Introdução
O Estágio Curricular Supervisionado é um componente obrigatório, integrado a matriz curricular dos cursos de licenciatura, e considerado eixo indispensável para conclusão.
Pimenta (2012), parte do pressuposto de que o Estágio é considerado “a parte mais prática”, em comparação às demais disciplinas do curso, denominadas como teóricas.
Sob esse viés, o Estágio Curricular Supervisionado constitui-se como lócus de aprendizagens, na qual os estudantes têm a oportunidade de articular as situações práticas vivenciadas na sala de aula, com os conhecimentos teóricos provindos da Universidade, numa perspectiva critica reflexiva.
No Brasil, o desenvolvimento histórico da legislação que dispõe sobre o estágio inicia-se a partir de 1833, quando se constituiu a primeira Escola Normal, visando a qualificação e o desenvolvimento profissional de professores.
As inquietações com as práticas de ensino foram crescentes a partir de 1930, com a origem dos primeiros cursos superiores de Licenciatura. Segundo Pimenta (2012), a partir de 1930 as Escolas Normais eram regidas por legislação estadual própria, ou seja, cada estado se dispunha a organizar e implementar suas próprias diretrizes de modo singular.
Em vista do exposto, com a finalidade de realizar uma retrospectiva histórica sobre a temática, a metodologia centrou-se em uma pesquisa documental, que na compreensão de Gil (2008), partilha singularidades com a pesquisa bibliográfica, a discrepância encontra-se na natureza das fontes, pois na pesquisa documental os materiais não receberam um tratamento analítico.
Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo apresentar o percurso histórico das legislações que tratam do Estágio Supervisionado. Explanaremos, ainda, as modificações instauradas no período de 1930 a 2008.
2. As décadas de 1940 a 1990
Historicamente, o conceito de Estágio Supervisionado foi instituído no Brasil a partir da Lei Orgânica do Ensino Normal, promulgada em 1946, que define um único currículo para todos os estados. Todavia, cada estado poderia ampliar disciplinas ou fragmentar as que foram previamente estabelecidas.
Consequentemente, de acordo com Pimenta (2012), o acréscimo e desdobramentos das respectivas disciplinas redundaram em algumas divergências.
[...] a Lei Orgânica, ao regulamentar o ensino Normal no país através de diferentes cursos, regulamenta a imprecisão quanto às disciplinas Didática, Metodologia e Práticas de Ensino. E explicita claramente a necessidade da prática de ensino primário na formação do professor (como regente, professor ou especialista) (PIMENTA, 2012, p.27).
As disposições legais, consolidadas pela Lei Orgânica, apresentavam o curso em dois níveis, conforme explicam Barreiro e Gelbran (2015). De um lado, o primeiro ciclo “Escolas Normais Regionais”, designado à formação docente de ensino primário, com permanência de 04 (quatro) anos, indicava um arcabouço curricular no qual prevalecia as disciplinas de cultura geral sobre as de formação especial, ou seja, as disciplinas direcionadas para formação de professores, na quarta série do primeiro ciclo, delimitavam-se à “Psicologia e Pedagogia” e “Didática e Prática de Ensino”. Por outro lado, o segundo ciclo, cuja duração era de 03 (três) anos, constituído nas Escolas Normais, exibia uma estrutura curricular mais específica, integravam as seguintes disciplinas: História e Filosofia da Educação, Biologia Educacional, Psicologia Educacional, Metodologia do Ensino Primário e Sociologia Educacional. A disciplina “Práticas de Ensino” era integrada na 3ª série do ciclo.
A este respeito, Pimenta (2012), aponta que a ênfase na disciplina “Didática” é colocada apenas no curso de regentes. Para a autora, a causa pode ser que no primeiro ciclo, a formação pedagógica era mais restrita e estava limitada ao 4º ano. Assim sendo, a Didática abrangia uma didática geral. No entanto, nos demais, a didática seria intensificada como Metodologia do Ensino.
