INTRODUÇÃO
A educação infantil (EI) caracteriza-se como um direito da criança, assegurado pela Constituição Federal (CF) (BRASIL, 1988), e como a primeira etapa da educação básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei n. 9394/96, BRASIL, 1996). Conforme disposto na legislação, a EI tem o propósito de oferecer ações de cuidado e educação, de forma indissociável, às crianças de zero a cinco anos, em creches (0-3 anos) e pré-escolas (4-5 anos). No tocante à educação física (EF), a legislação assegura que ela é um componente curricular obrigatório da educação básica, devendo estar integrada à proposta pedagógica da instituição (BRASIL, 1996).
A presença da EF na EI, sobretudo a partir da promulgação da LDBEN, suscitou discussões no âmbito da educação nacional e da área da EF em particular, além de ampliar o interesse em debater e pesquisar sobre os mais diversos aspectos referentes à presença deste componente curricular em instituições de EI (MELLO et al., 2020; GOMES, 2012). As investigações que se debruçaram sobre a temática da EF na EI concentraram-se na análise da inserção da EF nesta etapa educacional (RICHTER, VAZ, 2010; BUSS-SIMÃO, 2005; AYOUB, 2001); na formação de professores para atuar com crianças pequenas (MARTINS, BARBOSA, MELLO, 2018; MARTINS, 2015; LACERDA, COSTA, 2012); em estudos bibliográficos e exploratórios sobre a EI em periódicos científicos da EF (MARTINS, TRINDADE, TOSTES, 2017) e, na análise da produção científica oriunda de teses e dissertações em programas de pósgraduação em educação e em EF (FARIAS et al., 2019; PICELLI, 2002).
De modo geral, tais investigações evidenciam a carência de estudos sobre essa temática específica, os dilemas existentes na formação de professores de EF para a docência na EI, além da centralidade da Pós-Graduação no processo de produção do conhecimento, especialmente em regiões em que há professores de EF inseridos nesta etapa da educação básica brasileira. Também ponderam sobre a especificidade da EF, seu papel e sua importância para a formação da pequena infância, bem como a necessidade e a possibilidade de maior articulação e integração do trabalho pedagógico da EF com a dinâmica curricular da EI, que não está organizada em disciplinas e que contempla as características e necessidades das crianças de zero a cinco anos (ROCHA, 2015; VAROTTO, 2015).
Frente a isso, é importante localizar a EF na perspectiva da linguagem, que dedica atenção ao corpo e o percebe como forma de expressão e comunicação, mas que, sobretudo, possibilita às crianças a expressão das diferentes linguagens e o aprendizado não apenas sobre o corpo, mas por meio deste. Para isso, é essencial que não se estabeleça como uma disciplina separada, mas que se integre aos projetos e planejamentos realizados na instituição, favorecendo a apropriação e a ampliação do repertório cultural pelas crianças (BUSS-SIMÃO, 2005).
Considerando as conquistas em termos legais e o debate em torno dos avanços e desafios relativos à presença da EF na EI, torna-se relevante ampliar os estudos acerca da EF nesta etapa educacional, a fim de identificar o lugar que a EI ocupa na produção científica da área e de refletir sobre a especificidade e o papel desse componente curricular na educação da pequena infância (VAROTTO, 2015).
Desta feita, o presente estudo teve como objetivo mapear e explorar a produção científica acerca da EF na EI nas publicações do grupo de trabalho temático escola do Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (2005-2019). Para tanto, foram analisados aspectos relativos à temporalidade, distribuição dos estudos (por região e instituição de origem), autoria, população investigada, ao tipo de estudo e às palavras-chaves, a fim de identificar como essa produção acadêmica vem se constituindo.
METODOLOGIA
Caracteriza-se como uma pesquisa bibliométrica, que contribui e auxilia a verificação e a análise de muitos aspectos da comunicação científica e tecnológica, sendo uma excelente ferramenta para vislumbrar o estado da arte das áreas do conhecimento em seus recortes específicos, como análise temporal, autoria, temática, dentre outras (JOB, 2018). Além disso, a bibliometria mostra-se relevante na análise da produção científica de um país, uma vez que seus indicadores podem retratar o comportamento e o desenvolvimento de uma área do conhecimento específica (ARAÚJO, ALVARENGA, 2011).
