O bolsonarismo se vende para os seus como movimento empoderador e libertário, mas na real é profundamente melancólico: é o gozo da desistência, a celebração da impotência, o triunfo da incapacidade (...) Amazônia? Desmonta o Ministério do Meio ambiente, desmata, queima, anistia. Segurança pública? Dá uma arma para cada um, 550 balas por mês. Rodar nas estradas? Cadeirinha para criança pequena? Tira tudo (...) Pandemia? É 'chuva', vai molhar todo mundo (...)
A Amazônia, o STF, a democracia, os direitos humanos, uma melhor distribuição de renda, a luta contra o racismo, a homofobia e o machismo beneficiam a todos nós. De direita e de esquerda, liberais, socialistas, héteros, gays, brancos, pretos, evangélicos, umbandistas, o MST e a Avenida Faria Lima. O alívio oferecido por essa necropolítica é o alívio do suicida. Da terra arrasada com a qual o bolsonarismo sonha não brotará um mundo novo. Crescerão apenas as ervas daninhas que há séculos impedem o nosso desenvolvimento: agora com muito mais força, pois sem ter que disputar espaço com a extinta flora da civilização. Antonio Prata, A doutrina do "f*d@-se!", Folha de S. Paulo, 12. 07. 2020
Introdução
As evidências da existência de uma grave crise no financiamento do ensino superior federal e da produção científica e tecnológica brasileiros não são recentes. É possível creditar as profundas transformações ocorridas neste nível de ensino e no sistema de ciência e tecnologia, nas últimas décadas, às políticas e reformas institucionais declaradamente indutoras da privatização e comodificação da educação superior da produção do conhecimento. A análise da atual conjuntura brasileira evidencia, no entanto, riscos ainda maiores ao direito à educação superior e à própria existência da universidade pública provocados pelas contrareformas colocadas em curso após o golpe de 2016.
O presente artigo analisa a ascensão da extrema direita no País e a chegada ao poder de seu representante, o deputado federal Jair Bolsonaro, nas eleições presidenciais de 2018. As características do bolsonarismo e do governo de Jair Bolsonaro (2019-), assim como suas proposições e consequências para a educação superior pública e a produção do conhecimento no Brasil. O trabalho partilha a preocupação de entidades representativas dos dirigentes, pesquisadores, docentes e estudantes das universidades e institutos federais em relação ao desmonte do sistema de educação superior pública, em seus mais distintos aspectos, bem como da produção científica, face às medidas econômicas e políticas colocadas em prática, principalmente com a ascensão ao poder político de forças extremamente avessas ao conhecimento científico e à universidade pública.
O entendimento acerca do caráter do bolsonarismo e do governo em curso indica o profundo desprezo pela ciência e pela educação. A análise das proposições para a educação superior, como por exemplo o Future-se, mostra o avanço das políticas privatistas e de comodificação da educação, além de retrocessos na democracia e na autonomia institucional das instituições públicas. O artigo também partilha a preocupação com os efeitos da Emenda Constitucional no. 95/2016 (EC 95/2016), que amplia sobremaneira a crise do financiamento da educação e da ciência & tecnologia.
Fruto de estudos e pesquisas desenvolvidas recentemente, o trabalho se organiza em duas partes: na primeira, são analisadas questões referentes à ascensão ao poder do atual presidente Jair Bolsonaro, as alterações na coalizão eleitoral e na composição de forças com vistas à sustentação do governo, o movimento em direção ao fortalecimento da autocracia, o bolsonarismo e a crise da pandemia do novo coronavírus e, por fim, a relação do governo com a educação e a produção do conhecimento científico. A segunda parte é dedicada a questões referentes ao financiamento das instituições federais de ensino (universidades e institutos federais) e do sistema de ciência e tecnologia na presente administração. A discussão tem como foco os efeitos da EC 95/2016 para o financiamento da educação superior, mas também o contexto de guerra cultural do governo que tem na educação sua máxima expressão.
