OUTROS REPERTÓRIOS
Pensar a infância a partir de outros repertórios, referenciais e cenários que contam histórias alternativas às consagradas, sobre os diferentes modos de ser criança, como vivem, convivem e/ou sobrevivem a partir de algumas obras literárias possibilita novos olhares e escutas para pensar, sentir e melhor conhecer as crianças e infâncias. Desde suas dimensões particulares às mais gerais, tais referências permitem estabelecer diversas relações e aproximações, tão significativas e compreensíveis quanto as que encontramos com mais frequência em estudos acadêmicos - em geral pautados por uma ideia ou uma tradição científica que nem sempre dialoga com ou abre espaços para as produções artísticas, em suas diferentes formas de expressão.
A intersecção entre filosofia, ciência e arte já se traduz em muitas produções científicas e não se trata mais de um mero recurso ilustrativo, ainda que muitas vezes assim o seja ou assim se apresente. As representações provindas das artes têm ganhado cada vez mais espaço no campo social, político, pedagógico e cultural da formação universitária e profissional/continuada, o que remete a uma abertura que vai além do sentido de recurso para ser entendida como referencial de relevo no processo formativo.
Por meio de representações do campo do cinema, da literatura, da música e/ou de outras produções artístico-culturais, é possível (re)ver as próprias concepções a respeito da pluralidade, singularidade e multiplicidade das infâncias, suas aproximações e seus distanciamentos, de modo a entender melhor as crianças retratadas e estudadas nos mais diferentes trabalhos (FANTIN, GIRARDELLO, 2020).
Neste artigo elaboramos uma reflexão sobre as crianças e infâncias a partir de outros repertórios, mais especificamente da literatura e/ou de obras autobiográficas, enfatizando como certas obras podem sugerir, enriquecer e propiciar distintas leituras, interpretações e narrativas sobre a temática. Vale ressaltar que este estudo é um recorte de uma pesquisa mais ampla sobre referências literárias, musicais e cinematográficas e outras produções culturais, que está em desenvolvimento no grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte, NICA/UFSC (FANTIN, GIRARDELLO, 2019, 2020).
No intuito de desenvolver um trabalho de sistematização dessas referências que lhes possibilite fazer parte do repertório acadêmico-científico que estuda as crianças e infâncias (em especial na pedagogia), compartilhamos um levantamento/mapeamento inicial de obras diversas que apresentam a temática pretendida, em diálogo com o sentido de interseccionalidade - ao articular diferentes dimensões associadas às relações identitárias, aos sistemas simbólicos e representacionais (institucionais, sociais e individuais), à compreensão do gênero, raça e classe dentro de estruturas hegemônicas, entre outras, que conferem certa centralidade política em suas narrativas (CARVALHO, 2020).
Nesta reflexão, a interseccionalidade é entendida como uma ferramenta metodológica indispensável para compreender as desigualdades sociais de raça, classe, gênero, sexualidade, idade, capacidade e etnia, como sugerem Collins e Bilge (2021). Embora tenha sido inicialmente utilizado por Kimberlé W. Crenshaw (1989) para designar a interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe, o sentido de interseccionalidade reafirma o entendimento das crianças nesta relação, de modo a considerar as múltiplas fontes da identidade, o sentido de cidadania e pertencimento social. “A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado” (BILGE, 2009, p. 70). Ainda segundo o autor, ao rejeitar a hierarquização dos eixos de diferenciação social como sexo/gênero, classe, raça, etnia, idade e orientação sexual, seu enfoque interseccional “[...] vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais” (BILGE, 2009, p. 70).
Desse modo, é possível estabelecer aproximações analíticas tanto na dimensão da identidade individual da criança, em seus distintos contextos e realidades, bem como da infância como categoria de grupo na qual certas opressões se impõem pela cultura do adulto nas dimensões estruturais em que as crianças não costumam ter poder de participação. Ao abarcar aspectos da interseccionalidade nas complexas redes de relações, orientamo-nos na busca por conexões e aproximações teóricas a partir das experiências dos indivíduos e grupos sociais, por ser possível identificar relações sistêmicas onde dominação e subordinação são estruturadas (COLLINS, 2015).
Desse modo, ao concentrarmos nossa atenção em obras literárias que abordam crianças e infâncias a partir de outras perspectivas - e semelhante às nossas biografias individuais, como comentado por Patricia Hill Collins (2015) -, podemos notar como as categorias de análise de raça, classe e gênero se imbricam em suas narrativas e como moldam essas histórias. Sobretudo quando adentramos um universo ficcional que se diferencia por trazer personagens e grupos de raça/classe/gênero diferentes daqueles com os quais podemos estar mais familiarizados.
