Introdução
O presente texto analisa a produção do conhecimento no Brasil, considerando os determinantes do processo de globalização econômica. Busca explicitar, com ênfase na produção do conhecimento, as tendências e tensões atuais presentes no cenário internacional e nas políticas e ações no campo da educação superior, considerando as mudanças ocorridas nos últimos anos. Procura refletir sobre as perspectivas da formação, da pesquisa e da ciência no Brasil em um cenário de crise econômica, de reformas neoliberais, que reduzem os gastos públicos e o papel do Estado no Brasil, mas favorecem a ação dos grandes grupos econômicos e financeiros em termos da expansão da pós-graduação.
O texto está estruturado em três partes, que buscam evidenciar: a) a compreensão do processo de estruturação da pós-graduação e da produção do conhecimento no Brasil, considerando elementos históricos e indicadores atuais; b) o exame da Educação Superior e da produção do conhecimento à luz dos determinantes do processo de reestruturação do capital; c) a política governamental que vem redefinindo a pesquisa, a pós-graduação e a produção do conhecimento tendo por base uma (des)regulamentação do setor que favorece a expansão no setor privado, sobretudo no âmbito da pós-graduação. O estudo destaca, pois, os determinantes econômicos que afetam a produção do conhecimento numa economia globalizada, as alterações recentes na base legal que beneficiam a expansão do setor privado, a crise de fomento vivenciada nas universidades públicas e os processos de subordinação do trabalho e da gestão acadêmica, bem como de perda da autonomia universitária na produção do conhecimento.
A estruturação da pós-graduação e da produção do conhecimento: elementos históricos e indicadores atuais
A primeira universidade no Brasil ainda não completou 100 anos, se tomarmos como referência a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (CUNHA, 2000). Em 1931, na gestão do Ministro da Educação, Francisco Campos, foi aprovado o Estatuto das Universidades Brasileiras, o que incentivou a organização de novas universidades. Mesmo assim, tínhamos, em 1945, apenas cinco universidades no país (FÁVERO, 1980). Chegamos, em 2017, a um total de 199 universidades, sendo 106 públicas e 93 privadas (Tabela 1). A tabela 2 mostra que, mesmo correspondendo a 8,1% das instituições de ensino superior (IES) no Brasil, as universidades são responsáveis por 53,6% das matriculas.
Tabela 1 Instituições de Educação Superior, por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa - 2017
Total | Universidades | Centro Universitário | Faculdade | IF e Cefet | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Pública | Privada | Pública | Privada | Pública | Privada | Pública | Privada | |
2.448 | 106 | 93 | 8 | 181 | 142 | 1.878 | 40 | n.a. |
Fonte: MEC/INEP/DEED. Nota: n.a. Não se aplica
Tabela 2 Número de IES e de matrículas em cursos de graduação por Organização Acadêmica - 2017
Fonte: MEC/INEP/DEED
Nesse contexto de organização das universidades e da ciência no Brasil, tivemos, no âmbito da comunidade científica, a criação de duas importantes entidades: a Academia Brasileira de Ciência, em 1916, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1948. Já no âmbito do governo federal, criaram-se no mesmo ano, em 1951, o que hoje chamamos de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com o passar dos anos, a Capes assumiu a tarefa de credenciar cursos e programas, avaliar e supervisionar o sistema de pós-graduação e também estabelecer políticas, programas e ações para sua expansão, sobretudo nas áreas consideradas de maior interesse estratégico pelos respectivos governos e, em parte, pela comunidade científica. Por sua vez, o CNPq, posteriormente vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), passou a fomentar essas áreas, definindo a macro agenda da pesquisa e avaliando e incentivando as carreiras científicas consideradas mais produtivas.
Entretanto, só na segunda metade dos anos de 1960 é que se estruturou o sistema de pós-graduação e pesquisa no Brasil, a partir do Parecer nº 977/1965, que teve como relator Nilton Sucupira e foi aprovado pelo Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1965). Na definição dos cursos de pós-graduação, trazida por esse Parecer, vemos grande preocupação com a natureza e fins dessa etapa da Educação Superior (OLIVEIRA; LIMA, 2018). Realça-se, sobretudo por meio das universidades, a formação de pesquisadores e docentes. Sucupira (1980) busca, especialmente na universidade norte-americana e na influência germânica, o foco nas atividades de pesquisa científica e tecnológica, bem como na promoção da alta cultura. Entende que os estudos pós-graduados são necessários à vida universitária e ao desenvolvimento do Brasil, advogando “o desenvolvimento da ciência e da cultura em geral, o treinamento de pesquisadores, tecnólogos e profissionais de alto nível” (p.164). Para ele, é preciso que na pós-graduação “se realize a livre investigação científica (...), onde possa afirmar-se a gratuidade criadora das mais altas formas da cultura universitária” (Ibidem), o que era uma necessidade, pois a pós-graduação quase não existia na universidade brasileira. Conforme Sucupira, a pós-graduação daria à universidade um caráter verdadeiramente universitário, como centro criador de ciência e cultura, mas também contribuiria para a formação de profissionais para a indústria (Idem, p.165). Portanto, eram imperativos, a formação do professor universitário, o estímulo à pesquisa científica e “o treinamento eficaz de técnicos e trabalhadores intelectuais do mais alto padrão para fazer face às necessidades do desenvolvimento nacional em todos os setores” (Ibidem). A sólida formação científica está na base da formação pós-graduada stricto sensu (Mestrado e Doutorado).
