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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.34 no.67 Rio Claro  2024  Epub 05-Set-2024

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v34.n.67.s17948 

Dossiê

Trajetórias, perspectivas e impasses: o assessoramento pedagógico na UFPel em questão

Trajectories, perspectives and deadlocks: the pedagogical advisory at UFPel in question

Trayectorias, perspectivas y impases: el asesoramiento pedagógico en la UFPel en cuestión

Maria Isabel da Cunha1 
http://orcid.org/0000-0003-4129-7755

Juliana Bittencourt Garcia2 
http://orcid.org/0000-0002-6467-5264

Maria Janine Dalpiaz Reschke3 
http://orcid.org/0000-0002-3456-749X

Débora Cristina Nichelle Lopes4 
http://orcid.org/0000-0001-7059-6362

1Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: cunhami@uol.com.br.

2Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: jbittencourtgarcia@gmail.com.

3Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: mjanine@terra.com.br.

4Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: dcn_lopes@yahoo.com.br.


Resumo

O presente estudo se insere no projeto “Assessoramento Pedagógico Universitário: singularidades e sincronicidades num cenário internacional”, desenvolvido por universidades brasileiras, argentinas, uruguaias e portuguesas com o objetivo de sistematizar as concepções e as práticas de assessoramento pedagógico nas instituições de Educação Superior (IESs) dos países envolvidos. Trata-se de uma pesquisa de casos múltiplos com procedimentos quantitativos e qualitativos. Organizou-se um desenho metodológico de coleta de dados que incluiu questionários aplicados às equipes de assessoramento de cada universidade envolvida e aos docentes que haviam participado de processos formativos promovidos pela IES. Os autores que sustentaram as análises e interpretação do estudo foram, principalmente, Cunha (2008, 2010, 2022), Hamermüller (2022), Sousa Santos (2000), Pimenta e Anastasiou (2002) e Nóvoa (1992). Percebeu-se, a partir do resgate histórico exposto no texto, que os movimentos gerados para o assessoramento pedagógico universitário na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foram desenhados e redesenhados ao longo dos diferentes períodos políticos e modelos de gestão. Considerando-se, entretanto, os depoimentos dos interlocutores, fica evidente a importância do assessoramento pedagógico universitário, uma vez que os entrevistados trazem reflexões sobre a prática e as percepções acerca de conceitos e compreensões do trabalho docente.

Palavras-chave Educação Superior; Formação Continuada; Assessoria Pedagógica Universitária; Trabalho Docente

Abstract

The present study is part of the project “University Pedagogical Advisory: singularities and synchronicities in an international scenario”, developed by brazilian, argentine, uruguayan and portuguese universities with the objective of systematizing the concepts and practices of pedagogical advisory in higher education institutions (HEIs) of the countries involved. It is a research of multiple cases with quantitative and qualitative procedures. A methodological design for data collection was organized, including questionnaires to the advisory teams of each university involved and to the professors who had participated in formative processes promoted by the HEI. The authors who supported the analyzes and interpretation of the study were, mainly, Cunha (2008, 2010, 2022), Hamermüller (2022), Sousa Santos (2000), Pimenta and Anastasiou (2002), Nóvoa (1992). We realize, from the historical review exposed in the text, that the movements generated for university pedagogical advisory at Universidade Federal de Pelotas (UFPel) were designed and redesigned over different political periods and management models. Considering, however, from the depositions of our interlocutors, the importance of university pedagogical advisory is evident, since they bring reflections on practice and perceptions about concepts and understandings of teaching work.

Keywords Higher Education; Continuing Training; University Pedagogical Advisory; Teaching Work

Resumen

El presente estudio forma parte del proyecto “Asesoramiento Pedagógico Universitario: singularidades y sincronicidades en el escenario internacional”, desarrollado por universidades brasileñas, argentinas, uruguayas y portuguesas con el objetivo de sistematizar los conceptos y prácticas de asesoramiento pedagógico en instituciones de Educación Superior (IES) de los países involucrados. Es una investigación de casos múltiples con procedimientos cuantitativos y cualitativos. Se organizó un diseño metodológico para la recolección de datos que incluyó cuestionarios aplicados a los equipos de asesores de cada universidad involucrada y a los docentes que participaron en los procesos de formación promovidos por la IES. Los autores que sostuvieron el análisis e interpretación del estudio fueron, principalmente, Cunha (2008, 2010, 2022), Hamermüller (2022), Sousa Santos (2000), Pimenta y Anastasiou (2002) y Nóvoa (1992). Se ha percibido, a partir del rescate histórico expuesto en el texto, que los movimientos generados por el asesoramiento pedagógico universitario en la Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fueron diseñados y rediseñados a lo largo de diferentes períodos políticos y modelos de gestión. Sin embargo, desde de los testimonios de los interlocutores, se evidencia la importancia del asesoramiento pedagógico universitario, ya que el proyecto ofrece reflexiones sobre la práctica y las percepciones sobre concepciones y comprensiones sobre el trabajo docente.

Palabras clave Educación Superior; Formación Continua; Asesoramiento Pedagógico Universitario; Trabajo Docente

1 Introdução

Este texto se insere no projeto “Assessoramento Pedagógico Universitário: singularidades e sincronicidades num cenário internacional”, desenvolvido por universidades brasileiras, argentinas, uruguaias e portuguesas com o objetivo de sistematizar as concepções e as práticas de assessoramento pedagógico nas instituições de Educação Superior (IESs) dos países envolvidos (com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [FAPESP]). Objetiva-se compreender as singularidades e as sincronicidades dessas iniciativas a partir dos contextos em que se produzem e fomentar estudos conjuntos entre as IESs participantes.