A metodologia deste levantamento/mapeamento envolveu uma revisão de obras literárias e autobiográficas com a temática da infância, e um posterior recorte no sentido de selecionar alguns livros de variados contextos socioculturais com potencial dialógico para nossa reflexão. Diante das inúmeras possibilidades, optamos por orientar nossas escolhas a produções que tiveram um significativo impacto no âmbito político-cultural em seus respectivos períodos de publicação, e que se destacam por abordar as crianças e/ou as infâncias a partir de um prisma mais próximo do sentido pedagógico contemporâneo, qual seja: o da criança como sujeito produtor de cultura e da infância como um tempo/território designado por especificidades históricas, políticas e culturais (SANTOS, 2021).
Assim, o texto apresenta algumas referências teóricas que fundamentam os estudos da infância e suas relações com a arte e destaca algumas obras literárias que de alguma maneira abordam as crianças e as infâncias em diferentes contextos históricos e culturais. E por fim, sugere possíveis aproximações e diálogos entre as referidas obras e os desafios da educação de crianças no contexto contemporâneo.
CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL
O mundo contemporâneo atravessa um momento histórico complexo, de muitas mudanças em sua estrutura e organização - econômica, social, política. Segundo o sociólogo alemão Ulrich Beck (2018), o mundo não está apenas mudando, na concepção habitual que se costuma ter nas Ciências Sociais, mas está passando por uma metamorfose, que seria algo mais profundo e intenso.
Mudança implica que algumas coisas mudam, porém outras permanecem iguais - o capitalismo muda, mas alguns aspectos do capitalismo continuam como sempre foram. A metamorfose implica uma transformação muito mais radical, em que as velhas certezas da sociedade moderna estão desaparecendo e algo inteiramente novo emerge (BECK, 2018, p. 15).
Neste cenário, como indivíduos dessa sociedade em mutação, as pessoas são também afetadas pelas velhas certezas que desaparecem, inclusive e sobretudo as crianças - ainda que continuem tendo pouco ou nenhum protagonismo político e social na maioria das sociedades modernas ocidentais1. O que sabemos sobre elas e essas mudanças mais profundas que as atingem? A pedagogia e o discurso acadêmico tratam desse mundo em metamorfose? Estão atentos a essas grandes transformações que se refletem nas crianças e em suas vidas? Que referências utilizam para abordar tais questões?
Sabemos que no Brasil tais questões têm sido abordadas no campo da educação por autores como Miguel Arroyo (2008; 2015), Sonia Kramer (2006; 2007), Adriana Friedmann (2005) e que, num âmbito mais amplo da percepção científica e epistemológica contemporânea, Zaia Brandão (1994), Boaventura de Sousa Santos (2010), Edgar Morin (1984; 2000), Bruno Latour (2003; 1994) e outros também discutem aspectos relevantes dessa mudança paradigmática nas últimas décadas.
Nesse contexto, pensar a criança e a infância é um dos maiores desafios da Educação e deveria ser também de toda a sociedade contemporânea. Configura-se, deste modo, uma questão epistemológica das mais centrais à formação dos profissionais em Pedagogia, uma vez que é ela que dá sentido (ou dá maior sentido) aos nossos fazeres pedagógicos.
Numerosas pesquisas sobre crianças e a cultura (PERROTTI, 1990; RABITTI, 1999; FANTIN, 2000; BUCKINGHAM, 2002; SARMENTO, 2004; LIVINGSTONE, 2009; GIRARDELLO, 2018; OLIVEIRA, 2004; SANTOS, 2021; PEREIRA, 2021) apontam que as crianças têm sido historicamente tratadas por lentes de percepções e produções acadêmicocientíficas que nem sempre captam sua singularidade. E muitas inquietações surgem das pesquisas realizadas com e sobre crianças, ainda que a partir do olhar adulto, revelando as múltiplas possibilidades de entender as relações que as crianças estabelecem com o mundo, mas que nem sempre os adultos conseguem entender.
Nesse sentido, a perspectiva que orienta nossos estudos elege a criança como ator social, “[...] o que implica a garantia de seus direitos à participação e autoria, considerando sua opinião, seu olhar, seu gesto, sua voz e, consequentemente, sua escuta e suas análises” (FANTIN, GIRARDELLO, 2020, p. 1).
Isso nos leva a refletir não só sobre os limites da ciência e das metodologias adotadas na pesquisa com e sobre as crianças, suas temáticas e questões emergentes, mas também a buscar outras referências para estudar as infâncias. “Referências que dialoguem, interpretem e/ou traduzam outros modos de ser criança, seus olhares para o mundo contemporâneo, suas perguntas sobre ele e as respostas que dão às pequenas e grandes coisas da vida” (FANTIN, GIRARDELLO, 2020, p. 1).