Conforme Oliveira e Lima (2018), a distinção entre cursos de pós-graduação e de especialização, depois do Parecer Sucupira, deu-se claramente no Art. 17 da Lei n. 5.540/1968 (BRASIL, 1968). As universidades e estabelecimentos isolados de ensino superior poderiam ministrar cursos em ambos os níveis, mas o Art. 24 atribui ao CFE a competência para conceituar os cursos de pós-graduação e baixar normas gerais para sua organização. Os cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão e outros passaram a ser ministrados de acordo com os planos das IES (Art. 25). Já os diplomas expedidos por universidade poderiam ser registrados na própria instituição.
O próprio Sucupira (1980) entendia que a pós-graduação era um fenômeno recente no Brasil. Afirma que “por volta de 1965 contavam-se algumas dezenas de cursos de pós-graduação no País, vinte e poucos mestrados e cerca de 10 doutorados” (p.15). Mas ele vê esse processo de institucionalização da pós-graduação como “intimamente vinculado ao movimento de modernização da universidade brasileira” (p. 3). A realização da pesquisa científica era uma necessidade na universidade e a pós-graduação deveria constituir-se em tarefa normal plenamente articulada ao projeto e aos fazeres da instituição. Para isso, no entanto, era preciso reformar a universidade, qualificar o corpo docente e estruturar a pós-graduação como etapa acima da graduação (OLIVEIRA; LIMA, 2018).
A pós-graduação e a pesquisa também foram fortemente impulsionadas pela Reforma Universitária de 1968, pela criação, em 1967, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pelo surgimento, em 1969, do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(FNDCT). Esse conjunto de órgãos e ações resultou numa política de fomento e avaliação que favoreceram o surgimento de mestrados e doutorados acadêmicos para a formação de quadros de alto nível e para o exercício do magistério superior, além da geração de conhecimento que pudesse contribuir para o desenvolvimento do país. Além disso, dois outros pilares foram fundamentais nesse contexto: a adoção do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a implementação do regime de Dedicação Exclusiva nas universidades federais, pois criaram as condições para a atuação dos docentes na pesquisa e na pós-graduação.
Outra etapa importante desse processo foi a implementação em 1976, do chamado ‘modelo Capes de avaliação da pós-graduação’, bem como do fomento à formação pós-graduada por meio de bolsas e de financiamento dos cursos ou programas de pós-graduação, o que, concretamente, inaugurou uma política de incentivo, manutenção e expansão da pós-graduação com um modo próprio de regulação e regulamentação, conectado à expansão mais qualificada das universidades federais. A Capes passou a conduzir a avaliação da pós-graduação, realizada por pares, envolvendo a autorização e o reconhecimento de novos cursos de mestrado e doutorado e, periodicamente, a renovação de reconhecimento desses cursos/programas.
A avaliação, desde sua criação na segunda metade dos anos 1970, passou por alterações; centrada inicialmente em conceitos, adotou, em meados dos anos 1990, notas de um a sete para expressar a qualidade dos cursos/programas, com monitoramento e coleta de informações anuais. Na segunda década dos anos 2000, a avaliação também deixou de ser trienal para ser quadrienal, mas mantendo dimensões centrais da avaliação dos períodos anteriores: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, teses e dissertações, produção bibliográfica e inserção social, sempre atribuindo maior peso à produção docente bem como ao tempo e fluxo de defesa das teses e dissertações.
Foram fundamentais também no processo de organização, expansão e consolidação da pós-graduação brasileira a elaboração, acompanhamento e avaliação dos planos nacionais de pós-graduação (I PNPG: 1975-1979; II PNPG: 1982-1985; III PNPG: 1986-1989; IV PNPG: 2005-2010; V PNPG: 2011-2020), pois contribuíram significativamente para consolidar a política de pós-graduação e de pesquisa como política de estado no Brasil (OLIVEIRA; ALVES, 2014), apesar de certas dificuldades advindas dos contextos políticos e econômicos do país.
É importante ressaltar, ainda, que a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), teve certa continuidade em sua lógica e nas ações de fomento a partir da segunda metade dos anos de 1990, especialmente com a criação, em 1999, dos fundos setoriais. De modo geral, houve certa continuidade da política, independentemente do governo, no tocante: a) à ideia de inovação como política de Estado; b) à integração da política de CT&I à política industrial; c) ao estímulo à atividade de pesquisa nas empresas; d) à ampliação da pós-graduação com ênfase nas áreas tecnológicas e engenharias; e) ao apoio à interação entre universidades, governo e empresas; f) à internacionalização, com a busca de captação de conhecimento novo por meio da graduação e doutorado sanduíche no exterior, da atração de mais alunos e da atração de pesquisadores visitantes estrangeiros, do apoio à produção científica, dentre outras ações; g) à adoção de parâmetros de avaliação e financiamento que favorecessem a internacionalização e a excelência.
