Introdução
Para atender às demandas de um cuidado mais integral e humanizado no Sistema Único de Saúde (SUS) e às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso médico, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm buscado novas metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem para formar um profissional com perfil generalista, humanista, crítico, reflexivo e capacitado a atuar em uma perspectiva da assistência coerente com estes pressupostos (FRANCISCO; TONHOM, 2012).
Dentre os métodos ativos adotados, a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e a problematização destacam-se, no sentido de contribuírem para a aprendizagem significativa e facilitarem o processo de desenvolvimento da competência profissional dos estudantes. Nestes métodos, o conhecimento prévio dos estudantes é valorizado, os conceitos são construídos de modo contextualizado, articulando teoria e prática e há o estímulo à busca ativa dos alunos e à cooperação em pequenos grupos, visando à aprendizagem significativa (CHIRELLI; PIO; SOARES, 2016).
As situações de aprendizagem demandam um clima de reciprocidade, vínculo, autoria, criação e respeito (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Não existe conhecimento fora de um vínculo que possa ser processado pela mente. É importante, nessa concepção, que o professor seja capaz, como exercício constante, de entrar em contato com sua subjetividade e, acrescenta-se, com a alteridade. Não existe boa comunicação sem envolvimento com o outro. Para isso, fazem-se necessários comprometimento e a escuta ativa. O envolvimento deve ser a mola propulsora do sucesso educacional. Outro componente significativo é a confiança estabelecida durante a comunicação, originada no apoio mútuo, tão importante para construção de um feedback eficaz para os processos avaliativos (AGUILAR-DA-SILVA, 2014).
Se considerarmos que a subjetividade se constrói na relação com o outro e se alimenta dela ao longo da vida, a convivência com o professor pode propiciar ao aluno competências para estabelecer relações intersubjetivas e sustentá-las. Rios e Schraiber (2012), ao falarem da temática da humanização e humanidades em medicina, estabelecem a ligação existente entre as práticas de ensino e o desenvolvimento do cuidado intersubjetivo. Referem-se às atitudes sendo aprendidas na escola pelos modelos profissionais e pela forma com que o processo de aprendizagem é desenvolvido. A relação professor-aluno é pensada, nesse sentido, como o encontro pedagógico que permite a experiência intersubjetiva necessária ao aprendizado da competência relacional, incluindo a formação moral (FREIRE, 1996).
Um fator positivo da educação médica está no reconhecimento da complexidade das relações humanas. As instituições formadoras devem encorajar e promover excelência nas relações entre professores e estudantes, pois são relações que se reproduzem por toda a vida entre pares e podem se estabelecer como modelo de cidadania (VIEIRA; TAMOUSAUSKAS, 2013).
O repensar constante sobre o ato de educar é emergente na realidade atual. Delors (2010) apresenta o conceito de educação ao longo da vida como a chave que abre as portas do século XXI. Converge em direção a outro conceito proposto com frequência: o da “sociedade educativa”, na qual tudo pode ser uma oportunidade para aprender e desenvolver os talentos. Discorre sobre as quatro aprendizagens fundamentais nesse sentido: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. O Aprender a conhecer, ou aprender a aprender, contempla o beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida; o Aprender a fazer, propiciando competência que torna a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe; o Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro, o respeito e a percepção das interdependências; o Aprender a ser, para desenvolver, da melhor maneira possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal (DELORS, 2010).
Para que a educação seja estruturada segundo esses quatro pilares do conhecimento, as finalidades do sistema educacional e as competências dos professores não podem estar dissociadas, de forma que a prática docente se apresente coerente com os objetivos da escola (ARRUDA et al., 2008).
Não há como pensar as mudanças e as inovações didático-pedagógicas dissociadas do docente, assim como não é possível desagregar sua identidade profissional da perspectiva da formação docente, pois existe interdependência de ambos os fatores. Reconhece-se a necessidade também de uma formação didático-pedagógica desvinculada de uma relação de saber e poder, de vivências de perda de autonomia e dos especialismos em relação aos conteúdos (ALMEIDA; BATISTA, 2011).