A pesquisa de casos múltiplos é o que caracteriza este estudo, utilizando procedimentos quantitativos e qualitativos. Em uma primeira etapa, fez-se uma varredura na literatura da área para cotejar os objetivos propostos. Logo, um desenho metodológico de coleta de dados foi organizado, incluindo questionários encaminhados às equipes de assessoramento de cada universidade envolvida e aos docentes que haviam participado de processos formativos promovidos pela IES. Esses dados favoreceram inferências sobre as experiências de cada instituição e, quando reunidos, delimitaram o panorama de cada país e o geral, decorrentes do cruzamento dos dados.

Vale ressaltar que o tema das assessorias pedagógicas universitárias vem se instituindo em processos de legitimação, ainda que muito há de se andar nessa perspectiva. Há, também, um esforço, nas últimas décadas, de se ter a temática como objeto de investigação. A criação de redes acadêmicas, geradas em torno do tema, revelam um alto potencial para o fortalecimento dos espaços de produção e difusão do conhecimento.

Na perspectiva de Miranda (2022), três são as principais facetas de projetos em rede em torno de um tema aglutinador: os aportes teóricos, com bases empíricas em ações, espaços e experiências de formação pedagógica dos docentes universitários – objetos do estudo –; o trabalho coletivo que fortalece a interação, a produção e a disseminação de conhecimentos a partir de uma territorialidade ampliada; e o enriquecimento dos vínculos acadêmicos prévios.

A energia posta neste estudo tem a pedagogia universitária e a formação de professores deste nível de ensino como objeto. Implica considerar os desafios, em termos de condições sócio-históricas, que atravessam as universidades ibero-americanas.

O contexto escolar e acadêmico requer uma ação profissional complexa, que envolve a gestão, o desenvolvimento profissional docente e o compromisso dos estudantes com a sua formação. Há algumas décadas compreende-se que a formação é uma condição pessoal e que exige empenho e mobilização para tal. Alguns autores, como Freire (2000) e Sousa Santos (2000), defendem que toda a formação é autoformação, ou seja, requer que o próprio sujeito esteja nela implicado e dê sentido ao processo que vivencia. Se esta compreensão foi fundamental para se ultrapassar a racionalidade técnica, ela não prescinde do reconhecimento da importância das ações intencionais que favorecem as trajetórias de formação dos sujeitos.

Compreende-se, então, que, sendo o trabalho um espaço de formação, ele se potencializa quando aninha ações que têm essa perspectiva como meta, que reflete sobre suas possibilidades e experiências. Nesse sentido, a experiência assume uma dimensão de produção de conhecimento, quando acompanhada de pesquisa e de registros potencializadores da inovação. O espaço acadêmico e escolar necessita de pessoas que se dediquem ao desenvolvimento profissional dos professores, ao estímulo às aprendizagens significativas dos estudantes, ao acompanhamento das vivências curriculares, à qualidade das práticas educativas e à valorização dos trabalhos colaborativos e das comunidades de aprendizagem. Essas são iniciativas, em geral, próprias da assessoria pedagógica.

Parece urgente, pois, refletir sobre a formação de professores e sobre os processos que os docentes universitários e, em especial os iniciantes, vivenciam para construir seus saberes (Cunha, 2014). Devem ser reconhecidos como adultos que aprendem, em processo de permanente formação. Defende-se que

o sucesso dos processos de ensinar e aprender não deve ser responsabilidade individual dos professores, mas fazer parte da responsabilidade institucional. Contará com a história e a cultura dos participantes, as condições objetivas do trabalho, o envolvimento coletivo da universidade e as metas a alcançar

(Cunha, 2014, p. 45).

O assessor, entretanto, realiza sua orientação ao docente envolvendo o processo pedagógico, muitas vezes em condições de diversidade. A especificidade das situações didáticas, as diversidades quanto a instituições, profissões, estudantes e conteúdos disciplinares, exigem a organização de estratégias metodológicas e de avaliação que se definem a partir dessas peculiaridades, propondo que, por meio do processo do ensino, propicie-se uma aprendizagem com significado.

Esta tarefa de conformação conjunta implica ao assessor pedagógico aceitar os desafios que o contexto institucional expressa, especialmente em termos de sua complexidade científica e acadêmica. É necessário construir seu próprio lugar em cada unidade acadêmica, a partir da intencionalidade de ir além do campo profissional e disciplinar para introduzir-se em outros espaços – o espaço de atuação dos outros profissionais, ou seja, o professor.

2 O caso da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

A Universidade Federal de Pelotas é uma instituição de médio porte e se situa na zona sul do estado do Rio Grande do Sul, na cidade que lhe dá o nome. Foi fundada em 1968, a partir de unidades de ensino já instaladas na cidade, com larga tradição. A mais antiga, com origem na Imperial Escola de Veterinária e Agricultura, fundada em 1883, é hoje denominada de Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel. Com diferentes denominações, chegou à década de 1960 como unidade principal da Universidade Rural do Sul, principal embrião da UFPel.

Contribuíram, ainda, como base da UFPel, as Faculdades de Direito e Odontologia. A primeira, fundada em 1912, é uma das mais tradicionais do país. Em 1947, foi integrada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), criada e federalizada em 1950. A Faculdade de Odontologia, fundada em 1911, foi pioneira na admissão de mulheres no ensino superior. Integrou-se à UFRGS também em 1950 e assim permaneceu até 1969. Nesse ano, a Universidade Rural do Sul e as duas Unidades de Ensino ligadas à UFRGS, junto com a Faculdade de Ciências Domésticas (FCD) e o Instituto de Sociologia e Políticas, deram origem à UFPel, que incorporou, também, a Escola de Belas Artes e o Conservatório de Música, até então de jurisdição municipal.

