INTRODUÇÃO
É recorrente que a discussao acerca dos recursos publicos para a educacao se concentre nas fontes obrigatorias de receita, como no percentual minimo da receita de impostos e, adicionalmente, no salario-educacao, ambos previstos no Artigo 212 da Constituicao da Republica Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 (BRASIL, 1988). Contudo, ha varias fontes de recursos que movimentam quantias significativas para a educacao, dentre elas: os servicos educacionais, os convenios, os royalties e as demais compensacoes financeiras advindas da exploracao de recursos naturais – tais como: o petroleo e o gas natural; os hidricos, para a producao de energia eletrica; e os minerais –, alem de outras receitas dos entes federados.
A discussao sobre fontes de recursos para o financiamento da educacao conquistou especial destaque quando, com vistas a ir ao encontro do cumprimento de suas diferentes metas, o Plano Nacional de Educacao (PNE) 2014-2024 estabeleceu que o “investimento publico em educacao publica” devera atingir, no minimo, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao final do decenio da sua vigencia, determinando, como meta intermediaria, o patamar de 7%, ao final do quinto ano (BRASIL, 2014, Meta 20). Formulado em meio as discussoes associadas a divulgacao da descoberta de petroleo no pre-sal, no pais, dentre as estrategias voltadas para o cumprimento da Meta 20, o PNE 2014-2024 estabeleceu que devem ser destinados a Manutencao e Desenvolvimento do Ensino (MDE), de forma adicional aos recursos vinculados a educacao por meio do Artigo 212 da CRFB/88, “[...] parcela da participacao no resultado ou da compensacao financeira pela exploracao de petroleo e gas natural e outros recursos” (BRASIL, 2014, Estrategia 20.3).
Assim, buscando contribuir para o avanco das discussoes acerca das compensacoes financeiras advindas da exploracao de recursos naturais, sobretudo, as do petroleo, xisto betuminoso e gas natural, no contexto do financiamento da educacao publica, este artigo, vinculado a uma pesquisa1de ambito estadual, concentra sua analise na aplicacao desses recursos por parte dos governos municipais da Regiao Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro (RMRJ)2, sobretudo por tais recursos serem significativos para a maioria dos municipios fluminenses que os vem recebendo, sendo que parte deles vem sendo aplicada na educacao, por alguns desses governos.
De cunho quanti-qualitativo, este trabalho parte de um exaustivo estudo bibliografico e documental acerca do financiamento da educacao e dos marcos regulatorios da producao e distribuicao dos recursos do petroleo e do gas natural no Brasil. Os documentos das prestacoes de contas dos municipios investigados e das Leis Orcamentarias Anuais (LOAs), de acesso publico e disponibilizados nos sites dos governos, fundamentaram a analise critica das informacoes. O recorte temporal estabelecido corresponde ao ultimo exercicio financeiro cujos dados, na epoca do levantamento das informacoes, estavam disponiveis ao publico nos sites do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e do Tribunal de Contas do Municipio do Rio de Janeiro (TCM-RJ), e/ou nos sites da Transparencia Municipal e das Secretarias Municipais de Fazenda. Alem desses, outro documento analisado foi o Demonstrativo das Receitas e Despesas com Manutencao e Desenvolvimento do Ensino do Relatorio Resumido de Execucao Orcamentaria (RREO) dos municipios.
Afora esta introducao, este artigo esta dividido em outras tres secoes: a primeira contempla os principais mo(vi)mentos do ordenamento juridico associados a exploracao e producao de petroleo e gas natural no pais, com destaque para as determinacoes relacionadas a educacao; a segunda apresenta uma analise dos dados dos recursos dos royalties dos municipios integrantes da RMRJ; e, a ultima, pontua algumas consideracoes finais.
EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DO PETRÓLEO NO BRASIL: MO(VI)MENTOS JURÍDICOS
A aprovacao da politica nacional do petroleo, estabelecida a partir da Lei n. 2.004/1953, sancionada pelo entao presidente Getulio Vargas, regulamentou o monopolio da Uniao sobre pesquisa, lavra, refino e transporte de petroleo e gas natural no pais (BRASIL, 1953, Art. 1o, Incisos I, II e III), efetivado por meio da conjuncao de acoes de orientacao e fiscalizacao exercidas pelo Conselho Nacional do Petroleo (CNP)3 e pela criacao da empresa Petroleo Brasileiro S.A. (Petrobras) e de suas subsidiarias, entendidas como orgaos de execucao da referida politica (BRASIL, 1953, Art. 2o, Incisos I e II). Ja no ato de sua criacao, foi fixado, como obrigacao da Petrobras e de suas subsidiarias, o pagamento de uma “indenizacao” (a lei nao utilizava a palavra royalties) de 5% sobre o valor de petroleo, xisto betuminoso e gas natural aos Estados ou Territorios Federais onde ocorria a lavra/extracao desses recursos (BRASIL, 1953, Art. 274), sendo que, trimestralmente, esses entes federados deveriam distribuir 20% do valor recebido aos seus municipios, na proporcao da producao de oleo (BRASIL, 1953, Art. 27, § 3o).
Embora a criacao da Petrobras tenha representado a instituicao do monopolio estatal sobre a industria de petroleo e gas natural no Brasil (SANTOS, AVELLAR, 2016), a historia do petroleo, no pais, vem sendo perpassada por continuas tentativas de entrega-lo a exploracao estrangeira (MARTINEZ, COLACIOS, 2016). Na pratica, as forcas liberais nunca desistiram de submeter a exploracao do petroleo brasileiro aos centros financeiros mundiais. Sob essa perspectiva, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB/SP), foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) no 9/1995, que permitiu a Uniao estabelecer contratos nao so com empresas estatais mas tambem com empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, constituidas sob as leis brasileiras, para pesquisa, lavra, refino, importacao, exportacao e transporte de petroleo e gas natural, remetendo sua regulamentacao a lei ordinaria (BRASIL, 1995, Art. 1o).
