1 Introdução
O mapa como saber socialmente produzido está presente em diferentes contextos históricos e pode ter diferentes vinculações institucionais, como o saber acadêmico, o saber a ser ensinado e o saber ensinado. O saber acadêmico pode ser entendido como aquele que possui as bases científicas e é encontrado nas universidades. O saber a ser ensinado faz parte de uma esfera intermediária entre o saber acadêmico e o saber ensinado, cabendo à esfera intermediária, teoricamente, fazer a seleção dos conteúdos do saber acadêmico que devem fazer parte do saber ensinado. Integram o saber a ser ensinado os currículos, materiais didáticos e programas oficiais. O saber ensinado diz respeito ao saber efetivamente ensinado no ambiente escolar por meio das práticas pedagógicas vinculadas ao sistema de ensino e pode ter legitimação no saber acadêmico e no saber cotidiano trazido pelos envolvidos no sistema de ensino: alunos, professores, pais de alunos e funcionários (Melo, 2020).
O mapa como produto social esteve presente nas sociedades desde antes mesmo da escrita e apareceu registrado em diferentes materiais, como paredes de cavernas, pergaminhos, argila, tiras de bambu, entre outros, representando diferentes elementos do espaço geográfico em que cada sociedade estava inserida, além de outros aspectos (Raiz, 1985).
Atualmente, os mapas continuam fazendo parte da sociedade brasileira e cumprem diferentes funções, que vão desde o conhecimento do território, que são aqueles elaborados por órgãos oficiais, até os produzidos como meio de reinvindicação por diferentes segmentos da sociedade. A circulação dos mapas digitais pela Internet associada à informática deu-lhes outras características, podendo-se encontrá-los como produção individual ou colaborativa e com diferentes finalidades, criando um novo universo denominado cibercultura (Canto, Almeida, 2011).
Faz algum tempo que os mapas também fazem parte do contexto escolar do Brasil. Boligian e Almeida (2011), numa pesquisa com livros didáticos do período de 1824 a 1936, apontam que já havia o reconhecimento da importância do mapa, no entanto era um recurso caro para a época. Outra característica observada é que o conteúdo da Cartografia era concentrado na primeira parte da obra e que boa parte dos conteúdos cartográficos presentes nos livros não tinha origens acadêmicas, sendo, ao contrário, vinculada a um tipo de saber erudito clássico.
Essas características dos livros didáticos tendem a ser cada vez mais escassas nos livros atuais em decorrência dos avanços que a Cartografia Escolar alcançou nos últimos anos quanto às concepções de uso do mapa no ensino de Geografia. A Cartografia Escolar encontra-se consolidada enquanto grupo de estudo no Brasil e suas pesquisas abordam diferentes enfoques: formação de professores, produção de materiais didáticos, currículo, elaboração de mapas, entre outros (Almeida, Almeida, 2014).
Mesmo com os avanços que a Cartografia Escolar trouxe para os mapas no Brasil no contexto do ensino de Geografia, ainda é preciso reconhecer que há lacunas, e uma delas é a falta de mapas que abordem o município, lugar no qual os alunos estão inseridos. Isso ocorre porque a maior parte dos materiais didáticos é para atender a um enfoque da produção editorial no Brasil como um todo. A Cartografia Escolar, por meio dos atlas municipais escolares, e o mapas mentais são estratégias para o preenchimento dessas lacunas (Melo, Oliveira, 2019).
Os desenhos podem ter pelo menos duas finalidades no processo de ensino e aprendizagem em Geografia: a iniciação cartográfica, na qual as atividades gradualmente levam ao conceito de mapa (Almeida, 2010), e a utilização dos próprios desenhos para a interpretação de um determinado espaço geográfico ou mesmo de um determinado tema que se queira discutir (Richter, 2011).
Este trabalho teve como objetivo o uso do mapa mental junto aos estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Sorocaba-SP para o estudo do lugar no qual estão inseridos, ou seja, o bairro.