Como próprio da concepção da época, a vocação acadêmica se voltava para a formação de quadros profissionais e, com este critério, recrutava seus professores entre os profissionais de prestígio nas suas especialidades. Os cursos de graduação eram a estrutura central da universidade e para eles se contratavam professores. Havia a compreensão de que “quem sabe fazer sabe ensinar”, e a tradição do prestígio profissional se articulava com a do prestígio familiar. Não eram raros os casos de cátedras que passavam de pai a filhos, garantindo uma dinastia acadêmica reconhecida pelos pares.

A UFPel, ao iniciar sua missão acadêmica, não incluía cursos de formação de professores para a Educação Básica. Foi necessário, entretanto, para diplomar os egressos do curso de Ciências Domésticas, assumir a condição de uma licenciatura, uma vez que essa profissão, como bacharelado, não estava regulamentada no Brasil. Para tal, o Departamento de Ensino da FCD foi criado, recrutando-se professores com destacado reconhecimento de atuação nas Escolas Normais da cidade, as quais, à época, eram o lugar privilegiado onde se pensava e se fazia formação de professores.

Com a transformação dos cursos da Escola de Belas Artes e do Conservatório de Música em Licenciaturas, a demanda de docentes para atender as disciplinas pedagógicas aumentou, o que deu argumentos para a criação, em 1976, da Faculdade de Educação. Esta denominação, que elevou os antigos de Departamentos de Didática ligados às Faculdades de Filosofia, estava prevista na Lei 5.540 da Reforma Universitária de 1968. Por esta legislação, a Faculdade de Educação seria também responsável pela formação didática dos docentes da própria universidade.

A reforma de 1968, de inspiração norte-americana, editada no período da ditadura no Brasil, instituiu uma nova estrutura na universidade brasileira, implementando a lógica departamental e desarticulando os cursos como unidades centrais da organização acadêmica. O argumento principal para tal era introduzir a pesquisa como referente da missão e qualidade acadêmica. Seria ela mais pujante se docentes de uma mesma especialidade trabalhassem reunidos, independentes dos cursos em que atuavam. Nesse sentido, fortaleceu-se a pesquisa e se fracionou o ensino, agora responsabilidade de um corpo docente disperso e centrado na produção disciplinar. Mesmo que velado, havia o objetivo também de desmobilizar os movimentos de estudantes e docentes – historicamente ligados às faculdades profissionais – que resistiam aos ditames da ditadura e aos interesses do regime militar.

Para consecução dos objetivos da Reforma, houve um especial investimento na criação e expansão dos cursos de pós-graduação stricto sensu, primeiro nos mestrados e, na década seguinte, nos doutorados. Estava se constituindo uma nova geração de professores e uma compreensão de docência que agora assumia a perspectiva de que “quem sabe pesquisar, sabe ensinar”. A carreira docente passou a valorizar os títulos de pós-graduados e a capacidade produtiva dos docentes analisada por meio das publicações de artigos e livros, especialmente em periódicos nacionais e internacionais com alto reconhecimento. As competências para o ensino e o domínio da prática das profissões ficaram relegadas a um plano inferior na arena acadêmica.

Vale ressaltar, entretanto, que algumas iniciativas de formação pedagógica para os docentes se fizeram presentes. Em nível de especialização, por exemplo, foi bastante ampliada a oferta de cursos de Metodologia do Ensino Superior, que dava aos docentes com pouco acesso aos mestrados e doutorados, um primeiro título de pós-graduação. Com um mínimo de 360 horas, esses cursos foram oferecidos para os docentes em exercício e para os interessados na profissão. Em algumas áreas, iniciativas de órgãos internacionais também foram efetivas e, em muitas IESs, constituíram-se no embrião de setores pedagógicos para o assessoramento universitário.

Foi o caso da área das carreiras agrárias que, em 1978, por iniciativa da Organização dos Estados Americanos (OEA), deslanchou um programa de financiamento e estimulo às Unidades de Apoio Pedagógico (UAP) junto às faculdades de Agronomia e Veterinária. No Rio Grande do Sul, as três universidades que ofertavam cursos nessa área foram contempladas: UFRGS, UFPel e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Ainda que restrito a uma área, mas contando como prestígio e recursos de uma agência internacional, a UAP da UFPel foi criada. Para dirigi-la, um docente da área específica foi convocado, enquanto que, para o trabalho técnico e científico, profissionais da área da educação assumiram a organização. Em uma época em que a perspectiva tecnicista e neutra da pedagogia estava vigente – em consonância com o regime militar –, a UAP privilegiou, inicialmente, os chamados recursos educacionais que, na época, eram o projetor de slides e o retroprojetor, colocados à disposição dos professores. Modificavam-se as estruturas de transmissão do conhecimento, mas não a concepção de docência nela baseada.

Mesmo assim, é possível localizar nessa experiência o início das ações de assessoria pedagógica na UFPel. Docentes da Faculdade de Educação, recrutados para dedicar horas à UAP, estimularam outras alternativas de assessoramento, incluindo uma discussão sobre planejamento de ensino e instrumentos de avaliação. Também realizaram uma pesquisa com os estudantes para identificar perspectivas e dificuldades.

O fim do financiamento do Programa da OEA e a mudança de gestão na UFPel desmobilizou a iniciativa junto à área das Ciências Agrárias. Houve uma tentativa de criar uma estrutura similar, centralizada na reitoria, aberta para todos os cursos.

Ainda que algumas iniciativas, entretanto, fossem tomadas nesse contexto, questões de políticas institucionais quebraram o compromisso da Faculdade de Educação com esse trabalho. O mote da democratização da universidade se intensificou na década de oitenta com o movimento das Diretas Já a nível nacional, mas com repercussão nos embates na mesma direção na UFPel.