Isso requer uma nova concepção do ser docente: facilitador, mediador e orientador da aprendizagem de cada estudante e da sua própria aprendizagem (KOMATSU et al., 2003). Aguilar-da-Silva (2014) acrescenta a necessária troca de postura, com mudança na maneira de ser professor.
O processo ensino-aprendizagem guarda uma transformação que combina o conhecimento de aspectos pedagógicos, como o processo cognitivo e as contribuições da avaliação. A formação pedagógica específica é necessária, nesse sentido, para amenizar fragilidades que residem na formação de professores. Bons técnicos não são necessariamente bons professores e o que se percebe é que muitas vezes estes são desprovidos de formação (BATISTA et al., 2015).
Segundo Batista, Vilela e Batista (2015), a docência médica parece emergir em meio a uma rede de condicionantes, com forte vínculo com o campo da prática. Nas escolas médicas, a continuidade de um modelo tradicional na formação guarda relação com o caráter individualista do mercado de trabalho.
As transformações no ensino somente ocorrerão se os professores ampliarem sua consciência a respeito dos contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais da própria prática educativa. O bom professor de medicina da sociedade atual inclui em seu perfil profissional não somente competências científicas e metodológicas, mas também todas as específicas de seu trabalho docente, como psicopedagógicas, comunicacionais, investigativas, acadêmico-administrativas e humanísticas, que, em seu conjunto, proporcionam uma formação integral (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).
Rêgo e Batista (2012) realizaram pesquisa bibliográfica em bases de dados nacionais e internacionais e apontaram a escassez de estudos explorando a experiência do professor médico com a formação do estudante de medicina, especificamente em currículos que utilizam a ABP. Considerando a necessidade de ampliação de estudos desta natureza, este estudo se propõe a compreender a vivência da reciprocidade entre estudante e professor ao operacionalizar métodos ativos.
Método
Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, com o referencial metodológico baseado na Teoria Fundamentada nos dados (TFD), um método que tem por finalidade conhecer o fenômeno no contexto em que ele ocorre, observando a inter-relação entre os significados e a ação. O termo TFD significa que a teoria foi derivada dos dados, sistematicamente reunidos e analisados por meio de pesquisa (STRAUSS; CORBIN, 2008).
Os procedimentos de codificação envolvem identificar, desenvolver e relacionar os conceitos, que são os blocos de construção da teoria. As categorias (subprocessos) são abstrações do fenômeno observado nos dados e formam a principal unidade de análise da TFD. A teoria se desenvolve por meio do trabalho com as categorias, do qual emerge a categoria central, um processo, como consequência da análise (STRAUSS; CORBIN, 2008).
Este estudo foi conduzido em uma Instituição de Ensino Superior (IES), com professores médicos do curso de medicina. Esta faculdade adota os métodos da ABP e da problematização desde o final da década de 1990, passando por várias mudanças curriculares neste período, no sentido de adequar-se às demandas do SUS e às DCN. Participaram do estudo professores médicos das Unidades de Prática (que utilizam a problematização) das 1ª, 2ª, 5a e 6a séries e das Unidades Sistematizadas (que utilizam a Aprendizagem Baseada em Problemas) das 1ª e 2ª séries.
A amostra foi intencional, constituída por saturação teórica, ou seja, os participantes foram convidados por cenário educacional e por série até o momento em que: (a) nenhum dado novo ou relevante surgiu em relação a uma categoria, (b) a categoria estava bem desenvolvida em termos de propriedades e dimensões, demonstrando variação, e (c) as relações entre categorias foram bem estabelecidas e validadas (STRAUSS; CORBIN, 2008). A análise ocorreu de forma concomitante à coleta, finalizadas com a construção do modelo teórico com os próprios dados e com os participantes.
Após parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob n.259.123, os professores foram convidados e informados sobre o objetivo da pesquisa, por meio da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de participação.