A estruturação, manutenção e expansão pública da pós-graduação no Brasil consolidaram-se, pois, a partir do fortalecimento de dois pilares fundamentais - a avaliação e o fomento - com ampla participação das entidades científicas. Desde então, observa-se uma forte regulação e modelação do habitus acadêmico-científico no âmbito da formação, das carreiras científicas e da gestão da pós-graduação, mediante ações da Capes, do CNPq e de outros órgãos e agências que atuam na área, o que tem gerado, segundo muitos estudos e críticas, o que passou a ser denominado de produtivismo acadêmico (OLIVEIRA, 2015; SAVIANI, 2010; SGUISSARDI; SILVA Jr., 2009; OLIVEIRA; FONSECA, 2010; PAZ; OLIVEIRA, 2018), uma vez que dá maior ênfase à produção de artigos científicos em periódicos mais qualificados e também aos índices de impacto decorrentes de publicações internacionais.
Mudanças significativas ocorreram a partir do final dos anos 1990, sobretudo com a criação, em 1998, dos mestrados profissionais, o incentivo à expansão de mestrados e doutorados via, especialmente, Mestrado Interinstitucional (Minter) e Doutorado Interinstitucional (Dinter), para atender demandas de IES e outras em regiões mais necessitadas de quadros qualificados. O novo modelo de avaliação baseado em notas, sendo cinco para excelência nacional e seis e sete para excelência internacional, também trouxe maior pressão por aumento da produção intelectual e maior controle sobre a produção do conhecimento nas diferentes áreas. Em 2017, já no governo Temer, foi criado o doutorado profissional, além de se flexibilizar a oferta de pós-graduação stricto sensu por meio da educação a distância (EaD).
A expansão tem sido grande e acelerada, como evidencia a Tabela 3. De 2006 a 2017 o crescimento do número total de programas de pós-graduação stricto sensu foi de 89,67%, sendo maior o crescimento na região Norte, seguida respectivamente, das regiões Centro Oeste e Nordeste. Isso, todavia não altera o fato de a maior parte dos programas (66%) estarem concentrados nas regiões Sudeste e Sul do país, indicando forte assimetria regional.
Tabela 3 Evolução do Número Total de Programas de Pós-graduação stricto sensu, Brasil e Regiões, 2006-2017
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Geocapes.
O número de discentes é crescente nas duas últimas décadas. O maior crescimento ocorreu nas regiões Norte e Nordeste. Todavia, as regiões Sudeste e Sul concentram cerca de 70% das matrículas. Os censos da Educação Superior têm registrado ano a ano o crescimento no número de estudantes nos cursos de mestrado e doutorado, como vemos no período de 2015 a 2017. A expansão tem sido maior nas IES públicas, sobretudo nas universidades federais, especialmente após a expansão ocorrida por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, que ampliou significativamente o número de professores com doutorado nessas instituições. Nas IES privadas a oferta ainda é pouco significativa, tendo havido pequena queda de 2015 para 2016, o que levou o governo Temer a flexibilizar a legislação para abertura e permanência de novos cursos, além da criação, em 2017, dos doutorados profissionais e a permissão de maior liberdade na oferta de cursos na modalidade a distância, como evidencia a legislação do período.
Tabela 4 Número de matrículas da Pós-graduação stricto sensu no período 2015 a 2017
Ano | Total Geral | Categoria Administrativa | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Pública | Privada | |||||
Total | Federal | Estadual | Municipal | |||
2015 | 325.230 | 269.395 | 184.041 | 83.856 | 1.498 | 55.835 |
2016 | 347.035 | 292.023 | 200.442 | 89.937 | 1.644 | 55.012 |
2017 | 361.530 | 304.146 | 210.305 | 92.217 | 1.624 | 57.384 |
∆% 2017/2015 | 12,9% | 14,3% | 10,0% | 8,4% | 2,8% |
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos Censos da educação superior do INEP
Educação superior e produção do conhecimento em tempos de reestruturação do capital
O final dos anos de 1970 foi marcado pela crise do regime de acumulação capitalista e pela crise do seu modo de regulação, o chamado estado de bem-estar social. Harvey (1994), ao examinar a crise do modelo Fordismo/Taylorismo, evidenciou o surgimento de um novo regime de acumulação que denominou de acumulação flexível, pois o processo de reestruturação produtiva articulado à globalização econômica centrava-se na dispersão da produção, do consumo e em parte do trabalho, tendo em vista a ampliação da mais valia globalizada ou do lucro, seja pela via do sistema produtor de mercadorias, seja pela via da autovalorização do capital mediante a financeirização da economia.
Os organismos multilaterais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tiveram papel importante no processo de globalização e implementação da política neoliberal, objetivando: a redução do tamanho e do papel do estado; a abertura da economia ao investimento estrangeiro; a liberalização do comércio internacional; a privatização das empresas estatais; a política monetária e orçamentária voltada para a estabilidade de preços e redução dos gastos públicos; a privatização ou terceirização de serviços; a flexibilização e redução de direitos trabalhistas; a adoção de mecanismos gerenciais e privatistas no campo da saúde, educação, segurança pública, previdência social, dentre outras. Desde os anos 1980, tais políticas passaram a ser adotadas nos países pobres ou em desenvolvimento mediante empréstimos com condicionalidades, em sintonia com as políticas neoliberais definidas no Consenso de Washington.
