Carta ao Leitor
O volume 13, número 3 da Revista Eletrônica de Educação da UFSCar é tornado público num contexto de uma crise anunciada e construída desde o Golpe Militar de 1964. A universidade pública e a educação em geral estão sob ataque num cenário neoconservador muito próximo ao fascismo. Os primeiros sinais do obscurantismo vieram, com muita clareza, na educação básica que foi ameaçada já há dois anos por meio do recém extinto programa escola sem partido, na verdade uma grotesca metáfora para o controle ideológico da constituição do pensar crítico e da punição por meio de vários instrumentos; a avaliação, o currículo, a pedagogia, a didática, a metodologia e o sonho de um sistema nacional de educação, que continuaram no governo Temer e tornaram-se terríveis no ano de 2019.
A universidade que vinha se transformando há décadas, com consequências para o trabalho e a saúde dos professores, para a cultura institucional que se torna empresarial e próxima do fazer gerencial e organizacional das corporações mundiais, atinge seu máximo. Estas instituições perderam sua autonomia de produção de sua pauta de pesquisa, portanto perderam sua autonomia de gestão democrática. Processo posto há aproximadamente meio século marcado pelo Plano Diretor de reforma do Aparelho de Estado, produzido por Bresser-Pereira já na primeira metade da década de 1990.
O lulismo foi um infinitésimo espasmo de democratização da educação superior, mas mesmo nesse período, a tecnociência predominava num movimento que tinha como fim o modelo empreendedor de universidade. Contraditoriamente, muitos de nossos colegas de universidade, concordam quando tal modelo que aniquila a identidade histórica da universidade nos é imposto sem discussão alguma.
O centro da identidade é uma contradição. Num dos polos encontra-se um dos pilares institucionais voltados para o aumento da produtividade econômica e da consolidação do pacto social do tempo vivido. No Polo antitético encontra-se a estrutural crítica à forma social e econômica em que se insere a instituição, bem como a crítica dos próprios objetivos da instituição universitária. A universidade é, portanto, o lugar da crítica, do debate qualificado e do mover-se pela dúvida e jamais pela certeza, como nos impõe atualmente o governo federal por meio do Ministério da Educação com uma vergonhosa proposta do modelo empreendedor que chamam cinicamente FUTURE-SE. Tal programa, se concretizado de fato, impõe do ponto de vista formal a morte da universidade, pois retira-lhe de forma epistêmica o polo da crítica que se encontra na raiz da identidade institucional. Assumindo que a moral é cega, que permeia nossa formação de subjetividade, nos tornaremos zumbis submetidos a um necroestado. Em acréscimo, se a Ética é a ciência que faz a crítica da moral, ao mesmo tempo com este modelo consolidado, baniremos a Ética da cultura da universidade. As universidades e, apenas algumas, produzirão exclusivamente a tecnociência. As humanidades deverão calar a crítica e aceitar o que dizem do outro lado do oceano Atlântico para quem a “Terra é Plana”, sem a crítica, caminharemos cada vez mais para periferia global. A universidade encontra-se sob ataque e precisa responder ao fato. As humanidades tenderão a reproduzirem, pois desautorizadas, pela via da ausência do financiamento, a produzirem pesquisa com bons orçamentos. O Espaço público historicamente construído, será um campo sob controle corporal, comportamental e de controle do discurso, terminando com a instituição central para a soberania do país. Contudo, a realidade existe e será o maior empecilho aos governantes calar a crítica, ela continuará.
Mas, há esperança. A existência desta revista é uma evidência forte para resistirmos. Ressalto, ainda, o grupo de intelectuais com seus estudantes de pós-graduação e de graduação que se juntam na Rede Universitas/Br - http://www.redeuniversitas.com.br/ - é outro de muitos exemplos e a Rede consiste em somente um que resiste. Há muitos pelo país.