É interessante destacar que a Escola Normal foi frequentada por muitas mulheres das classes mais privilegiadas. Para Pimenta (2012), o real propósito era prepará-las tanto para o papel social de esposa, que era atribuído às mulheres, como também para o exercício do magistério. Diante disso, a autora constata que a prática requerida para formação de professores era proporcionada por determinadas disciplinas do currículo (prática curricular). A prática sob a forma de estágio profissional, não era exigida, uma vez que não era considerado o exercício do magistério.
Em novembro de 1962, foi promulgado o Parecer do Conselho Federal de Educação 292. Esse parecer, pela primeira vez, estabeleceu a obrigatoriedade da Prática de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado, entendida como componente curricular mínimo da formação docente da época.
O Parecer CFE 292/62 complementava a obrigatoriedade da realização do estágio nas escolas da rede de ensino. O estágio deveria durar um semestre letivo. Com isso, o estudante seria observado por docentes designados. Posteriormente, eram trazidos para uma discussão, de modo a revelar fragilidades e saberes alcançados pelo futuro docente, buscar o desenvolvimento do estudante e constituir um corpo de habilidades para a sua prática futura.
Em 1969, o parecer nº 627/69 dispôs sobre a substituição da disciplina “Elementos de Administração Escolar” pela disciplina “Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau”. As referidas disciplinas definiam os conteúdos mínimos a serem praticados em 1/8 das horas trabalhadas. Ainda segundo o parecer nº 627/69, o Estágio Supervisionado, como componente obrigatório, devia ser realizado com uma duração mínima de 5% da carga horária prevista no curso.
Piconez (1991), aponta que a Prática de Ensino, para o 3º grau, tornou-se componente curricular mínimo no âmbito das Licenciaturas, sob a forma de Estágio Supervisionado, a partir do parecer 672/69.
Foram introduzidas mudanças definidas pelas reformas de ensino e centralizada na Lei nº 5692/71. A Lei 5692/71 apresenta as diretrizes norteadoras da formação de professores. O artigo 30 dispõe que:
Art. 30- Formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries - Habilitação Específica de 2º Grau para o Magistério (HEM); b) no ensino de 1º grau, da 5ª à 8ª séries - Habilitação Específica de Grau Superior, ao nível de Graduação, representada por licenciatura de 1º grau, obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus - Habilitação Específica obtida em curso superior de graduação, correspondente à Licenciatura Plena.
Convém ressaltar que a Lei 5692/71 propagou a concepção de habilitação profissional específica, estabelecendo a obrigatoriedade do 2º grau profissionalizante. Barreiro e Gelbran (2015, p. 59), afirmam que essa norma estabelecia a abolição das Escolas Normais Ginasiais, limitando a formação docente às séries iniciais no nível de 2º. grau, intitulando como Habilitação Específica para o Magistério (HEM), retratando assim, uma das inúmeras habilitações profissionalizantes introduzidas no Brasil, com duração de 03 (três anos). O arcabouço curricular desse curso constituía-se de duas formas:
a) educação geral - nos dois primeiros anos - com formação integral do futuro professor;
b) formação especial - no 3º ano - constituída de Fundamentos da Educação, Estrutura da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau e Didática, incluindo a Prática de Ensino, sob a forma de Estágio Supervisionado.
A esse respeito, Pimenta (2012, p.46), enfatiza que, na prática, a saída curricular proposta competiu para diluir as particularidades restantes do Ensino Normal. Em contrapartida, não houve garantia que os ingressantes tivessem intenção de exercer o magistério, como também que os concluintes fossem ingressar no magistério. Além disso, a autora discorre ainda que a extinção das Escolas Normais ocorreu pela ausência de contribuições significativas do curso para a formação de professores.
Para Curi (2004, p.59), “a promulgação da LDBEN 5692/71 diminuiu o tempo da formação profissional do futuro professor. Essa legislação unificou os currículos da 1ª série do 2º grau, provocando prejuízos para formação especifica do professor”.
