---|
A intervenção do professor é necessária? | ||||
Concordo totalmente e em parte | 97,7% | 100,0% | 1,01 | 0,34 |
Discordo totalmente e em parte | 2,3% | - | ||
Nível de gravidade da situação | ||||
Muito alto e alto | 62,8% | 76,7% | 6,70 | 0,03* |
Moderado | 34,9% | 23,3% | ||
Baixo | 2,3% | - | ||
Observa situações similares nas turmas | ||||
Sempre e quase sempre | 34,9% | 37,2% | 0,11 | 0,73 |
Nunca e quase nunca | 65,1% | 62,8% | ||
Tem facilidade para lidar com situações similares | ||||
Concordo totalmente e em parte | ||||
Discordo totalmente e em parte | 79,1% | 93,0% | 3,48 | 0,06 |
20,9% | 7,0% |
Fonte: Autores.
A partir das vinhetas, foram apresentadas 25 estratégias específicas aos professores, para que respondessem o grau de concordância com as atitudes a serem tomadas nas situações apresentadas, sendo as respostas apresentadas na Tabela 2 . Observa-se que os participantes concordaram mais com as estratégias que se referem à SIT2. A Tabela 2 apresenta que em três estratégias houve diferença estatisticamente significativa: chamar atenção (p = 0,01), discutir com a turma possíveis soluções (p = 0,02) e confortar o aluno (p = 0,001). Nestas, os professores consideraram que é mais relevante realizá-las quando ocorre a SIT2 do que a SIT1.
Mediana | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variável | SIT1* | SIT2** | SIT1>SIT2 | SIT1<SIT2 | SIT1=SIT2 | Z | p |
AÇÃO DISCIPLINAR | |||||||
Chamar a atenção | 4 | 4 | 0 | 7 | 36 | 2,53 | 0,01*** |
Deixar sem recreio ou educação física | 3 | 3 | 7 | 6 | 29 | 0,50 | 0,61 |
Fazer advertência por escrito | 3 | 4 | 5 | 10 | 27 | 0,00 | 0,34 |
Punir os envolvidos | 4 | 4 | 4 | 9 | 30 | 0,73 | 0,46 |
Comunicar que comportamentos agressivos não são tolerados | 4 | 4 | 2 | 5 | 34 | 1,70 | 0,08 |
IGNORAR | |||||||
Ignorar o incidente | 1 | 1 | 3 | 4 | 36 | 1,13 | 0,25 |
Deixar que resolvam o problema por si mesmos | 1 | 1 | 4 | 4 | 35 | 0,07 | 0,94 |
Evitar o envolvimento na situação | 1 | 1 | 7 | 6 | 29 | 0,26 | 0,79 |
Não fazer nada | 1 | 1 | 2 | 6 | 38 | 1,41 | 0,15 |
ENVOLVER PARES | |||||||
Orientar alunos a ajudarem | 4 | 4 | 8 | 12 | 22 | 0,94 | 0,34 |
Discutir com a turma possíveis soluções | 4 | 4 | 2 | 10 | 30 | 2,32 | 0,02*** |
Encorajar o(s) aluno(s) a enfrentar o problema | 4 | 4 | 5 | 7 | 30 | 0,50 | 0,61 |
Buscar a reflexão dos alunos e um consenso na solução do problema. | 4 | 4 | 2 | 4 | 36 | 0,81 | 0,41 |
*SIT1 = Situação de bullying ocorrida fora da sala de aula, sem a presença do professor.
** SIT2 = Situação de bullying ocorrida dentro da sala de aula, com a presença do professor.
*** Resultados estatisticamente significantes para o estudo (p<0,05).
Fonte: Autores.