Estratégia de busca
A coleta de dados se deu a partir dos trabalhos sobre EF na EI apresentados no GTT Escola, publicados nos anais do CONBRACE entre os anos de 2005 e 2019, disponibilizados no site do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)1 para o acesso público. A escolha do CONBRACE como locus investigativo se deve à representatividade do CBCE e do próprio evento, considerado o maior e mais significativo evento científico na área da EF, congregando pesquisadores de diversos campos de conhecimento relacionados à área e às Ciências do Esporte no país (SILVA, PINHEIRO, 2002; SOUZA et al., 2014; BATISTA et al., 2015).
Segundo informações obtidas no site do CBCE2, os GTT são instâncias organizativas e aglutinadoras de pesquisadores com interesses comuns em temáticas específicas, além de serem polos de reflexão, produção e difusão de conhecimento acerca de tais temáticas. Neste estudo, focalizou-se o GTT Escola que engloba estudos sobre a inserção da educação física no âmbito escolar, o seu ordenamento legal e as distintas perspectivas metodológicas que subsidiam as suas práticas pedagógicas. O recorte adotado, ocorreu pela facilidade do acesso aos Anais do evento, disponibilizados na íntegra no formato online. Sendo assim, foram considerados para fins desse estudo, as oito edições do evento, o qual é realizado a cada dois anos, de forma itinerante (Tabela 1).
Ano | Edição | Tema | Região Sede |
---|---|---|---|
2005 | XIV CONBRACE | Educação física e ciências do esporte: ciências para a vida | Porto Alegre/RS |
2007 | XV CONBRACE | Política científica e produção do conhecimento em educação física | Recife/PE |
2009 | XVI CONBRACE | A formação em educação física & ciências do esporte: políticas e cotidiano | Salvador/BA |
2011 | XVII CONBRACE | Ciência & compromisso social: implicações na/da educação física | Porto Alegre/RS |
2013 | XVIII CONBRACE | Identidade da educação física e ciências do esporte em tempos de megaeventos | Brasília/DF |
2015 | XIX CONBRACE | Territorialidade e diversidade regional no Brasil e América Latina: suas conexões com a educação física e ciências do esporte | Vitória/ES |
2017 | XX CONBRACE | Democracia e emancipação: desafios para a educação física e ciências do esporte na América Latina | Goiânia/GO |
2019 | XXI CONBRACE | O que pode o corpo no contexto atual? | Natal/RN |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.
Critérios de elegibilidade
O levantamento de dados foi realizado por duas investigadoras de forma independente, no mês de dezembro de 2020. Quando identificadas divergências quanto à seleção dos artigos, uma terceira pesquisadora atuava como consenso.
A busca nos anais foi realizada a partir das seguintes palavras-chave presentes nos títulos dos trabalhos publicados online: creche; criança; educação infantil; educação física infantil; educação (física) infantil; ensino infantil; infância; pré-escola. Inicialmente foi realizada a filtragem dos dados pelo título, com a identificação e exclusão dos artigos duplicados e, posteriormente, em casos de incerteza quanto à inclusão do artigo, foi realizada a leitura do resumo e excluídos aqueles trabalhos que não se encaixavam na proposta. Após essa filtragem foram incluídos neste estudo 52 trabalhos publicados no formato pôster e comunicação oral que abordavam aspectos relacionados à educação física na educação infantil (Figura 1).
Análise dos dados
As informações coletadas foram organizadas em planilhas no software Microsoft Excel®. Para análise descritiva (frequência absoluta) das informações, foram elaboradas as seguintes categorias bibliométricas: temporalidade; distribuição dos estudos (por região e instituição de origem); autoria; população investigada e tipo de estudo. Visando aprofundar as análises, as palavras-chaves dos trabalhos incluídos foram categorizadas de modo a apresentar os termos mais utilizados nos estudos.
RESULTADOS
O corpus analisado (n=52) abarca os artigos relativos à EF na EI, publicados no GTT Escola do CONBRACE, no período de 2005 a 2019. A apresentação e a discussão dos resultados expressam-se pelos indicadores bibliométricos a seguir.