Neste número a Revista apresenta o dossiê “Políticas de Educação superior e produção do conhecimento no Brasil: novos modos de regulação e tendências” cujo foco consiste no estudo e na pesquisa sobre a produção do conhecimento. São três artigos internacionais e mais 10 textos dos pesquisadores da rede.
Um alento é a leitura dos artigos apresentados à frente que criticam o que aí está, além de mostrar práticas que levariam à intensificação da condição humana. Por último, porém não menos importante, a Revista Eletrônica de Educação, segundo a avaliação de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), foi classificada no nível A2.
DOSSIÊ
Políticas de Educação superior e produção do conhecimento no Brasil: novos modos de regulação e tendências
Apresentação
O presente dossiê apresenta artigos que discutem e analisam os novos modos de regulação e as tendências em construção no campo universitário brasileiro, nas políticas de educação superior e na produção do conhecimento. Observam-se nas duas últimas décadas os impactos da expansão da educação superior e das demandas econômicas na produção acadêmica do conhecimento no Brasil, especialmente na pós-graduação. Exige-se cada vez mais conhecimento, tecnologias e inovações, pois vivemos num mundo cada vez mais globalizado pautado pela chamada economia do conhecimento. Essas exigências estão mudando o modo de organizar e de definir as prioridades nas instituições de educação superior (IES). O trabalho acadêmico também está mudando, aumentando seus vínculos com essas novas situações por meio de políticas e ações do governo federal, mas também mediante ações nas instituições universitárias.
Os 13 artigos que integram o dossiê Políticas de Educação superior e produção do conhecimento no Brasil: novos modos de regulação e tendências em construção apresentam resultados parciais da pesquisa com mesmo título, articulado a pesquisa da Rede Universitas/Br intitulada Políticas, Gestão e Direito à Educação Superior: novos modos de regulação e tendências em construção, com o objetivo de examinar as políticas e ações no campo universitário brasileiro, nos domínios da graduação e da pós-graduação, CT&I e produção do conhecimento, tendo em vista compreender as lógicas e tendências em curso; mapear e analisar os modos de regulação (internacionais, nacionais e locais), assim como os marcos legais, que configuram os processos, mecanismos e ações no âmbito da produção do conhecimento acadêmico-científico; analisar as práticas institucionais, organizacionais e docentes no âmbito da produção do conhecimento, decorrentes dos novos modos de regulação e políticas vigentes; e, analisar a produção do conhecimento no Brasil, considerando suas interfaces com as demandas do setor produtivo, por meio do exame das tendências em curso no âmbito do financiamento, da gestão e da avaliação da pesquisa e da pós-graduação, tendo em vista compreender possíveis mudanças no habitus e no modus operandi do campo científico-universitário.
Tristan McCown, no artigo Five perils of the impact agenda in higher education, mostra que o impacto das instituições de ensino superior na sociedade tornou-se o foco de atenção política significativa nos últimos anos, mais proeminentemente como parte da avaliação da pesquisa. Este artigo apresenta uma exploração teórica da categoria noção , identificando as dimensões-chave como fonte, forma, trajetória, intensidade, escala de tempo e destino. Embora reconhecendo a importância da porosidade entre as universidades e a sociedade, e a necessidade de abordar desafios contemporâneos críticos, cinco perigos da agenda de impacto são destacados: a dimensão normativa; o relacionamento linear; imprevisibilidade; medição; e instrumentalização. Como resposta às conceituações dominantes, o artigo propõe a noção do intrínseco generativo como uma base mais robusta sobre a qual basear o trabalho das universidades.