É importante salientar que as discussões realizadas nas aulas das Escolas Normais não tinham aproximação com as vivências da sala de aula. Portanto, ficava designada à Didática e aos docentes o comprometimento em associar a Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. Sobre esse aspecto, como afirma Piconez (1991, p. 18), “As tendências educacionais, desde a implantação da Escola Normal até pelo menos a República, demonstraram um ensino profissional insipiente”.
Em se tratando da Prática de Ensino, a proposta do Parecer CFE 349/72 determinou que a Didática basearia a Metodologia do ensino sobre aspectos relacionados ao planejamento, execução do ofício docente e do estudante e de sondagem de aprendizagem, norteando a Prática de ensino sob a forma de Estágio Supervisionado. Era de responsabilidade da Metodologia de ensino assumir as indagações que surgiam na Prática de Ensino, da mesma forma que a Prática de ensino tinha que considerar o fundamento teórico conquistado da Metodologia.
Como afirma Pimenta (2012, p.47), se antes havia nas legislações uma imprecisão entre Didática, Metodologia Geral e Especial e Práticas de Ensino, com o parecer CFE 349/72 essa questão foi resolvida pela junção entre elas.
O parecer CFE 349/72 propôs que a Prática de Ensino deveria ser implementada nas escolas da comunidade, que o estágio seria realizado na rede pública e particular de ensino. O parecer aconselhava, também, que não fossem selecionadas apenas escolas que não constituíam o contexto educacional do Estado, dado que o professor devia conhecer as possibilidades e contradições existentes no cenário educativo.
Partindo dessa premissa, Pimenta (2012, p.48), afirma que o parecer CFE 349/72 apresenta a Prática de Ensino como uma imitação de modelos existentes. Esse parecer, sob a forma de Estágio Supervisionado, definia ainda que a Prática de Ensino deveria integrar a Didática, em que o estudante, por meio de atividades de observações diversificadas, estabelecerá uma proximidade com seu futuro campo de atuação, compreendendo a estrutura, organização e o funcionamento da unidade escolar.
A Lei 6.394/77 fixou que “o estágio somente poderia verificar-se em unidades que tinham condições de proporcionar experiência prática na linha da formação do estagiário”. A referida lei apresentava algumas diretrizes oportunas para nortear os Estágios Supervisionados:
1- Os estagiários deverão ser “alunos regularmente matriculados e que venham frequentando, efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino público e particular, nos níveis superior, profissionalizante de segundo grau e supletivo” (Artigo 1º).
2- “O estágio somente poderá verificar-se em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha da formação, devendo, o estudante, para esse fim, estar em condições de estagiar” (§ 1º do Artigo 1º).
3- “Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem, a serem planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares, a fim de se constituírem em instrumentos de integração, em termos de treinamento prático, de aperfeiçoamento técnico-cultural e científico e de relacionamento humano” (§ 2º do Artigo 1º).
4- “O estágio, independentemente do aspecto profissionalizante, direto e específico, poderá assumir a forma de atividades de extensão, mediante a participação do estudante em empreendimentos ou projetos de interesse social” (Artigo 2º).
5- “A realização do estágio dar-se-á mediante termo de compromisso celebrado entre o estudante e a parte concedente, com interveniência obrigatória da instituição de ensino” (Artigo 3º).
6- “O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, ressalvando o que dispuser a legislação previdenciária, devendo o estudante, em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais” (Artigo 4º).
7- “A jornada de atividade em estágio, a ser cumprida pelo estudante, deverá compatibilizar-se com o horário escolar e com o horário da parte em que venha ocorrer o estágio” (Artigo 5º).
8- “Nos períodos de férias escolares, a jornada de estágio será estabelecida de comum acordo entre o estagiário e a parte concedente do estágio, sempre com a interveniência da instituição de ensino” (Parágrafo Único do Artigo 5º).