Temporalidade
Em relação à distribuição temporal, observa-se que o número de trabalhos aprovados se mostrou crescente ao longo dos anos, com ligeira queda em 2007. No que se refere aos trabalhos sobre a EF na EI, verificou-se que somente 5% da produção científica do GTT Escola é relacionada a essa temática, com destaque para os anos de 2009 e para as duas últimas edições do evento (Tabela 1).
Ano | Total de trabalhos no GTT |
Trabalhos sobre EF na EI | Percentual (%) |
---|---|---|---|
2005 | 57 | 03 | 05 |
2007 | 36 | 04 | 11 |
2009 | 55 | 08 | 15 |
2011 | 69 | 02 | 03 |
2013 | 128 | 05 | 04 |
2015 | 169 | 04 | 02 |
2017 | 189 | 10 | 05 |
2019 | 336 | 16 | 05 |
TOTAL | 1039 | 52 | 05 |
Fonte: Dados originais do estudo, 2021.
As informações obtidas na Tabela 1 demonstraram que, apesar do aumento ocorrido no número de trabalhos sobre a EF na EI, não foi possível confirmar um crescimento do interesse pela temática, uma vez que a sua representatividade se manteve estável (5%) em relação ao total de trabalhos apresentados no GTT Escola. Constatações anteriores realizadas por Picelli (2002) e Martins (2015) podem auxiliar no entendimento desses resultados.
O levantamento dos trabalhos publicados sobre o Pibid no CONBRACE (2011-2013), verificou que quando se trata da relação da EF com a EI, o número de estudos é aparentemente baixo, correspondendo a 7,5% da produção apresentada nas duas edições do evento (MARTINS, 2015). Por sua vez, ao investigar a produção do conhecimento sobre o tema da EI em programas de Pós-Graduação stricto sensu em EF, no período de 1979 a 2000, Picelli (2002) diagnosticou que em um universo de 1088 dissertações e 100 teses defendidas, 2,57% das dissertações e 3% das teses abordavam o tema da EI.
Em contrapartida, estudo recente evidenciou um aumento no número de pesquisas que vêm se dedicando a estudar a EI nos programas de pós-graduação stricto sensu, tanto da EF como da Educação, a qual identificou 224 estudos, entre dissertações (n=200) e teses (n=24), defendidas sobre o assunto no período de 1996 a 2018 (FARIAS et al., 2019).
Para além dessas evidências, pode-se inferir que a discussão sobre a inserção da EF na EI ganhou maior visibilidade com a promulgação da LDBEN em 1996, que definiu a EI como a primeira etapa da educação básica e a EF como componente curricular obrigatório, além da publicação da Lei do Piso Salarial do Magistério (Lei n. 11.733/2008). Tais fatores aliados a recente atualização da LBDEN, têm influenciado a presença mais contundente de professores de EF em creches e pré-escolas, assim como um provável incremento na produção científica que relaciona a EF e a EI, sobretudo nas últimas duas décadas (MARTINS, TRINDADE, TOSTES, 2017; MARTINS, BARBOSA, MELLO, 2018).
Assim sendo, compreende-se que embora se trate de um campo de investigação proeminente para a produção científica da EF, a área vem conquistando e mantendo espaço na EI e em suas pesquisas (FARIAS et al., 2019). Logo, é pertinente que, no âmbito do CONBRACE, de modo geral, e do GTT Escola, em particular, outros espaços de produção e circulação de conhecimento sejam criados, tais como palestras e mesas redondas, a fim de fomentar discussões e reflexões sobre a temática de modo mais aprofundado.
Distribuição por regiões e instituições de origem
No que se refere à origem dos artigos, evidenciou-se uma maior concentração de trabalhos sobre a EF na EI advindos da região Sudeste do país (36,5%). O Espírito Santo (ES) se destacou como o estado com o maior número de estudos (n=9), ou seja, 47,3% das publicações da região Sudeste, e 17,3% em relação ao total da produção sobre a temática no GTT Escola (Figura 2).
Considerando as informações presentes na Figura 2, vale destacar que a maioria dos estudos publicados no GTT Escola no período investigado, é oriunda de instituições públicas (83,4%), enquanto 16,6% advêm de instituições privadas. Além disso, nota-se que a região Nordeste aparece em segundo lugar com 19,2% da produção, seguida das regiões Sul e Centro-Oeste com 17,3% cada. A região Norte aparece com a menor produção (9,6%). Embora esse dado indique, à primeira vista, uma distribuição menos desigual da produção científica nacional, quando observadas as regiões Sul e Sudeste, esse dado não se confirma, uma vez que essas regiões somam mais da metade da produção do GTT Escola (53,8%).