2 Mapa mental no contexto do ensino de Geografia
O uso do mapa mental no processo de ensino e aprendizagem em Geografia não exclui a utilização de outros recursos audiovisuais no contexto escolar. Ao contrário, diferentes meios podem ser simultaneamente utilizados, a depender do objetivo que se queira alcançar. Ressalta-se que o mapa mental, como método para se atingir um determinado propósito, configura uma abordagem da cartografia como linguagem no processo de ensino e aprendizagem de Geografia, e não como conteúdo (Melo, 2018).
O mapa mental é um instrumento que possibilita estudar o lugar no qual os alunos estão inseridos, visto que, na maior parte das vezes, esse recorte não é tratado nos materiais didáticos, como já frisado anteriormente. O lugar, local de vivência dos alunos, deve ser conhecido e reconhecido por eles com o intuito de compreender esse espaço sob diferentes aspectos e como sujeitos (Callai, 2020).
O mapa mental possibilita que os mapas não permaneçam centrados somente naqueles identificados como oficiais e que possam ter diferentes interpretações, visando a transformar a educação cartográfica em um projeto pluralista (Seemann, 2012).
Como recursos didáticos, os mapas mentais colocam os alunos no protagonismo da ação educativa, não ficando os mesmos sujeitados a uma educação bancária. Nessa perspectiva, os estudantes são convidados a refletir sobre seu próprio espaço geográfico por meio de problematizações, vivenciando, assim, a educação libertadora proposta por Paulo Freire (Freire, 1996).
O mapa mental permite a problematização do espaço geográfico e pode ser útil no processo de comunicação entre os alunos, visto que ele, enquanto comunicação, “[...] precede historicamente a escrita, podemos inferir que também as crianças se comunicam entre si através de representações gráficas, as quais podem grosso modo ser consideradas mapas” (Oliveira, 2007, p. 19).
Além da contribuição para a comunicação, os mapas mentais podem ser usados para o raciocínio geográfico e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento do ensino de Geografia “[...] por estabelecer o contato entre os contextos de vivência [...] com os conteúdos da Geografia, que buscam explicar os fenômenos e as práticas sociais” (Richter, 2011, p. 133).
Outro aspecto importante do uso do mapa mental no processo de ensino e aprendizagem em Geografia é que ele exige uma inteligência e uma aptidão que estão ao alcance dos alunos, a graficacia, entendida como habilidade espacial que, segundo Balchin (1978), parece ter sido a primeira forma de comunicação desenvolvida tanto por animais quanto por seres humanos para, inicialmente, encontrar rotas, e, de forma mais sofisticada e somente por seres humanos, a elaboração cartográfica e o planejamento espacial. Em seguida teria ocorrido a articulacia, a produção de ruídos, que, entre os seres humanos, está relacionado com a fala. A terceira forma é a comunicação por meio da escrita, denominada literacia, e a quarta diz respeito à numeracia, comunicação que se dá por meio dos símbolos numéricos.
Nessa mesma direção, Oliveira (1978) também nos ajuda a fundamentar o uso do mapa mental, principalmente junto às crianças, quando aborda as relações espaciais que ocorrem numa certa ordem. Primeiro são as relações espaciais topológicas e, depois, viriam as relações espaciais projetivas e euclidianas, concluindo-se que “[...] claro está que os primeiros mapas que as crianças deveriam aprender a manipular seriam os topológicos, e não os projetivos e euclidianos, como ocorre na maioria das vezes” (Oliveira, 1978, p. 15). Os mapas mentais feitos pelas crianças representam justamente as relações espaciais topológicas.
A representação do espaço geográfico por meio do mapa mental é única e particular de cada aluno e está vinculada à sua experiência individual naquele espaço em que está inserido. “Ao criar as formas do mundo, estabelecem sentidos que expressam o cultural e o social, produtos de seu entendimento sobre o espaço vivido, percebido, sentido, amado ou rejeitado” (Kozel, 2006, p. 141).