Por fim, o artigo chama a atenção para o projeto de refuncionalização das universidades públicas pretendida pela guerra cultural do governo Bolsonaro, que pressupõe a destruição da universidade pública como instituição produtora de conhecimento novo e capaz de assegurar a liberdade de cátedra. Proclama que tal propósito será revertido com a constituição de amplas coalizões entre os sindicatos, movimentos sociais, entidades acadêmicas e científicas, coletivos estudantis, setores democráticos, por meio de ampla mobilização, capacidade de luta e de resistência ao projeto ultraneoliberal e direitista vigente.
1. O governo Bolsonaro
O caminho que pavimentou a ascensão de Jair M. Bolsonaro, de deputado sem destaque positivo à presidência da República, tudo indica, iniciou-se com as Manifestações de 2013. Convocadas a partir de pautas que reivindicavam a ampliação de direitos, do Estado do bem-estar social e uma efetiva mobilidade social1, as passeatas foram muito rapidamente convertidas em demonstrações contrárias ao governo e de repúdio ao marco legal da Constituição2 de 1988. O processo desencadeado desde então configurou, na prática, o término do pacto social e político denominado “Nova República”, instalado como resultado de uma transição lenta e gradual da ditadura militar para um regime democrático3.
O Brasil tornou-se desde então uma pseudodemocracia - sobretudo a partir do golpe do impeachment de 2016 que retirou do poder, sem qualquer comprovação de crime de responsabilidade, uma presidenta legitimamente eleita4. Apesar da manutenção de alguns direitos próprios da ordem democrática como a liberdade de expressão, de reunião, de organização e de manifestação, falta o decisivo, a igualdade de condições no jogo político e na competição eleitoral. O partido - vitorioso em quatro eleições sucessivas - que governou o país durante 13 anos (assim como os setores coligados que lhe deram sustentação) foi submetido a um incessante processo de lawfare5.
A representação política, ainda que heterogênea, dos interesses da classe trabalhadora tornou-se o alvo prioritário do aparato repressivo do Estado (Judiciário; Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal, Forças Armadas), em conluio com agências de segurança norte-americanas6. Desencadeou-se uma série de ações “justificadas” por meio de uma campanha de “criminalização” desenvolvida no espaço público pela imprensa corporativa (os grandes jornais, revistas e a totalidade da mídia televisiva) e nas redes sociais por uma poderosa indústria de fake news (financiada por empresários, think tanks, corporações nacionais e estrangeiras).
Esse movimento galvanizou apoio na classe média, no empresariado, na maioria da representação parlamentar no Congresso Nacional e daí em seu órgão consultivo, o TCU. Os seus desdobramentos configuraram uma autêntica “contrarrevolução preventiva”7, cuja compreensão não pode prescindir dos legados da história social do Brasil (a escravidão, a inquisição, o patriarcado, o patrimonialismo) e tampouco das configurações autoritárias recorrentes durante os séculos de predomínio da sociabilidade capitalista8.
No bojo desse processo, Jair Bolsonaro replicou no Brasil o modelo de organização da direita neofascista do hemisfério norte. Para tanto contou com o apoio explicito de think tanks dos EUA como a rede Atlas Network e o Instituto Ludwig von Mises9, de organizações como a American Conservative Union (ACU)10, de teóricos como Matt Schlapp e de Steve Bannon. Este último, operador da empresa Cambridge Analytica, famosa pelas suspeitas de manipulação de dados na eleição de Donald Trump e no Brexit.
A coalizão eleitoral que elegeu Jair M. Bolsonaro foi composta pelos segmentos mais poderosos da política e da economia brasileira. Uma aliança assentada, sobretudo, em dois pontos de um programa comum: excluir ou tornar inoperante a ação da classe trabalhadora, seus partidos e sindicatos; implantar um novo choque, em registro hard, de neoliberalismo11. O acordo em relação a estes dois pontos gerou uma inédita convergência entre a oligarquia política e as diversas frações da classe capitalista, a agrária, a industrial e a financeira; os grupos associados ao setor externo e os voltados para o mercado interno; o grande, o médio e o pequeno empresariado. Essa associação, construída ao longo dos mandatos de Dilma Roussef, cristalizou-se com o golpe que derrubou a presidenta petista, direcionou o governo Temer para a execução de um programa denominado “Ponte para o Futuro” e teve o seu ápice nas eleições12 de 2018.