Assim, com a regulamentacao da EC n. 9/1995, atraves da Lei n. 9.478/1997 (BRASIL, 1997), conhecida como Lei do Petroleo, foi criada a Agencia Nacional do Petroleo (ANP), que passou a promover rodadas de licitacoes com ofertas de blocos exploratorios nas diversas bacias sedimentares brasileiras. Inicialmente, as licitacoes eram reguladas exclusivamente por contratos de concessao5; posteriormente, passaram a contemplar tambem contratos de partilha de producao6. A Lei do Petroleo surgiu no bojo dessas mudancas na politica e na economia do pais, sobretudo da reforma do estado brasileiro, passando “[...] a permitir que, alem da Petrobras, outras empresas constituidas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil passassem a atuar em todos os elos da cadeia do petroleo em regime de concessao ou mediante autorizacao da Uniao” (CAMPELLO, 2018, p. 9).
A Lei do Petroleo apresenta os royalties – entendidos como uma compensacao financeira paga pelas empresas produtoras de petroleo e gas natural ao governo, pela exploracao desses recursos em territorio nacional – no ambito das participacoes financeiras pagas, a cada mes, pelos concessionarios de exploracao e producao de petroleo ou gas natural, com relacao a cada campo, a partir do inicio de sua producao comercial (BRASIL, 1997, Art. 45/47). O produto entre o volume de producao de petroleo ou gas natural e os respectivos precos de venda (em que incide a taxa de cambio) determina a receita bruta da producao. Sobre esse valor, no contexto dos contratos de concessao, os royalties contemplam uma aliquota de 10%, que pode ser reduzida ate um minimo de 5% da producao, a depender dos riscos geologicos, das expectativas de producao e de outros fatores pertinentes, sendo que tal percentual deve constar no edital de licitacao (BRASIL, 1997, Art. 47, § 1o). A distribuicao dos royalties entre os entes federados, por sua vez, depende de criterios estipulados em leis federais, as quais vem sendo alteradas com o passar dos anos.
Além dos royalties, outra receita governamental a qual os entes federados podem fazer jus no contexto da exploracao e producao de petroleo e gas natural diz respeito a Participacao Especial, que corresponde a uma compensacao extraordinaria, devida pelos concessionarios, em casos de “[...] grande volume de producao, ou de grande rentabilidade” (BRASIL, 1997, Art. 50). A cada trimestre, aplica-se uma aliquota efetiva sobre a receita liquida do campo de extracao, que resulta no valor da Participacao Especial a ser recolhida (BRASIL, 1997; LIMA, 2013).
Com a descoberta das jazidas de petroleo e gas natural em aguas profundas, na area denominada de “pre-sal”7, tornou-se imperiosa a necessidade de adequar o marco regulatorio da exploracao e producao desses recursos no pais, ao que se seguiu um conjunto de ordenamentos voltados para essa nova realidade. Nesse contexto, o Poder Executivo “[...] encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de Marco Regulatorio, formado por quatro projetos de lei, os quais deram origem as Leis n. 12.276/2010, n. 12.304/2010 e a Lei n. 12.351/2010” (SILVA, 2015, p. 120).
Em meio a esse processo de constituicao de um ordenamento juridico capaz de atender as demandas que deveriam emergir com o pre-sal, destaca-se, aqui, a Lei n. 12.351/2010 (BRASIL, 2010), conhecida como Lei do Pre-Sal, que, dentre suas determinacoes, criou o Fundo Social (FS), dispondo, ao menos parcialmente, sobre sua estrutura e fontes de recursos. Em meio ao contexto de desigualdades regionais assentado no pais e a emergencia de possiveis riquezas associadas a uma fonte de renda naturalmente temporaria e volatil, o FS foi criado com a finalidade de se “[...] constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas areas de combate a pobreza e de desenvolvimento” (BRASIL, 2010, Art. 47), com focos em educacao, cultura, esporte, saude publica, ciencia e tecnologia, meio ambiente e mitigacao e adaptacao as mudancas climaticas. De forma mais especifica, o FS visa se “[...] constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela Uniao8” (BRASIL, 2010, Art. 48, Inciso I, grifo nosso), ao que a legislacao complementa determinando que os recursos destinados aos programas e projetos a ele vinculados “[...] deverao ser os resultantes do retorno sobre o capital” (BRASIL, 2010, Art. 51). Ou seja, a estrategia definida para que os recursos do FS se mantenham crescendo, mesmo derivando de uma fonte nao renovavel, e a de “[...] nao atingir a aplicacao principal, mas apenas seus rendimentos” (BENVIDO, 2012, p. 216).
Sob essa perspectiva, estruturado sobre a formacao de uma poupanca de longo prazo, o Fundo Social “[...] nao so deve beneficiar a geracao presente ao promover o desenvolvimento atraves da aplicacao dos seus rendimentos financeiros” (SILVA, 2015, p. 121), como tambem “[...] preservar essa riqueza nao renovavel para futuras geracoes” (BENVIDO, 2012, p. 221), tornandose um fundo intergeracional, ao menos teoricamente. Ha que observar, contudo, que ate a data do termino deste artigo, o Poder Executivo ainda nao havia editado o(s) ato(s) do Executivo que determinarao a estrutura e a composicao do Comite de Gestao e do Conselho Deliberativo do Fundo. Enquanto tal pendencia se mantiver, “[...] entende-se que o FS ainda nao esta em completa operacao, muito menos, esta garantida sua sustentabilidade” (SILVA, 2015, p. 125).