Dadas a produção e a geração de mais valia globalizada nesse contexto de acumulação flexível, observam-se a intensificação das demandas das empresas de diferentes setores para a geração de conhecimento e formação profissional, o que, no caso do Brasil, implicou a implementação de políticas e ações que buscassem vincular as universidades ao setor produtivo. Essa é, na verdade, uma lógica cada vez mais globalizada, sobretudo nos países em que a produção do conhecimento se dá, sobretudo, nas universidades públicas, a exemplo do Brasil. E, no caso brasileiro, essa lógica se intensifica por meio de políticas que buscam maior articulação universidade-empresa, bem como pela via da produção do conhecimento tecnológico e centrado em inovações permanentes.
O contexto de reestruturação produtiva e de globalização econômica vincula, cada vez mais, o crescimento e o desenvolvimento econômico à inovação constante, uma vez que a competitividade das empresas, na chamada economia do conhecimento, alimenta-se e se sustenta desse processo. Associado a essa lógica busca-se o ajustamento dos processos formativos para o mundo do trabalho e para a vida em sociedade, principalmente para uma sociedade cujo consumo requer, cada vez mais, conhecimento, competências e habilidades tecnológicas.
Assim, por um lado, a reestruturação produtiva trouxe mudanças no mundo do trabalho que têm resultado em crescimento do desemprego estrutural, necessidade de elevação da qualificação geral, precarização das condições de trabalho, especialmente via terceirização, flexibilização da legislação trabalhista com redução dos direitos sociais e, por outro, o debate sobre os chamados trabalhadores intelectuais, imateriais ou polivalentes com formação mais ampla e com novos conhecimentos, competências e habilidades profissionais globalizadas, mas bastante restrito em termos de postos de trabalho (RIFKIN, 1995).
De modo geral, a lógica de expansão do capital no contexto da globalização econômica passou, desde os anos 1980, a ser associada a um novo modo de regulação do Estado: o neoliberalismo, o que tem resultado em reformas que visam a garantir a iniciativa do capitalista, a segurança do investimento e da propriedade e a livre circulação, aquisição e utilização da força de trabalho. Essa mesma lógica se tem expandido para a educação em toda parte, sobretudo para a educação superior. Diversos estudos (AZEVEDO, 2015; BARREYRO, 2018; MANCEBO; SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018; SILVA JUNIOR, 2017; CHAVES; REIS; GUIMARÃES, 2018; BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2009; 2017; GOMES; MORAES, 2012) têm evidenciado as tendências globalizadas da educação superior, indicando:
Ampliação do processo de comercialização e transnacionalização da educação superior como bem de mercado, via Organização Mundial do Comércio/Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (OMC/AGCS) - 1995: livre comércio), mas, sobretudo, via abertura de capitais em bolsas de valores;
intensificação dos mecanismos de privatização e mercantilização da educação superior, com prevalência dos interesses privados-mercantis, via financeirização e oligopolização desse nível da educação; (des)regulamentação do setor; tecnificação curricular e formação por competências; reorganização acadêmica com redução dos postos de trabalho e degradação e subordinação do trabalho e da gestão acadêmica à lógica mercantil;
maior diversificação e diferenciação dos sistemas de educação superior, com expansão acelerada e, mesmo, massificação do atendimento.
Nesse contexto, tem surgido um amplo discurso da qualidade, de avaliação e de acreditação, acompanhado do surgimento de novas políticas e novos atores no campo da avaliação e acreditação, assim como outros modos de governança global dos sistemas de educação superior; novas diretrizes e agências globais de acreditação, bem como consultorias globais e Organizações Não Governamentais (ONGs) (BARREYRO, 2018). O foco é a qualidade, embora se perceba uma concepção de qualidade cada vez mais diferenciada, em conformidade com as demandas de mercado e com menor regulação estatal. Percebe-se um aumento da competição e da hierarquização acadêmica, especialmente mediante mecanismos nacionais instituídos, bem como via índices e rankings internacionais. (MANCEBO; SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018; CALDERÓN; FRANÇA, 2018; SOUSA, 2017)
Nesse contexto, a Educação a Distância tem-se expandido fortemente na oferta de Educação Superior e, mesmo nos cursos presenciais têm sido adotados mecanismos de semipresencialidade, em que os cursos se tornam mais híbridos, com tendência a se ampliar o percentual à distância. Isso implica novas práticas e modos de organização dos currículos bem como intenso uso de plataformas digitais, favorecendo o fim das fronteiras nacionais e internacionais na oferta de educação. Os dados dos censos da Educação Superior já evidenciam o forte crescimento do setor privado na oferta dessa educação (graduação e pós-graduação).