A coalizão no governo, na impossibilidade de satisfazer essa pletora de interesses heterogêneos e divergentes, manteve-se numa situação de permanente equilíbrio instável. As contradições latentes entre os participantes do “condomínio do golpe” gestaram uma disputa - acirrada e nunca decidida - entre diversos círculos pelo comando na determinação das diretrizes e na condução do governo.
Essa instabilidade estrutural adquiriu novos contornos com a chegada ao país da pandemia do coronavírus. Bolsonaro e seu grupo de seguidores fiéis identificaram na crise sanitária, econômica e social a oportunidade de acelerar o projeto de implantação de um governo autoritário. Esse movimento brusco causou dissensões e fragmentações que intensificaram o processo - já em curso desde a posse - de desagregação do bloco no poder.
A face mais visível desse desdobramento foram a saída do governo do ministro da saúde Henrique Mandetta, uma indicação do DEM e de um expressivo grupo de deputados; e, na sequência, a demissão do ministro Sérgio Moro, representante mor do “lavajatismo” e que conta com apoios expressivos no Judiciário, na mídia corporativa e na classe média tradicional. O deslocamento do sistema político em relação ao governo se fez notar também nas discordâncias sobre as formas de condução da pandemia entre o governo central e a maioria dos governadores e prefeitos.
1.1 O bolsonarismo
A dinâmica da contrarrevolução preventiva engendrou uma série de procedimentos que solaparam paulatinamente as bases institucionais da democracia. O processo iniciado com o desrespeito à letra e ao espírito da Constituição deslegitimou o sistema de contrapesos entre os três poderes, eixo central da democracia moderna, colocando como ameaça no horizonte o bonapartismo ou o neofascismo.
Neste cenário Jair M. Bolsonaro se movimenta no sentido de instaurar um governo (e no limite um regime) autoritário. A dimensão antissistema de seus discursos, sua orientação antiestablishment se cristalizaram na prática como uma negação do marco constitucional da “Nova República”.
Em um jantar na residência do embaixador do Brasil em Washington, em 18 de março de 2019, diante da “nata” da extrema direita norte-americana, no meio de um discurso breve Bolsonaro disse: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo (...) nós temos é que desconstruir muita coisa”13. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujo vídeo foi liberado por uma decisão do ministro do STF Celso de Melo, Bolsonaro prega desobediência aos poderes institucionais e reafirma: “eu quero todo mundo armado”14.
O modelo de poder autoritário visado não tem um figurino determinado. Trata-se de algo a ser definido nos embates com as forças opositoras. É possível, no entanto, identificar simpatias em Bolsonaro e nos integrantes de seu círculo íntimo por várias formas de regime não democrático, o poder soberano do governante do Antigo Regime, o permanente Estado de exceção do nazi-fascismo, a ditadura militar brasileira sob a égide do AI-5.
A resistência à ampliação do poder concentrado nas mãos do presidente tem se intensificado entre parlamentares, veículos da imprensa, movimentos sociais, órgãos da sociedade civil e na cúpula do Poder Judiciário. Com o distanciamento da direita tradicional em relação ao governo Bolsonaro abriu-se caminho para a instalação simultânea de três investigações sobre a indústria de fake news: uma CPI no Congresso Nacional; um inquérito no STF conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes e outra no bojo de ações em trânsito no TSE.
O governo Bolsonaro é sustentado, em última instância, por adeptos incondicionais do autoritarismo e por grupos indiferentes ao exercício dessa forma de poder. Pode se identificar entre seus apoiadores, em outro registro, tanto setores pautados pela busca consciente de interesses econômicos como indivíduos motivados por compensações de ordem psíquica ou imaginária. O bolsonarismo é predominante em basicamente quatro grupos sociais ou culturais: os agentes da repressão, os fundamentalistas religiosos, o empresariado e a classe média tradicional.