Visando aprimorar o marco regulatorio sobre a exploracao de petroleo, gas natural e outros hidrocarbonetos fluidos, ao conjunto das tres leis de 2010, seguiu-se a aprovacao da Lei n. 12.734/2012, que estabelece mudancas nas regras de distribuicao dos royalties e da Participacao Especial entre os entes federados (BRASIL, 2012). Dentre outros aspectos, essa lei preve a constituicao de um Fundo Especial9, o qual, de forma inedita, passa a beneficiar, com recursos dos royalties, os municipios, os estados e, se for o caso, o Distrito Federal, que nao sejam produtores10 nem confrontantes11. Especificando, essa lei determina que o Fundo Especial seja formado por 49% dos royalties decorrentes da producao na plataforma continental, no mar territorial, ou na zona economica exclusiva (bacias maritimas), e por 50% dos royalties oriundos da producao em terra, rios, lagos, ilhas lacustres ou fluviais (bacias terrestres), sendo que, em ambos os casos, a metade desses recursos deve ser direcionada para os municipios, os estados e, se for o caso, o DF, nao produtores/nao confrontantes.
Por obvio, tal reorientacao no ordenamento legal acaba por diminuir a parcela dos royalties destinada aos entes federados considerados produtores ou confrontantes. Assim, em meio as polemicas que envolvem o tema – que, dentre outras questoes complexas, trazem a cena discussoes inerentes tanto aos entes produtores/confrontantes quanto aqueles que ja se beneficiam de um regime diferenciado do ICMS incidente sobre o petroleo (pago no destino, e nao na origem) –, a entao presidente Dilma Rousseff (PT/RS) vetou os artigos que redistribuiam os recursos dos royalties a estados e municipios nao produtores/nao confrontantes, sendo que o Congresso Federal derrubou esses vetos, mantendo o repasse de acordo com as regras do rateio do Fundo de Participacao dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e do Fundo de Participacao dos Municipios (FPM).
No inicio do ano de 2013, por entenderem que seriam prejudicados pela Lei n. 12.734/2012, os tres governadores dos estados com maior captacao de royalties do pais ingressaram, cada qual, com uma Acao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), contra as novas regras de distribuicao dos royalties e da PE dispostas na referida lei. Assim, as ADIs 4916, 4917 e 4920 foram ajuizadas pelos governadores dos estados do Espirito Santo, Renato Casagrande (PSB-ES); do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (PMDB-RJ); e de Sao Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) (BRASIL/STF, 2013b, 2013c, 2013e). Alem disso, duas outras acoes foram encaminhadas: a ADI 4918, com origem na Mesa da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) (BRASIL/STF, 2013d); e a ADI 5038, ajuizada pela Associacao Brasileira dos Municipios com Terminais Maritimos, Fluviais e Terrestres de Embarque e Desembarque de Petroleo e Gas Natural (ABRAMT) (BRASIL/STF, 2013f).
Em meio a complexidade que envolve a tematica, a ministra relatora das ADIs no STF, Carmen Lucia, em marco de 2013, a partir de uma decisao monocratica, suspendeu, em carater cautelar, a distribuicao dos royalties, conforme definido na lei supracitada (BRASIL/STF, 2013c). Assim, ate que se julguem as ADIs – que reduzem o montante dos royalties das regioes produtoras/confrontantes para dividi-los tambem como os demais estados e municipios do pais – , atualmente, o que esta determinado para a distribuicao dos royalties e o regime antigo de distribuicao, baseado nas Leis n. 7.990/89 e n. 9.478/97 (BRASIL, 1989; 1997).
Avancando no contexto do ordenamento que se seguiu a descoberta do pre-sal, apos as manifestacoes de junho de 201312, que contaram com a intensa presenca de temas associados a educacao e a saude, em setembro do mesmo ano, foi sancionada a Lei n. 12.858, que destina para essas duas areas uma parcela da participacao no resultado da compensacao financeira pela exploracao de petroleo e gas natural. Mais especificamente, a referida lei estabelece que devem ser destinadas exclusivamente a educacao publica (com prioridade para a educacao basica) e a saude, respectivamente, 75% e 25% das receitas dos royalties e da Participacao Especial provenientes de bacias maritimas cuja declaracao de comercialidade tenha sido estabelecida a partir de dezembro de 2012, independentemente do regime contratual (concessao, partilha ou cessao onerosa) (BRASIL, 2013a). O cumprimento dessa determinacao legal desagua diretamente na (re)estruturacao do planejamento da destinacao dos royalties e da Participacao Especial por parte dos entes federados, de tal forma que estes passem a considerar as acoes e politicas de educacao e de saude como focos exclusivos de tais recursos, algo que a pesquisa em curso vem revelando nao estar acontecendo nos estados e municipios investigados.
A materia e, no minimo, controversa. Se, de um lado, por exemplo, em 2019, o entao governador do estado que detem o maior volume de recursos de royalties do pais, Wilson Witzel (PSC-RJ), protocolou a ADI n. 6277, justificando, dentre outros motivos, que a Lei n. 12.858/2013 fere a autonomia dos entes federativos, uma vez que determina onde aplicar os recursos dos royalties e da Participacao Especial (BRASIL/STF, 2013g); por outro lado, a PEC n. 39/2019, apresentada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), cuja origem politica esta associada a um dos territorios mais pobres da federacao, preve incluir no texto constitucional aquilo que esta expresso na lei supracitada, ou seja, dentre outras medidas, a PEC busca garantir que 75% dos recursos dos royalties e da Participacao Especial sejam aplicados em educacao publica.