Já Thomas Muhr, com seu artigo Política de Estado, cooperação Sul-Sul e transformação estrutural: o caso (ignorado) da cooperação Brasil-Venezuela para a promoção da equidade na educação superior (2003-2016) contribui para a reflexão sobre as crises, especialmente na relação SUL-SUL, revisita a cooperação oficial Brasil-Venezuela no período 2003-2016, durante o qual as políticas intervencionistas estaduais aprimoraram a justiça social e educacional. Partindo de uma abordagem de governança educacional é realizada uma análise pluriescalar da equidade de acesso ao ensino universitário, que integra um relato de justiça distributiva no acesso ao ensino universitário no Brasil e na Venezuela com uma abordagem estrutural relacionada à cooperação Sul-Sul (CSS) entre as duas nações e também dentro do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Dois argumentos inter-relacionados são desenvolvidos: primeiro, apesar das persistentes desigualdades no acesso à educação universitária em ambos os territórios, as políticas estatais intervencionistas aumentaram a igualdade de acesso diretamente em relação à disponibilidade e acessibilidade. Em segundo lugar, o caso do Régimen Especial Fronterizo Brasil / Venezuela ilustra que a CSS pode transformar as condições de fundo para a justiça educacional, produzindo uma estrutura alternativa à governança global neoliberal da educação. Empiricamente, a discussão recorre à análise de conteúdo e discurso de 81 documentos de cooperação assinados entre atores estatais e não estatais brasileiros e venezuelanos, complementados por planos de desenvolvimento e relatórios de comissões municipais, nacionais e regionais, e um mês de pesquisa de campo no Régimen Especial Fronterizo, em 2012. Foram realizadas 13 entrevistas semi-estruturadas e de observação participante com funcionários em diferentes níveis dos processos de formulação de políticas, acadêmicos, bem como atores de escala local em diferentes iniciativas de cooperação e integração em ambos os lados da fronteira Brasil / Venezuela.
Em La grieta pedagógica: temas de educación del siglo XXI, Judith Naidorf e Melisa Cuschnir se propõem a contextualizar e criticar algumas pedagogias da moda neoliberal, tomando como certo que o óbvio não é tão óbvio, tem um pano de fundo e que toda a teoria está enquadrada em um paradigma de pesquisa. Em contraste com o pensamento único, as pedagogias críticas têm colaborado na revelação das múltiplas influências do mercado nas teorias educacionais e nas funções contraditórias da escola que navegam entre a reprodução e a emancipação. Se concentram na educação emocional e no uso reducionista das neurociências na escola que ganharam terreno no cenário educacional e que têm uma enorme influência nos programas de formação de professores, nos diagnósticos sobre o desempenho de professores e alunos na escola e nas propostas de conflitos que ocorrem em sala de aula.
No artigo Mundialização financeira, dependência e mudanças institucionais: notas econômicas e políticas sobre as reformas no Brasil atual, João dos Reis Silva Júnior busca o entendimento da reforma do aparelho de Estado no Brasil e das decorrentes reformas das instituições republicanas, bem como os processos de regulação e controle da sociedade, num contexto globalizado assustador. E, também, mostra dimensões econômicas e políticas das mudanças estruturais na universidade estatal, na pesquisa e na ciência do país, considerando as relações centro-periferia.
No artigo Novas regulações na educação superior: do estado avaliador à acreditação em escala global, Gladys Beatriz Barreyro analisa a transformação da acreditação/avaliação da educação superior de uma política do Estado Avaliador na década de 1980 para uma política global desdobrada em diversas modalidades. A partir de conceitos desenvolvidos por Susan Robertson e Roger Dale acerca da governança multiescalar da educação, será mostrada a existência de políticas de avaliação em diversas escalas, assim como a participação de diversas instituições e atores (internacionais, privados e do terceiro setor). Mostra-se que o impacto do Acordo Geral de Comércio e Serviços (GATS) na educação superior e, especificamente na avaliação/acreditação, gerou políticas tais como o acreditador global e as acreditações regionais; e instituições como as agências de acreditação nacionais e/ou regionais e as redes dessas agências, que elaboram diretrizes apresentadas e analisadas no texto. Este é produto de pesquisa baseada em bibliografia, análise documental e entrevistas com especialistas em internacionalização e avaliação da educação superior.