O mapa mental elaborado por cada aluno pode ser modificado a partir de reflexões e estudos realizados durante o processo de ensino e aprendizagem de Geografia em sala de aula. “Os desenhos não são fixos e envolvem momentos de percepção que são construídos sucessivamente (pela ação) para resultar numa expressão gráfica” (Santos, 2006, p. 187).
Diante do exposto, o mapa mental é um recurso interessante para utilização no processo de ensino e aprendizagem de Geografia, contemplando vários aspectos importantes para a formação do cidadão com base em uma leitura crítica do espaço no qual está inserido.
3 A preparação para o uso do mapa mental
O projeto foi desenvolvido junto a 26 estudantes, faixa etária de 6 a 7 anos, do 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Sorocaba, São Paulo, no segundo semestre de 2022.
O projeto foi facilitado pelo livro didático de Geografia do 1º ano que faz parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Em sua unidade 2 – A vida cotidiana e a natureza –, os estudantes são convidados a desenvolver o conceito de lugar a partir da observação de seus espaços de vivência, descrever esses lugares em diferentes realidades e por meio de perspectivas individuais, apropriar-se de noções básicas de alfabetização cartográfica e desenvolver o pensamento espacial (Simielli, 2017).
Partindo-se do pressuposto de que o livro didático é um entre os recursos didáticos pedagógicos e que, para além das atividades nele propostas, deve ser adaptado à realidade do aluno pelo professor, foram acrescentadas as atividades descritas a seguir.
Leitura do livro Nossa rua tem um problema, de Ricardo Azevedo. Devido à sua extensão, o livro foi dividido e lido em seis capítulos. Com base no diário de duas crianças de sexos diferentes, os estudantes refletiram a respeito das diferentes perspectivas que uma mesma situação pode suscitar em distintas pessoas (Azevedo, 1992).
Leitura dos livros A rua do Marcelo e O bairro do Marcelo, ambos de Ruth Rocha (Rocha, 2012a; 2012b). Após as leituras realizaram-se rodas de conversa em que os alunos foram estimulados a desenvolver sua oralidade citando problemas que encontram em suas ruas.
Confecção de mapas mentais e produção escrita com auxílio de um escriba sobre o problema que mais aflige cada criança em sua rua. Foi solicitada aos alunos a elaboração de três mapas mentais: 1) mapa mental com os problemas do bairro (20 mapas mentais foram criados). As leituras realizadas nas atividades 1 e 2 contribuíram para a discussão sobre o conceito de um problema existente no meio em que vivem. Certamente que, em virtude da faixa etária dos alunos, é mais fácil a identificação de alguns problemas do que de outros. O importante na atividade foi o entendimento da causa do problema e de como a ação coletiva dos moradores poderia resolvê-lo, e não apenas a identificação do problema. A atividade teve como finalidade proporcionar o estudo do lugar por meio do levantamento de problemas vivenciados pelos alunos; 2) mapa mental com os lugares que gostam de frequentar (22 mapas mentais foram elaborados). Essa atividade teve como principal objetivo a representação, nos mapas mentais, de outros lugares que os alunos frequentam além do bairro onde residem. No estudo do lugar, é importante haver parâmetros para que se realizem comparações entre os diferentes locais frequentados, pois, dessa forma, verifica-se que a cidade não é homogênea e que a configuração espacial pode ser bem diferente; 3) mapa mental com o “bairro ideal”, no qual os estudantes descreveram como seria o bairro depois de solucionados os problemas identificados (foram produzidos 22 mapas mentais). Essa tarefa, que usou como parâmetro a atividade 1, em que foram confeccionados os mapas mentais com os problemas no bairro, teve como objetivo argumentar que os problemas podem ser solucionados, embora uns com mais facilidade do que outros, que alguns problemas podem ser resolvidos pelos próprios moradores e outros necessitam do Poder Público. Os mapas mentais foram interpretados de acordo com os conceitos e conteúdos geográficos propostos por Richter (2011), como mostrado no Quadro 1.