Os dados foram coletados durante o ano de 2014 pelas próprias pesquisadoras. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas, com a solicitação: ‘Conte-me seu processo experiencial quanto à prática pedagógica ligada à formação do estudante de medicina’. As entrevistas foram audiogravadas, tendo duração média de 40 minutos. Cada professor foi identificado com uma letra, entre parênteses, ao final dos trechos das entrevistas, ilustrando a apresentação dos resultados (“T” para os tutores das Unidades Sistematizadas e “F” para os facilitadores das Unidades de Prática). Após as letras T e F foram adicionadas letras na ordem do alfabeto para identificar na codificação cada participante. Havia professores que exerciam papéis como tutores e facilitadores em mesma série ou em séries diferentes. Por isso, após a (s) letra (s), foram diferenciadas a (s) séries. “TA1a2a”, por exemplo, identifica que o professor entrevistado, nesse caso, é tutor, denominado de A, de primeira e segunda série. Da mesma maneira, “TI2aF5a” significa ser este professor, tutor de segunda série e facilitador da UPP de quinta série. A saturação teórica se configurou na 19a entrevista.
As entrevistas audiogravadas foram transcritas na íntegra. A análise seguiu os passos do referencial metodológico da TFD: 1. Microanálise: análise detalhada, linha por linha da experiência do professor, gerando elementos iniciais acerca da relação professor-estudante; 2. Codificação aberta: realizou-se um processo analítico por meio do qual foram identificados conceitos que representaram a ação/interação do professor com o estudante e a metodologia; 3. Codificação axial: a partir dos conceitos foram geradas subcategorias iniciais e categorias, ligando-as, segundo suas propriedades e dimensões, para construir a teoria; 4. Codificação seletiva: realizou-se um processo de integração e de refinamento da teoria, no qual as categorias foram organizadas em torno de um conceito central de motivo (categoria central).
O presente artigo faz parte de um estudo maior, que gerou como resultados quatro subcategorias da experiência do professor médico: Aproximando-se: tornando-se professor em métodos ativos com experiências prévias diferentes e os desafios da necessidade de formação pedagógica para o desempenho do papel docente; Encontrando-se: a capacitação, a experiência e a motivação como facilitadores permanentes dos métodos ativos - a construção do papel docente associada ao aprender, ao fazer e à relação com o estudante; Desencontrando-se: falta de interesse, de capacitação, de experiência e heterogeneidade na condução como dificultadores do processo ensino-aprendizagem; Reencontrando-se: a gestão educacional como potencial alinhadora da formação docente. A categoria central foi denominada: Entre aproximações, encontros, desencontros e reencontros do professor médico com métodos ativos de ensino-aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras do desenvolvimento docente.
Este estudo enfoca o encontro do professor com o método e a relação com o estudante, que corresponde à categoria ‘Encontrando-se: capacitação, experiência e motivação como facilitadores permanentes dos métodos ativos’, especificamente a subcategoria ‘Vivenciando a reciprocidade ao operacionalizar o método ativo’.
Resultados
Dos 19 professores participantes deste estudo, nove eram tutores, sendo cinco também facilitadores de outras séries (55%), sendo que três estavam inseridos nas duas séries finais. Dos 10 facilitadores, seis atuavam em outras séries (60%), estando dois nas primeiras séries e nas últimas séries. Um tutor estava, exclusivamente, na primeira série e outros dois na segunda série. Dois facilitadores estavam apenas na segunda série e quatro estavam somente nos últimos anos (47,4%). Onze eram mulheres (57,9%) e oito homens (42,1%), com média de idade de 48 anos, com faixa etária entre 36 e 64 anos. 10,5% foram formados na década de 1970; 26,3% na de 1980; 26,3% na de 1990 e 36,8% após 2000. Quatro professores formaram-se em cursos com metodologias ativas. Portavam titulações acadêmicas máximas de doutor (15,8%), mestre (36,8%) ou especialista/residência médica (47,4%).
Dentre as categorias, subcategorias e elementos encontrados, o presente artigo apresenta e discute uma subcategoria específica “Vivenciando a reciprocidade professor-estudante ao operacionalizar o método ativo” e seus elementos. O quadro 1 sintetiza esses resultados.