Em meio a crise financeira vivenciada pelos estados brasileiros, observa-se que a aprovacao da Lei n. 12.858/2013 passou a possibilitar com que recursos dos royalties – que tem vedada sua aplicacao no quadro permanente de pessoal (BRASIL, 1989, Art. 8°) – possam ser destinados ao custeio de despesas com manutencao e desenvolvimento do ensino, inclusive aquelas relativas ao pagamento de despesas de natureza remuneratoria a profissionais do magisterio “[...] em efetivo exercicio na rede publica” (BRASIL, 2013a, Art. 5o). Alem disso, especificamente em relacao ao Fundo Social, a Lei n. 12.858/2013 estabelece que 50% dos recursos recebidos por esse Fundo devem ser direcionados a educacao, com vista ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educacao (BRASIL, 2013a, Art. 2o, Inciso III).
OS ROYALTIES APLICADOS NA EDUCAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO METROPOLITANA FLUMINENSE
O estado do Rio de Janeiro, maior produtor de petroleo do Brasil e terceiro maior em populacao, apresentou o segundo maior PIB do pais em 2017, totalizando mais de R$ 671 bilhoes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE, 2020). Ainda de acordo com o IBGE, paralelamente, o Rio de Janeiro apresenta uma das maiores desigualdades de renda do pais, de maneira que a renda dos mais ricos e 33 vezes maior que a dos mais pobres. Alem disso, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios Continua (Pnad-C), os pobres representam mais de 12% da populacao do estado, em que 2,5% estao em situacao de pobreza extrema, sendo que 83% da populacao vivem com menos de dois salarios minimos (IBGE, 2018).
A RMRJ13 busca enfrentar problemas urbanos complexos por meio de acoes conjuntas nas mais variadas areas do servico publico dos governos que a compoe (GROSTEIN, 2001). A proposta de cooperacao intermunicipal expressa a tentativa de melhorar os indicadores sociais e, portanto, a qualidade de vida da populacao. O crescimento populacional da RMRJ – resultante, sobretudo, do fluxo migratorio em busca de melhores condicoes de vida – culminou em um processo de conturbacao que deveria ser acompanhado por politicas sociais e economicas conjuntas.
No que se refere a distribuicao dos recursos do petroleo, e importante destacar que, atualmente, os criterios para pagamento dos royalties e da Participacao Especial estao amparados pela Lei n.9.478/1997, que, regulamentada pelo Decreto n.2.705/1998, trata da distribuicao da parcela de royalties acima de 5%. Ja a Lei n.7.990/1989, regulamentada pelo Decreto n.1/1991, trata da distribuicao da parcela de royalties ate 5%. Assim, tendo em vista que, no estado fluminense, toda producao de hidrocarbonetos ocorre no mar, o Quadro 1 apresenta, de forma resumida, a distribuicao dos royalties e da Participacao Especial, conforme previsto nas normas vigentes, com destaque para a esfera municipal, haja vista constituir-se foco deste trabalho.
Ente Federado | Parcela dos Royalties | Participação Especial (% da receita líquida)14 | |
---|---|---|---|
≤ 5% da produção15 | > 5% (até 10%) da produção16 | ||
Estados e Distrito Federal | Confrontantes: 30% | Confrontantes: 22,5% | Confrontantes: 40% |
Municipios | Confrontantes e áreas geoeconômicas17: 30% Com instalações de embarque e desembarque: 10% | Confrontantes: 22,5% Com instalações de embarque e desembarque: 7,5% | Confrontantes: 10% |
União | Comando da Marinha: 20% | Comando da Marinha: 15% Mnistério da Ciência e Tecnología: 25% | Ministério de Mnas e Energia: 40% Ministério do Meio Ambiente: 10% |
Fundo Especial | 10% (Estados/FPE: 20%) (Municípios/FPM: 80%) | 7,5% (Estados/FPE: 20%) (Municípios/FPM: 80%) | - |
Fonte: Lima (2013), com adequacoes realizadas pelos autores
Por se tratar de um estudo relacionado aos municipios, serao apresentadas, aqui, algumas consideracoes adicionais ao Quadro 1 sobre a distribuicao dos royalties e da Participacao Especial, associadas, exclusivamente, a tais entes federados. Segundo o Decreto n.1/1991, o percentual de royalties de ate 5% do valor da producao que se destina aos municipios confrontantes e suas respectivas areas geoeconomicas – conforme o Quadro 1, equivalente a 30% –, e dividido entre os integrantes da Zona de Producao Principal18 (ZPP) (60%), da Zona de Producao Secundaria19 (ZPS) (10%) e da Zona Limitrofe a Zona de Producao Principal20 (ZLPP) (30%) (BRASIL, 1991). Por sua vez, o rateio da parcela de royalties destinada aos municipios de cada zona mencionada – principal, secundaria e limitrofe – e determinado segundo coeficientes individuais de participacao (BRASIL, 1991; RIO DE JANEIRO [Estado], 2018a).
Especificamente em relacao a parcela dos royalties excedentes a 5%, segundo a Lei n.9.478/1997, sua distribuicao aos municipios da-se na proporcao das areas de campos maritimos (sobre a plataforma continental) que se localizam entre as projecoes ortogonais e paralelas de seus limites territoriais. Em casos de instalacoes maritimas, a lei supramencionada determina que 40%, dos 7,5%, sejam destinados ao municipio com a instalacao e que os demais 60% sejam divididos, igualmente, entre os municipios da zona de influencia dessa instalacao (RIO DE JANEIRO [Estado], 2018a).