Vale esclarecer a diferença das dimensões conceituais de infância e infâncias. Quando nos referimos ao pensamento geracional, adotamos o conceito infância (no singular) e quando nos referimos a ser e viver conforme as várias configurações sociais, étnico-culturais, de localização geográfica - urbanas, rurais, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, etc. - e as multiplicidades do sujeito-tempo-espaço, adotamos o conceito infâncias (no plural).
Relacionadas a tais conceitos, certas metáforas da infância e suas inúmeras representações, construídas sobretudo no espaço escolar, realçam imagens que podem traduzir visões românticas, nostálgicas e até mesmo de decadência e violência social, conforme as condições de ser criança e de viver a infância. As diferentes condições de ser criança revelam que a barbárie moral de nossa sociedade afeta de modo direto crianças em diversos lugares e situações, como diz Arroyo (2009).
A infância tem sido abordada sob profusas perspectivas epistemológicas, desde a medicina à sociologia, do direito à filosofia. Por sua vez, Fantin e Girardello (2019), bem como Santos (2021), dialogam com os campos da comunicação, antropologia, história, artes e outras áreas do saber e chamam a atenção ao cenário social e político do país, que agrava os desafios à qualidade do cotidiano cultural da infância, diante de recuos importantes em mecanismos de defesa dos direitos culturais das crianças. Afinal, como a diversidade de tantas crianças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, negras, pobres, exploradas, abandonadas, oprimidas e silenciadas têm vivido suas infâncias?
Para além daquela ideia de criança que se aproxima do perfil denominado por Jared Diamond (2014), difundido nas e pelas sociedades do tipo Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas (WEIRD), qual a criança que aprendemos a ver e a tomar como parâmetro na escola e na graduação? Ela tem vínculo com a realidade que encontramos nas escolas, nas mídias e no dia a dia, nos espaços sociais e formativos de nosso continente, do nosso país, de nossa região, nosso estado, nosso município, nossa cidade ou até mesmo de nosso bairro? Até que ponto conhecemos e dialogamos efetivamente com essa criança que está diante de nossos olhos e ainda assim parece ser tão difícil de ser enxergada em sua singularidade?
“E se esta imagem que fazemos da criança não for senão uma ilusão?”, questiona Janusz Korczak (1984, p. 27). Walter Benjamin enfatizava que a criança “[...] exige do adulto uma representação clara e compreensível” (2002, p. 55). Na formação universitária nos cursos de Pedagogia, essa premissa é elementar ao se estudar e discutir a criança contemporânea, para além da estereotipia que difunde imagens e discursos sobre ela, de modo a não continuar a difundir uma imagem de criança única e invariável, associada a um estatuto da verdade do poder de representação que a imagem pode ter, como acentua Nicholas Mirzoeff (2003)2.
E as crianças do campo, das florestas, dos desertos, do frio ártico, do calor tropical, das cidades grandes, das cidades pequenas, da classe média, das periferias, das ruas e de seus capitães de areia3, dos apartamentos minúsculos e quase sempre trancados, dos semáforos, das indústrias têxteis e eletrônicas chinesas, das minas africanas e em outras partes do mundo... Que conjunção temos em mente quando pensamos infâncias tão plurais de um modo ainda universal e hegemônico?
Portanto, ao refletir sobre de que crianças e infâncias estamos tratando na formação universitária de estudantes de pedagogia, bem como no(s) discurso(s) pedagógico(s), podemos trazer para o diálogo a contribuição de algumas leituras provenientes das artes. Por mais que existam características gerais sobre ser criança e viver a infância, há um quadro histórico-ideológicocultural que influencia estes processos (CHARLOT, 1979) e seria coerente pensar sobre essa questão em nossas pesquisas de um ponto de vista mais flexível.
A pesquisa científica ou acadêmica não pode mais ficar restrita a uma concepção, que é uma concepção, no fundo, dogmática, que se apoia unicamente sobre uma concepção simplificada de pesquisa. Ou seja, algo que seria, mais uma vez, muito sistemático, muito conceitual. Ao contrário, a pesquisa deve estar na escuta da vida social. Quando eu digo pesquisa, me refiro às ciências humanas e sociais e não, de modo geral, às ciências exatas. Nas nossas disciplinas, acho que se deve ter uma atitude que esteja de acordo com a vida. Somente se ela está de acordo com a vida social ela é realmente uma pesquisa. Senão, ela se torna dogmática (MAFFESOLI, 2011, p. 522).
Ao trabalhar com a infância e a criança torna-se imperativo entender e estar nessa escuta da vida social. Todos os sujeitos, familiarizados ou não com o ambiente acadêmico, consideram ter algum domínio sobre as noções de criança e infância, considerando a proposta de Maffesoli (2011) de sair do estrito esquema acadêmico de conceitos, como se estes fossem cristalizados, fossilizados, fechados em si mesmos, e buscar eixos de análise menos dogmáticos.