CATEGORIA | SUBCATEGORIA | ELEMENTOS | ||
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Encontrando-se: a capacitação, a experiência e a motivação como facilitadores permanentes dos métodos ativos - a construção do papel docente associada ao aprender, ao fazer e à relação com o estudante | Vivenciando a reciprocidade ao operacionalizar o método ativo | 1 Modelando-se na vivência da prática: a flexibilidade e abertura do professor despertadas pelo processo de aprender na relação com o estudante | 2 Sentindo as repercussões positivas das habilidades e atitudes do professor na relação com o estudante | 3 Percebendo o crescimento do estudante e sua qualificação a partir da proposta curricular |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Esta subcategoria trata da concepção de que o método favorece a relação estudante-professor. O professor pode fortalecer a segurança do estudante e ter sua prática fortalecida diante do papel ativo do discente. A experiência no método ativo mobiliza no docente a percepção da necessidade de uma aprendizagem permanente. Os professores têm a possibilidade de rever o seu papel no sentido de analisar a relação com o conhecimento e com o estudante inserido no processo.
Alguns professores estabelecem comparações a partir da operacionalização e da relação professor-estudante entre as diferentes propostas metodológicas, tradicional e ativa. Identificam que, além do contato do estudante com o professor na metodologia tradicional ser guiado pela transmissão do conhecimento por meio de disciplinas, feito pelo professor, não há a possibilidade de o professor identificar questões pessoais dos alunos em função da posição ocupada e pela quantidade de estudantes.
Em alguns tipos de metodologias ativas, como na ABP e na problematização, os professores identificam maior aproximação com o estudante, com possibilidades de maior vínculo, em função da organização curricular prevista, que inclui pequeno número de estudantes para cada professor. Os docentes mantêm-se no ensino motivados pela relação com o estudante, com interesse por acompanhá-lo em sua formação; sentem as repercussões positivas das habilidades afetivas empreendidas nesta relação, com um caráter formativo nos aspectos pessoais e profissionais. Percebem o crescimento dos estudantes e sua qualificação avaliada por outras escolas. Assim, vivenciam a reciprocidade ao operacionalizar métodos ativos.
A amplitude dos problemas orientadores do conhecimento utilizados em tutoria, as mudanças entre as gerações e as diferentes composições grupais são vistas como estímulo ao professor para buscar contínuo conhecimento. Sentem que o trabalho em pequenos grupos e a operacionalização das atividades lhes exigem outra dinâmica e atenção, levando ao desenvolvimento de outras habilidades, reflexões sobre suas experiências e ideias e mudanças profissionais e pessoais.
Elemento 1 Modelando-se na vivência da prática: a flexibilidade e abertura do professor despertadas pelo processo de aprender na relação com o estudante
Este elemento retrata as concepções do ensinar e do aprender na perspectiva do professor diante da experiência no método. O professor avalia a proximidade propiciada pelo método, estreitando o vínculo professor-estudante. Neste sentido, faz avaliações comparativas entre as metodologias ativas e a tradicional no que tange ao conhecimento adquirido pelo professor e a aproximação com o estudante. O professor percebe seu próprio crescimento na prática ao mostrar-se mais disponível à aprendizagem e que, na relação com o estudante, o processo ensino-aprendizagem é de ambos, dinâmico, e com a possibilidade de se rodiziarem os papéis de quem ensina e aprende. Conforme aumenta sua disponibilidade para o processo e as mudanças, identifica melhor os estudantes e suas necessidades. Nessa relação, consegue identificar também suas próprias lacunas de aprendizagem, o que o estimula para a busca de outros referenciais e novos conhecimentos. As necessidades dos estudantes e suas diferenças mobilizam o professor em sua experiência com a constatação de que o processo de ensino e aprendizagem nos métodos ativos é dinâmico e gera novas descobertas. Assim, a prática mobiliza a aprendizagem de forma permanente.
Então eu acho que cria um vínculo maior, né? Aqui fica generalizado o vínculo, lá no método tradicional, você tem afinidade com um, você se liga naquele, e os outros... Tem professor que às vezes me pergunta: “- Nossa você conhece fulano de tal, lá do (hospital)”. Quer dizer, tive aula com a pessoa, mas como não cria vínculo, nem lembro quem me deu aula [...]. Vixi, depois que a gente já passava de determinada matéria, que não tinha mais, eles só sabiam que era aluno pelo crachá, porque acho que nem dá tempo de criar vínculo, porque acho que são 180 alunos por ano (TD2a.10).