Regulamentando as normas da Lei 6.394/77, o Decreto Federal nº 87.497/82 especificou que o estágio curricular configurava “as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho, de seu meio”.
Além disso, o Artigo 3º do mesmo Decreto reforçava que “o estágio curricular, como procedimento didático-pedagógico, era atividade de competência da instituição de ensino a quem cabe a decisão sobre a matéria, e dele participam pessoas jurídicas de direito público e privado oferecendo oportunidades e campos de estágio, outras formas de ajuda, e colaborando no processo educativo”.
Esse decreto previa ainda, no artigo 4º, as atribuições das instituições de ensino referentes à determinação da matéria em relação à introdução do estágio no planejamento didático pedagógico. Levando em consideração a carga-horária do estágio que não devia ser inferior a um semestre letivo e das condições existentes para definição dos campos de estágio, além da organização, orientação, acompanhamento e avaliação de estágio.
Diante de tantos impasses, durante a década de 1980, os educadores centralizaram suas reflexões acerca do processo de formação de professores, buscando vislumbrar a articulação entre teorias educacionais e práticas de ensino. Sob essa perspectiva, Barreiro e Gebran (2015, p. 62), salientam que os questionamentos referentes à formação de professores ocorreriam em distintas instâncias, cujo objetivo era rever os cursos de Licenciaturas e fortalecer o Ensino Normal (HEM).
Ainda, segundo os autores Barreiro e Gebran (2015), iniciou-se um processo de reestruturação dos cursos de licenciatura, apoiando-se em uma dimensão educacional sócio-crítica, fortalecendo debates e fóruns de discussão, em âmbito nacional, com as participações de estudantes e educadores.
Como consequência dessas discussões, que envolviam participantes provenientes de diversas localidades do Brasil, foi então constituído o “Comitê Nacional Pró- Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores”, o qual atuou em harmonia com os comitês regionais que foram sendo instalados. A finalidade dessa iniciativa era propiciar novas abordagens acerca da formação profissional docente.
Segundo Barreiro e Gebran (2015, p.63), o ápice desse processo ocorreu em um encontro nacional realizado em Belo Horizonte, envolvendo atores de várias associações com enfoque profissional e científico. A partir desse encontro, foi elaborado o documento final em que foram estabelecidas algumas propostas relativas à formação de professores. O documento final apontava duas questões norteadoras: a formação do professor como educador, para qualquer etapa ou modalidade de ensino; e a docência como a base da identidade profissional de todo educador. Além disso, o Comitê Nacional passou a integrar-se na Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE).
Pimenta (2012, p. 73), afirma que a proposta elencada no documento final define o estágio como “não se resumido à aplicação imediata, mecânica e instrumental de técnicas, rituais, princípios e normas aprendidas na teoria”.
Em 1983, o Ministério da Educação manifestou a proposição do Centro Específico de Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), em que se propôs a organização e formação docente para o magistério, ou seja, aprimorar a formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental e Educação Infantil.
De acordo com Pimenta (2012, p.127), o documento de 1983 evidencia uma preocupação com a qualidade na formação docente, na medida em que se estabelece que o centro deverá funcionar como polo disseminador de informações, proporcionando renovação à prática educativa, e a qualificação de profissionais capazes de assumirem as atuais demandas reivindicadas pelas camadas populares oriundas das escolas públicas.
No que se refere ao Estágio, segundo Pimenta (2012, p.128), não há orientação específica no documento de 1983. É evidenciada apenas a importância de o curso avançar na inter-relação entre teoria e prática. Entretanto, o Ministério da Educação foi alinhando a questão do estágio.
Cavalcante (1992), enfatiza a relevância da remodelação dos estágios na perspectiva de articular efetivamente teoria e prática ao longo de todo curso. Além disso, a autora afirma que as atividades realizadas no campo de estágio são consideradas práticas burocráticas e não têm correlação com as exigências da escola-campo. Assim entendido, o estágio deve evidenciar o exercício docente como apoio na construção da identidade profissional e a junção entre teoria e prática, delineado pela didática, envolvendo tópicos a serem observados, experimentados e refletidos nas disciplinas do curso.