Categorias e conteúdos geográficos | Interpretação dos mapas mentais | |
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Legibilidade | Área geográfica | A rua, o bairro, a cidade, os objetos e elementos representados na composição do mapa. |
Vias | Fluxos: deslocamento dos indivíduos, das mercadorias, os espaços de consumo. | |
Bairros | Diferenças: influência das experiências no reconhecimento das particularidades, olhar mais atento às diferenças e especificidades. | |
Marcos | Referências para localizações: de acordo com os percursos, atividades cotidianas, locais com importância social, econômica, cultural. | |
Pontos nodais | Conexões validadas pelos indivíduos. São pontos de encontro/associação. | |
Limites | Espacializam/delimitam as diferenças presentes no espaço, que podem ser fixas ou móveis e mudam com a dinâmica do espaço-tempo. | |
Processo | Problemas urbanos | Identificação e espacialização dos eventos, fatos, fenômenos e processos que são responsáveis pela (trans)formação da cidade – modificação da paisagem. |
Globalização | Análise dos elementos, objetos, contextos ou paisagens que resultam da interferência da totalidade-mundo. |
Fonte: Richter (2011, p. 240)
4 A experiência com o mapa mental
Não há uma forma única de interpretar os mapas mentais, portanto vamos inicialmente apresentar os resultados por ordem das atividades realizadas pelos alunos. Na atividade 1, foram representados os mapas mentais dos problemas do bairro de acordo com a suas percepções. No gráfico da Figura 1, estão elencados os principais problemas do bairro que apareceram nos mapas mentais dos alunos. Nota-se, pelo gráfico, que o barulho foi o problema mais comum nos mapas mentais, com seis representações (30%), destacando-se aqueles produzidos pelos veículos automotores. Na sequência, com quatro representações (20%), evidenciaram-se os maus-tratos com os animais. Em seguida, dois problemas se apresentaram empatados, com três respostas cada (15%): a falta de urbanidade entre os vizinhos e os problemas provocados pela chuva, especialmente o alagamento das ruas, o que causa grandes transtornos para os moradores. Depois, com uma resposta (5%) para cada um, aparecem: imprudência no trânsito, ruas esburacadas, violência doméstica e esgoto a céu aberto. Os problemas representados nos mapas mentais dos alunos são coerentes com as características do bairro em que residem, pois se trata de um local de baixa renda e com muitos problemas estruturais de uma cidade grande como Sorocaba. A Figura 2 exibe um exemplo de mapa mental representando os problemas do bairro.
Optou-se por destacar o problema “barulho” pelo fato de ter sido o mais citado nos mapas mentais dos alunos (Figura 1). A leitura do mapa mental (Figura 2) mostra a representação do problema “barulho”, oriundo dos carros que transitam pela rua, bem como dos animais. A área geográfica em questão é a casa do aluno, e a via diz respeito à rua em frente à casa. Como o foco é o problema urbano, não há muitos limites, com exceção da separação da via e da casa. Cada estudante, conforme mostra a Figura 1, expôs o seu ponto de vista e a sua percepção, portanto verifica-se que “[...] os alunos conseguiram representar a localidade em que vivem, mas cada um com sua visão. Por isso, foi possível ver diferentes legendas e pontos que os mesmos utilizaram” (Silva et al., 2020, p. 2180).