Estes dados ilustram a realidade nacional e corroboram com estudos anteriores que já haviam constatado a significativa concentração de trabalhos advindos das regiões Sul e Sudeste no âmbito do CONBRACE (BATISTA et al., 2015; MENDES et al., 2016; SOUZA et al., 2014; CARNEIRO, 2011). Também corrobora com os estudos acerca da produção científica sobre infância na pós-graduação em educação no Brasil (SILVA, MÜLLER, 2015; MOLINA, 2011), sobre os bebês no contexto da creche (GONÇALVES, 2014) e sobre a interface da EF com a EI (FARIAS et. al., 2019; MARTINS, 2015; MARTINS, 2018).
Nesse cenário, Espírito Santo (9), Goiás (7) e Santa Catarina (5) são os três estados que se destacaram no âmbito das suas regiões e em relação aos demais estados. Esse dado alude ao fato das redes municipais de Vitória/ES e de Florianópolis/SC serem pioneiras na inserção de professores de EF nesta etapa educacional (MELLO et al., 2020), assim como a rede municipal de Goiânia que, mais recentemente, inseriu a EF na EI (GONZAGA, 2011). Esses fatores parecem justificar a presença da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entre as universidades que mais publicaram sobre a temática no GTT Escola, uma vez que estas têm contribuído decisivamente para a realização de pesquisas de campo e para a constituição de grupos de pesquisa nas universidades sediadas nesses estados (MARTINS, 2017).
Sob essa perspectiva, reflete-se que as pesquisas desenvolvidas nos programas de pósgraduação têm impactado na produção científica das universidades, a exemplo da UFES, que neste estudo, assim como na pesquisa de Farias et al. (2019) e Martins (2018) desponta com o maior número de trabalhos. De acordo com Assis (2015), a UFES, por meio do seu programa de pósgraduação em EF, estabelece diálogo com diversas Secretarias de Educação dos municípios do Espírito Santo, o que acaba potencializando a formação e o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da EI, especialmente por via do Núcleo de Aprendizagem com as Infâncias e seus Fazeres (NAIF) (MARTINS, 2018).
Em Santa Catarina, a UFSC se destaca na quantidade de estudos pelo fato de possuir tanto um Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Infância, Educação e Escola (GEPIEE), como uma linha de pesquisa consolidada em educação e infância em seu programa de educação, criado em 2001 (SILVA, 2009). Além disso, a rede municipal de Florianópolis possui o Grupo de Estudos Independente da EF na EI (GEIEFEI) administrado pelos próprios profissionais da rede (GASPAR, RICHTER, VAZ, 2015). Já a UFG, tem se destacado nos estudos sobre a infância, por meio do seminário de Grupos de Pesquisa sobre Crianças e Infâncias (GRUPECI) (GONZAGA, 2011).
Essas evidências revelam que a produção científica relacionada à EF na EI ainda é incipiente em determinadas regiões do Brasil, estando concentrada em algumas poucas universidades. Em vista disso, os programas de Pós-Graduação investem cada vez mais nessa temática, motivados, pela realidade local que conta com a presença de professores de EF nesta etapa educacional.
Assim, as questões relacionadas à inserção da EF na EI carecem de um maior investimento em produções científicas, com vistas a fomentar discussões e reflexões sobre as teorias e as práticas que envolvem a atuação do professor de EF nesta etapa educacional. A partir dessa iniciativa, almeja-se que os resultados possam subsidiar políticas educacionais acerca da obrigatoriedade da área na EI, bem como subsidiar encaminhamentos no âmbito da formação inicial.
Autoria
A análise dos 52 artigos publicados nas edições do CONBRACE entre 2005 e 2019, evidenciaram um total de 133 autores envolvidos nos trabalhos analisados, realizados de quatro maneiras: autoria individual; em duplas; em trios e composições multiautorais (quatro a seis autores). A Figura 3 apresenta a evolução da composição autoral dos trabalhos sobre a EF na EI no GTT Escola, em que pese a supremacia das coautorias (82,7%) sobre as autorias individuais (17,3%) ao longo dos anos, com exceção das edições de 2005 e 2011.