Nesse contexto, a Educação Superior experimenta um novo estágio de organização e regulação internacional. São características marcantes dessa nova configuração:
a) o intenso processo de mercantilização da oferta com a presença de empresas internacionais e capitais de diferentes acionistas via bolsas de valores, como é o caso do Brasil, desde a segunda metade dos anos 2000;
b) as transformações na natureza e na missão da Educação Superior, mais focada nos interesses comerciais dos empresários globalizados e menos na formação cidadã;
c) a ampla competição entre empresas e países que representam a divisão internacional do trabalho científico;
d) a ênfase no valor do conhecimento, que favorece a geração de lucro;
e) as mudanças no ordenamento jurídico para avaliação e supervisão das instituições de Educação Superior, tornando a oferta e permanência mais flexível e orientada pela autorregulação do mercado;
f) a diversificação da estratégia de financiamento, inclusive nas IES públicas, com participação dos estudantes por meio de taxas e mensalidades;
g) as alterações na natureza e no modus operandi do trabalho docente e da gestão universitária no sentido de torná-los mais “produtivos”, ou seja, mais conectados com as demandas produtivas-econômicas.
As mudanças no trabalho e na gestão das universidades têm implicado, conforme Silva Júnior (2017), mudanças na cultura da universidade. Nesse novo contexto, a universidade só alcança legitimidade quando assume o papel de contribuir para a competitividade das empresas mediante produção de tecnologias e geração de inovações. Para implementação dessa nova cultura, as universidades, a pós-graduação e os pesquisadores vão ajustando-se aos financiamentos e aos novos parâmetros de avaliação das agências avaliadoras e financiadoras. Isso induz e subordina, cada vez mais, a pesquisa e seus resultados, até porque a apropriação é cada vez mais privada. A ênfase é na pesquisa tecnológica e na inovação, em detrimento da pesquisa de base. Nas agências de fomento, a avaliação é intensificada, visando a maior distinção entre os pesquisadores, com maior relevo para a publicação internacional e impacto dos produtos acadêmicos. Assim, os pesquisadores precisam publicar mais, competir mais e empreender mais, o que, em geral, não resulta em avanços significativos do conhecimento ou mudanças de paradigmas nas diferentes áreas. Trata-se da produção e da formação de um conhecimento comprometido com uma nova institucionalidade e cultura científica da economia do conhecimento, em escala nacional e internacional.
Na gestão acadêmica, alguns estudos (SILVA JÚNIOR, 2017; AZEVEDO, 2015; DIAS SOBRINHO, 2005; MOROSINI, 2006; BARREYRO, 2018) evidenciam a busca do estatuto da universidade de classe mundial, com parâmetros do que se define como qualidade internacional. Isso tem gerado a procura e corrida por melhores posições nos rankings internacionais. A nova cultura passa pela produção de trabalhos científicos e sua difusão em periódicos de grande impacto internacional; intensificação da produção e registro de patentes; produção e transferências de tecnologias e inovações para os setores produtivos; maior competição interna e externa; adoção de estratégias de produção e intercâmbios internacionais; novos mecanismos, ações e estratégias de mobilidade docente e discente com implicações nas carreiras científicas; ênfase no desempenho e na performance dos professores, unidades acadêmicas e instituições.
Assim, de um lado observa-se a produção do conhecimento centrado na lógica de funcionamento do campo científico-universitário internacional, em que se estabelece a luta pela autoridade científica e legitimidade da ciência (BOURDIEU, 1983). Nessa lógica, prevalece a luta pela dominação científica, tendo em vista maior capital simbólico, reconhecimento e consagração no campo. São muitas e específicas as estratégias de colaboração, de dominação ou de subversão nesse campo. Mas, de modo geral, prevalece a relevância e qualidade da produção como fator de destaque no campo. Mais recentemente, no entanto, o campo científico-universitário tem sido influenciado pelo campo econômico nacional e internacional, cuja lógica econômica assenta-se na chamada economia do conhecimento. Essa lógica acentua o aumento da competitividade, a busca da interação universidade-empresa, geração de tecnologias e inovação e a apropriação privada. Nessa lógica, o que conta é a geração de valia, ou melhor, do lucro. A lógica ou perspectiva de uma produção mais comprometida ou engajada socialmente tem ficado em segundo plano. De igual modo, a visão social e crítica, assim como o compromisso com um conhecimento que contribua para a resolução dos problemas sociais, melhoria da qualidade de vida da população e transformação social, tem ganhado pouco realce na produção do conhecimento, mesmo nas instituições públicas.
Pesquisa, pós-graduação e produção do conhecimento: perspectivas de (des) regulamentação e de expansão
São significativas as alterações que vêm ocorrendo no campo da pós-graduação e da pesquisa no Brasil. Elas estão relacionadas à agenda instaurada no país desde a crise econômica evidenciada a partir de meados de 2012 e que levou ao golpe que resultou no afastamento da presidente Dilma Rousseff em 2016. Ao assumir o governo, Michel Temer instaurou uma agenda neoliberal pautada numa política de ajuste fiscal que resultou em cortes orçamentários e redução dos gastos públicos. Também assumiu a perspectiva de “regeneração do estado”, ou seja, de sua redução, tendo em vista torná-lo supostamente mais enxuto e mais eficiente. Para tanto, incrementou um processo de privatização e de ampliação das parcerias público-privadas, bem como de flexibilização das leis trabalhistas e de terceirização. Todas as alterações estavam em sintonia com a agenda empresarial, que requeria tais mudanças, visando a aumentar a competitividade e o lucro das empresas por meio da diminuição da arrecadação do Estado e redução dos gastos públicos.