No artigo A produção do conhecimento no Brasil em tempos de globalização econômica: tendências, tensões e perspectivas,João Ferreira de Oliveira analisa a produção do conhecimento no Brasil, considerando os determinantes do processo de globalização econômica. Explicita as tendências e tensões atuais presentes no cenário internacional e nas políticas e ações no campo da Educação Superior, com ênfase na produção do conhecimento, considerando as mudanças ocorridas nos últimos anos. Procura refletir sobre as perspectivas da formação, da pesquisa e da ciência no Brasil em um cenário de crise econômica, de reformas neoliberais, que reduzem os gastos públicos e o papel do Estado no Brasil, mas que favorecem a ação dos grandes grupos econômicos e financeiros em termos da expansão da Educação Superior. O texto está estruturado em três partes, que buscam evidenciar: a) a compreensão do processo de estruturação da pós-graduação e da produção do conhecimento no Brasil, considerando elementos históricos e indicadores atuais; b) o exame da produção do conhecimento à luz dos determinantes do processo de reestruturação do capital; c) a atual política governamental, que vem redefinindo a pesquisa, a pós-graduação e a produção do conhecimento e que tem por base uma (des)regulamentação que favorece a expansão no setor privado, sobretudo no âmbito da pós-graduação. O estudo destaca, pois, os determinantes econômicos que afetam a produção do conhecimento numa economia globalizada; as alterações recentes na base legal, que beneficiam a expansão do setor privado; a crise de fomento vivenciada nas universidades públicas e os processos de subordinação do trabalho e da gestão acadêmica, bem como a perda da autonomia na produção do conhecimento.
No artigo Bem público, teoria do capital humano e mercadorização da educação: aproximações conceituais e uma apresentação introdutória sobre "público" nas Declarações da CRES-2008 e CRES-2018, Mario Luiz Neves de Azevedo analisa a chamada teoria do capital humano e precisa o conceito de bem público, bem como a frequência da expressão “público” nas Declarações aprovadas nas Conferências Regionais de Educação Superior na América Latina e Caribe, em 2008 e 2018. Para isto, em termos metodológicos, o presente artigo analisa documentos de determinadas Organizações Internacionais (UNESCO, Banco Mundial e OCDE) e busca apoio na História dos Conceitos de Reinhart Koselleck e em autores como Roger Dale, Bob Jessop, Stephen Gill, Paul Samuelson, Karl Polanyi, Pierre Bourdieu.
No artigo Produção de Ciência e Tecnologia e o Trabalho do Professor Empreendedor, José Renato Bez de Gregório e Deise Mancebo analisam o trabalho do “professor empreendedor” e a produção de ciência e tecnologia nas instituições de educação superior públicas brasileiras, nos marcos da contrarreforma da educação superior impulsionada a partir de 1995. Para tal, faz uso da literatura pertinente e de extensa análise documental. Inicia com uma discussão sobre o conjunto de políticas governamentais, implementadas a partir de 1995, que sustentaram as reformas neoliberais do Estado brasileiro, servindo como base para a aplicação da contrarreforma neoliberal da educação superior e para as alterações ocorridas no mundo do trabalho, que reconfiguraram o trabalho docente, dando vazão, dentre outros aspectos, ao empreendedorismo. Em seguimento, analisa a produção de ciência e tecnologia no Brasil, com destaque para a produção de inovações tecnológicas e as parcerias entre Estado, universidade e iniciativa privada; aborda a “privatização interna” da universidade pública, a mercantilização da produção do conhecimento e a participação efetiva de professores-empreendedores nesse processo, amparados por um conjunto de leis, normas e artifícios jurídicos. Nas considerações finais, retoma alguns aspectos da cultura empreendedora e da inserção do habitus da produção privada nas universidades, cuja “moralidade utilitária” destrói relações solidárias e valores caros à educação, como o compartilhamento e universalização do conhecimento socialmente útil.