Os membros das forças coercitivas (dos generais aos guardas-noturnos), executores do monopólio da violência estatal, reforçaram sua adesão a Bolsonaro quando este escolheu a arma como símbolo de sua campanha eleitoral, sinalizando uma “licença para matar”. O discurso, mesmo que visivelmente hipócrita, do conservadorismo moral atraiu fundamentalistas de todas as religiões. O empresariado visualizou no seu governo a realização da pauta ultraliberal de desmonte de direitos trabalhistas e sociais.
A identificação com Bolsonaro de uma massa de indivíduos (“personalidades autoritárias” presentes em todos os segmentos sociais, embora majoritárias apenas no âmbito da classe média) passa pela mobilização de afetos como o medo, o ódio e o ressentimento social15. Como condutor de um movimento neofascista, ele estimula mecanismos inconscientes valendo-se de um repertório de procedimentos miméticos provenientes de uma tradição iniciada com Mussolini e Hitler e aclimatada no continente no pós-guerra por uma série de agitadores fascistas norte-americanos16. Este arsenal foi recentemente atualizado pela imitação da atitude de pastor no púlpito televisivo e do comportamento do apresentador de programas de auditório. Enquanto Bolsonaro demonstra em “lives” diárias ou semanais o domínio de técnicas radiofônicas e televisivas, seus colaboradores, valendo-se do uso cientificamente programado de algoritmos, disseminam nas redes sociais, toneladas de fake news.
O bolsonarismo frutificou no solo adubado pelo movimento cultural dito pós-modernista e pela reconfiguração da subjetividade e da identidade individual promovida pela sociabilidade neoliberal. Os teóricos do “pós-modernismo” disseminaram a ideia de que qualquer forma de saber, inclusive o discurso científico, constitui apenas uma “narrativa” sujeita à disputa. Assim, embaralhando as esferas dissociadas ao longo da modernidade, transformaram tudo em luta pelo poder, logo, em política (embora se anunciem como uma antipolítica)17. As formas determinantes de configuração das identidades neste período de hegemonia neoliberal hipertrofiaram a ação individual num mundo hobbesiano de “cada um para si” (e deus contra), destruindo os últimos resquícios dos vínculos sociais comunitários18.
O “terraplanismo”, o desprezo pela técnica, pelo especialista, pela ciência e no limite pelo raciocínio e pela ação racional mostrou sua insuficiência de forma inequívoca nas orientações da condução pelo governo da emergência sanitária provocada pela disseminação da Covid-19. O descaso de Bolsonaro diante dos mortos pela pandemia, cristalizado em sua fala19 “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, seu incentivo ao autossacrifício permite inferir que se trata de uma política “genocida”. Assim, na conjunção entrelaçada de diversas crises - sanitária, econômica, política, cultural, social - no solo da “terra devastada” resultante do projeto de desconstrução implantado pelo bolsonarismo ergue-se uma “calamidade triunfal”.
O movimento bolsonarista congrega tendências políticas e ideológicas contraditórias num amálgama impossível de ser unificado. No governo engendra descoordenação administrativa e um equilíbrio instável permanente. Isso é mais patente no Ministério da Educação, cota reservada para o bolsonarismo. Assiste-se lá a um embate - contraposição inexistente nas demais esferas do governo - entre defensores do mercado, os neoliberais que querem privatizar o ensino da creche à pós-graduação, e aqueles que pretendem resguardar o controle estatal.
Para os conservadores dos mais diferentes matizes a educação constitui o campo da batalha decisiva. O sistema estatal de ensino constitui, para eles, um “aparelho ideológico” imprescindível em sua guerra declarada aos valores da modernidade - sintetizados no slogan20 “marxismo cultural”.