Em 1988, a UFPel viu nomeado seu primeiro reitor democraticamente eleito, que assumiu em janeiro de 1989. A Constituição de 1988 havia incorporado a definição da universidade por meio da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. E a UFPel institucionalizou seu primeiro Projeto Político Pedagógico. Com ele, ratificava o compromisso com uma formação crítica, cidadã, pública e laica.

O desafio de pensar a indissociabilidade, proposta por lei, estimulou fóruns e grupos de estudos a práticas curriculares inovadoras. A fundamentação teórica para tornar esse conceito compreendido e vinculado à formação de todos os estudantes requereu uma mobilização de professores. O desafio estava posto. Mas a cultura do ensino transmissivo era muito forte e histórico; seriam necessários investimentos e paciência. Porém algumas experiências foram realizadas com bastante êxito e colocaram as bases de um processo que ainda está em curso.

Como estratégia, deu-se início a um projeto com os professores ingressantes, entendendo que não se tinha uma cultura de acolhimento e formação. O projeto foi referendado mais tarde, em 1992, na Resolução nº 11/1992 do Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e da Extensão (Cocepe, 1992), como o projeto Integração dos Professores Ingressantes à UFPel. Esta resolução instituiu a participação dos iniciantes na carreira do magistério de acordo com a legislação vigente. A partir daí, a participação do docente no referido projeto seria considerada relevante no processo de avaliação de seu desempenho. Em 2009, por meio da Resolução nº 16, de 2009 (Cocepe, 2009), foi criado o Programa de Formação/Integração do Professor Ingressante à Cultura Acadêmica da UFPel, ficando revogada a resolução anterior. Nesta resolução, manteve-se a relevância da participação do docente no referido programa no processo de avaliação de desempenho dos docentes iniciantes.

Em 2014, foi publicada a Resolução nº 13 de 2014 do Conselho Universitário (Consun, 2014), que dispunha sobre as normas para o processo de avaliação de desempenho dos servidores docentes em estágio probatório. Nessa resolução, no Art. 9º, mencionava-se que “o docente deverá incluir, em seus Planos de Trabalho, a participação em programa de formação pedagógica, cuja avaliação será feita exclusivamente por frequência”. Ou seja, a partir daí, a participação no programa de formação pedagógica passou a ser obrigatória para a aprovação do docente no estágio probatório.

Em 2017, foi publicada a Resolução nº 15/2017 do Cocepe (Cocepe, 2017), criando o Programa Institucional de Pedagogia Universitária – Formação Permanente do Corpo Docente. Ainda que fosse reconhecidamente necessária uma política de formação continuada para todos os docentes e de acompanhamento da qualidade do ensino na universidade, as iniciativas de prover um lugar reconhecido e estável para tratar desse tema apresentavam muitas fragilidades.

Cada gestão de quatro anos que conduziu a universidade se caracterizou pela descontinuidade do trabalho em andamento. Mudaram as pessoas e as prioridades, bem como os procedimentos de assessoramento docente. Esta prática vem sendo denunciada em quase todas as Instituições de Educação Superior públicas. Não havendo um corpo técnico ocupando com legitimidade essas funções, cria-se uma fragilidade na política instituída.

Não há no quadro funcional das universidades federais o cargo de assessor pedagógico. Este vácuo já denuncia o pouco reconhecimento desse trabalho e o pouco prestígio de quem o assume. Se os desafios para a compreensão e materialidade das políticas acadêmicas para cumprir o preceito da indissociabilidade são concretos, mais foram reforçados com o Plano de Reestruturação das Universidades (Reuni) proposto com a promessa de democratização acadêmica.

O Reuni propiciou uma renovação geracional intensa no quadro docente das IES, quer pelo número de vagas abertas para tal, quer pela valorização da pós-graduação stricto sensu como critério de valor para a admissão.

A celeridade do processo instituído deu pouca condição às universidades para uma preparação mais gradual para essa mudança. Como exemplo, vale dizer que a UFPel, que continha 24 cursos de graduação, passou a ter, em um prazo de oito anos, mais de 100, entre bacharelados, licenciaturas, tecnológicos e ensino a distância (EAD), se forem consideradas as peculiaridades curriculares.

Com essa expansão, foi instituído o Sistema Único de Seleção Universitária (Sisu), que consistia em avaliação a partir do desempenho dos estudantes concluintes no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Muitas IESs foram incentivadas a adotar essa política de ingresso. Com ela, vem se dando uma alteração significativa no perfil dos estudantes que chegam na universidade. De uma clientela predominantemente local e regional, passou-se a receber jovens de todo o país, com suas urgências de integração, múltiplas culturas, necessidades e expectativas. É certo que algumas medidas foram tomadas, especialmente no que se refere ao acolhimento dos alunos e reconhecimento das situações de vulnerabilidade em muitos deles. Dessa forma, tornou-se importante atender o que era urgente.

De acordo com pesquisas recentes (Zanchet et al., 2023), entretanto, os professores não receberam uma preparação específica para compreender as possíveis mudanças em relação ao alunado. Reconhecem diferenças, muitas vezes se sentem desconfortáveis com os cenários, mas pouco materializam iniciativas que levem em conta a diversidade instituída. Além disso, há o enfrentamento das exigências das políticas de inclusão, para as quais há pouca preparação e estruturas de apoio. Se, como lembra Arroyo (2014), outros sujeitos requerem outras pedagogias, a necessidade de formação continuada dos professores é urgente.

Zanchet et al. (2023, p. 113) afirmam que são importantes ações de acolhimento, “entendido como uma forma de integração, como um processo de apoio e acompanhamento permanente ao corpo discente e docente com o objetivo de promover a melhoria do ensino de graduação”. Essa condição vem mobilizando as IESs e dando especial atenção ao desenvolvimento profissional docente.