Por outro lado, tal empreendimento de dar conta de todas essas noções apresentadas pelos campos dos saberes é muito ambicioso. Por isso, no recorte deste artigo trazemos um epítome da questão do ponto de vista das artes como uma aproximação inicial - concentrando-nos mais nas referências literárias - considerando este campo fecundo para examinar, de forma flexível, as noções então referidas.
Assim, nos perguntamos:
[...] como as artes visuais, a música, a dança, a literatura podem contribuir como referências importantes para o estudo da criança? Como a antropologia e as mais diversas concepções indígenas de infância podem enriquecer os modos de ver e se relacionar com as crianças num mundo cada vez mais permeado pelo digital? Como as filosofias do bem-viver e outras epistemologias do sul podem nos ajudar a construir outras mediações, em que a arte/cultura, a natureza, corporeidade/espiritualidade estejam integradas na totalidade/potencialidade da vida que nasce e renasce junto com as crianças? (FANTIN, GIRARDELLO, 2020, p. 2).
Ainda que não tenhamos respostas simples a tantas indagações, sabemos que todas as culturas apresentam produções que de alguma forma são frutos da imaginação humana, “[...] obras de uma maestria tão deslumbrante que mudam a forma de ver o mundo de quem as contempla, as escuta ou as lê”, como enfatiza Eisner (2017, p. 16) refletindo sobre o papel das artes na transformação da consciência. E este ponto de vista é particularmente importante num contexto em que certas perspectivas de formação estão dominadas pelo racionalismo técnico e pelo sentido utilitarista da arte.
Mas para além do sentido ilustrativo que muitas vezes a arte assume nas pesquisas, mapear ou ao menos nos aproximarmos de ideias de infâncias outras que dialoguem com práticas culturais contemporâneas é uma forma de dar visibilidade a diferentes possibilidades de estudar e educar as crianças. Como sugere Arroyo (2009, p. 280):
As artes e a literatura sabem da especificidade de cada tempo da vida. Há literatura infantil e infanto-juvenil, como há filmes sobre e para crianças, adolescentes e jovens. Os tempos da vida são recortes explorados nas letras e nas diversas linguagens artísticas, cênicas e cinematográficas. Se acompanharmos, ainda que de longe, a produção nessas áreas, encontraremos farto material para realimentar nossas sensibilidades para as peculiaridades de cada um desses tempos. Poderemos perceber que há uma preocupação por enfocá-los e mostrar com múltiplas linguagens quem são e como vivem as crianças, os adolescentes e os jovens. Como lutam contra o tempo. Como são violentados em seus tempos de vida. Uma fonte fecunda para construirmos uma imagem mais real das vivências dos tempos da vida.
A infância como um enigma, a criança como um novo ou uma novidade que carrega em si um teor de ambiguidade, está ligada a um contexto histórico que nem sempre é delineado nos discursos sobre ela, que muitas vezes dão a impressão de que tudo que se remete a ela é novo, nunca tendo existido antes, em narrativas que recaem em uma idealização da imagem da infância e das crianças. Mas como as narrativas presentes em diferentes obras de arte da literatura e de autobiografias traduzem outros modos de ser criança e viver a infância?
INFÂNCIAS NA LITERATURA E EM OBRAS AUTOBIOGRÁFICAS
Tudo depende de como nós vemos as coisas, diz o arquiteto e escritor acidental Norton Juster (1999). Neste sentido acrescentamos que as produções artísticas se configuram muitas vezes como um amálgama que nos permite visualizar, distinguir e compreender determinada questão ou temática a partir de diversas leituras de suas partes, que se juntam em um todo coerente e por vezes revelador.
O desafio de fazer um mapeamento na literatura e publicações autobiográficas sobre o tema da infância é imenso, pois há uma diversidade de obras que tratam ou buscam retratar aspectos mais específicos e/ou gerais a respeito das infâncias. O método utilizado neste trabalho foi a constelação literária proposta por Severino Antônio (2009, p. 15), entendida como uma tessitura de vozes que buscam aproximar o que há de comum sem desconsiderar o que diferencia. Nesse sentido, a convergência das vozes é tecida por movimentos constelares em torno do tema, como abertura a outras vozes e olhares, por vezes divergentes, mas profundamente interligados.