2. A educação superior e a produção científica sob o bolsonarismo
O governo francês se orgulha de o orçamento da pesquisa científica ser sagrado e não poder ser reduzido. Só em 2020, ele aumentou R$ 3 bilhões, alcançando R$ 42 bilhões. Outros R$12 bilhões foram vinculados aeroespacial e R$ 81 bilhões exclusivamente para a educação. Estes valores confrontados aos meros R$ 11,8 bilhões do orçamento do MCTIC inteiro são humilhantes! Paula Minoprio (Diretora de Pesquisa do Instituto Pasteur de Paris), Folha de S. Paulo, 29.06.2020.
A perspectiva analítica aqui subjazente compartilha, portanto, a preocupação em relação ao desmonte da educação superior pública, em seus mais distintos aspectos, bem como da produção científica, face às medidas econômicas e políticas colocadas em prática no Brasil, principalmente, com a ascensão ao poder político de forças extremamente avessas ao conhecimento científico e à educação pública democrática e de qualidade social. Com o golpe de 2016 assistimos a uma mudança radical na condução política do País caracterizada pelo profundo desmonte dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários e ao congelamento dos recursos para financiar a saúde e a educação através da Emenda Constitucional n. 95/2016. Essa áspera conjuntura impõe desafios e graves riscos ao direito à educação superior e à própria existência da universidade pública no país.
Importante destacar, no entanto, como o fazem Mancebo e Silva Júnior (2020), os nexos das transformações ocorridas no País com a crise econômica internacional evidenciada em 2008; crise que não somente aprofunda a lógica rentista “sobre as diversas dimensões da vida humana”, mas dá curso à guinada política conservadora em boa parte do mundo. No Brasil, ainda segundo estes autores, o acirramento da crise econômica e política evidencia-se nas manifestações populares massivas ocorridas em junho de 2013. De fato, o ano de 2013 marca uma inflexão a partir da qual são visíveis os retrocessos no financiamento da educação, da ciência e tecnologia e das demais políticas sociais. O duro ajuste fiscal nos gastos públicos visava, sobretudo, garantir o máximo de recursos do fundo público para o pagamento dos juros e encargos da dívida pública.
Após o impeachment sem crime de responsabilidade da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, foi aprovada a contrareforma trabalhista e a referida EC 95/2016, que comprometeu drasticamente as verbas orçamentárias das áreas sociais ao estabelecer um teto declinante das despesas primárias do Estado por vinte anos. Na esfera política, a destituição de Dilma Rousseff possibilitou a ascensão de governos fortemente reacionários, autoritários e que combinam ultraliberalismo com preceitos característicos da extrema-direita e de diferentes formas de fundamentalismo (MANCEBO; SILVA JR., 2020).
A chamada “Emenda do Teto dos Gastos” estabeleceu um “Novo Regime Fiscal” que, conforme analisado por Amaral, (2018) acarretará forte impacto no financiamento da educação superior pública. De fato, tal Emenda determinou que, por vinte anos o orçamento federal ficará restrito ao valor exercido no ano de 2016, corrigido em 7,2% em 2017, e pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) nos anos seguintes. Com isso, criou-se uma “regra de ouro” para os gastos primários federais segundo a qual estes somente podem ser reajustados pelos índices de inflação anual. Acrescente-se, portanto, que, se algum dos órgãos federais descumprir as regras do “teto dos gastos” poderá ser impedido de abrir concursos, contratar novos funcionários e criar novas despesas, dentre outras sanções estabelecidas na EC 95/16.
Em suma, conforme destacado por Rossi e Dweck (2016), o teto dos gastos instituído pela EC 95/16 é, na verdade, um piso deslizante das despesas primárias, ou seja, uma diminuição ao longo do tempo do valor mínimo destinado à educação e à saúde face às receitas de impostos arrecadados e ao Produto Interno Bruto (PIB) do País. Para Martins (2018), na prática a Emenda rompe com o princípio da vinculação constitucional de recursos para a educação assegurado no artigo 212 da Constituição Federal de 1988.