O decreto Federal nº 87.497/82, regulamentou a Lei nº 6.494 de 07 de dezembro de 1977. No artigo 2º, o documento descrevia que o estágio curricular abarcava as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, que favoreciam a participação dos estudantes em situações do cotidiano profissional, sob a responsabilidade e acompanhamento das entidades de ensino.A referida lei previa, ainda, no seu artigo 3º, que o estágio, como estratégia pedagógica, é uma atividade de atribuição da instituição de ensino, a quem cabe favorecer oportunidades e campos de estágio, cooperando no processo educativo.
As tocantes discussões que estavam sendo suscitadas por educadores levaram a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) a promover reformulações para a formação docente em nível de 2º grau.
Desse modo, em 1988, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, de n. 30/87, dispôs um arcabouço para a Habilitação Específica de 2º grau para o Magistério, assim explicitado:
• duração de quatro séries anuais, com, no mínimo, 3.200 horas, excluindo o tempo do Estágio Supervisionado;
• o Currículo Pleno compreende uma parte comum e uma parte diversificada;
• a parte diversificada compreenderá: Fundamentos da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau e didática, incluindo a Prática de Ensino. A Didática, como matéria articuladora da Metodologia e da Prática de Ensino, fundamentará a ação docente no tocante ao planejamento, execução e avaliação. Essa proposição determina o mínimo de 300 horas para o Estágio Supervisionado.
O conselho 30/87, estabelece ainda que a Didática, como disciplina articuladora da prática de ensino, baseará a prática docente no respectivo planejamento, desenvolvimento e avaliação. Esse conselho determina a carga-horária mínima de 300 horas para o Estágio Supervisionado.
3. Novas proposições para formação docente. Anos 90 e subsequentes
Em 1990, a Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE) denominou-se Associação Nacional pela Formação do Profissional da Educação (ANFOPE). Esse movimento nacional estabeleceu novas diretrizes orientadoras para a reestruturação dos cursos de licenciaturas.
Como verificamos até o momento, nas décadas subsequentes à de 30 até a de 80, a legislação sofreu grandes modificações ao introduzir e definir diretrizes no que se refere à formação dos profissionais para a educação básica.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleceu novos parâmetros para a formação profissional docente. O art. 82 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 9.394/96 definiu que as instituições de ensino determinariam as diretrizes para realização de estágios dos estudantes matriculados no Ensino Médio ou superior em sua competência. O artigo 82 estabeleceu, ainda, que o estágio não assegurava vínculo empregatício, no entanto, podendo o estudante obter bolsa de estágio, seguro contra acidentes e cobertura previdenciária.
A ideia de articular teoria e prática foi reforçada pelo artigo 61, que reforçava a formação de professores, de forma a respeitar as singularidades do ofício, do mesmo modo, aos objetivos das diversas modalidades de ensino, tendo como parâmetro a convergência entre teorias e práticas, sob estágios supervisionados e o proveito da formação e vivências precedentes em instituições educativas e outras atividades previstas.
A LDB 9.394 explicita, ainda, em seu artigo 65: “A formação docente, exceto para a educação superior, incluiria prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas”.
É interessante destacar que as proposições estabelecidas no art.65 da LDB 9.394 suscitaram uma extensa confusão no que concerne à terminologia “prática de ensino”. Em resultado disso, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação legitimou o Parecer CES 744/97, do qual foi descritora a professora Silka Weber, com prescrição para a efetivação do artigo 65 da Lei n. 9.394/96, a saber:
- A prática de ensino constitui o espaço por excelência da vinculação entre formação teórica e início da vivência profissional, supervisionada pela instituição formadora. - A prática de ensino consiste, pois, em uma das oportunidades nas quais o estudante-docente se defronta com os problemas concretos do processo de ensino-aprendizagem e da dinâmica própria do espaço escolar.