3 Dialogando com a equipe de assessoramento pedagógico da UFPel

Desde 2017, a formação permanente de docentes da UFPel tem ficado a cargo do Núcleo de Formação de Professores (Nufor), enquanto o Núcleo de Articulação se responsabiliza pelas Coordenações de Curso (Nuac) e Coordenação de Pedagogia Universitária (CPU), setor ligado à Pró-reitoria de Ensino.

O Programa Institucional de Pedagogia Universitária – Formação Permanente do Corpo Docente vêm sendo desenvolvido a partir das seguintes linhas de ações:

  • formação para professores ingressantes, com a criação do Projeto de Formação para Professores Ingressantes da UFPel, que, de modo geral, visa acolher, orientar e preparar o docente ingressante para a vida institucional e para a compreensão de suas necessidades pedagógicas;

  • formação continuada para o corpo docente;

  • formação continuada para coordenadores de cursos e membros dos Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs) dos cursos de graduação; e

  • pesquisas e publicações em Pedagogia Universitária.

Com públicos diferenciados, o programa tem o objetivo comum de favorecer a qualidade do ensino e da aprendizagem na universidade. Envolve, especialmente, as dimensões do currículo e da prática pedagógica, incluindo a docência universitária. Materializa-se contando com a participação dos coordenadores de cursos de graduação e dos docentes implicados na prática profissional do ensino. Ainda que este seja seu objeto central, compreende o ensino articulado com a pesquisa e a extensão que, cada vez mais, são dimensões valorizadas nos percursos de formação dos estudantes.

Para liderar o trabalho proposto pelo Programa Institucional de Pedagogia Universitária – Formação Permanente do Corpo Docente e, dada à condição de não contar com um corpo técnico significativo para tal ação, a CPU vem contando com técnicos de Assuntos Educacionais e docentes que dedicam, a esse trabalho, parte de sua carga horária semanal. Em geral, são recrutados pelo interesse que demonstram ao campo da pedagogia universitária e pela formação acadêmica que possam portar sobre essa temática. Em 2019, a gestão criou o Grupo de Interlocução Pedagógica (GIP), com representantes de todas as unidades acadêmicas, no sentido de adensar o debate sobre a docência, reverberando para os cursos de graduação.

Entretanto, como tem sido denunciado em pesquisas e estudos sobre o tema, o pouco reconhecimento formal da função de assessoria pedagógica na universidade produz uma significativa rotatividade de pessoas envolvidas no campo de ação. Além disso, ainda que tenham saberes e as condições básicas para o trabalho que realizam, dada a condição provisória com a tarefa, mais se envolvem com os desafios da prática eminente e pouco sistematizam os saberes relacionados com o campo da docência universitária e da prática assessora, que exigiria uma profissionalidade estável.

O quadro referenciado na UFPel, não difere significativamente de outras IESs no Brasil. Situações similares podem ser identificadas nas universidades brasileiras, ainda que se admita certo avanço no reconhecimento e necessidade das assessorias pedagógicas nos últimos tempos – provavelmente explicado pela crescente multiplicidade de desafios que advêm da democratização e interiorização das IESs. Vale ainda reforçar os desafios epistemológicos provocados pelo discurso oficial da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão e, ainda, a nebulosidade legislativa e de práticas que incluem a valorização dos saberes pedagógicos na formação e na carreira dos docentes da educação superior.

O cenário aqui descrito e o interesse de aprofundar o campo da assessoria pedagógica universitária estimularam esse estudo envolvendo uma multiplicidade de IESs brasileiras e ainda o cotejamento da realidade do campo com instituições argentinas, uruguaias e portuguesas. Para tanto, a partir de instrumentos definidos coletivamente para investigação a fim de serem aplicados nas IES que participam do estudo, são apresentados os dados da UFPel.

a) Os assessores: como definido na pesquisa interinstitucional mencionada na Universidade Federal de Pelotas, ouvimos, inicialmente, os responsáveis pelo assessoramento pedagógico na instituição. Participaram duas profissionais do gênero feminino, sendo uma responsável pelo Núcleo de Articulação de Coordenações de Cursos e outra do Núcleo de Formação de Professores. Ambas com titulação de doutorado. Uma é licenciada em História e a outra é bacharel em Medicina Veterinária.

As assessoras consideram que o setor em que atuam tem reconhecimento da comunidade acadêmica e que o nível de adesão às suas propostas é bom. Reconhecem, entretanto, que não há estudos sistematizados para aferir tal questão e nem pesquisas sobre os impactos das ações desse setor na prática docente.

Essa condição estimula a necessidade de investir na consolidação dos programas que coordenam para a valorização do ensino na carreira acadêmica. As profissionais concordam que é fundamental uma interlocução sistematizada com os coordenadores de cursos e diretores de unidades para uma ação articulada e orgânica das atividades de ensino da universidade. Acreditam que é muito importante o engajamento das unidades na divulgação e promoção do setor de assessoramento (a CPU), além de um maior apoio financeiro e logístico para a realização das atividades. Ambas sinalizaram a importância de mais recursos humanos especializados, com dedicação exclusiva no setor. As assessoras acreditam que é fundamental ter estratégias de monitoramento, avaliação e divulgação das ações e seus impactos. Por fim, ambas defendem ser importantíssima a criação de redes de colaboração intra e interinstitucionais, além de mais espaços para divulgação da inovação pedagógica.

Ao serem instigadas a indicar outros fatores importantes, uma delas mencionou a necessidade de mais ações institucionais de valorização dos cargos de gestão do ensino de graduação, provavelmente por atuar no Nuac e ter maior interação com os coordenadores de cursos das unidades. Já a outra, que atua no Nufor, indicou a importância de mais ações formativas que contemplem diferentes saberes pedagógicos dos docentes, com o objetivo de melhorar o engajamento e resultados práticos.