No que se refere a Participacao Especial, os municipios fluminenses podem ser contemplados com tres possibilidades distintas:
[...] (1) 10% da PE gerada por campos com declaracao de comercialidade anterior a 03/12/2012, producao realizada no Pre-sal e localizados na area definida pelo inciso IV do art. 2o da Lei 12.351/10 [...]; (2) 10% da PE oriunda de campos maritimos (exceto Pre-sal), cujas declaracoes de comercialidade tenham ocorrido antes de 03.12.2012 [...]; e (3) 10% da PE advinda de campos maritimos com declaracao de comercialidade posterior a 03/12/2012 [...]. (RIO DE JANEIRO [Estado], 2018a, p. 34).
No que se refere a distribuicao dos royalties, e importante observar que, na RMRJ, os municipios de Marica, Rio de Janeiro, Niteroi, Duque de Caxias e Itaguai compoem a ZPP; os municipios de Cacheira de Macacu, Guapimirim e Mage integram a ZPS; e, os demais, compoem a ZLPP. Alem disso, apenas os municipios de Marica, Niteroi e Rio de Janeiro receberam PE no exercicio financeiro pesquisado21, correspondente ao ano de 2018 ou, excepcionalmente, de 2017.
A Tabela 1, que tem por objetivo subsidiar as discussoes acerca das despesas com a educacao financiadas com recursos dos royalties e da Participacao Especial, demonstra que, no exercicio financeiro pesquisado, apenas oito (36,4%) municios integrantes da RMRJ – Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Itaguai, Mage, Marica, Niteroi, Petropolis e Tangua – aplicaram parte desses recursos na educacao, sendo que em nenhum deles tal investimento ultrapassou 10% do valor das despesas pagas. Cabe esclarecer que – na vigencia das ADIs associadas a Lei n. 12.734/2012, anteriormente destacadas – nao e obrigatoria a aplicacao em educacao desses recursos advindos do petroleo, embora seja indicada, tendo em vista as dificuldades que a maioria das redes de ensino enfrenta para financiar a educacao. Nesse sentido, e curioso que, em meio a situacao de precariedade que, em geral, caracteriza a educacao dos municipios integrantes da Baixada Fluminense, dos 13, apenas tres (23,1%) – Guapimirim, Itaguai e Mage – apliquem recursos dos royalties na educacao. Outro aspecto importante a ser destacado refere-se ao fato de que os valores das despesas pagas com recursos dos royalties podem conter tambem receitas de royalties minerais e hidricos, sendo que, com base nos documentos analisados – tendo em vista a ausencia de uma clara distincao orcamentaria –, nao foi possivel constatar os valores das despesas pagas com tais royalties. Cabe observar, contudo, que, no contexto do Estado Rio de Janeiro, a imensa maior parte dos royalties advem da exploracao e producao do petroleo.
Exercício Financeiro | Zona | Município | Total de despesas pagas com recursos dos royalties e da PE22 (R$) | Total de despesas com educação pagas com recursos dos royalties e da PE23 (R$) | Recursos aplicado em educaçâo (%) |
---|---|---|---|---|---|
2018 | Principal | Maricá | 846.639.827,58 | 64.952.621,64 | 7,7 |
2018 | Principal | Niterói | 826.285.349,18 | 47.045.050,02 | 5,7 |
2018 | Principal | Rio de Janeiro | 495.417.952,48 | - | - |
2017 | Principal | Duque de Caxias | 76.817.279,65 | - | - |
2018 | Principal | Itaguaí | 41.320.344,94 | 3.881.552,95 | 9,4 |
2018 | Secundária | Magé | 35.758.043,13 | 234.308,08 | 0,7 |
2018 | Limítrofe | São Gonçalo | 34.957.012,81 | - | - |
2018 | Secundária | Guapimirim | 31.668.474,23 | 1.781.853,11 | 5,6 |
2018 | Limítrofe | Petrópolis | 30.430.141,37 | 1.703.249,20 | 5,6 |
2018 | Secundária | Cachoeiras de Macacu | 27.327.491,10 | 863.034,13 | 3,2 |
2018 | Limítrofe | Itaboraí | 17.880.306,55 | - | - |
2017 | Limítrofe | Japeri | 17.880.306,55 | - | - |
2018 | Limítrofe | Mesquita | 17.384.868,02 | - | - |
2018 | Limítrofe | São João de Meriti | 14.821.486,59 | - | - |
2018 | Limítrofe | Paracambi | 13.013.579,18 | - | - |
2017 | Limítrofe | Queimados | 12.903.664,41 | - | - |
2018 | Limítrofe | Nilópolis | 11.015.450,52 | - | - |
2018 | Limítrofe | Belford Roxo | 9.819.621,66 | - | - |
2017 | Limítrofe | Nova Iguaçu | 9.137.144,03 | - | - |
2018 | Limítrofe | Tanguá | 8.546.819,65 | 732.480,70 | 8,6 |
2018 | Limítrofe | Seropédica | 6.250.846,65 | - | - |
2017 | Limítrofe | Rio Bonito | 6.218.048,78 | - | - |
*Valores referentes às despesas pagas (TCE-RJ) |
Fonte: Elaborada pelos autores, com base em dados extraidos dos sites do TCE-RJ24
A Tabela 2, que apresenta o total investido em educacao, bem como a parcela dessa despesa paga com royalties, concentra a atencao nos oito municipios da RMRJ que aplicaram recursos dessa fonte na educacao. Dentre outros resultados, os dados nela constantes permitem a constatacao de que parte significativa do total investido na educacao por Marica (30,3%) e Niteroi (11,3%) tem como fonte os royalties advindos do petroleo. Nos demais municipios, a participacao dessas receitas nao ultrapassou 4% do seu investimento total na educacao, partindo de infimos 0,1%, como e o caso do municipio de Mage.