A Figura 3 indica uma tendência no comportamento dos pesquisadores da EF em produzir trabalhos coletivamente, em detrimento do trabalho individualizado, especialmente a partir de 2013, quando a autoria se torna eminentemente coletiva, sobressaindo, nesse período, produções com quatro autores ou mais. As informações apresentadas se aproximam dos resultados encontrados no estudo realizado por Carneiro et al. (2016) ao observar que a comunidade científica, cada vez mais, tem se organizado em autorias coletivas, especialmente em duplas ou trios, o que pode ser indicativo da associação a grupos de pesquisa e projetos de formação de pesquisadores em diversos níveis do processo produtivo da ciência.
Por outro lado, tais evidências diferem dos resultados encontrados por Gomes et al. (2018), os quais indicaram o predomínio da autoria individual, seguida da autoria dupla e, com menor ocorrência, textos com três autores ou mais. A predominância da produção coletiva nos trabalhos apresentados no GTT Escola já foi evidenciada nos estudos de Carneiro (2011) e Martins (2015), os quais constataram que do total de textos publicados nas edições anteriores do CONBRACE, cerca de 70% foram assinados por mais de um autor. Esse número aumenta para 92,5% nos trabalhos sobre o Pibid nas edições de 2011 e 2013, com uma média de 4,17% autores por publicação.
Um dos fatores que pode auxiliar na compreensão desses resultados refere-se às políticas da pós-graduação no Brasil, visto que para atender as diretrizes de produtividade advindas da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pesquisadores têm realizado trabalhos em conjunto, com o intuito de elevar o número publicações (CARNEIRO, 2011). Outro fator pode estar relacionado à própria característica dos trabalhos produzidos, como no caso de programas como o Pibid que são realizados de forma coletiva (MARTINS, 2015).
Outro aspecto que pode contribuir para o delineamento do perfil de autoria diz respeito ao gênero. Nesse sentido, o estudo revelou que a autoria feminina (86) prevaleceu sobre a masculina (47), repetindo-se o mesmo padrão nas coautorias. Em relação à composição da autoria, observase que 20 trabalhos são de autoria de mulheres, enquanto apenas 6 trabalhos são assinados por homens. Já a autoria mista, isto é, aquelas em que participam homens e mulheres, assume os outros 50% da produção.
No estudo de Silva e Müller (2015), a predominância de autoria feminina também foi detectada, representando 97,04% dos estudos defendidos no âmbito da pós-graduação em educação e que abordaram a temática da primeira infância na creche. Ainda que não se possa atribuir essa evidência a um único fator, esse dado aparece entrelaçado com a constituição da docência na EI como sendo algo essencialmente ligado à maternidade e/ou com o trabalho feminino (BATISTA, ROCHA, 2018).
De igual modo, Vieira e Sousa (2012) e Silva, Luz e Faria Filho (2010) constataram a expressiva maioria feminina na produção científica divulgada pela Revista Brasileira de Educação e na liderança de grupos de pesquisas sobre a infância, criança e EI no Brasil. Tais aspectos reafirmam a concentração do trabalho feminino no contexto educacional, gerando a hipótese de que na área da EF, haja um maior interesse das mulheres pela docência/pesquisa voltada para a EI.
Tipos de estudos
A Figura 4 expressa os tipos de estudos, considerando a indicação feita pelos autores no corpo do texto, o que possibilitou ampliar o olhar sobre o perfil investigativo dos trabalhos sobre EF na EI, veiculados no GTT Escola (2005-2019). Os dados indicaram que a maioria das produções sobre a temática foi fruto de estudos que se caracterizaram como pesquisa de campo (18). Além disso, os relatos de experiência (17) ganharam destaque, bem como os estudos teóricos (bibliográficos-documentais) (14).
Com base nesses resultados, é possível afirmar que a quantidade de estudos de campo demonstra uma possível preferência no meio acadêmico por esse tipo de pesquisa, mediante diferentes desenhos metodológicos (etnografia, pesquisa-ação, exploratória, fenomenológica e dialética). Esse resultado também foi constatado por Martins, Barbosa e Mello (2018) na produção científica sobre a formação de professores de EF para a EI, e por Farias et al. (2019) ao verificarem o predomínio de pesquisas que se utilizaram de metodologias de estudos de campo na produção referente à EF na EI.