Em se tratando da obrigatoriedade do cumprimento das 300 horas de práticas de ensino, o parecer CES 744/97 dispôs ainda, no seu artigo 1º, que a prática de ensino era estabelecida como atividades que os estudantes deveriam realizar na escola e deveria ser acompanhada e supervisionada pela instituição formadora. O artigo 2º, do mesmo parecer, indicava que a prática de ensino deveria se representar como elo indissociável entre teoria e prática profissional com perspectiva à restruturação do exercício docente em andamento. Conforme previsto no artigo 3º, a prática de ensino deveria contemplar as atividades de observação, participação e regência, além de ações concernentes a planejamento e avaliação do processo pedagógico. Por fim, o artigo 4º, explicita que a prática de ensino deveria abarcar as diferentes instâncias da dinâmica educacional: gestão, interação docente, relacionamento escola/comunidade, relações com a família.
Em 2001, os Pareceres do Conselho Nacional de Educação: 9/2001, 27/2001 e 28/2001, trouxeram importantes diretrizes para a formação dos professores.
O parecer CNE-CP nº 09/2001, estabeleceu que é preciso superar a visão de que o estágio é apenas lócus exclusivo à prática, na medida em que, na sala de aula é reservado à teoria.
Tendo em vista a superação da dicotomia entre teoria e prática, o Parecer CNE-CP nº 09/2001, afirma ainda que: “a prática na matriz curricular não pode ficar reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em si mesmo e desarticulado do restante do curso”.
O conceito de prática como componente obrigatório é enfatizado também por esse Parecer, que dispõe:
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos em que se exercita a atividade profissional.
No que se refere ao Estágio, a proposta do Parecer CNE-CP nº 09/2001 foi modificada pelo parecer 27/2001, reforçando que o Estágio, definido por lei, a ser realizado na educação básica, deveria ser vivenciado durante o processo formativo, e com tempo considerável para discorrer sobre as diferentes dimensões que envolvem a prática profissional. Devia, ainda, em conformidade com o projeto pedagógico próprio, constituir-se a partir da segunda metade do curso, sob a supervisão das entidades formativas, preferencialmente com professores mais experientes. Nesse sentido, é necessário haver um plano de estágio, com clareza nos objetivos e atividades, avaliado entre os pares, e que as duas entidades assumam responsabilidades e cooperação mútua. Dessa forma, o estágio devia envolver uma atuação coletiva dos formadores.
Complementando a LDB 9.394, o parecer CNE/CP 28/2001 alterou a terminologia de “prática de ensino” para “prática como componente curricular”, conforme disposto no trecho seguir:
A prática como componente curricular [...] deve ser planejada quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao longo de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o estágio supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, ela concorre conjuntamente para a formação da identidade do professor como educador. Esta correlação teoria e prática é um movimento contínuo entre saber e fazer na busca de significados na gestão, administração e resolução de situações próprias do ambiente da educação escolar (CNE, 2001b, p. 11).
Notadamente, para a formação de professores, o Parecer CNE/CP 28/2001 dispõe que o estágio tem por finalidade propiciar ao futuro estudante um conhecimento real do futuro campo de atuação. Além disso, proporcionar condições necessárias para que o licenciando possa constatar as competências exigidas na prática, preferencialmente no que se refere à regência.