A segunda atividade foi o mapa mental dos locais de que os alunos mais gostam. A Figura 3 representa os lugares que eles mais frequentam. Em primeiro lugar empatados com cinco respostas (23%) cada, o supermercado e a pracinha com brinquedos. Observa-se que o supermercado é, ao mesmo tempo, um local de compras e de lazer, visto que atualmente esse tipo de comércio é estruturado com muitas opções, principalmente praças de alimentação. A pracinha foi a outra opção, com destaque para os brinquedos, demostrando que, mesmo em se tratando de um bairro de baixa renda, há praças com equipamentos para lazer ao ar livre. O segundo lugar mais frequentado foi a casa dos parentes, com quatro respostas (18%). Entre os familiares, a casa dos tios citada três vezes, e a casa da avó, uma vez. Em terceiro lugar ficou a sorveteria, com três respostas (13,5%), e em quarto lugar, a piscina da casa, o instituto de reforço escolar, a ciclovia, a lanchonete e o judô, com uma resposta cada (4,5%). Ressalta-se que os poucos lugares visitados são restritos ao espaço da cidade onde residem, indicando que pode haver uma barreira econômica que limita o acesso a outros locais oferecidos pela cidade ou o desconhecimento de sua existência. Na Figura 4, um exemplo de mapa mental dos lugares que os alunos gostam de frequentar.
Nota-se, na Figura 4, a riqueza de detalhes do mapa mental que representa a casa da avó e o entorno. Além disso, a área geográfica, em comparação com a Figura 2, foi ampliada na representação dos lugares que mais gostam de frequentar. O bairro em questão não é o mesmo em que mora o aluno. Observa-se, por meio da reprodução das ruas, que as vias foram ampliadas, inclusive com o registro de cruzamentos. Os marcos e os pontos nodais também foram diversificados, incluindo outras referências e conexões, como a ciclovia, a casa de parentes e outros limites, diferentemente daqueles que estavam restritos na atividade 1. A ampliação do espaço geográfico e o maior número de elementos representados foram constantes nessa atividade, talvez pelo fato de não ter sido necessário que os estudantes se concentrassem em um único aspecto (o problema urbano), sendo-lhes possível usar mais a criatividade e as boas memórias dos lugares agradáveis. Nesse sentido, estamos de acordo com Kozel (2006, p. 141), quando afirma que as “[...] pessoas constroem o sentido de espaço não somente pela atividade consciente do pensamento teórico, mas sobretudo pelo conhecimento intuitivo do espaço que passa a ser expresso”.
A atividade 3 foi a confecção do mapa mental do meu bairro ideal, figura 5. Os itens mais representados foram lixeiras e jardins, com cinco citações (23%). Em segundo lugar ficou o parquinho, com quatro respostas (18%). Ter um supermercado maior foi a terceira demanda, com três respostas (14%), seguida do siêncio para dormir, com duas respostas (9%). Em seguida foram mencionados: área de lazer com piscina e pula-pula, saúde mental, mais áreas verdes, bairro residencial apenas, ausênciaa de maus-tratos aos animais, menos trânsito, mais harmonia entre os parentes e loja de algogão-doce, com uma resposta cada (4,5%). Ressalta-se que as representações dos alunos para o bairro ideal (Figura 5) se altenaram entre a resolução do problema apontado na atividade 1 (Figura 1) e as demandas consideradas importandes para o bairro em que moram, as quais, de forma geral, foram percepções que apontaram a falta de infraestrutura urbana, saneamento e lazer. O bairro ideal está representado no mapa mental da Figura 6.
O mapa mental da Figura 6 faz parte da atividade 3, que representou o bairro ideal. Nesse exemplo, optou-se pelo mapa mental do mesmo aluno que apontou o barulho como o principal problema no bairro. Verifica-se que, em seu mapa mental do bairro ideal, os carros e os animais não foram representados, visto serem os causadores do barulho, surgindo em seu lugar crianças brincando na rua em três atividades diferentes: jogo de bola, pular corda e soltar pipa. Essa relação direta entre o problema apontado e a sua solução apareceu em 50% dos mapas mentais. Os outros 50% apresentaram uma solução indireta para o problema. Os detalhes representados nos mapas mentais também foram marcantes nas atividades, semelhante ao relatado por Cardoso, Silva Júnior e Lobato (2022, p. 87), em que, durante a atividade, “[...] foi possível observar a minuciosidade na representação de cada elemento, além da ludicidade que é trabalhar com os mapas mentais”.