Neste quadro, o recorte e a escolha das obras sobre a infância e as crianças se constituiu a partir dos seguintes critérios: livros que têm a infância como tema, embora não se dirijam especificamente à leitura das crianças; importância histórica; impacto cultural; influência geracional; problematização política e relação pedagógica das noções destacadas; e potencial dialógico para desencadear e inspirar outros olhares para nossa reflexão. A avaliação desse potencial segue necessariamente critérios também subjetivos, pautados pelo objetivo de enriquecer o repertório da formação docente. A busca de abri-lo a referências literárias de diferentes gêneros e culturas será aprofundada no âmbito da pesquisa mais ampla e já se evidencia aqui na menção a obras latinoamericanas, orientais e de povos originários do Brasil, ainda que em boa parte as referências estejam mais ligadas ao chamado cânone ocidental.
A seguir, apresentamos algumas obras a partir de uma determinada linha do tempo de sua publicação.
No século XVIII é publicado Emílio, ou Da Educação, do filósofo e escritor suíço JeanJacques Rousseau (1762), obra que se caracterizou como o primeiro romance ou tratado filosófico e pedagógico da educação. É dividida em cinco livros, sendo que os três primeiros tratam da infância do personagem-título. Sua narrativa se tornou notória como um ponto de encontro das concepções educativas vigentes e das que estariam em vias de se desenvolver, inaugurando uma nova forma de perceber a criança e sua educação, que tirava o professor do centro do processo pedagógico. Vale lembrar que a obra foi considerada incompreendida e sua publicação causou muita polêmica na época, tendo sido queimada em Paris e condenada oficialmente até mesmo pela Sorbonne Université, levando seu autor a ter que sair da cidade. No entanto, seu impacto literário, político, cultural e pedagógico, bem como sua eminente relevância para estudar a criança e pensar a infância, é célebre e reconhecida até nosso tempo presente.
Durante o século XIX diversas obras também se tornaram marcos, por trazerem em sua narrativa, como protagonistas ou de modo menos direto, a situação das crianças nos períodos então representados. Um exemplo é Oliver Twist, do romancista Charles Dickens (1838), considerado o primeiro romance inglês protagonizado por uma criança que pontua a situação das crianças órfãs no cenário social de sua época. Também Os Miseráveis, do romancista francês Victor Hugo (1862), enunciava a situação de miserabilidade à qual boa parte da população era acometida, sendo as crianças afetadas de igual maneira (ou até pior) que os adultos.
Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, publica em Londres As Aventuras de Alice no País das Maravilhas (1865), cuja temática envolve uma série de reflexões filosóficas e existenciais a partir da história de uma criança que segue um coelho e acaba caindo em sua toca, se deparando então com um novo mundo, diferente do habitual, na qual ela vai descobrindo à medida em que tenta encontrar o caminho de volta. Nos Estados Unidos, Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido sob o pseudônimo de Mark Twain, publica As Aventuras de Tom Sawyer (1876), que narra a relação de uma criança órfã, Tom Sawyer, e seu melhor amigo Huckleberry Finn, uma criança que vivia nas ruas. Juntos eles vão vivenciar distintas aventuras, reais e imaginárias. Em 1881, em Florença, Itália, Carlo Collodi (pseudônimo de Carlo Lorenzini) escreve aquela que seria considerada sua obra-prima, As Aventuras de Pinóquio, originalmente publicada de modo serial no jornal infantil de Ferdinando Martini, Giornale per i Bambini, e lançada como livro em 1883, com ilustrações de Enrico Mazzanti. O enredo tece reflexões profundas sobre um boneco e sua evolução à condição de ser humano, evocando questões referentes ao crescimento e as complexidades que envolvem tal processo.
Outra publicação de Mark Twain, As Aventuras de Huckleberry Finn (1884), concentra suas reflexões nos dilemas que o personagem de Finn vai enfrentar, tendo ao seu lado como companheiro de viagem um negro escravizado, isso no contexto político, cultural, religioso e social estadunidense da primeira metade do século XIX, antes da Guerra da Secessão. Com todos os impasses éticos e morais inerentes à época, trata-se de uma história singular sobre a dificuldade de viver e compreender uma sociedade onde as relações se estabelecem por meio de convicções e princípios que contrastam com o respeito à vida e dignidade humana.
Durante o século XX, aquele descrito pela escritora sueca Ellen Key (1909) como o século das crianças, na produção literária (geral ou específica - nesse caso, científica), o que vimos foi uma produção significativa de obras que traziam reflexões de relevo sobre a situação das crianças e infâncias em diferentes lugares, tempos e contextos.
Na literatura, são exemplos neste período: Quando eu voltar a ser criança (1925), do médico e pedagogo polonês Janusz Korczak, que demonstrou de modo profundo e sensível o menosprezo que muitas crianças sentem em relação a como os adultos as tratam. Capitães da Areia, do brasileiro Jorge Amado (1937), trouxe a realidade dos menores abandonados nas ruas das grandes cidades brasileiras (e que ainda hoje se evidencia e se assemelha à situação vivenciada por muitas crianças). O Pequeno Príncipe, a obra mais conhecida do autor francês Antoine de Saint-Exupéry (1943), colocou um adulto diante de uma criança para confrontar as incongruências do seu mundo (externo e interno).