[...] então eu acho que o que despertou mais foi isso e até nessa metodologia mesmo, né, de você poder participar nesse processo e não só passar informação e, sim, aprendendo junto com eles, você está guiando, mas ao mesmo tempo você também está fazendo parte do aprendizado e eu acho que isso é que é o que propulsiona aí um maior interesse [...] (FS5a.8).
Por que no método tradicional, por exemplo, você tem oitenta alunos e o professor está lá na frente ele não vai saber se o aluno está lá com problema ou não [...]. Aqui a gente sabe, a gente consegue pegar fácil, né? [...] é toda semana, duas vezes por semana, a gente consegue, se a pessoa tiver um pouquinho de sensibilidade e desejo de pegar, ela consegue. Por isso que nós ficamos aqui, por isso que eu fiquei, porque eu gosto e eu me dedico [...], mas é aquele negócio, você vai aprendendo e vai se modelando e isso é muito importante [...] (TG2a.16).
Elemento 2 Percebendo as repercussões positivas das habilidades e atitudes do professor na relação com o estudante
Este elemento engloba percepções de que a organização do professor, a partir da prática profissional, é apreciada pelos estudantes e, consequentemente, bem avaliada. O professor percebe que há necessidade de encontrar estratégias para resgatar, motivar e trabalhar com resistências do estudante para algumas situações, especialmente nos últimos anos do curso. Sentem que o envolvimento do professor facilita uma relação de confiança, produzindo mudanças de caráter formativo nos aspectos pessoais e profissionais.
[...] eu usei muito o WhatsApp para chamar aluno que estava atrasado e para essa comunicação de que horas começa a tutoria, para tirar dúvida de algumas questões que não estavam bem claras ou o aprofundamento que eles deviam ter, então foi uma conversa interessante e esse grupo ainda manteve o grupo do facebook e usou para outra coisa, então, depois da pergunta respondida, uma pessoa tinha um documento interessante, então ele postava no facebook, ou um filme, um link de um filme, então a gente usou como recurso do tipo biblioteca e intercâmbio de documentos (TB1ª.13).
[...] tanto é que no sexto ano, assim, é um espaço curto, muita coisa para a gente discutir, [...] então, às vezes, eu falo assim: que as coisas estão tão na nossa cabeça, numa sequência, e no meio do caminho tem uma coisa que não vai sair daquele jeito e a gente tem que encontrar uma estratégia para aquilo lá, né, então, eu vou fazer, sei lá, vou inventar, um acesso venoso no braço, mas aí tem o paciente que você não consegue pegar a veia, mas aí você precisa, então você tem que ter alternativas, então a gente vai trabalhando isso e eles gostam bastante (TI2aF5a6a.7).
Elemento 3 Percebendo o crescimento do estudante e sua qualificação a partir da proposta curricular
Refere-se à avaliação do professor acerca do desenvolvimento do estudante ao seguir a proposta curricular. Descreve um estudante proativo, responsável e independente e o desenvolvimento de aspectos atitudinais/afetivos. Nesse movimento, nota-se que as fragilidades dos estudantes são superadas com o uso de métodos ativos.
Então eu acho que, eu acho, não, eu tenho certeza que é um método muito bem aceito, assim, por mais que algumas escolas falem, tem o discurso em relação a proteger o método tradicional, eu entendo que quando você chega nesses locais eles têm uma visão muito boa, visão que foi construída exatamente pelos profissionais que estão saindo do método e estão mostrando que são profissionais capazes mesmo (TE2aF6a.13).
[...] consegue sair de situações muito mais fácil, entendeu? Por que ele sabe ir buscar, sabe procurar, sabe pensar melhor, [...] (TF2a.23).
O que eu acho legal do PBL é que ele dá oportunidade, ele dá oportunidade dessa, dessa pessoa crescer, né, crescer como pessoa, crescer como gente, crescer como profissional (TE2aF6a.10).
[...] no quarto ano que eu já participei de avaliações práticas de quarto anista e ele faz aquela anamnese sem roteiro, só olho no olho do paciente e conversando, a gente só falta explodir de orgulho, entendeu? Então, isso é muito gratificante para a gente, nossa, olha o cara como é que ficou né? Olha o que virou aquele que chegou aqui molecão, brincalhão, bagunceiro até, em alguns momentos, olha o cara, meu, ele está quase pronto, ele está indo para um quinto ano. É, então, isso é muito gratificante (FK1a.18).