No artigo Reflexões sobre a produção do conhecimento no campo acadêmico-científico: illusio e meritocracia, Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes problematiza a produção do conhecimento no campo acadêmico-científico, no âmbito da nova universidade que se configura no século XXI, em que se privilegia a produção do conhecimento matéria-prima, voltado para os interesses do mercado. Trata-se de pesquisa bibliográfica, fundamentada em conceitos teóricos de Pierre Bour dieu, que auxiliam na compreensão das características do campo científico, marcado pelo par dialético conhecimento e interesse (illusio), evidenciando as particularidades da produção do conhecimento centrado no produtivismo e respaldado pela ideia de meritocracia, elemento estruturante do campo acadêmico-científico. Entende-se que todos os campos sociais passam por ressignificações, transformações ou mudanças de acordo com o contexto histórico em que estão inseridos e que, nesse sentido, no campo da pesquisa e da produção do conhecimento científico existem, para além do produtivismo e da luta concorrencial por prestígio e poder, atitudes, ações e práticas colaborativas entre os pesquisadores. Conclui-se que a compreensão das características intrínsecas e extrínsecas do campo científico, desvelando as relações de poder e dominação que engendram a produção do conhecimento, possa ampliar as possibilidades de constituição de um novo projeto de educação emancipatória para os seres humanos, contribuindo para a superação do atual habitus pro fissional produtivista e meritocrático que conforma a illusio de pesquisadores e estudantes no campo acadêmico.
No artigo Expansão da educação superior nos anais da Reunião da ANPEd no período de 2000 e 2015, Karine Nunes de Moraes se dedica ao mapeamento e análise da produção acadêmica sobre educação superior registrada nos anais das reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no período de 2000 a 2015. A centralidade da análise empreendida é sobre a expansão desse nível de ensino. Busca identificar o volume de trabalhos apresentados ao longo do período supracitado, as temáticas mais frequentes e discutir em que medida os trabalhos dialogam com as políticas do governo federal para a expansão da educação superior. Dito de outro modo, busca analisar como as políticas, programas e ações dos governos federais têm demandado e/ou interferido na agenda de pesquisa no campo educacional.
No artigo O Ensino Superior e a Nova Gestão Pública: aproximações do caso brasileiro com o francês, José Carlos Rothen objetiva compreender a inserção do ensino superior dentro de um novo contexto de organização da sociedade e do Estado, gerido pela Nova Gestão Pública, o trabalho apresenta um estudo histórico comparativo da organização do ensino superior brasileiro e francês. Conclui-se que a adesão francesa a nova gestão pública tem como norte a economia do conhecimento e a brasileira a redução do Estado nos moldes do Consenso de Washington e que as instituições de ensino superior nos dois países são organizadas para participarem de concorrências, na França, a internacional promovida pelos ranqueamentos, no Brasil, a mercantil.
No artigo Novos Modos de Regulação e Batalhas na Produção do Conhecimento - um estudo de caso, Afrânio Mendes Catani apresenta um estudo de caso específico: o da proposta de criação de um novo Programa de Pós-Graduação junto à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Tudo se precipitou após a divulgação dos resultados da avaliação quadrienal (2013-16) da CAPES em fins de 2017, sendo a nota do Programa reduzida de 6 para 5, passando o mesmo a ser regulado pelas normas do PROAP ao invés do PROEX, pois a “excelência” é restrita aos classificados com conceitos 6 e 7. Isso implicou em redução de verbas e prestígio acadêmico. As consequentes cisões e clivagens internas levou um grupo de professores a estruturar um novo Programa na FEUSP que, após cumprir os trâmites internos à Faculdade (não isentos de consideráveis tensões) e à Reitoria da USP, foi remetido à CAPES para os procedimentos de avaliação de praxe. Em dezembro de 2018 a agência não aprovou a proposta e, dias depois, o grupo de acadêmicos reunidos decidiu recorrer da decisão. No início de março de 2019 ainda se aguardava o resultado do pedido de reconsideração. O material empírico que arrima a análise é constituído por atas de reuniões da congregação, dos departamentos, da comissão de pós-graduação, de registros escritos dos encontros realizados pelos docentes que pretendem integrar o novo Programa, além de trocas de mensagens eletrônicas entre os diversos agentes envolvidos no processo.