Ainda na primeira metade do século XX, durante seu exílio nos Estados Unidos em 1941, o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht (1949) narrou, em forma de poema, a peregrinação de cinquenta e cinco crianças para sobreviverem ao horror da Segunda Guerra Mundial4. O texto, com muita sensibilidade, nos transmite um pouco da peregrinação de um grupo de crianças órfãs, em 1939, em que podemos acompanhá-las nessa longa e tão complexa caminhada em busca do direito humano mais básico: o da sobrevivência.
Na segunda metade do século XX, muitas outras obras foram produzidas e mantiveram a qualidade não apenas estética e narrativa, mas de reflexão, ao acentuar particularidades que podem contribuir para uma leitura pedagógica menos linear, rígida e até certo ponto fechada em torno de tudo que envolve a vida e o desenvolvimento das crianças e/ou infâncias. Podemos citar como exemplo, O Meu Pé de Laranja Lima, escrito pelo brasileiro José Mauro de Vasconcelos (1968), que conta a história de um meninozinho que descobriu a dor ainda criança, percebendo algumas das muitas dificuldades de viver com e entre os adultos.
Neste mesmo período, o renomado cientista e político brasileiro Josué de Castro (1967) lançou seu único romance, Homens e Caranguejos, obra autobiográfica que ao narrar a história de um menino crescendo em meio aos caranguejos ajudou a dar ainda mais luz ao problema da fome - conforme outros livros científicos do autor -, desmitificando-a e desnaturalizando-a, ao tomá-la como fenômeno social, humano, agravada consideravelmente pelas ações político-econômicas.
Na década de 1970 um livro bastante representativo das lutas pelos direitos das crianças e pelos direitos humanos em geral foi 10 Anos com Mafalda, de Joaquín Salvador Lavado Tejón, o conhecido escritor argentino Quino (1973), responsável por ter criado uma das personagens mais icônicas de nossa cultura política e literária. Ainda neste ano, na Alemanha, foi lançado Momo e o Senhor do Tempo ou A extraordinária história dos ladrões de tempo e da criança que trouxe de volta às pessoas o tempo roubado: um conto-romance, de Michael Ende (1973), que com incrível delicadeza retrata a relação dos adultos com o tempo e a dificuldade que eles têm em escutar uns aos outros e a si mesmos, o que se reflete no modo como as crianças são tratadas e desconsideradas culturalmente.
No início dos anos 1980, Com Olhos de Criança foi lançado pelo cartunista e pedagogo italiano Francesco Tonucci (1981), também conhecido como Frato. Por meio dos traços e da sensibilidade que hoje lhes são características, convida os adultos a (re)ver o mundo pelos olhos e pelo olhar das crianças. Aké: Os Anos de Infância, livro de memórias do escritor nigeriano Wole Soyinka (1981), remonta à sua infância antes e durante a Segunda Guerra Mundial em uma aldeia iorubá no Oeste da Nigéria que intitula o livro. Nesse retrato de época, o autor traz um relato envolvente sobre os acontecimentos históricos, os sonhos e as preocupações de criança e suas reflexões diante de tudo que acontecia, dando ainda atenção especial a uma série de questões culturais na narrativa.
A Cor Púrpura, da estadunidense Alice Walker (1982), foi um romance que marcou a carreira da autora ao narrar através de cartas a história de uma garota pobre e negra de 14 anos, na primeira metade do século XX no sul dos Estados Unidos, que sofre abusos sexuais e se vê obrigada a casar com um sujeito mais velho que a humilha e violenta, física e psicologicamente. Ainda nesta década temos duas publicações em forma de antologia, organizadas pela pedagoga e escritora brasileira Fanny Abramovich (1981; 1983): O sadismo de nossa infância e O mito da infância feliz, que problematizam a ideia de uma infância inocente e sem problemas a partir de memórias em forma de contos, relatos e ensaios de autores convidados.
A Solidão da Criança, outro livro de autoria de Francesco Tonucci (1994), se destaca por sua dimensão artística muito sensível, em charges que nos revelam uma preocupação em relação à infância contemporânea: o modo como esse tempo/território tem sido vivenciado cada vez mais a partir de experiências individuais e restrito a espaços privados. O autor critica a lógica consumista em que os adultos compram sobretudo brinquedos industrializados e outros tipos de produtos para as crianças em decorrência da falta de tempo para se relacionarem com elas, como se fosse suficiente para compensar sua ausência.