Discussão
Percebe-se que as fragilidades e fortalezas discutidas nesta pesquisa são dos discentes, docentes e curriculares e envolvem questões pessoais e profissionais na experiência.
O professor refere-se ao seu aprendizado nas relações, nas trocas discentes e docentes, ou seja, nos espaços de discussão das práticas ou nos espaços potentes onde haja a comunicação. Nesta, a experiência se traduz na vivência de reciprocidade ao operacionalizar o método ativo.
Observa-se que a ABP, enquanto método, por sua forma de operacionalização, tem sido vista como importante para se produzir a pedagogia da interação, ou seja, a própria conformação do grupo implica em comunicação, necessitando da proximidade e da vinculação (TEÓFILO; SANTOS; BADUY, 2017).
Os discursos dos professores que geraram a subcategoria ‘Modelando-se na vivência da prática: a flexibilidade e abertura do professor despertadas pelo processo de aprender na relação com o estudante’ indicam o quanto o docente se sente motivado em operacionalizar o método. Um dos elementos que propicia este sentimento é o tempo de experiência vivenciado na relação com o estudante, no processo ensino-aprendizagem. Em sua experiência interacional, seja no grupo com os professores ou com os estudantes, interpreta tais vivências como aprendizado, que tem como resposta a percepção da reciprocidade.
Gomes e Rego (2014) defendem a necessidade de uma transição paradigmática para o pensamento e a prática. Referem-se à necessidade de que, de um lado, o educando abandone sua condição passiva e se comprometa com seu aprendizado e por outro, o professor esteja aberto às mudanças em sua forma de trabalhar, estando atento às metodologias ativas e às novas estratégias de aprendizado (ARRUDA et al., 2008).
Voltando para o discurso dos professores, suas experiências em grupo os fazem repensar suas ações, com a potência de abrirem-se para prática. Essa flexibilidade em aprender com a experiência é uma espécie de capacidade de enfrentar o não saber e não uma posse rígida e fechada do conhecimento. O desenvolvimento da capacidade de observação e de escuta envolve a observação dos próprios limites e certo grau de maturidade (DUPAS, 2008).
A subcategoria ‘Sentindo as repercussões positivas das habilidades e atitudes do professor na relação com o estudante’ indica que a relação professor-estudante se trata de um encontro pedagógico que permite a experiência intersubjetiva necessária ao aprendizado da competência relacional. Os estudantes valorizam o vínculo com o professor, especialmente quando se sentem acolhidos pelo mesmo, sentindo estas experiências como fundamentais para o desenvolvimento educacional (RIOS; SCHRAIBER, 2012).
A necessidade do tempo, da experiência para adaptação às mudanças é simbólica. Desde que nascemos, estamos expostos a relações sociais. O sujeito constrói sua identidade na sua relação com o outro. Isso é explicado por Charon (2004), pela formação, iniciada na infância, do self, conceito do Interacionismo Simbólico, construído sob a lógica dos processos de interação. Sob a ótica de uma matriz intersubjetiva e simbólica, define-se self pela individuação, realizada por meio da socialização. A interação é formada por atores envolvidos em uma ação social mútua; são processos dialéticos em que os indivíduos constroem grupos e coletividades e, ao mesmo tempo, sofrem a interferência desse envolvimento grupal/coletivo (CHARON, 2004).
O longo caminho de formação é de produção de subjetividades ou, de acordo com a concepção teórica de Charon (2004), de definição e redefinição do self. Fala-se de um fenômeno educativo que requer desenvolvimento pessoal mais do que transmissão e memória. Nesse sentido, é preciso transitar nas interfaces técnicas e humanas da profissão (RIOS; SCHRAIBER, 2012).