Mediana | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Variável | SIT1* | SIT2** | SIT1>SIT2 | SIT1<SIT2 | SIT1=SIT2 | Z | p |
OFERECER SUPORTE | |||||||
Encaminhar para orientação, coordenação ou direção | 4 | 4 | 8 | 8 | 25 | 0,35 | 0,72 |
Encaminhar para atendimento especializado |
4 | 4 | 6 | 6 | 28 | 0,00 | 1,00 |
ENVOLVER OUTROS ADULTOS | |||||||
Discutir com outros professores para pensar em soluções Chamar os pais ou responsáveis para uma conversa |
4 4 |
4 4 |
8 6 |
11 2 |
23 34 |
0,61 1,41 |
0,53 0,15 |
MEDIAR | |||||||
Facilitar o diálogo entre os alunos | 4 | 4 | 3 | 2 | 34 | 0,13 | 0,89 |
Aconselhar a parar a briga | 4 | 4 | 3 | 7 | 31 | 0,05 | 0,95 |
Confortar o(s) aluno(s) | 3 | 4 | 2 | 17 | 22 | 2,99 | 0,00*** |
Acolher o(s) aluno(s) e ouvi-los | 4 | 4 | 1 | 5 | 34 | 1,66 | 0,09 |
Discutir opções para resolver a situação | 4 | 4 | 2 | 6 | 35 | 0,90 | 0,36 |
ACOMPANHAR | |||||||
Acompanhar a situação | 4 | 4 | 4 | 8 | 28 | 1,71 | 0,08 |
Observar o(s) aluno(s) nos dias seguintes | 4 | 4 | 6 | 5 | 31 | 0,53 | 0,59 |
Monitorar os estudantes | 4 | 4 | 7 | 4 | 31 | 0,90 | 0,36 |
*SIT1 = Situação de bullying ocorrida fora da sala de aula, sem a presença do professor.
** SIT2 = Situação de bullying ocorrida dentro da sala de aula, com a presença do professor.
*** Resultados estatisticamente significantes para o estudo (p<0,05).
Fonte: Autores.
3.3 Crenças, percepção de autoeficácia e ocorrência de bullying apontadas por professores e estudantes
Entre os professores participantes do estudo, 10,8% afirmaram que, em idade escolar, foram vítimas de bullying e 8,6% foram autores de agressões entre pares. A Tabela 3 apresenta a relação dos professores vítimas ou autores de bullying, em idade escolar, com suas crenças e percepção de autoeficácia e com a ocorrência de violência a si e aos alunos.
Professor Vítima de Bullying em Idade Escolar | Professor Autor de Bullying em Idade Escolar | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
SIM(n≈5) | NÃO(n≈29) | SIM(n≈4) | NÃO(n≈30) | ||||||||||
Posto Médio | N | Posto Médio | N | Z | p | Posto Médio | N | Posto Médio | N | Z | P | ||
Crença esquiva | 8,50 | 5 | 19,58 | 30 | -2,26 | 0,02* | 20,00 | 4 | 17,17 | 30 | -0,54 | 0,58 | |
Crença normativa | 18,20 | 5 | 17,38 | 39 | -0,17 | 0,86 | 25,88 | 4 | 15,78 | 29 | -1,97 | 0,04* | |
Crença aprendizagem | 13,20 | 5 | 18,24 | 29 | -1,06 | 0,28 | 5,67 | 3 | 17,62 | 29 | -2,13 | 0,03* | |
Percepção autoeficácia | 15,80 | 5 | 17,79 | 29 | -0,42 | 0,67 | 12,00 | 3 | 16,97 | 29 | -0,89 | 0,37 | |
Professor ser vítima de violência e perceber entre alunos | 22,30 | 5 | 15,43 | 27 | -1,71 | 0,08 | 15,63 | 4 | 16,06 | 27 | -0,10 | 0,91 | |
Percepção de violência entre alunos | 21,25 | 5 | 13,38 | 24 | -1,78 | 0,07 | 14,13 | 4 | 14,56 | 24 | -0,99 | 0,92 |
*Resultados estatisticamente significante para o estudo.
Fonte: Autores.
Na Tabela 3, observa-se que professores que foram vítimas de bullying destacam como menos efetivas estratégias de esquiva por parte dos estudantes para lidarem com o bullying do que os professores que não foram vítimas (crenças de esquiva). Já os professores que foram autores de bullying na infância acreditam mais que o bullying é um fenômeno característico da adolescência, minimizando-o enquanto um problema (crença normativa) e que, a partir de vivências destas situações, pode-se aprender habilidades (crença de aprendizagem). Ter ou não se envolvido como vítima ou autor de bullying na infância ou adolescência não se relacionou com a percepção de autoeficácia de professores, a frequência com que sofre violência por estudantes ou o quanto percebe violência entre estudantes.
A Tabela 4 correlaciona escores dos docentes quanto a estratégias para lidar com bullying, crenças diante do problema e percepção de quanto esta violência ocorre. Notou-se que há correlações significativas positivas entre as estratégias “ação disciplinar” e “envolver outros adultos” e entre a estratégia “acompanhar” e as estratégias: “ação disciplinar”, “empoderar alunos” e “envolver outros adultos”. Além disso, também houve correlação negativa significativa entre a estratégia “crenças de aprendizagem” e as estratégias “acompanhar” e “empoderar alunos”. Nota-se, ainda, correlação positiva entre a vitimização sofrida pelo professor e a vitimização entre alunos.