O parecer CNE/CP 28/2001 indica claramente a dissociação entre a prática e estágio supervisionado, a saber:
Outro problema refere-se à organização do tempo dos estágios, geralmente curtos e pontuais: é muito diferente observar um dia de aula numa classe uma vez por semana, por exemplo, e poder acompanhar a rotina do trabalho pedagógico durante um período contínuo em que se pode ver o desenvolvimento das propostas, a dinâmica do grupo e da própria escola e outros aspectos não observáveis em estágios pontuais. Além disso, é completamente inadequado que a ida dos professores às escolas aconteça somente na etapa final de sua formação, pois isso não possibilita que haja tempo suficiente para abordar as diferentes dimensões do trabalho de professor, nem permite um processo progressivo de aprendizado. A ideia a ser superada, enfim, é a de que o estágio é o espaço reservado à prática, enquanto, na sala de aula se dá conta da teoria. (BRASIL, 2001a, p. 23)
O Parecer CNE/CP 28/2001, fundamenta, também, que o Estágio Supervisionado é componente obrigatório curricular, fixando-se a partir da segunda metade do curso, em congruência com o projeto pedagógico do curso, entre outras finalidades:
Por outro lado, é preciso considerar um outro componente curricular obrigatório integrado à proposta pedagógica: estágio curricular supervisionado de ensino entendido como o tempo de aprendizagem que, através de um período de permanência, alguém se demora em algum lugar ou ofício para aprender a prática do mesmo e depois poder exercer uma profissão ou ofício. Assim o estágio curricular supervisionado supõe uma relação pedagógica entre alguém que já é um profissional reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e um aluno estagiário. Por isso é que este momento se chama estágio curricular supervisionado (CNE, 2001b, p. 11).
Há ainda, no referido parecer CNE/CP 28/2001, um apontamento de que sejam integralizadas mais 100 (cem) horas além do mínimo de 300 (trezentas) horas já previstas.
As disposições da Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002, preveem que a dimensão da prática deve estar presente na segunda metade do curso. Idealiza-se, portanto, o momento de propiciar aos estudantes a vivência da prática profissional em consonância com os conhecimentos teóricos alcançados ao longo do curso. O artigo 13 dispõe que o lócus curriculares intrínsecos transcenderá o estágio, tendo como propósito promover a articulação das distintas práticas, numa perspectiva interdisciplinar. O artigo, dispõe, ainda, que a prática será desdobrada com destaque nos procedimentos de observação e reflexão, tencionando à atuação em episódios contextualizados, com o registro das observações realizadas e a resolução de problemas.
Notadamente, tal resolução perpassa a imitação de modelos existentes instituídos pelo parecer CFE 349/72, legitimando a prática numa perspectiva interdisciplinar. Considerando o estágio como parte obrigatória do processo formativo docente, tal etapa deve transcorrer em um tempo maior, porém, não há obrigatoriedade da sua realização em dias subsequentes. Dessa forma, por meio da resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, fundamentada no Parecer CNE/CP 28/2001, o estágio curricular supervisionado dos cursos de licenciaturas deveria ter uma duração de 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, experimentadas no decorrer do curso.
Sob tal resolução, Pimenta e Lima (2015), enfatizam que há regressão em relação à carga-horária prevista nos cursos de licenciatura, quando se destina 2.800 (duas mil e oitocentas) horas, as quais são distribuídas em horas práticas, horas de estágio, horas de aulas para conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e horas para outras formas de atividades acadêmico-científico culturais, propagando, assim, uma proposição curricular desintegrada, em dissintonia entre teoria e prática. Ainda segundo as autoras, essa fragmentação do estágio das atividades práticas e as conceituadas científico-culturais, apresentam-se apenas como “treinamento de competências e aprendizagem de práticas modelares”.
Essas regulamentações que tratam das diretrizes curriculares para os cursos de formação de professores revelaram novas organizações estruturais e reformulações significativas. Fazemos, também, menção à lei nº. 11.788, aprovada pelo Congresso Nacional, que veio em 2008 dispor um novo conceito de estágio ao explanar no seu artigo 1º:
Art. 1º. Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
Além da concepção do estágio na formação docente, a Lei nº. 11.788/2008 trouxe algumas considerações no que se refere às incumbências das partes envolvidas. A lei nº. 11.788 determinou o estágio como parte integrante das matrizes curriculares dos cursos de licenciatura, portanto, considerado componente obrigatório para conclusão. A lei dispõe, em seu artigo 2º, que o “estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso”. No seu artigo 3º, cita a obrigatoriedade da presença de professores orientadores da instituição educacional, bem como da parte concedente do estágio.