Para um desenvolvimento adequado, as pessoas necessitam se sentir amadas e manter contato interpessoal, compondo uma base segura que sustentaria o ímpeto de exploração para os indivíduos em qualquer fase da vida. Trabalhos envolvendo interação professor-estudante confirmam a relevância de se promover um contexto de relação segura, no qual o professor demonstraria interesse e disponibilidade para atender as necessidades e perspectivas dos alunos. Os contextos sociais facilitadores da motivação intrínseca têm em comum interações que consideram as necessidades de seus membros e são zelosos em supri-las (RIOS; SCHRAIBER, 2012).
Lima et al. (2015) oferecem destaque ao trabalho em pequenos grupos, adicionado ao respeito à diversidade, saber ouvir e incluir a opinião do outro, como elementos facilitadores da construção de vínculos.
Nesse sentido, como refere Aguilar-da-Silva (2014), pequenos grupos remetem à necessidade de entendimento da dinâmica grupal, no sentido das relações e da postura docente. Todo grupo tem suas particularidades e a função do professor é a de identificar os papéis desempenhados pelos membros do grupo, as relações estabelecidas no contexto da dinâmica de um grupo operativo, como descreve Pichon-Rivière (2009).
A possibilidade de aprender por meio da relação professor-estudante pode estimular ambos. Lideranças envolvendo mudanças e resistências (PICHON-RIVIÈRE, 2009) podem coabitar no mesmo grupo, uma vez que cada um traz uma definição de self no encontro. Porém, o trabalho grupal pode favorecer a mudança ao possibilitar que o grupo consiga construir e definir novas identidades, redefinindo seu self (CHARON, 2004).
Segundo Pichon-Rivière (2009), a aprendizagem e a comunicação possuem uma subestrutura motivacional. A recriação ou a aprendizagem depende da conduta motivacional, uma vez que a motivação é capaz de recriar o objeto. A motivação se inicia em uma perspectiva individual e o aspecto direcional secundário se dá na perspectiva grupal. Do ponto de vista da interação social, os indivíduos sofrem a interferência do envolvimento grupal/coletivo, determinando ou direcionando suas ações (CHARON, 2004).
A subcategoria ‘Percebendo o crescimento do estudante a partir da proposta curricular’ indica o quanto o desenvolvimento do estudante pode afetar o professor. Berbel (2011) refere-se ao professor como grande intermediador dos processos de trabalho, que tanto pode contribuir para a promoção de autonomia dos estudantes como para a manutenção de controle sobre os comportamentos dos mesmos. Ao perceber seus estudantes mais autônomos e construindo conhecimento, os professores relataram motivarem-se em relação à sua própria prática docente.
Percebe-se que a formação docente esperada é baseada em processos de reflexão e motivação para busca de informações, propiciando a construção de conhecimentos compatíveis com a solução de problemas, em uma perspectiva ampliada, junto dos estudantes. Fazer a mediação do estudante com seus objetos de conhecimento converte-se em ganho para o docente e para o discente pelo acolhimento (RIOS; SCHRAIBER, 2012) e pelas trocas significativas. Ambos se modificam, se transformam (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).
Conclusões
O processo de aprendizagem na ABP e na problematização depende essencialmente do vínculo estabelecido entre professores e estudantes. Os resultados indicaram a importância atribuída pelos docentes à vivência da reciprocidade ao operacionalizar o método ativo. A relação professor-aluno possibilitou que as experiências nos grupos de estudantes trouxessem aprendizados para ambos.
Relataram que na interação com os discentes, a percepção de suas próprias ações pedagógicas, por meio da valorização de seu trabalho visível nos feedbacks dos alunos foi importante, bem como os resultados efetivos desta prática pedagógica, ao observarem os comportamentos dos estudantes, buscando, aprendendo e desenvolvendo-se. Ao reconhecer-se no sucesso de seus alunos, os professores demonstraram satisfação.
A ação docente em métodos ativos tornou-se significativa, na medida em que os professores vivenciaram o processo pedagógico ativamente, estiveram abertos ao vínculo e atentos à relação de aprendizagem mútua com seus estudantes.
Esperamos que este trabalho contribua para o processo de formação pedagógica permanente dos professores médicos e de outras categorias profissionais em métodos ativos, no sentido de estimular um investimento para além de aspectos técnicos e teóricos, nas interações humanas presentes nos processos pedagógicos, que se apresentaram necessários para o desenvolvimento docente.