Ação disciplinar | Acompanhar | Empoderar alunos | Envolver outros adultos | Vitimização do professor | Vitimização a alunos | |
---|---|---|---|---|---|---|
Ação disciplinar | 0,33* | 0,18 | 0,35* | -0,08 | 0,11 | |
Acompanhar | 0,33* | 0,48** | 0,55** | 0,15 | 0,14 | |
Empoderar alunos | 0,18 | 0,48** | 0,20 | 0,05 | 0,04 | |
Envolver outros adultos | 0,35* | 0,55** | 0,20 | -0,03 | 0,06 | |
Crenças de aprendizagem | -0,19 | -0,50** | -0,37* | -0,24 | 0,07 | 0,25 |
Vitimização do professor | -0,08 | 0,15 | 0,05 | -0,03 | 0,67* | |
Vitimização a alunos | 0,11 | 0,14 | 0,04 | 0,06 | 0,67* |
* A correlação é significativa no nível 0,05
** A correlação é significativa no nível 0,01
Fonte: Autores.
4 Discussão
O perfil sociodemográfico dos professores, evidenciado na pesquisa, encontra-se próximo ao nacional, de acordo com o Censo Escolar 2018 ( INEP, 2019). Contudo, este censo aponta que a maior parte dos professores têm nível superior completo, o que não foi corroborado pela presente pesquisa. Esta diferença pode estar relacionada ao fato de que o censo avalia tanto os professores de ensino fundamental quanto de ensino médio, modalidade esta que exige o ensino superior.
A pesquisa também identificou que existe prevalência significativa de violências nos ambientes das escolas investigadas. Em relação à violência sofrida pelos professores por parte dos estudantes, houve predominância de violência indireta e verbal. Este achado é corroborado por metanálise que mostra que a violência verbal e não física são os tipos mais frequentes de agressões de estudantes contra professores ( LONGOBARDI et al., 2019 ). Também se observou alta prevalência de violência entre estudantes, o que demonstra que o bullying é um problema real e frequente do município estudado. Os resultados de prevalência de bullying encontrados estão de acordo com os achados de Marcolino et al.(2018).
Os professores consideraram como imprescindíveis intervenções tanto fora quanto dentro das salas de aula, para a redução do bullying. Os estudos internacionais, com dados coletados antes de 2000, tendem a indicar que o bullying se efetivava com mais frequência em espaços não estruturados, como pátio, corredores, refeitórios e quadras, que contam com pouca supervisão de adultos. Porém, nos últimos anos, também tem crescido a prevalência de bullying dentro das salas de aula e nos contextos de aprendizagem, mesmo com a presença de professores. Enquanto nos espaços estruturados são maiores as chances de ocorrer formas diretas e mais graves de bullying, nas salas de aulas é mais provável a emissão do bullying verbal e indireto ( PERKINS; PERKINS; CRAIG, 2014).
A maioria dos professores também afirmou que tem facilidade em lidar com situações de bullying fora e dentro da sala de aula, o que é contraditório frente ao cenário preocupante de violência entre pares supracitado. Isso indica que há necessidade de capacitá-los para que identifiquem melhor as situações de bullying e aprendam a intervir de forma mais eficaz. Outro fator envolvido pode ser a desejabilidade social, que faz com que participantes da pesquisa respondam de forma socialmente aceitável em relação à profissão de professor. Na literatura internacional, identifica-se que professores tendem a intervir em situações de bullying, oferecendo suporte e aconselhando às vítimas sobre como se defender e pedir ajuda ( BURGER et al., 2015 ; STASIO et al., 2016). Porém, nem sempre essas intervenções são adequadas ou efetivas para lidar com o bullying. As intervenções de professores frente ao bullying podem ser divididas em cinco fatores: intervenções baseadas na autoridade, intervenção com agressores, intervenção com a vítima, envolvimento de outras pessoas adultas e omissão em relação ao incidente ( BURGER et al., 2015 ).