Em relação às dificuldades e constrangimentos no trabalho realizado, as assessoras sinalizaram ser importante o desenvolvimento de atividades que aumentassem o interesse dos docentes para as questões pedagógicas e pela profissão docente como um todo. Além disso, apontaram como dificuldades a ampliação do debate pedagógico no período de planejamento dos cursos de graduação no início de cada semestre. Sinalizaram ainda dificuldade em atingir o ensino de pós-graduação, incluindo pós-graduandos e docentes pesquisadores.

De modo geral, as assessoras apontam como maior contributo do assessoramento pedagógico a qualificação das informações; a melhoria nas relações intrainstitucionais; maior engajamento dos coordenadores com as ações institucionais relativas à diversidade e inclusão; acolhimento institucional e formação pedagógica dos docentes ingressantes; e valorização da profissão docente.

Por fim, as assessoras apontaram a importância das ações conjuntas dos dois núcleos por entenderem que a formação para coordenadores é consonante com a formação de professores. Ambos os núcleos atuam na organização de formações e na elaboração de materiais de apoio.

b) Os docentes: de acordo com o estipulado pelo estudo, foram seis os questionários respondidos pelos docentes que haviam participado de processos formativos promovidos pelas IESs. Os professores foram instigados a apresentar os motivos da participação nas atividades de formação oferecidas pelo setor responsável, além de uma narrativa valorizando os aspectos marcantes dessa experiência de assessoramento pedagógico e a relação entre sua atuação profissional e esse serviço.

Todos os docentes respondentes participam do GIP. Nesse sentido, entendem a importância da sua formação pedagógica permanente, principalmente aqueles que são bacharéis.

3.1 Dialogando com os dados

A partir dos desdobramentos e análise da natureza dos depoimentos de nossos interlocutores, organizamos os dados em quatro dimensões, tal como apresentadas a seguir: 1) Cultura docente, 2) Ação mediadora, 3) Resiliência e 4) Conhecimento e reflexão.

Cultura docente – Esta dimensão refere-se às condições dos professores para romper com a reprodução de modelos históricos e o peso das tradicionais formas de ensinar e aprender. Um dos docentes pontuou que o que o mobilizou a participar das atividades é “melhorar a qualidade como professor” e complementa dizendo: “Eu sempre trabalhei reproduzindo os meus professores e acredito que posso melhorar, sempre”. Este depoimento nos leva a refletir sobre como a histórica reprodução das práticas de ensino tradicionais, principalmente com base na concepção positivista, ainda está enraizada na cultura acadêmica. Tal reflexão reafirma a percepção de Pachane (2005) que insiste na necessidade de mudanças na concepção de docência do corpo atuante nas IESs.

Outro interlocutor relatou: “Tem sido uma experiência fantástica, com muitas trocas de saberes e experiências entre os participantes do GIP, mas especialmente quando há convidados externos para debatermos questões específicas”. Entendendo atuar na perspectiva intuitiva do ensino, ainda complementou: “Percebo que, muitas vezes [...], estamos exercendo as práticas pedagógicas, mas sem saber denominá-las de forma intuitiva”. Tal depoimento reflete o reconhecimento do docente na falta de formação pedagógica para sua atuação. Esse reconhecimento, entretanto, é possibilitado e/ou potencializado em decorrência das atividades propostas pelo assessoramento pedagógico. “Nos últimos dois anos, a partir do assessoramento individual a muitos colegas, troquei muitas experiências e sugeri alternativas de práticas pedagógicas. Até o momento, o retorno dos colegas quanto às sugestões tem sido, em sua maioria, bem-sucedidos.”

Percebe-se o quanto a atuação do assessoramento reflete positivamente no trabalho docente, levando os mesmos a questionar e repensar sua prática. “A atuação como docente apresenta muitos desafios, principalmente sobre como apresentar o conteúdo da melhor forma aos alunos, como deixá-los motivados e desafiados a realizar atividades e buscar o aprofundamento de seus saberes”, declarou um professor que levantou outros questionamentos. Alguns deles são: “Quais recursos usar para ilustrar cenários e possibilidades? Como usar tais recursos? Quanto tempo devemos trabalhar em um conteúdo sem deixá-los [os discentes] entediados? Como saber se os alunos assimilaram tais ideias e conceitos?”. Essa condição reflexiva também assim se expressa: “Estas perguntas parecem simples e parte do nosso cotidiano, mas se formos refletir se nossas práticas são as melhores e se estão adequadas às expectativas dos alunos, a resposta não parece tão óbvia”.

Tem sido recorrente a constatação de que os saberes do ensino são menos valorizados do que os da pesquisa na atual cultura universitária; trata-se de um campo de menor expressão e reconhecimento. Naturaliza-se uma docência que reproduz modelos geracionais testados na prática com saberes empíricos. Os docentes integrantes desse estudo, entretanto, que participam ativamente nas formações e discussões sobre o ensinar e o aprender, reconhecem o ensino como uma atividade complexa, contextualizada, muitas vezes imprevisível e que demanda escolhas éticas e políticas (Cunha, 2010; Pimenta; Anastasiou, 2002). Esta perspectiva exige saberes que lhes são próprios, com uma formação pedagógica fundamentada e cotejada com a realidade, discussões e fomentadas pelas experiências dos professores. Não são atividades de natureza espontânea; exigem uma fundamentação teórica e um apoio de pessoal especializado. Essa é a função da assessoria pedagógica universitária.

Ação mediadora – Entendemos essa mediação, inspiradas nos estudos de Masetto (2000), Cunha (1998) e Nörnberg et al. (2023), como uma atitude ou comportamento dos professores que propiciam, a partir de ações incentivadoras e/ou motivadoras, no processo de ensino e aprendizagem, o diálogo, debate, troca de experiências e busca de soluções de problemas que são vivenciadas pelos estudantes.