Municipio | Total investido em educação (R$) | Total de despesas com educação pagas com recursos dos royalties e da PE25 (R$) | Participação dos royalties e PE no total em educação (%) |
---|---|---|---|
Cachoeiras de Macacu | 47.138.649,00 | 863.034,13 | 1,8 |
Guapimirim | 48.374.825,38 | 1.781.853,11 | 3,7 |
Itaguaí | 171.418.073,70 | 3.881.552,95 | 2,3 |
Magé | 196.597.756,69 | 234.308,08 | 0,1 |
Maricá | 214.384.206,55 | 64.952.621,64 | 30,3 |
Niterói | 417.242.801,13 | 47.045.050,02 | 11,3 |
Petrópolis | 143.621.942,98 | 1.703.249,20 | 1,2 |
Tanguá | 28.283.544,92 | 732.480,70 | 2,6 |
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir do site do TCE-RJ e do Sistema de Informacoes sobre Orcamentos Publicos em Educacao do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educacao (SIOPE/FNDE). Os dados de Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Itaguai resultam de consulta ao Relatorio Resumido e Execucao Orcamentaria, ja os dos demais municipios foram extraidos do Parecer Previo nas Contas do Governo/TCE-RJ.
A Tabela 3 apresenta as despesas com educacao pagas com os recursos dos royalties nos cinco governos que enviaram o detalhamento das contas da educacao ao TCE-RJ. No caso de Niteroi, recorreu-se aos anexos da Lei Orcamentaria Anual (LOA), porem os dados referem-se a previsao das despesas. Em tres governos – Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Itaguai –, nao foi possivel encontrar no TCE-RJ nem nos anexos da LOA o detalhamento das despesas com educacao referentes aos recursos dos royalties, sendo que, em dois governos – Marica e Niteroi –, tal detalhamento foi possibilitado apenas sobre parte dos recursos recebidos.
Município | Total de despesas com educação pagas com recursos dos royalties e da PE26 (R$) | Tipo de despesa | Valor (R$) | Descrição |
---|---|---|---|---|
Cachoeiras de Macacu | 863.034,13 | Custeio | - | - |
Capital | - | - | ||
Guapimirim | 1.781.853,11 | Custeio | - | - |
Capital | - | - | ||
Itaguaí | 3.881.552,95 | Custeio | - | - |
Capital | - | - | ||
Magé | 234.308,08 | Custeio | 234.308,08 | Construção e reforma/INSS/Lancee Digital Produções Artísticas |
Capital | - | - | ||
Maricá | 64.952.621,64 | Custeio | 979.175,78 | Energia, água, telefone, reforma, limpeza, vigia, locação de veículos, aluguel da sede, alimentação (merenda), locação de evento da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME) |
Capital | 38.569,00 | Mobiliário, equipamento informática | ||
Niterói | 47.045.050,02 | Custeio | 29.000.000,00 | Conservação e limpeza da rede escolar |
Capital | - | - | ||
Petrópolis | 1.703.249,20 | Custeio | 1.703.249,20 | Ensino Superior (Universidade Católica de Petrópolis – UCP) |
Capital | - | - | ||
Tanguá | 732.480,70 | Custeio | 732.480,70 | Manutenção da secretaria e alimentação |
Capital | - | - |
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir do site do TCE-RJ e das leis orcamentarias municipais
Especificamente em relacao a descricao do investimento em educacao dos recursos dos royalties, no caso de Mage, foram aplicados em construcao e reforma, sendo que R$ 22,5 mil foram pagos a empresa Lancee Digital Producoes Artisticas. Com relacao as despesas de Marica, so foi possivel encontrar o detalhamento de pouco mais de R$ 1 milhao, o qual foi aplicado na rubrica administracao e destinado ao pagamento de servicos e a compra de mobiliario e equipamento de informatica. Em Niteroi, a previsao de gastos com a educacao, no que se refere aos recursos dos royalties, foi direcionada a conservacao e limpeza da rede escolar, no valor anual de R$ 29 milhoes. Por sua vez, o governo de Petropolis pagou a Universidade Catolica de Petropolis (UCP) mais de R$ 1,7 milhao, associado a aquisicao de bolsas no ensino superior. É importante notar que nao ha ilegalidade em relacao a opcao de o governo investir recursos dos royalties no ensino superior. Contudo, cabe lembrar que os desafios da educacao basica sao muitos, e que o Plano Municipal de Educacao (PME) do referido municipio, aprovado pela Lei n.7.334/2015, preve o alcance de metas audaciosas associadas ao avanco da qualidade da educacao basica. Por fim, ainda no que tange a Tabela 3, o municipio de Tangua aplicou os recursos dos royalties na manutencao da secretaria de educacao e na alimentacao escolar. Destaca-se a importancia da publicizacao tanto dos valores quanto da descricao das despesas pagas com royalties, de tal forma que a sociedade possa ter acesso a quanto e como estao sendo aplicados esses recursos na educacao. Contudo, foi possivel constatar que, mesmo em documentos oficiais, e um desafio encontrar os valores e, sobretudo, a descricao das despesas com educacao financiadas com recursos dos royalties. Nesse contexto, observa-se que a Lei n. 4.320/1964 determina a discriminacao das receitas e despesas no orcamento (BRASIL, 1964, Art. 2°), e a Lei complementar n.101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), determina o incentivo a participacao popular na elaboracao e discussao do orcamento (BRASIL, 2000, Art. 48, § 1°, Inciso I), o que significa que o orcamento deve estar acessivel para a compreensao de todos, mesmo os leigos.