Após a exposição analítica dos mapas mentais, apresenta-se a seguir a síntese das três atividades (Quadro 2), importante para comparar os três mapas mentais com os componentes geográficos previamente definidos, visto que, como cada atividade teve um foco diferente, as conexões espaciais também foram diferentes.
Categorias e conteúdos geográficos | Interpretação dos mapas mentais | |
---|---|---|
Estrutura | Área geográfica | O bairro foi a área geográfica predominante nas atividades 1 e 3, destacando-se que as representações ficaram limitadas às ruas na quais os alunos habitam e também às casas, enquanto recortes espaciais menores. Já na segunda atividade, os mapas mentais mostraram áreas geográficas diferentes, como casa de parentes, pracinha, parquinho, ciclovia e pontos comerciais (sorveteria, supermercado, academia e lanchonete). |
Vias | Nas atividades 1 e 3, a maior parte dos mapas mentais ficou restrita à rua e, mesmo aquele em que a rua não apareceu como desenho, ela foi citada. Os carros também apareceram nas ruas como elementos do fluxo cotidiano. Na atividade 2, além da rua, elemento predominante, surgiu também a ciclovia. | |
Bairros | O bairro não foi visto de forma igual por todos os alunos. Cada um, a partir do seu ponto de vista, trouxe para o mapa mental algo que está mais próximo da sua rua como acontecimento, no entanto houve alguns mapas mentais que indicaram problemas semelhantes. A maior diversidade de lugares apareceu na atividade 2, e em alguns mapas mentais os limites do bairro foram extrapolados. | |
Marcos | Nas atividades 1 e 3, as ruas foram as referências mais comuns nos mapas mentais. Em seguida, as casas. Houve ainda o desenho de um comércio e de um rio. Na atividade 2, no entanto, houve outras referências, como casa de parentes, pracinha, parquinho, ciclovia e pontos comerciais (sorveteria, supermercado, academia e lanchonete). | |
Pontos nodais | A conexão com maior predominância foi a rua nas atividades 1 e 3, enquanto na atividade 2 houve outras conexões, como a praça, o parque infantil, o supermercado, a sorveteria, a lanchonete e o condomínio. | |
Limites | Nas atividades 1 e 3, as principais espacializações foram as ruas, seguidas de perto pelas casas. Houve também a presença de um rio. Na atividade 2, as espacializações, além das ruas e casas, foram outras, como praças, zoológico, condomínio, pontos comerciais e área de lazer. | |
Processo Forma |
Problemas urbanos | Os problemas urbanos foram restringidos ao bairro, lugar no qual os alunos estão inseridos e, portanto, de mais fácil de percepção. Os problemas do bairro foram representados diretamente na atividade 1 e como demandas na atividade 3 na representação de meu bairro ideal. As duas atividades contribuíram para problematizar o estudo do lugar na sala de aula. |
Globalização | Este tema não foi trabalhado com os alunos. |
Fonte: Autoria própria (2022)
Verifica-se, no Quadro 2, que, nas atividades 1 e 3, os elementos do espaço ficaram bem restritos aos locais mais próximos do cotidiano dos alunos, ou seja, as ruas e as casas. Já na atividade 2, esses espaços foram ampliados para outros limites. A principal diferença entre esses recortes espaciais está em que, nas atividades 1 e 3, os mapas mentais foram elaborados com base na experiência que os alunos já tinham do bairro, portanto frutos das suas memórias. Na atividade 2, entretanto, os alunos fizeram visitas com os pais aos lugares que mais gostam, ampliando, dessa forma, seus horizontes. “Quando lidamos com desenhos, estamos lidando com o aspecto visual do pensamento e da memória” (Santos, 2006, p. 187).