Vale destacar ainda, a notória presença do gênero relato de experiência, permitindo inferir que essa tipologia de estudo vem ganhando espaço no âmbito científico e da formação de professores. No tocante ao contexto das publicações no CONBRACE, esse dado vai ao encontro dos resultados encontrados por Martins (2015), averiguando que da quantidade de trabalhos publicados no evento, aproximadamente 56% eram relatos de experiência. Por outro lado, tais evidências contrastam com o estudo de Martins, Barbosa e Mello (2018), ao verificarem um número consideravelmente menor de relatos de experiência se comparado aos estudos empíricos em periódicos da área.
Por fim, considera-se importante expor a ocorrência de uma quantidade considerável de trabalhos de viés teórico-documental (26,92%), assim como observado por Farias et al. (2019) no contexto dos estudos da Pós-Graduação em Educação e EF (16,33%), e por Carneiro (2011) ao analisar as publicações do GTT Escola entre 1997 e 2009. Além disso, Bracht et al. (2012) apontam o forte predomínio do ensaio na produção referente à EF escolar no Brasil, o que não representa, segundo os autores, uniformidade metodológica, uma vez que é possível identificar ensaios eminentemente teóricos, ensaios que se utilizam de exemplos do cotidiano e outros com apoio documental.
Diante disso, reflete-se sobre a tendência na publicação de trabalhos de campo no âmbito da EF e das Ciências do Esporte, em comparação a outros tipos de estudos, o que tem sido incentivado pelos programas de Pós-Graduação em consonância com as regras estabelecidas pelos órgãos de avaliação e de fomento à pesquisa e de regulamentação da Pós-Graduação no Brasil (TANI, 2014).
A despeito dessa afirmação, os resultados indicam que houve um equilíbrio no desenho metodológico dos trabalhos, não sendo possível afirmar uma tendência nas publicações que investigam a temática da EF na EI no âmbito do GTT Escola. Corrobora-se que os diferentes tipos e métodos de pesquisas identificados, oferecem uma diversidade de olhares sobre os fenômenos educacionais, de modo que os pesquisadores têm empregado um conjunto de práticas científicas que permitem compreender as múltiplas faces da escola (CARNEIRO, 2011).
População investigada
Os resultados demonstraram que dos 52 artigos analisados, 12 tiveram como foco de estudo as crianças, enquanto 11 estudos teóricos focalizaram a análise da produção científica sobre a EF na EI. Por outro lado, uma menor quantidade de estudos se empenhou em investigar estudantes de licenciatura em EF (9) (Figura 5).
A Figura 5 indica que as crianças representam a principal população investigada. A possibilidade de se considerar as crianças como sujeitos de pesquisa tem representado uma conquista significativa, especialmente nas últimas duas décadas, o que tem contribuído para a multiplicação de publicações que anunciam a participação da criança no desenvolvimento de investigações (FERNANDES, MARCHI, 2020).
O estudo sistematizado por Rocha e Gonçalves (2015) sugere uma crescente valorização das pesquisas que buscaram se aproximar dos pontos de vista das crianças, e as consideram como participantes legítimas dos estudos. Segundo as autoras, essa valorização ainda é discreta, mas demonstra mudanças acerca do lugar social que as crianças assumem em relação aos adultos no contexto da pesquisa. Além disso, tais aspectos corroboram com a visão de que as crianças devem assumir o papel de protagonistas nas pesquisas direcionadas a elas, em que pese, o desafio de se fazer pesquisa com e não somente sobre as crianças. Trata-se, pois, de um esforço que deve ser feito pelos pesquisadores no sentido de buscar compreender, interpretar e legitimar os pontos de vista das crianças como sujeitos que tem algo a informar sobre si, mesmo que para isso se tenha que conceber outros modos de fazer ciência (DELGADO, MULLER, 2005; FERNANDES, MARCHI, 2020).
Sob essa ótica, convém ressaltar que as crianças não formam um grupo único e homogêneo, podendo se pensar que elas apresentam diferentes características, interesses e necessidades, de acordo com a faixa etária, com a etapa do desenvolvimento em que se encontram e com as suas experiências de vida. Assim sendo, observou-se que dos trabalhos analisados neste estudo, cinco investigaram crianças pequenas3 (5-6 anos), enquanto um trabalho englobou crianças entre 3 e 5 anos. Apenas um estudo focalizou crianças muito pequenas (2-3 anos).