Quando questionados sobre suas ações frente às situações de bullying, notou-se que as estratégias de “chamar atenção”, “discutir com a turma possíveis soluções” e “confortar o aluno” são mais frequentes quando o problema ocorre na sala de aula e é mais facilmente perceptível, como um xingamento, do que quando ocorre fora da sala de aula e envolve “fazer o outro tropeçar”. Conjetura-se que os professores devem se sentir mais seguros em realizar intervenções em sala de aula, o que faz com que estas sejam mais comuns e frequentes. As intervenções no contexto de sala de aula parecem exigir um menor custo de resposta em comparação aos ambientes não estruturados, pois os professores, inevitavelmente, já estarão presentes nesse local para ministrarem suas disciplinas, o que os torna responsáveis diretos pelos estudantes. Entretanto, as intervenções nesse ambiente também demandam bastante preparo, seja para prevenir a ocorrência de bullying ou para contingenciar adequadamente as respostas agressivas dos estudantes, o que torna necessário o desenvolvimento de habilidades de resolução de conflitos, empatia e assertividade. Os referidos achados são corroborados pelo estudo de Bérgamo (2016), no qual as intervenções mais indicadas por professores foram: “dialogar”, “acompanhar”, “mediar” e “oferecer suporte”.
A primeira intervenção, “chamar a atenção’, encaixa-se na modalidade de estratégia baseada na autoridade. Professores que aplicam essa estratégia usam principalmente sua autoridade pessoal para estabelecer limites com repreensões verbais ( BURGER et al., 2015 ). Porém, somente estratégias baseadas em autoridade são prejudiciais, pois, além de não serem efetivas para mudanças a longo prazo, com o tempo podem aumentar os níveis gerais de violência da escola. Dessa forma, é preferível que os professores utilizem abordagens educativas e não punitivas, como, por exemplo, o modelo da justiça restaurativa.
A segunda estratégia, “discutir com a turma possíveis soluções”, é destacada por Burger et al.(2015) como uma forma de lidar com o bullying em equipe, o que envolve responsabilizar outras pessoas pelas decisões. Esse tipo de intervenção fortalece o vínculo entre professores e estudantes, o que aumenta a probabilidade de as testemunhas defenderem a vítima (JUNGERT; PIRODDI; THORNBERG, 2006). Em contraposição, relações conflituosas entre professores e estudantes têm sido associadas a níveis mais altos de vitimização entre pares ( LONGOBARDI; IOTTI; STETTANNI, 2018). Convidar a turma de estudantes a discutir sobre o bullying e propor soluções são estratégias com base na justiça restaurativa.
Em relação à terceira estratégia, “confortar a vítima”, este estudo encontrou resultados diferentes da pesquisa de Burger et al.(2015), que indicou que professores são menos propensos a trabalhar com vítimas. No contexto do bullying, é crucial que se promova atenção diferenciada a esses estudantes, que, na maioria das vezes, são negligenciados por adultos e pelos pares. Dessa forma, os professores devem estar preparados para intervir com o intuito de fortalecer e apoiar o bem-estar e autoestima dos estudantes alvo de violência, aumentando sua assertividade. Destaca-se que as vítimas estão menos suscetíveis a escapar da relação abusiva por si por conta do desequilíbrio de poder, então é necessário que professores intervenham no bullying para a cessação da violência.
Estudos apontam ( OLDENBURG et al., 2015 ; VAN DER ZANDEN; DENESSEN; SCHOLTE, 2015) que a maneira como um professor ou professora reage em casos de violência no ambiente escolar é muito importante para o enfrentamento do problema. Ações docentes podem afetar o nível de interações violentas e a forma como estudantes lidam com essas interações ( YOON; SULKOWSKI; BAUMAN, 2016). Nesse sentido, Troop-Gordon e Ladd (2015) destacaram que as percepções dos estudantes sobre o comportamento de intimidação dos professores estavam relacionadas ao senso de pertencimento escolar, o qual estava associado a níveis mais baixos de vitimização por bullying.
Os professores que foram vítimas de bullying, em idade escolar, destacam como menos efetivas estratégias de esquiva por parte dos estudantes para lidarem com o bullying e professores autores de bullying consideram mais as crenças normativas e de aprendizagem. Segundo Burger et al. (2015), existem fatores individuais e contextuais que influenciam na maneira como professores lidam com o bullying. No caso, ter sido vítima ou autor de bullying na escola é um fator que influencia a maneira como professores perceberão as agressões e se comportarão frente a elas. Kokko e Porhola (2009) indicam que professores que foram vítimas de bullying estão mais sujeitos a confortar as vítimas e empenhar-se mais na cessação do problema, porque desenvolvem empatia por essas pessoas. Dessa forma, esses professores estimulam seus estudantes a enfrentar o problema e não a se esquivar ou fugir deles. Em contrapartida, professores que acreditam que o bullying é uma parte normal da infância ou que promoverá aprendizagem estão mais propensos a aconselhar às crianças vitimadas a evitar intimidações ou lidar com estas de forma independente. Além disso, esses professores são menos propensos a disciplinar os perpetradores (SWIFT et al., 2017).