Nossos interlocutores entendem os processos formativos como “espaço para estimular a troca de experiências e saberes entre professores”. Tem-se compreendido, com base na perspectiva de Nóvoa (1992), que muitos dos problemas que os professores sentem em relação a sua prática pedagógica não são instrumentais, mas sim situações problemáticas que os obrigam a decisões em um terreno de grande complexidade.

Quando perguntados sobre as motivações para participarem das formações, os participantes responderam, por exemplo: “Minha motivação para participar de atividades de assessoramento pedagógico da minha instituição está calcada na melhora das práticas que envolvem o binômio ensino-aprendizagem”. Manifestaram também a preocupação com o índice de evasão muito alto, como pontuou um docente: “O curso no qual ministro aulas possui o caráter histórico de um índice muito alto de evasão, em parte pelas dificuldades inerentes às disciplinas (que envolvem grande carga horária de ciências exatas)”. A fala de nosso interlocutor revela a contradição (Charlot, 2008) entre o ato reflexivo – pensando no exercício da docência – e o conteúdo disciplinar, deixando a cargo apenas do último a razão da evasão.

Em outro depoimento, destaca-se a seguinte fala: “Me ofereci para tal representação em minha unidade (Faculdade de Meteorologia) por perceber a carência de formação pessoal e da maioria de meus colegas na área pedagógica, tendo em vista que somos todos bacharéis”.E ainda: “Vi nesta representação a oportunidade de me qualificar pedagogicamente e colaborar para a qualificação de corpo docente da Famet”. Compreendemos que, nesses espaços formativos, os professores têm a condição de, com os seus pares, adquirir conhecimentos, estratégias, saberes docentes para dirimir essas dificuldades. Como afirma Cunha (2006, p. 355) “...no caso dos professores, os saberes docentes são as matrizes para o entendimento das suas capacidades de ensinar e de aprender”.

Foram significativas as contribuições coletadas. Destaca-se, ainda, a observação: “Por outro lado, no meu ponto vista, há, também, a utilização de práticas pedagógicas que não se adaptam mais à realidade de grande parte dos nossos alunos. Os professores entendem-se como especialistas em determinada área do conhecimento e cuidam para que seu conteúdo seja conhecido pelos alunos, predominando as aulas expositivas e a racionalidade técnica, já mencionada anteriormente. No caso desse interlocutor, o que se destaca é a preocupação com a reflexão coletiva para uma prática pedagógica inovadora.

Afirmam Cunha e Leite (1996) que as decisões pedagógicas não são autônomas; são, antes, dependentes historicamente das relações da educação com os processos de produção do conhecimento na sociedade. Essa condição pressupoe uma prática pedagógica alicerçada no campo do conhecimento científico de sua área e com pouca preocupação com os conhecimentos pedagógicos. “Somos um curso das ciências exatas que, por natureza, gera resistência aos discentes, e os conhecimentos costumam seguir uma ordem lógica e subsequente de assimilação dos conteúdos.” Tal fato “muitas vezes desperta insegurança e desconforto aos docentes quando se verifica a necessidade de adaptar a forma de ensino, situação cada vez mais frequente por múltiplos fatores”.

A preparação acadêmica, nos cursos de formação, enfatiza os saberes das matérias de ensino e, como consequência, os professores, especialmente no início da docência, planejam as suas aulas e atuam a partir de uma perspectiva conteudista, porque acreditam que ter o domínio do conteúdo vai lhes permitir exercer uma boa docência. Logo, percebem que as exigências são muito maiores e vivem o que Tardif (2002) e outros autores denominam como choque de realidade. Os saberes, que exigem uma inserção mais intensa na prática, constituem-se, então, em objeto de pesquisa e reflexão na trajetória dos professores novos.

Nesse contexto, variáveis como nível de ensino e campo científico interferem nos processos construtivos, dadas as suas culturas e peculiaridades (Cunha; Zanchet, 2010). Ao longo de seu percurso formativo, o docente vai adquirindo novos saberes, que possibilitarão o enfrentamento aos desafios e irão constituir a prática pedagógica. As autoras dizem que

a identidade docente, no caso da educação superior, constrói-se principalmente na cultura institucional que inclui o campo científico onde o docente está inserido e, principalmente, pelos pares e pelos rituais acadêmicos consagrados e instituídos. A identidade se configura na articulação entre os esquemas de ação esperados e as trajetórias individuais dos sujeitos, portadoras de identidades reais herdadas ou visadas

(Cunha; Zanchet, 2010, p. 196).

Para que haja, portanto, uma melhoria na prática pedagógica, não é suficiente a compreensão intelectual dos docentes implicados, mas é fundamental que eles tenham vontade e compromisso de transformação das condições que constituem a sua prática docente.

Resiliência – Essa dimensão refere-se à motivação da participação dos docentes nas atividades formativas e à capacidade em enfrentar a complexidade da docência. Um dos interlocutores comentou: “A satisfação profissional do docente depende da sua capacidade de enfrentar a complexidade e resolver os problemas cotidianos”. Outro ainda mencionou que “a atuação como docente apresenta muitos desafios”. De modo geral, os interlocutores, de acordo com seus depoimentos, demonstraram características de resiliência, pois, de acordo com Hamermüller (2022), esta pode ser verificada na permanência e entusiasmo com a proposta pedagógica que vivenciam, incluindo uma ruptura com as formas tradicionais de ensinar e aprender. A constante satisfação com a profissão cria as condições para a resiliência e provoca bem-estar docente, mesmo quando o professor enfrenta desafios e dificuldades pontuais da carreira (Cunha, 2022).