O artigo 7º da referida lei enfatiza que é responsabilidade das instituições de ensino a celebração do termo de compromisso entre o estudante e a parte concedente do estágio. Em se tratando da questão de avaliação das atividades do estágio, o mesmo artigo 7º, dispõe que caberá as instituições de ensino indicar como responsável o professor orientador da área.
Segundo o que se propõe na lei nº. 11.788, no artigo 9º, caberá à parte concedente “indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente”
No que concerne a jornada do estudante em situação de estágio, o artigo 10ª da lei nº. 11.788 estabeleceu que será determinada em comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário, devendo constar essas informações no termo de compromisso, sendo compatível com as atividades escolares, e não ultrapassar 6 (seis) horas diárias de estágio, totalizando 30 (trinta) horas semanais.
As instituições de ensino, por sua vez, têm feito um esforço para facilitar a inserção dos estudantes nas escolas concedentes. Nesse sentido, Barreiro e Gebran (2015), destacam que há grande necessidade de se fundamentarem nos preceitos legais. Isso abrange desenvolver estratégias de oferecimento com planos de estágio bem estruturados e condizente com a realidade escolar. Os benefícios resultantes são o próprio desenvolvimento pessoal do estudante e uma preparação maior para enfrentar os desafios do mundo do trabalho no futuro.
4. Considerações finais
Neste artigo foi apresentada a trajetória da Prática de Ensino e do Estágio Supervisionado, no campo da formação de professores, sendo visto que em 1930, nas primeiras escolas normais, o estágio estava previsto nas diversas legislações estaduais, uma vez que cada estado possuía sua própria legislação, de modo diferenciado. Vimos, ainda, que nesse período não havia a obrigatoriedade do Estágio.
Em meio às proposições e mudanças significativas, o Estágio tornou-se um componente mínimo curricular, estabelecendo a obrigatoriedade da Prática de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado. Também vimos que, o parecer 349/72 concebeu a Prática de Ensino como imitação de modelos presentes.
Conforme mencionamos neste artigo, na década de 1980, os estágios se propagavam como práticas burocratizadas, sem supervisão, trazendo apenas participação e observação. A partir disso, educadores centralizaram suas discussões em torno do processo de formação de professores, tentando superar a dicotomia entre teorias educacionais e práticas de ensino.
A partir de 1990, foram estabelecidas novas diretrizes orientadoras para a reestruturação dos cursos de licenciaturas. No entanto, houve uma intensa confusão sobre a terminologia “prática de ensino”, a partir da LDB, tanto que o parecer CNE/CP 28/2001 alterou a terminologia de “prática de ensino” para “prática como componente curricular”.
O parecer CNE/CP 28/2001, propôs ainda, o acréscimo de 100 (cem) horas de estágio, além do mínimo de 300 (trezentas) horas já previstas.
Em resposta às recomendações do parecer 28/2001, a Resolução CNE/CP 2/2002, instituiu então, a ampliação da carga horária dos estágios supervisionados para 400 (quatrocentas) horas, com início a partir da segunda metade do curso.
A lei nº. 11.788, contribuiu para que as escolas fossem consideradas lócus de formação e deu continuidade ao firmar compromissos entre o estudante, a instituição de ensino e a parte concedente.
Diante dessa trajetória histórica da legislação brasileira, percebemos avanços e retrocessos no que diz respeito à formação de professores e o Estágio Curricular Supervisionado. As diretrizes legais definiram novas concepções, mudanças estruturais e reformulações dos cursos de formações de professores.
Compreendemos que as instituições de ensino, por sua vez, devem incorporar essas determinações com projetos pedagógicos condizentes com a realidade escolar, favorecendo a inserção dos estudantes em campo de estágio.