Outras problemáticas da infância podem ser observadas em Cenas Brasileiras, v. 17 da coleção Para Gostar de Ler, de autoria da brasileira Rachel de Queiroz (1995). Nesta obra, a autora apresenta vinte e cinco crônicas sobre a situação de muitas pessoas na sociedade brasileira de então, entre elas algumas crianças nas mais adversas situações. E no final dos anos 1990, o escritor brasileiro Manoel de Barros (1999) publicaria uma de suas mais comentadas e apreciadas obras: Exercícios de ser criança, relato poético sobre um menino que carregava água na peneira e uma menina avoada.
Nos anos 2000, temos mais publicações literárias e/ou autobiográficas que se inserem nesse rol que aborda crianças e/ou infâncias com grande potencial pedagógico - não apenas no sentido mais lato do termo, de estar voltado a alguma prática didático-educativa ou que pode ser usado na escola, mas de sistematização de questões referentes a um tema ou assunto particular.
Podemos destacar, entre elas: Retratos de Crianças do Êxodo, obra lançada no primeiro ano do século XXI pelo renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado (2000). A partir de seu projeto intitulado Êxodos - que registrava a humanidade em trânsito -, o autor dá atenção neste livro à situação das crianças migrantes, refugiadas, exiladas, como as que estão entre as maiores vítimas devido a sua vulnerabilidade física e emocional.
Ainda a respeito da vulnerabilidade humana e das vítimas em nossa história, encontramos relatos seminais - e por vezes de difícil digestão - em As Boas Mulheres da China, publicação da jornalista, radialista e escritora chinesa Xue Xinran (2002). De modo peculiar, Xinran narra algumas histórias que ocorreram na época da Revolução Cultural no país, a partir de entrevistas que realizou com mulheres chinesas. O livro denuncia os abusos/crimes cometidos por muitos homens, tendo entre as vítimas diversas crianças, ressaltando o impacto de tais experiências na vida dessas pessoas.
Scar Tissue: As Memórias do Vocalista do Red Hot Chili Peppers é um relato surpreendente da trajetória de Anthony Kiedis (2004), frontman da banda californiana, desenvolvido em coautoria com Larry Sloman. Aqui notamos mais uma obra que ajuda a compreender a relevância de considerar a infância em sua pluralidade conceitual, bem como de perceber as infâncias a partir de suas experiências as mais adversas possíveis - como a que Kiedis descreve, permeada pelo consumo de diferentes drogas e pelo contato precoce com relações sexuais.
Amanhecer Esmeralda, de Ferréz (2005), pseudônimo utilizado pelo brasileiro Reginaldo Ferreira da Silva, parte de uma realidade que ainda tem pouca representatividade no que diz respeito a obras sobre ou destinadas para as crianças, que é a situação da pobreza em um cenário também pouco abordado, os das periferias das grandes cidades. Por sua vez, Quando Eu Era Pequena, da brasileira Adélia Prado (2006), nos leva às memórias de uma infância vivenciada no início do século XX, abordando as experiências narradas com bastante delicadeza.
O Que é uma Criança?, da ilustradora-autora italiana Beatrice Alemagna (2008), busca responder a pergunta do título por meio de uma descrição tão poética quanto sensível, com imagens que tocam e dialogam com as crianças de todas as idades. Ainda em 2008 temos De Volta Para Casa: Memórias, do escritor estadunidense John Grogan (mais conhecido pelo livro Marley & Eu), que traz um relato minimalista e de muita sensibilidade sobre momentos de sua infância e o quanto tais experiências foram fundamentais ao modo como ele via e percebia o mundo - em especial enfatizamos o trecho quando o autor narra a reflexão desencadeada a partir do encontro que teve com crianças que moravam em Detroit, no estado de Michigan, que na ocasião se abrigaram em sua casa devido aos confrontos decorrentes da brutalidade policial que resultaram numa rebelião de civis em 1967.
Crianças, da jornalista e escritora chilena María José Ferrada (2013), rememora um dos episódios mais tristes de seu país, o golpe militar em setembro de 1973, que resultou no regime ditatorial que durou 17 anos, sob o comando de Augusto Pinochet. Das mais de três mil pessoas desaparecidas ou mortas no período, havia trinta e quatro crianças com menos de quatorze anos, e é nelas que que a autora se concentra ao apresentar trinta e quatro poemas, acompanhado de ilustrações em tons suaves, que homenageiam as vítimas desse trágico acontecimento e contribui para que a memória coletiva não deixe nunca de lembrar.
Retomando a literatura voltada para a autobiografia, nos livros Das coisas que aprendi e
Memórias de índio: uma quase autobiografia, o escritor e professor indígena brasileiro Daniel Munduruku (2014; 2016) traz relatos de sua história de vida, e neles acompanhamos um pouco de suas experiências durante a infância, que se destaca por apresentar uma realidade distinta a respeito dos povos originários, ainda pouco abordada no contexto acadêmico e científico quando se discute o conceito de infância sem considerar sua pluralidade contextual.