A resiliência docente também inclui a capacidade de flexibilidade às condições dos contextos e coopera com estratégias de bem-estar das comunidades onde se situam (Hamermüller, 2022). Essa característica é demonstrada por um dos interlocutores, que percebe na sua unidade uma preocupação “com outras demandas pontuais, de discentes, docentes e técnicos administrativos, especialmente decorrentes do isolamento imposto pela pandemia da Covid-19”. Outro participante também evidenciou preocupação sobre “como elaborar o plano de ensino neste novo cenário de recuperação pós-pandemia”.

O protagonismo docente nos espaços educacionais é condição básica para a resiliência, além da empatia e proatividade dos docentes, o que os impulsiona a agir em situações adversas, não se conformando com a inevitabilidade das dificuldades (Hamermüller, 2022). Em nosso entendimento, os interlocutores deste estudo apresentaram as características de resiliência acima mencionadas e buscam o assessoramento pedagógico para si e para os demais colegas de sua unidade.

Conhecimento e reflexão – Essa dimensão refere-se à preocupação em integrar o conhecimento e as atitudes de reflexão dos professores, favorecendo rupturas epistemológicas arraigadas nas áreas de conhecimento. Um dos interlocutores comentou sobre a importância do profissional docente “resolver os problemas cotidianos, integrando conhecimento, atitude, reflexão e troca de experiências”. Seu posicionamento como sujeito do processo de ensino e aprendizagem é parte da profissão. Para Cunha (2022, p. 225) “a docência é uma ação humana e como tal não suporta a neutralidade”. A autora menciona ainda que os professores universitários, quando são capazes de refletir sobre suas emoções e conhecimento de si, tornam-se mais capacitados para propor uma ação pedagógica de ensino e aprendizagem.

A preocupação com as rupturas epistemológicas arraigadas nas áreas de conhecimento foi mencionada pelos docentes, alertando para a “utilização de práticas pedagógicas que não se adaptam mais à realidade de grande parte dos nossos alunos”. Fato este corroborado por outro colega ao dizer que “um dos desafios é resgatar conhecimentos e experiências pregressas e fazer os alunos participarem das aulas de modo a perceberem como assimilam novos conceitos, ideias e práticas”.

A validação de uma só forma de conhecimento causa cegueira epistemológica e valorativa, quebrando as relações entre os objetos e, nesse caminho, eliminando as demais formas de conhecimento (Sousa Santos, 2000). Cunha (2022) defende, em seus estudos e pesquisas, que a inovação pedagógica se dá quando a concepção positivista do conhecimento é alterada, assumindo outros referentes em uma visão pós-moderna (Sousa Santos, 2000) ou ainda da complexidade (Morin, 2005). Neles se incorpora a subjetividade como um valor, assumindo que os contextos de produção de conhecimentos fazem parte da própria explicação cientifica, e ainda que o conhecimento é sempre relativo e se desenvolve como um processo.

Esta perspectiva pressupõe uma ruptura paradigmática no conhecimento que estrutura as inovações. Afasta-se da compreensão de que somente mudanças metodológicas alcançam esse objetivo. Os processos de inovação, portanto, pressupõem uma reflexão sistemática dos docentes sobre suas trajetórias e necessidade de compreendê-las em um processo de transformação.

4 Considerações finais

Percebemos, a partir do resgate histórico aqui exposto, que os movimentos gerados para o assessoramento pedagógico universitário na UFPel foram desenhados e redesenhados ao longo dos diferentes períodos políticos e modelos de gestão que os acompanharam.

A experiência analisada mostra que a perspectiva de assessoramento pedagógico apresentado pela instituição enfatiza dois movimentos: um deles relacionado à acolhida aos docentes iniciantes e outro referente à interação com os coordenadores de curso. Também ocupa um lugar importante o Grupo de Interlocução Pedagógica, o GIP, formado por docentes representantes de cada unidade no que se refere aos temas pedagógicos de interesse institucional, envolvendo ações e processos formativos.

Há uma intencionalidade de institucionalizar as ações de assessoramento pedagógico universitário transformando-o de um espaço ocupado a um lugar que tenha significado institucional, além dos sujeitos que nele transitam. O lugar pressupõe um reconhecimento estável da importância do assessoramento pedagógico universitário, assumindo uma institucionalidade processual. Apenas com essa condição, utilizando os conceitos de Cunha (2008), o assessoramento pedagógico universitário ocupará um território na estrutura universitária com reconhecimento institucional do seu valor.

A perspectiva da trajetória da universidade ratifica o fenômeno historicamente reconhecido de que o campo da pedagogia universitária ainda é atingido pela carência de uma estrutura sólida e de reconhecimento na educação superior. As políticas públicas, além disso, têm sido muito tímidas a esse respeito, mesmo considerando os processos de democratização acadêmica.

Vale ressaltar ainda a vinculação das gestões superiores acadêmicas a projetos próprios em que, a cada ciclo de gerenciamento da universidade, produz-se uma descontinuidade do que vinha sendo desenvolvido. Essa condição explicita a fragilidade dos setores pedagógicos na educação superior, ainda pouco reconhecidos como uma política de estado e sim de cada governo, sempre transitória.

Mesmo assim, a partir dos depoimentos de nossos interlocutores, fica evidente a importância do assessoramento pedagógico universitário, uma vez que os entrevistados trazem reflexões sobre a prática e percepções acerca de conceitos e compreensões do trabalho docente. As observações levantadas ratificam que, ainda em um contexto de estabilidade relativa, o que vem sendo realizado no campo da pedagogia universitária, de forma institucional, tem sentido.

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Recebido: 01 de Setembro de 2023; Aceito: 11 de Outubro de 2023

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