A agenda de (des)construção do Estado e ampliação da esfera privada implicou cortes orçamentários; revisão/diminuição dos recursos e programas sociais, ciência e tecnologia, educação e saúde; vetos ao Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) na Lei Orçamentária de 2018; redução do orçamento social para 2019; aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que estabeleceu o teto dos gastos públicos; ampliação da terceirização e trabalho temporário nas empresas; aprovação da reforma trabalhista, que alterou Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e impôs novas relações de trabalho (Lei n. 13.467/2017); privatizações; e encaminhamento da reforma da Previdência. De modo geral, tais medidas têm tido impacto no aumento do desemprego, violência, homicídios, número de presos, precarização do trabalho, fome e pobreza extrema, número de assalariados sem proteção, mortalidade infantil, queda nas campanhas de vacinação, etc. No campo da educação, as pautas se tornaram mais regressivas e truculentas, com medidas tomadas em gabinetes e permeadas por concepções privatistas, tais como: anulação do Decreto de nomeação do CNE, encaminhado durante o governo Dilma Rousseff, e nomeações de novos conselheiros; suspensão de portarias MEC/INEP que alteravam a avaliação da Educação Básica e o Sinaes; reforma do Ensino Médio por meio da MP 746/2016, transformada na Lei n. 13.415/2017; alterações no Fundo de Financiamento Estudantil - FIES (Lein.13.530/2017); aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (ResoluçãoCNE/CP nº 2/2017); desmonte da Estrutura do Fórum Nacional de Educação (FNE) por meio do Decreto de 26/04/2017 e portaria do MEC; indicação de medidas voltadas à formação inicial e continuada de professores; proposição, em dezembro de 2018, de Base Nacional para FormaçãodoProfessor.
Além disso, estudos realizados por Amaral (2017a; 2017b) mostram a queda de recursos financeiros para os ministérios e órgãos mais diretamente responsáveis pela pesquisa e pela pós-graduação no Brasil. Assim, dada a crise política e econômica no país nos últimos anos, especialmente a partir de 2014, tem ocorrido diminuição dos recursos financeiros para Capes e CNPq, assim como dos respectivos ministérios, como vemos na tabela 5.
Tabela 5 Recursos financeiros liquidados, todas as fontes, a preços de dezembro de 2018, corrigidos pelo IPCA para MCTIC, CNPq, MEC e Capes, no período de 2010 a 2018
Ano | MCTIC | CNPq | MEC | Capes |
---|---|---|---|---|
2010 | 12.221.572.765 | 1.919.011.030 | 88.786.711.562 | 3.273.715.309 |
2011 | 10.052.817.736 | 1.902.291.846 | 98.338.235.049 | 4.223.080.937 |
2012 | 10.691.147.941 | 2.314.529.492 | 110.554.697.076 | 5.152.253.600 |
2013 | 12.980.866.650 | 3.202.710.091 | 115.981.331.833 | 6.628.543.181 |
2014 | 11.513.728.716 | 2.746.308.009 | 119.466.079.004 | 7.196.552.073 |
2015 | 7.409.811.975 | 1.898.158.553 | 103.591.139.454 | 9.059.133.656 |
2016 | 6.666.453.335 | 1.409.323.458 | 99.052.888.031 | 5.510.932.868 |
2017 | 8.855.862.187 | 1.410.910.031 | 105.535.489.413 | 4.287.196.638 |
2018 | 9.311.134.705 | 1.377.064.136 | 112.236.130.127 | 3.640.702.279 |
O governo Temer assumiu por meio de várias alterações na base legal e alterações nas políticas existentes uma perspectiva de (des)regulação da Educação Superior e da pós-graduação, que incluiu, em especial, alterações nos processos de avaliação, de gestão e de financiamento. A nova regulação implicou maior flexibilização, desburocratização (des)regulamentação da oferta de cursos e programas de pós-graduação presencial ou a distância, o que certamente terá implicações na qualidade dos cursos e programas. Em linhas gerais, trata-se de diminuir os mecanismos de regulação, supervisão e avaliação do Estado e, ao mesmo tempo, deixar as instituições privadas que atuam no setor mais livres via a própria competição de mercado.
No contexto dessas alterações legais, intensifica-se o discurso de políticas e ações que contribuam para a competitividade do conhecimento e para tornar o país mais competitivo, no contexto de uma ciência que colabore mais com o setor produtivo, aumentando o número de artigos publicados em periódicos de excelência, de produção com mais citações e impacto, sobretudo em inglês; de registro de patentes e de adoção de projetos de internacionalização, que acabam muitas vezes sendo subsumidos pela lógica de uma desregulação que favorece claramente a atuação do setor privado, que se expande e amplia seus lucros sem interferências do Estado. Isso fica evidente por meio das mudanças na base legal, que favorecem os grandes grupos empresariais, nacionais ou internacionais que atuam no campo da educação, com grandes plataformas digitais, e que estão assumindo esse novo mercado. Daí a flexibilização para oferta dos cursos de graduação e da pós-graduação (Quadro 1).