Além do mais, a estratégia “acompanhar” foi a que mais apareceu correlacionada positivamente a outras estratégias, “ação disciplinar”, “empoderar alunos” e “envolver outros adultos”. Este achado pode indicar que “acompanhar” estudantes envolvidos em bullying envolve monitorar o caso desde a sua identificação, até a sua resolução, caracterizando-se como uma intervenção mais ampla e de longo prazo, que demanda a execução de outras estratégias educativas em conjunto. Corroborando esse achado, Bérgamo (2016) define que a estratégia docente “acompanhar” na intervenção antibullying envolve: observar o(s) aluno(s) nos dias seguintes, acompanhar a situação e monitorar os estudantes. Salienta-se que Burger et al.(2015) encontraram resultados parecidos sobre as estratégias citadas por professores, mostrando que esses profissionais, geralmente, preferem intervenções baseadas na obediência à autoridade, trabalho não punitivo com agressores e o envolvimento de outras pessoas.
Além disso, também houve correlação negativa significativa entre a estratégia “crenças de aprendizagem” e as estratégias “acompanhar” e “empoderar alunos”. Isso pode apontar para o fato de que as crenças que os professores têm sobre o bullying estão relacionadas com as estratégias que utilizam para lidar com esse problema, o que é corroborado pela literatura ( DE LUCA; NOCENTINE; MENESINI, 2019; SAARENTO; GARANDEAU; SALMIVALLI, 2014). No caso, professores que percebem o bullying como um problema sério e não como algo que, de alguma forma, ensina habilidades aos estudantes envolvidos, podem estar mais propensos a intervirem a partir de estratégias não punitivas.
Observa-se, ainda, correlação positiva entre vitimização de professores e vitimização entre estudantes, ambas relatadas pelos professores. A referida correlação indica que a violência escolar é um problema complexo que afeta todos os sujeitos da escola, por meio de situações que se encontram interrelacionadas. Por exemplo, estudos mostram que há maiores casos de vitimização em salas de aulas, nas quais professores têm o histórico de também intimidar estudantes ( AZEREDO et al., 2015 ; SAARENTO et al., 2014). A literatura também aponta uma associação entre ser vítima e/ou pessoa autora de bullying e sofrer violência por parte dos docentes ( BANZON-LIBROJO; GARABILES; ALAMPAY, 2017; LUCAS-MOLINA et al., 2015 ). Se as relações que os professores estabelecem com seus estudantes forem com base na violência e na punição, estes profissionais criarão um contexto escolar no qual as práticas agressivas e de desrespeito são vistas como permitidas e naturalizadas.
5 Conclusões
As percepções e crenças dos professores em relação ao bullying e ao enfrentamento da violência escolar, bem como o histórico de envolvimento desses docentes em bullying na infância, mostraram-se variáveis importantes na maneira como esses profissionais agirão frente às práticas de intimidação e vitimização entre pares. Dessa forma, para a construção de programas multiníveis mais eficazes de enfrentamento da violência escolar, é necessário que os pesquisadores e as pesquisadoras da educação identifiquem essas variáveis e aprofundem o entendimento de como elas se relacionam.
No que tange às limitações apresentadas pela presente pesquisa, esta foi realizada com amostra pequena, estabelecida por conveniência, e com delineamento transversal, com recorte temporal e geográfico, o que gera relevantes vieses e impossibilita inferir, com maior grau de certeza, às relações de causalidade entre as variáveis. Esse contexto também dificulta a generalização dos resultados desse estudo para outros contextos. Em decorrência do exposto, recomenda-se que mais estudos sejam realizados sobre crenças, autoeficácia e estratégias de professores frente ao bullying, com base em delineamentos longitudinais e com amostras mais representativas da população. De todo modo, apesar das limitações, observa-se que a investigação oportunizou a obtenção de dados interessantes que corroboram com estudos a nível nacional e internacional e que podem contribuir para a construção de intervenções no contexto escolar para o enfrentamento do bullying.