Independentemente do recorte espacial representado, os mapas mentais foram representações das aquisições dos alunos, portanto esses desenhos “[...] do espaço são reveladores das aquisições das crianças quanto à representação espacial. Como sistema de representação, esses desenhos podem ser instrumentos valiosos para professores que saibam interpretá-los” (Almeida, 2010, p. 111).
Interpretar esses desenhos não foi uma tarefa difícil e ajudou a problematizar o espaço geográfico com o qual os alunos têm familiaridade. “Levar em conta o processamento mental das informações provenientes do ambiente pode ser importante para avaliarmos criticamente determinadas experiências ambientais que vivemos” (Pinheiro, 2006, p. 153).
Estamos de acordo com Kozel (2006, p.134), que afirma que os mapas “[...] sempre se constituíram a partir da percepção e representação de imagens mentais [...]”, aspecto observado nos mapas mentais elaborados pelos alunos.
Os mapas mentais foram muito importantes para a problematização do cotidiano dos estudantes, reforçando o seu potencial enquanto “[...] recurso metodológico na função de linguagem do cotidiano, já que os mapas mentais aqui apresentados nos mostraram que não são apenas desenhos, mas sim novas formas de se estudar Geografia” (Leandro, Canto, 2019, p. 92).
Ressalta-se que os mapas mentais, além de permitirem e facilitarem o conteúdo proposto, possibilitaram, ainda, “[...] de forma dinâmica a inserção do sujeito no processo de construção do saber, proporcionando ao docente discutir e dialogar acerca desse saber local produzido pelos estudantes sobre essa temática” (Lucena, 2019, p. 10).
Por meio dessa atividade com os mapas mentais ficou claro que a Geografia Escolar pode ser diferente no que se refere às propostas didático-pedagógicas junto aos alunos, ou seja, pode ser praticada “[...] de maneira mais flexível e atraente para nossos alunos, deixando-os livres para representar da maneira que sentem e vivem o espaço onde moram, e até mesmo buscando [...] respostas às suas próprias indagações” (Mesquita, 2020, p. 422).
5 Considerações Finais
Um ponto importante a ser destacado no uso dos mapas mentais com as crianças em fase de alfabetização é que não houve qualquer tipo de obstáculo no desenvolvimento da atividade; ao contrário, os mapas mentais representaram exatamente o que os alunos desejavam, reforçando, portanto, que são importantes recursos para a representação do espaço topológico.
O mapa mental como instrumento didático em Geografia se mostrou muito útil para preencher a lacuna existente nos materiais didáticos, aproximando o conteúdo da sala de aula e o cotidiano dos alunos. Dessa forma, pensar o espaço geográfico e suas contradições desde cedo é uma tarefa possível de ser realizada para a formação do cidadão.
Salienta-se que a atividade do mapa mental é uma tarefa de fácil aplicação e baixo custo e pode ser feita com os materiais disponíveis na escola, lembrando que a folha de papel não precisa ser, necessariamente, de sulfite. A leitura dos mapas mentais tampouco foi uma tarefa difícil, e a literatura oferece parâmetros para sua interpretação e apoio para sua fundamentação.
Os alunos fizeram os mapas mentais como uma atividade lúdica, de forma descontraída e prazerosa, portanto esse recurso foi adequado para o conteúdo proposto sem representar uma tarefa enfadonha. Uma das vantagens do mapa mental é que desenhar é algo de que as crianças gostam e já fazem antes mesmo de entrarem para escola.
A atividade com mapas mentais possibilitou o protagonismo dos educandos na seleção dos elementos do espaço que gostariam de representar e compartilhar com os colegas, demonstrando que os mapas mentais, assim como os mapas, trazem consigo as suas intencionalidades. Nessa perspectiva, concorda-se que a história dos mapas pode ser lida como uma forma de discurso e “[...] devem-se encarar os mapas como sistemas de signos incomparáveis, nos quais os códigos podem ser ao mesmo tempo imagéticos, linguísticos, numéricos e temporais, e como uma forma de saber espacial” (Harley, 2009, p. 18).