Esses dados se aproximam dos resultados encontrados por Varotto (2015) ao verificar um número reduzido de estudos publicados em periódicos da EF no período de 2004 a 2014, que tem como foco bebês e crianças bem pequenas. Por sua vez, Silva, Luz e Faria Filho (2010) constataram em seu levantamento a baixa incidência de grupos de pesquisa identificados por meio dos descritores creche e criança pequena, o que parece indicar que as pesquisas continuam enfocando, sobretudo, nas crianças acima de 3 e 4 anos de idade.
Outro ponto que pode auxiliar na compreensão para a baixa incidência de estudos com bebês e crianças bem pequenas refere-se à legislação, a exemplo da Emenda Constitucional n. 59/2009 (BRASIL, 2009), que tornou obrigatória a matrícula na EI para crianças a partir de 4 anos. Este fato que pode ser considerado como uma conquista, também pode ser problematizado no sentido de valorização da dessa etária em relação às crianças de 0 a 3, tanto no que se refere à oferta de creches e pré-escolas como na possibilidade de concentração dos professores de EF para as crianças maiores.
Por outro lado, notou-se um menor número de estudos envolvendo acadêmicos de EF (9). Esse dado sugere a necessidade de mais estudos envolvendo essa população, haja vista que a presença da EF na EI indica dilemas relativos à formação, dentre eles o afastamento e a superficialidade dos conteúdos presentes nas matrizes curriculares nos cursos de EF em relação às especificidades do trabalho pedagógico na EI, acarretando na sensação de despreparo e dificultando as possibilidades de ampliação e/ou a permanência do professor de EF nesta etapa educacional (MARTINS, TOSTES, MELLO, 2018).
Nessa direção, observou-se que os trabalhos que têm como público os acadêmicos de EF derivam de projetos como o Pibid e de experiências de Estágio Curricular Supervisionado (ECS). Esse apontamento converge com as contatações de Martins (2015), demonstrando a importância do Pibid na formação do futuro professor para atuar na EI, além de se configurar como um campo de estudos e de promoção da produção de conhecimentos no referido contexto, uma vez que o futuro professor passa a ter elementos contribuintes para a compreensão da sua realidade profissional (IZA, SOUZA NETO, 2015).
Por conseguinte, faz-se necessário ampliar o debate sobre a presença da EF na EI, investindo em pesquisas que investiguem a formação inicial em EF direcionada à atuação na EI (GOMES, 2012; MARTINS, TOSTES, MELLO, 2018), a fim de subsidiar as políticas no campo da formação de professores, bem como reestruturar os currículos dos cursos de formação inicial a partir do conhecimento científico produzido.
Temáticas evidenciadas nas palavras-chave
Ao analisar as palavras-chave, foram identificados 111 descritores, agrupados em quatro categorias e em oito subcategorias que refletem as temáticas exploradas nos trabalhos (Figura 6). As palavras-chave associadas às categorias educação física/infantil (40) e educação infantil foram as mais citadas (35), enquanto as palavras referentes às categorias práticas corporais (18) e infância/criança (10) foram menos utilizadas.
Assim como verificado por Silva, Luz e Faria Filho (2010), o presente estudo averiguou a baixa incidência dos termos creche (2), pré-escola (1), ensino infantil (1) e educação pré-escolar (1). As autoras inferem que esse dado seria reflexo de mudanças no âmbito conceitual e metodológico, especialmente a partir dos anos 1990, quando há uma mudança no foco dos estudos no âmbito da EI ao incluírem reflexões sobre as crianças como seres históricos e culturais (re)produtores de cultura. Tais alterações no campo da EI, contribuíram para ampliar o debate acerca da especificidade da EF, seu papel e sua importância para a educação da pequena infância (AYOUB, 2001; VIEIRA, MEDEIROS, 2007), influenciando as pesquisas da área.