Mesmo o TCE-RJ, orgao que analisa tecnicamente as contas municipais, parece ter dificuldades de deter um controle preciso sobre a aplicacao desses recursos. O proprio TCE-RJ reconhece que os municipios devem providenciar a “[...] criacao de codigo de fonte especifica para classificacao dos recursos de royalties de que trata a Lei Federal n. 12.858/13, a fim de se apurar a destinacao prevista no art. 2o, § 3o da referida Lei” (RIO DE JANEIRO[Estado], 2018a), que trata da destinacao para as areas da educacao e da saude do equivalente a 75% e 25%, das receitas resultantes dos royalties. Esses recursos do pre-sal ja comecaram a chegar aos municipios, mas nao houve controle sobre sua classificacao especifica, tendo sido categorizados como royalties e aplicados em despesas alheias as previstas na lei supracitada. Tal fato denota, no minimo, a dificuldade de os governos aplicarem os recursos publicos na educacao e na saude.
A Tabela 4 apresenta a aplicacao dos recursos dos royalties em educacao dos oito governos da RMRJ, por etapa/modalidade de ensino, devendo-se destacar que o municipio de Cachoeira de Macacu nao encaminhou essa informacao ao TCE-RJ. A partir da Tabela 4 e possivel constatar que a maioria dos governos investe os recursos dos royalties nas etapas de ensino prioritarias (educacao infantil e ensino fundamental), definidas no Artigo 211 da CF/88. Apenas o governo de Petropolis optou por entregar a uma instituicao privada, a Universidade Catolica de Petropolis, atraves da aquisicao de bolsas no ensino superior, a totalidade dos recursos recebidos por meio dos royalties. O municipio de Marica incluiu as despesas de infraestrutura urbana no rol de despesas da educacao, pagas com recursos dos royalties. Ja os governos de Niteroi e Tangua aplicaram parte desses recursos na alimentacao escolar.
Municipio | Etapa/modalidade | Valor (R$) |
---|---|---|
Cachoeira de Macacu | Não especificado | 0 |
Guapimirim | Educação infantil | 143.255,62 |
Ensino fundamental | 939.085,13 | |
Administração gerai | 699.512,36 | |
Itaguaí | Educação infantil | 889.608,80 |
Ensino fundamental | 2.980.087,33 | |
Educação de jovens e adultos | 16.778,52 | |
Educação especial | 3.805,60 | |
Magé | Ensino fundamental | 211.808,08 |
Administração geral | 22.500,00 | |
Maricá | Educação infantil | 11.761.683,71 |
Ensino fundamental | 44.178.320,66 | |
Administração geral | 1.017.765,78 | |
Infraestrutura urbana | 7.994.851,49 | |
Niterói | Educação infantil | 4.125.785,63 |
Ensino fundamental | 39.156.708,36 | |
Administração geral | 3.612.557,01 | |
Alimentação | 149.999,02 | |
Petrópolis | Ensino superior | 1.703.249,20 |
Tanguá | Administração geral | 8.759,78 |
Alimentação | 724.320,92 |
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir do site do TCE-RJ
O TCE-RJ observou que os municipios, ao encaminharem informacoes sobre as despesas com educacao, utilizaram a fonte “ordinarios”, fato que dificultou a analise da origem dos recursos que financiaram tais despesas, com destaque para a analise da integralizacao do percentual minimo vinculado a educacao, disposto no Artigo 212 da Constituicao Federal, de 1988. Na pratica, alguns governos “inflam” o percentual minimo vinculado a educacao, incluindo, indevidamente, no seu computo, por exemplo, recursos associados ao salario-educacao e aos royalties (RIO DE JANEIRO [Estado], 2017; 2018).
Segundo dados da ANP, o governo estadual do Rio de Janeiro recebeu R$ 90,6 milhoes, em 2018, e R$ 95,5 milhoes, em 2019, referentes a exploracao do Petroleo no Campo de Mero, um dos integrantes do Bloco de Libra, situado na area de pre-sal da Bacia de Campos (RIO DE JANEIRO [Estado], 2020). Os municipios da RMRJ, por sua vez, receberam um valor total de R$ 11,7 milhoes, em 2018, e R$ 12 milhoes, em 2019, conforme disposto na Tabela 5, apresentada a seguir.
Município | Repasse dos Royalties do Campo de Mero (R$) | |
---|---|---|
2018 | 2019 | |
Belford Roxo | 246.869,01 | 263.411,96 |
Cachoeiras de Macacu | 446.136,61 | 470.266,78 |
Duque de Caxias | 1.318.259,67 | 1.343.119,20 |
Guapimirim | 619.255,53 | 633.121,10 |
Itaboraí | 387.993,14 | 401.612,73 |
Itaguaí | 929.773,44 | 946.376,70 |
Japeri | 334.029,16 | 322.829,15 |
Magé | 656.969,59 | 681.946,73 |
Maricá | 954.902,46 | 971.954,45 |
Mesquita | 246.869,01 | 263.411,96 |
Nilópolis | 246.869,01 | 263.411,96 |
Niterói | 1.146.284,61 | 1.161.310,72 |
Nova Iguaçu | 557.670,77 | 587.833,47 |
Paracambi | 209.251,90 | 214.315,26 |
Petrópolis | 246.869,01 | 263.411,96 |
Queimados | 240.697,29 | 256.826,67 |
Rio Bonito | 197.495,21 | 210.729,55 |
Rio de Janeiro | 1.684.426,97 | 1.661.672,22 |
São Gonçalo | 387.993,14 | 401.612,73 |
São João de Meriti | 246.869,01 | 263.411,96 |
Seropédica | 216.010,38 | 230.485,46 |
Tanguá | 172.808,31 | 184.388,37 |
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados da ANP
Da totalidade dos recursos dos royalties do Campo de Mero, que teve declarada sua comercialidade em 2017, segundo a Lei n.12.858/2013, conforme evidenciado anteriormente, 75% deveriam ser aplicados na educacao publica, com prioridade para a educacao basica, e 25%, em saude. Contudo, os municipios declararam, em 2018, atraves de oficio ao TCE-RJ, que nao receberam os recursos dos royalties referentes a esse campo petrolifero, sendo que a ANP, respondendo a consulta realizada em marco de 2019, informou ao referido Tribunal que tais valores foram, sim, repassados (RIO DE JANEIRO [Estado], 2018). Assim, tendo em vista que os repasses dos royalties aos municipios da RMRJ, nos anos de 2018 e 2019, totalizaram aproximadamente R$ 23,7 milhoes, tal “desconhecimento” pode ter resultado na ausencia de investimentos da ordem de ate R$ 17,8 milhoes na manutencao e desenvolvimento do ensino desses municipios, incluindo a possivel destinacao para o pagamento de professores em efetivo exercicio, possibilidade essa disposta no Artigo 5° da lei supracitada. Sob essa perspectiva, pode causar estranheza o fato de que alguns municipios, inclusive da RMRJ, venham atrasando, parcelando, ou, ate mesmo, nao pagando seus servidores, incluindo os professores. Observa-se, contudo, que o levantamento e analise dos motivos para tais problemas levam a realizacao de estudos e pesquisas que transcendem os limites deste artigo.