Quadro 1 Alterações significativas na base legal que trata da pós-graduação, EaD e CT&I a partir de 2016
Instrumento legal | Objeto |
---|---|
Lei nº 13.243/2016 | Dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação. |
Decreto nº 8.754/2016 | Altera o Decreto n. 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de Educação Superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. |
Decreto n. 9.235/2017 | Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. |
Decreto n. 9.057/2017 (BRASIL, 2017b) | Regulamenta o art. 80 da Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. |
Decreto n. 9.283/2018 | Regulamenta a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016, o art. 24, § 3º, e o art. 32, § 7º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, o art. 1º da Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, e o art. 2º, caput, inciso I, alínea "g", da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, e altera o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, para estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. |
Portaria Normativa nº 22/2016 | Dispõe sobre normas e procedimentos gerais de tramitação de processos de solicitação de revalidação de diplomas de graduação estrangeiros e o reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior |
Portaria Normativa MEC n.11/2017 | Estabelece normas para o credenciamento de instituições e a oferta de cursos superiores a distância, em conformidade com o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017. |
Portaria Normativa nº 22/2017 | Dispõe sobre os procedimentos de supervisão e monitoramento de instituições de Educação Superior e de cursos superiores de graduação e de pós-graduação lato sensu, nas modalidades presencial e a distância, integrantes do sistema federal de ensino. |
Res. CNE/CES nº 3, de 22 de junho de 2016 | Dispõe sobre normas referentes à revalidação de diplomas de cursos de graduação e ao reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior. |
Res. CNE/CES nº 7, (BRASIL, 2017) de 11 de dezembro de 2017 | Estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu. |
Res. CNE/CES nº 1, de 6 de abril de 2018 | Estabelece diretrizes e normas para a oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu denominados cursos de especialização, no âmbito do Sistema Federal de Educação Superior, conforme prevê o Art. 39, § 3º, da Lei nº 9.394/1996, e dá outras providências. |
Portaria n. 389, de 23 de março de 2017 | Dispõe sobre o mestrado e doutorado profissional no âmbito da pós-graduação stricto sensu. |
Res. CNE/CES nº 4, de 11 de dezembro de 2018 | Altera o inciso I do artigo 2º da Resolução CNE/CES nº 1, de 6 de abril de 2018 (BRASIL, 2018) , que estabelece diretrizes e normas para a oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu denominados cursos de especialização, no âmbito do Sistema Federal de Educação Superior, conforme prevê o Art. 39, § 3º, da Lei nº 9394/1996, e dá outras providências. |
Portaria Capes n. 131/2017 | Dispõe sobre o mestrado e doutorado profissionais. |
Portaria Capes n. 61/2017 | Define critérios de concessão de bolsas e pagamento de custeio a docentes regularmente matriculados e em efetiva regência nas redes públicas de ensino nacionais vinculados aos Programas de Mestrado Profissional em Rede (Proeb) custeados pela Capes. |
Portaria Capes n. 275/2018 | Dispõe sobre os programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância. |
Fonte: Elaboração própria
Percebe-se, pois, que a lógica, os fins e o modus operandi do sistema de pós-graduação estão sendo fortemente alterados (OLIVEIRA; LIMA, 2018), dados:
a) o processo de reconfiguração da pós-graduação pautado numa (des)regulamentação que favorece maior flexibilização dos parâmetros de oferta e maior articulação com os interesses de mercado, especialmente para expansão privada dos mestrados/doutorados (M/D) profissionais.
b) as alterações nos fins da pós-graduação, antes centrados na formação de pesquisadores, de docentes para magistério superior e de profissionais de alto nível intelectual, que começam a migrar para uma formação centrada no desenvolvimento de competências técnico-profissionais; na geração de tecnologias e inovações e na formação continuada de professores;
c) a ênfase na expansão da oferta de M/D profissionais via EaD em instituições privadas com uso intensivo da EaD;
d) redução do financiamento para pesquisa e manutenção dos programas de pós-graduação nas IES públicas, em razão da crise econômica e das novas prioridades da Capes;
e) a adoção de novos critérios, mecanismos e processos de avaliação, ajustados aos parâmetros internacionais ou às demandas por expansão de cursos profissionais;
f) a implementação de mestrado profissional via EaD pelas instituições públicas, com certa ampliação da oferta de cursos e diminuição dos recursos e condições de oferta.
Assim, a formação pós-graduada, especialmente nas IES privadas com fins lucrativos, tende, pois, a vincular-se fortemente aos parâmetros de mercado e aos interesses dos grupos privados em ampliar seus lucros, em face de certo esgotamento da expansão privada dos cursos de graduação. No Brasil, a oferta privada de Educação Superior tem-se tornado cada vez mais oligopolizada, envolvendo o mundo das altas finanças por meio de bolsas de valores e fundos financeiros. Na última década observam-se fusões, aquisições, incorporações e a abertura de capitais em bolsas de valores com grande aporte de investimentos estrangeiros. A participação de empresas estrangeiras tem sido cada vez mais recorrente, o que tem contribuído para uma oligopolização do setor. Além desta, os efeitos são graves nas IES privadas: demissão de professores, enxugamento dos currículos, crescimento das disciplinas semipresenciais, precarização do trabalho via baixos salários e trabalho desregulamentado (trabalho intermitente), tecnicização do conhecimento, perda de autonomia dos professores, ausência de pesquisa, retórica individualista (empreendedorismo, criatividade, proatividade, etc.), dentre outros (OLIVEIRA; LIMA, 2018; SGUISSARDI, 2013; CHAVES, 2010; RUAS, 2015).