Kramp, mais uma obra da chilena María José Ferrada (2017), nos apresenta a uma menina de sete anos de idade e ao modo como ela vai compreendendo o mundo dos adultos ao seu redor, sobretudo a partir da relação com seu pai, percebendo as fragilidades humanas durante o trajeto que acompanhamos. Acid for the Children: Uma Autobiografia, de Flea (2019), um dos mais ilustres músicos contemporâneos e baixista do Red Hot Chili Peppers, traz um relato de muitas nuances sobre a complexidade de viver e crescer em distintos contextos familiares e sociais. Assim como na obra de seu companheiro de grupo - anteriormente mencionada, de Anthony Kiedis -, podemos perceber como às margens da sociedade crescem os sonhos de tantas crianças, e o quanto a música, a arte, tem um poder (trans)formador.
E para encerrar os exemplos de um mapeamento inicial de produções literárias, apresentamos Arquivo das Crianças Perdidas, primeira novela escrita em língua inglesa pela escritora mexicana Valeria Luiselli (2019). Nela, somos levados a refletir sobre a condição das crianças imigrantes que tentam cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos, na expectativa de conquistarem um sonho que ainda não lhes foi permitido ter nos locais onde nasceram; porém sem considerar que ao fim do trajeto tal sonho pode não ser mais que um pesadelo.
Se anteriormente sugerimos que tudo depende de como nós vemos as coisas, deixamos em aberto as possíveis relações que emergem das obras acima. No entanto, reafirmamos que a experiência estética - e literária, na especificidade desta reflexão -, é uma experiência de conhecimento que se constrói na interação com a obra e, também, com suas mediações.
Neste sentido, as relações que emergem de tais aproximações literárias podem favorecer espaços de encontros e de aprendizagens para melhor interpretar a complexidade da realidade das crianças e das infâncias, de suas incertezas e do seu devir. Também podem favorecer um devir docente outro, uma educação mais próxima da arte, da cultura e da condição humana, sobretudo quando se reconhece a diversidade literária como princípio ético e estético, um valor da democracia e pluralidade que também educa a sensibilidade, a inteligência e a imaginação, reciprocamente.
PALAVRAS COMPLEMENTARES
Se entendermos estas obras como pequenos pontos de luz de uma constelação literária que ainda está sendo mapeada, além do desafio de pensar no que elas possuem em comum - crianças e infâncias -, destacamos o desafio e a importância da formação cultural dos(as) futuros(as) professores(as), ou seja, a necessidade de ampliar os repertórios para além das produções acadêmicas e científicas. A nosso ver, tal aspecto é fundamental para pensar outras articulações.
O poder das histórias literárias é notório na formação humana. Como disse Paul Ricoeur (1995), é com a emergência das histórias que emerge o sujeito. Outro filósofo, Alasdair MacIntyre (1981), sublinha que o ser humano, em suas ações e práticas, é essencialmente um animal narrativo. Já́ chegamos ao mundo com um ou mais personagens e papéis atribuídos a nós, e o único modo pelo qual podemos saber o que fazer a partir deles é através do estoque social de histórias, com destaque para a literatura, pelo poder estético que lhe é próprio.
Daniel Munduruku (2019, p. 23) revela que por meio das histórias aprendeu “[...] a compreender a complexidade do mundo numa linguagem capaz de me conduzir pelos labirintos da cultura e, assim, conhecer pessoas que comigo conviviam e convivem”. O escritor e professor indígena ainda afirma: “[...] todos nós trazemos escritos em nossos corpos as histórias de outra gente que nos antecedeu” (MUNDURUKU, 2019, p. 29). Entre tantas camadas possíveis na construção de sentido e significados, reafirmamos o papel da arte na constituição da consciência; e entender a formação docente como uma arte implica considerar que a aprendizagem possui uma dimensão estética organicamente relacionada aos princípios e valores da educação.
Nessa relação, o papel das narrativas literárias na formação docente favorece o sentido de interseccionalidade ao tematizar questões das identidades culturais e desigualdades sociais por meio de enfoques outros, que possam delinear possibilidades de compreensão a partir da ampliação de repertórios estéticos-formativos mediados por artefatos literários.
E a capacidade de criar experiências de formação cultural que sustentam formas de pensamento mais complexas, sensíveis e/ou sutis podem ter lugar especial nessa perspectiva de abordar o tema da infância a partir de algumas aproximações com a literatura, transpondo os leitores para mundos e imaginários a partir de um outro lugar. Um lugar que possa nos aproximar não apenas da criança que em alguma medida fomos e educamos, mas da criança em seu devir pelos olhos da arte. Arte que dá visibilidade, que cria, que forma e transforma.