No artigo Papel do CNPq no Fomento à Pesquisa em Educação: análise sobre o perfil do pesquisador bolsista produtividade em pesquisa, Luciana Rodrigues Ferreira e Josenilson Guilherme de Araújo buscam identificar o perfil dos professores financiados com bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ), com intuito de analisar o fomento à pesquisa no âmbito do CNPq para a área de Educação. No que concerne ao referencial teórico, perpassa-se por Pierre Bourdieu, sobre campos sociais, e em particular sobre o campo científico, associado à noção de habitus, considerando que as práticas acadêmicas, a formação universitária e a pesquisa científica, sobre as quais constituem-se em um ethos específico por meio do qual determinados valores são requeridos e desenvolvidos. No campo metodológico, apoia-se em abordagem qualitativa, exploratória, com base em estudo bibliográfico, composição de banco de dados sobre financiamento e bolsistas, obtidos no CNPq por meio do Sistema de Gerenciamento do Fomento (SIGEF) e Diretório de Grupos de Pesquisa (DGP), tabulados por meio do software SPSS; e análise documental, com foco em documentos oficiais do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e CNPq, no que tange aos editais de bolsa PQ e de auxílio à pesquisa (APQ). Entre os resultados, nota-se que o investimento na ciência brasileira partiu do interesse estratégico e político internacional. No fomento à Educação os dados permitiram estabelecer a trajetória de formação, de vinculação institucional e de pesquisa, e demonstram certo conservadorismo que pode ser entendido como dificuldade ou impossibilidade de desenvolver novos processos e práticas mais inclusivas do ponto de vista do desenvolvimento equânime entre os pesquisadores do Brasil e seu homo academicus.
DEMANDA CONTÍNUA
ARTIGOS
Seguem ao Dossiê excelentes artigos e outras categorias de publicações. O artigo de Navarro e Freitas é exemplo modelar. As autoras tratam sobre as consequências de um trabalho comprimido pelo espaço-tempo com o artigo Intensificação do trabalho docente e saúde: estudo com docentes da Universidade Federal de Goiás. Nele, Vera Navarro e Joana Freitas buscam discutir a relação entre intensificação do trabalho docente e a saúde de professores. Já os autores Paulo César Gomes, Alexandra Bujokas de Siqueira e Marcos Vinícius Ferreira Codato, com o texto “O C de colonizador é análogo ao C de cartum?”: uma análise de cartuns presentes na seção curiosidades da revista Ciência Hoje das crianças buscam mostrar a Revista Ciência Hoje, um importante veículo de comunicação de massa que atua na divulgação de temas científicos, culturais e de costumes do povo brasileiro. Trata-se de uma rica ferramenta em prol do ensino de ciências que pode ser utilizada por professores de ciências e de biologia de modo a complementar os temas abordados em aulas e favorecer muitas possibilidades de leituras. A revista CHC contém imagens fotográficas e muitos cartuns ilustrando seus temas.
Daise Pires e Vera Helena produzem bom texto, nominado Multiculturalismo, identidades, formação profissional e as cotas: construções por estudantes de medicina da UFRJ ancoradas nos estudos culturais sobre identidade e diferença discutem e problematizam a noção de multiculturalismo, evidenciando-a como conceito útil para entender significados construídos sobre mudanças introduzidas na universidade a partir da introdução das cotas - particularmente nas relações sociais e na formação e atuação do futuro profissional.
Bruno Tadashi Takahashi e Álvaro Lorencini Júnior, no artigo A identidade social docente na formação inicial de professores de Ciências, têm como objeto a análise da construção da sociabilidade do professor no estágio supervisionado. Concluem que este processo de socialização se constitui na base ontológica da na construção de uma identidade docente de professores em formação inicial.