Considerações finais
O contexto político e econômico atual no Brasil traz grandes embates e desafios para as universidades públicas e, particularmente, para a pós-graduação, pesquisa, produção e difusão do conhecimento. Dentre os embates e desafios destacam-se: a crise do financiamento e das agências de fomento; a pressão advinda da internacionalização do conhecimento; a necessidade de elevação da qualificação dos mestrados/doutorados, considerando as metas do PNPG (2011-2020) e do PNE (2014-2024); a crise das universidades como espaço de produção do conhecimento; a pressão para intensificação da interação universidade-empresa; o aumento da disputa pelos recursos do Fundo público; as novas formas de organização e valoração da produção e difusão do conhecimento; a necessidade de interação da pós-graduação com a sociedade, tendo em vista os problemas sociais, a inclusão social, a qualidade da educação básica, a formação continuada de professores, dentre outros.
Destacam-se, sobremodo, os novos processos que incentivam a expansão privada, via mestrados e doutorados, acadêmicos ou profissionais, presenciais e a distância. O viés econômico está claramente associado a esse processo de expansão, assim como às mudanças na regulação pública, que favorecem maior abertura ao mercado. Isso significa mudanças na avaliação dos cursos, programas e instituições, que passam por lógica mais flexível e mercantil no modo de avaliar a produção acadêmica.
Nesse contexto, a identidade das universidades públicas assume perspectiva mais organizacional, operacional e neoliberal, uma vez que se tornam instâncias mais a serviço do mercado e dos interesses privados. A formação e o conhecimento tornam-se cada vez mais mercadorias, visando a contribuir com as demandas de mercado. Por sua vez, a avaliação do trabalho acadêmico centra-se na burocracia da produtividade, enquanto a ciência se torna mais mercantil e subordinada à economia. Isso implica a retração dos espaços públicos e a mercantilização da gestão e do trabalho acadêmico. Enquanto isso, as relações acadêmicas tornam-se mais competitivas, uma vez que a concorrência atua como força motriz da mercantilização.
A globalização do conhecimento e as mudanças em curso no âmbito da pós-graduação, da pesquisa, das universidades públicas e das políticas na área certamente terão impacto na posição que o Brasil ocupa na produção científica e econômica mundial, uma vez que tende a consolidar uma posição periférica e de subserviência aos países mais ricos. O ajustamento à lógica econômico-produtiva (e financeira) traz implicações para a autonomia institucional, para a liberdade de ensino e pesquisa e mesmo para o papel do professor, pesquisador, intelectual como pensador civilizatório.
Além disso, as universidades públicas no Brasil vivem um contexto de crise financeira decorrente da ausência de condições para sua manutenção, desde a crise instaurada nos últimos anos com cortes de recursos nos programas existentes e com forte impacto nas condições de trabalho e qualidade da produção científica. Tal situação tem resultado numa crise de valores, princípios e gestão em que se amplia a ingerência na administração universitária, ampliando a heteronomia nos assuntos de natureza acadêmica.
De igual modo, a ciência brasileira vive uma forte crise, evidenciada inicialmente, no governo Temer, pelo fim do MCTI ou sua fusão com o MCTIC com redução do orçamento à pesquisa, à pós-graduação e à CT&I. Ocorreram mudanças significativas nas regras do financiamento à pesquisa devido à perda de royalties do petróleo/pré-sal para o fundo social (que não integra o FNDCT), além da aprovação da EC 95/2016, que tende a reduzir os recursos nos próximos 20 anos para a educação, ciência e tecnologia, saúde, etc.
O processo de reconfiguração da pós-graduação e da pesquisa tende a se intensificar ainda mais no governo de Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), iniciado em 2019, sobretudo considerando alguns dos elementos que constam no programa de governo e que vêm sendo ressaltados nesses primeiros tempos de governo: valorização da Educação a Distância; transferência de recursos da Educação Superior para a Educação Básica; estímulo ao empreendedorismo, incentivando parcerias entre pesquisadores e cientistas das universidades com empresas privadas; favorecimento das pesquisas em parceria e com a iniciativa privada; incentivo à pesquisa aplicada, ou seja, com valor intelectual agregado; manutenção da EC 95/2016 e o ajuste fiscal; reforma e ampliação do Ensino Técnico, como alternativa à Educação Superior; extinção das cotas nas IES públicas; intervenção na eleição/nomeação de reitores; incentivo à busca de outras fontes de financiamento para as IES públicas, o que pode incluir a cobrança de mensalidades; redução da autonomia universitária.
O cenário atual indica, pois, o aprofundamento da crise de concepção, de fins, de fomento e de avaliação da ciência, da pesquisa, da pós-graduação e das universidades públicas, dada a adoção da lógica e dos processos de subordinação do trabalho e da gestão acadêmica aos interesses do capital produtivo. Além disso, as concepções e mudanças anunciadas tendem a favorecer a expansão e o lucro do setor privado mercantil e a perda de autonomia na produção do conhecimento acadêmico. Ganha destaque a lógica mercantil e a perspectiva da Educação Superior como mercadoria em detrimento de sua perspectiva como bem público e direito social.