As palavras-chaves associadas à educação física/infantil foram amplamente utilizadas pelos pesquisadores, privilegiando temáticas relacionadas às práticas pedagógicas e educacionais (22), ao corpo e movimento (11), à formação (7) e ao currículo (4). Evidência similar foi encontrada por Farias et al. (2019), constatando maior frequência da temática pertinente às práticas pedagógicas (57,14%), versando, em boa medida, sobre os aspectos do comportamento e da aprendizagem motora, da atividade física e dos testes de aptidão física.
Esse dado difere dos trabalhos publicados no âmbito do GTT Escola que buscam escapar das abordagens tradicionalmente empregadas pelos estudos da área, avançando, assim, na direção de práticas da EF pautadas nas especificidades da EI (MARTINS, BARBOSA, MELO, 2018), em que o movimento é pensado como uma linguagem e um saber/fazer pertinente ao campo da EI (MARTINS, TOSTES, MELO, 2018). Nessa direção observou-se diversos trabalhos trazendo discussões que envolvem as manifestações da cultura corporal, com ênfase para os jogos e as brincadeiras.
Esse dado aponta a educação do corpo como o principal eixo de aproximação entre a EF e a EI, uma vez que se constitui como objeto de estudo e de intervenção de ambas as áreas, além de servir de argumento para a inserção de professores de EF nesta etapa educacional que não se organiza de maneira disciplinar (MELLO et al. 2016; GONZAGA, 2011; RICHTER, VAZ, 2010). Ademais, expressa a intenção dos pesquisadores em valorizar aquilo que é próprio da infância, qual seja, a cultura lúdica infantil, dada a compreensão do brincar como um direito das crianças e da centralidade que os jogos e as brincadeiras assumem nos processos pedagógicos desenvolvidos na EI (MARTINS, TOSTES, MELLO, 2018; RODRIGUES, 2015).
Vale mencionar ainda, que os termos infância e criança aparecem em menor quantidade entre as palavras-chave dos estudos levantados. Esse dado contrasta com os resultados encontrados por Silva, Luz e Faria Filho (2010), ao investigarem grupos de pesquisa sobre infância no Brasil, identificando que o tema infância (54,3%) era o mais frequente, seguido do tema educação infantil e da educação de modo geral. As referências às crianças, à formação de professores e às políticas surgiram como os outros três temas mais frequentes.
Com base nesse resultado, levanta-se a hipótese de uma possível secundarização da criança pelas pesquisas na área da EF o que contraria a premissa presente nos documentos que regem a primeira etapa da educação básica, de que toda prática pedagógica deve considerar a criança como centro do processo pedagógico (MARTINS, TOSTES, MELLO, 2018).
Com base nessas evidências é possível afirmar, assim como verificado no estudo de Farias et al. (2019), uma tendência das pesquisas em investigar temáticas pertinentes à problematização da presença da EF na EI, com destaque para as práticas pedagógicas desenvolvidas nesse contexto e para a formação de professores para atuar nesse contexto. Logo, observa-se a intenção desses estudos no sentido de apontar caminhos e de refletir sobre a especificidade e a importância da EF, auxiliando os docentes a compreender o que devem fazer e como precisam atuar, de modo a contribuir para a educação da pequena infância.
CONCLUSÕES
O levantamento dos estudos sobre a EF na EI publicados no GTT Escola do CONBRACE (2005-2019), indicou que não é possível confirmar um crescimento do interesse pela temática, uma vez que a sua representatividade se manteve estável ao longo do período investigado. A região Sudeste tem se destacado na publicação sobre a temática no cenário nacional, com destaque para o estado do Espírito Santo. Em relação à autoria, constatou-se a tendência de estudos realizados de modo coletivo, resultantes, na sua maioria, de pesquisas de campo e de relatos de experiência, sendo as crianças a principal população investigada. As palavras-chaves mais utilizadas estão associadas à educação física/educação física infantil.
O estudo apresentou limitações ao se propor investigar os Anais de um único evento da área da EF e por considerar a produção vinculada a um único GTT, abrangendo, assim, um modo específico de vinculação e difusão da produção do conhecimento. Com isso, sugere-se a realização de novos estudos sobre essa temática, utilizando-se de diferentes propostas metodológicas e fontes de pesquisa, nacionais e internacionais. Conclui-se que a análise da produção científica sobre a EF na EI contribuirá para que outros pesquisadores visualizem os dados explícitos sobre o tema, levando-os a novas reflexões sobre as problemáticas, tendências e desafios em que a área se encontra.