Por fim, resgata-se aqui a ADI n. 6277, interposta, em 2019, pelo governador do Rio de Janeiro, que suspende os efeitos da Lei n. 12.858/2013, impondo, ate que seja apreciada por parte do STF, uma situacao de possivel expectativa as determinacoes associadas ao financiamento da educacao, por meio dos royalties e demais compensacoes vinculadas ao pre-sal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira metade da decada de 2010, a aprovacao do ordenamento juridico associado as descobertas de petroleo no pre-sal conjugou-se ao periodo de discussao, tramitacao e aprovacao de um novo PNE para o pais. Tal conjugacao, ocorrida em um pais caracterizado por elevados indices de desigualdade social e por historicas dividas educacionais, contribuiu para que o ordenamento juridico vinculado a exploracao e producao de petroleo buscasse ir de encontro a tais desafios e, sob essa perspectiva, passasse a destinar a educacao parte dos recursos decorrentes dessas atividades no pais.
Nesse contexto, a citar, a Lei n. 12.734/2012 estabeleceu mudancas nas regras de distribuicao dos royalties e da Participacao Especial entre os entes federados, passando a contemplar com tais recursos, a partir da constituicao de um Fundo Especial, todos os estados e municipios do pais, e nao so os produtores ou confrontantes. Ja a Lei n. 12.858/2013, vinculada especificamente as descobertas no pre-sal, passou a determinar que 25% e 75% das receitas dos royalties e da Participacao Especial, decorrentes de pocos com declaracao de comercialidade estabelecida a partir de dezembro de 2012, fossem destinados exclusivamente a saude e a educacao publica, respectivamente, com prioridade para a Educacao Basica, podendo esse recurso financiar, inclusive, o pagamento de despesas de natureza remuneratoria a profissionais do magisterio.
Contudo, ambas as legislacoes se encontram em suspenso, aguardando, ha anos, pelo julgamento das ADIs, por parte do STF. Ate que tais acoes sejam apreciadas, continuam valendo as leis anteriores, as quais, em certa medida, deixam a cargo dos governos o julgamento pelo investimento (ou nao!) de tais recursos na educacao e/ou na saude. Soma-se a essa questao o fato de a educacao nacional, na contramao ao necessario avanco do seu investimento, ja vir contando com restricoes adicionais decorrentes da aprovacao da EC n. 95/2016, a qual, por vinte exercicios financeiros consecutivos, nao permitira que o investimento na educacao se sobreponha ao do exercicio anterior, corrigido apenas pela inflacao (BRASIL, 2016).
Especificamente no que tange ao investimento dos royalties e da Participacao Especial por parte dos 22 municipios integrantes da RMRJ, dentre outros resultados, os dados revelaram que apenas oito (36,4%) investem parte desses recursos na educacao, possibilitando inferir que esse direito social nao se constitui prioridade na destinacao das receitas resultantes da exploracao e producao do petroleo, ao menos por parte da maioria dos municipios pesquisados. Alem disso, dentre os municipios que declaram investir parte de tais recursos na educacao, apenas cinco enviaram ao TCE-RJ a descricao das despesas com educacao financiadas com recursos dos royalties.
Observou-se, tambem, que nao e incomum que os governos apliquem os recursos dos royalties em despesas alheias as suas incumbencias prioritarias – por exemplo, ha municipios que aplicam esses recursos na aquisicao de bolsas de estudo no ensino superior –, abrangendo, assim, niveis de ensino que consideram estrategicos politicamente. O uso das receitas dos royalties para pagamento de servicos de terceiros na educacao e recorrente, haja vista a proibicao de aplicacao das receitas em gastos com pessoal permanente e em favor da divida do ente federado, conforme determina a Lei Federal n.9.478/1997. Alem disso, nos contratos de servico, e mais dificil identificar o destino da aplicacao desses recursos, indo ao encontro do cronico fisiologismo e do patrimonialismo, ensejados na relacao entre governos e setor privado.
O controle e acompanhamento social da aplicacao dos recursos dos royalties e da Participacao Especial, sobretudo regidos pela Lei 12.858/2013, sao dificultados pela falta de acesso as informacoes de repasses desses recursos e de transparencia na sua aplicacao. Para tanto os repasses deveriam ocorrer em contas bancarias separadas, pois a aplicacao desses recursos e distinta, de acordo com a data dos contratos (assinados antes ou apos 03/12/2012), sendo aplicados em educacao, para contratos anteriores a 03/12/2012, e em Manutencao e Desenvolvimento do Ensino, para contratos posteriores a essa data.