Famílias de crianças com deficiência e escola comum: necessidades dos familiares e construção de parceria, redigido por Dorca Soares de Lima Brito e Aline Maira da Silva caracteriza as necessidades de familiares de alunos que apresentavam algum tipo de deficiência, em processo de escolarização na rede regular de ensino de Dourados/MS, e reflete sobre possibilidades de aproximação entre escola e família, com base em tal caracterização.
O potencial de um estudo piloto na pesquisa qualitativa, redigido por Analdino Pinheiro Silva Filho e Jonei Cerqueira Barbosa, discute as potencialidades do estudo piloto para o desenvolvimento da pesquisa qualitativa. A argumentação apresentada é fruto de um estudo piloto que focalizou os jogos de linguagem matemáticos na formação de professores do campo. Maria de Lourdes da Silva Neta, Antonio Germano Magalhães Junior e Marcos James Chaves Bessa escrevem o artigo Práticas avaliativas: uma pesquisa nos cursos de formação docente e apresentam argumentos para mostrarem que a avaliação possibilita a tomada de decisão promovendo o acompanhamento das ações de ensino, apontando o progresso dos discentes, assim como releva as lacunas no ensino e aprendizagem, fornecendo informações para os docentes, gestores e estudantes, dando ensejo ao aperfeiçoamento formativo no ensino superior.
RELATOS DE EXPERIÊNCIA
Georgina Helena Lima Nunes é a autora do artigo Alfabetização de adultos e idosos a partir de um lugarejo quilombola, no qual procura recuperar a experiência de diálogos sobre a alfabetização de adultos e idosos quilombolas no estado do Paraná. Atividades investigativas no ensino de física: um enfoque termodinâmico ao corpo humano, escrito por Neiva Mara Puhl e Miriam Ines Marchi cujo objetivo consiste em relacionar a Termodinâmica aos processos energéticos do corpo humano por meio de atividades investigativas, buscando contribuir com a autonomia dos estudantes na construção e reconstrução de conhecimentos na disciplina de física. Narrar, dizer e vivenciar: mobilizações nos saberes e práticas de uma professora dos anos iniciais do ensino fundamental, artigo coautoria de Vanessa Araújo de Oliveira, Marcilene de Sá Monteiro e Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias tem por objetivo apresentar flashes memorialísticos de um acontecimento que está sendo vivenciado por uma das autoras, e que irá dialogar com as vozes que ecoaram durante a disciplina Formação de Professores, Cultura, Saberes e Práticas ministrada no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar Mestrado e Doutorado Profissional (PPGEEProf), da Universidade Federal de Rondônia.
ESTUDO DE CASO
Maria Fusté e Francesc Fusté-Forné apresentam um estudo de caso que nominam Enseñando Gastronomía: descubrir los alimentos en la etapa infantil, trata-se de um relato de um estudo de caso sobre a cultura alimentar e nos apresenta a aprendizagem de alimentos na fase pré-escolar como fundamental para o desenvolvimento posterior de hábitos alimentares. Isso não se refere apenas às refeições que acontecem ao longo do dia, mas também à capacidade da educação infantil de aplicar propostas que ajudem a aceitar os alimentos que tendem a causar uma maior rejeição. Este artigo tem como objetivo contribuir para a apreensão de alimentos na fase infantil, a fim de testar, aceitar e compreender a culinária e a alimentação como parte da tradição cultural de cada um. Assim, exemplos como frutas ou legumes são produtos que representam a base da alimentação saudável, que ao mesmo tempo tendem a ser os grupos de alimentos que as crianças menos gostam. O artigo propõe uma série de iniciativas para integrar frutas e verduras no cotidiano das crianças em sala de aula, não apenas em relação à alimentação - com uma proposta de cardápio - mas também como forma de conhecer os significados e aspectos socioculturais dos alimentos - por exemplo, ligados às diferentes estações do ano. Este estudo pode levar a futuras pesquisas sobre a avaliação prática das atividades e iniciativas propostas, a fim de conhecer sua contribuição efetiva para o desenvolvimento de práticas alimentares saudáveis.