No que diz respeito ao financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) as consequências são draconianas. Com a EC 95/16 não há espaço para a expansão ou sequer para a própria manutenção das IFES. De acordo com os dados divulgados em um documento produzido pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, intitulado “Financiamento da educação superior no Brasil: impasses e perspectivas” (CANZIANI; MARTINS; SANTOS, et al, 2018), há indicação do aprofundamento da crise no financiamento das instituições federais de ensino com repercussões negativas no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 no que diz respeito à expansão do ensino superior público. O referido documento reconhece que, frente à dinâmica estabelecida pela EC 95/16, sequer as despesas básicas terão cobertura orçamentária. É real o fato de que no orçamento das IFES as despesas obrigatórias (pessoal em atividade, aposentados e pensionistas) representam cerca de 90% do orçamento e caso permaneça, como tudo indica, a política de restrição e cortes nos gastos com a educação do atual governo de Jair Bolsonaro, este percentual pode chegar a 95% das despesas restando, desse modo, pouco espaço para ampliação dos gastos com investimento e custeio nas IFES. O quadro apresentado sobre o conjunto das instituições federais indica que as mesmas serão duramente forçadas a aderir e/ou submeter-se às medidas propugnadas pelo atual governo, como por exemplo, o Programa Institutos e Universidades Inovadoras e Empreendedoras - Future-se, a contrareforma administrativa, dentre outras.
Analisando o contexto de ascensão da rede de apoio ao governo Bolsonaro, Leher (2019) coloca em relevo o apoio das principais frações burguesas à EC 95/2016, que “impõe uma lei de ferro sobre os aparatos que incorporam a inteligência no Estado”, o que confirma a conivência dos setores dominantes com a desconstituição das universidades públicas e das instituições de ciência e tecnologia públicas. O governo do presidente Jair Bolsonaro, cujo guru é o autointitulado filosófo Olavo de Carvalho, figura negacionista, terraplanista, antiglobalista e anticomunista, vem desconstruindo praticamente todos “os nichos de inteligência do aparato do Estado”. O método adotado parte da negação dos estudos e dados, a exemplo das críticas feitas às evidências empíricas sistematizadas sobre o desmatamento na Amazônia produzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), seguida da demissão do diretor do Instituto, Ricardo Galvão. O mesmo aconteceu com a tentativa de censura à divulgação dos resultados de pesquisas conduzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pelo então Ministro da Cidadania Osmar Terra, a descaracterização do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), interferências na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a venda da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e de importantes subsidiárias da Petrobrás. Para o referido autor, o desmonte dos aparatos de inteligência do Estado brasileiro é parte da “guerra cultural” do governo Bolsonaro que visa extirpar das universidades e instituições científicas suas heranças iluministas, a autonomia e a produção do pensamento crítico.
As diversas medidas já instituídas ou apresentadas, como o projeto lei que institui o programa Future-se, têm como finalidade explícita sufocar financeiramente as universidades para, então, constrangê-las a aderir ao salve-se quem puder do mercado. Do mesmo modo, as agências de fomento à produção científica, como o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tiveram seus recursos drasticamente reduzidos e os critérios de distribuição ideologicamente redefinidos. O corte de cerca de dez mil bolsas de pós-graduação da Capes é apenas a superfície aparente do projeto destruição das condições para a produção científica nas universidades e Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFETs). Como parte da reforma administrativa, é preciso agregar a proposição de medidas de contenção de gastos como as que visam a suspensão de concursos para a contratação de novos servidores públicos, a redução dos salários dos servidores, o fim da estabilidade, a suspensão das progressões na carreira etc.
Como ressaltado anteriormente, a política de restrição de gastos em curso impõe cortes drásticos nos recursos destinados ao financiamento das universidades e institutos federais, ameaçando o funcionamento e a manutenção dessas instituições. Os cortes atingem significativamente as dotações financeiras destinadas à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) com graves consequências para o funcionamento do sistema nacional de CT&I, conforme denunciado por Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). No entender de Moreira (2018), os cortes comprometem a possibilidade de recuperação econômica, podem afetar a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do país.
Em 2018, o presidente da SBPC demonstrou que o orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) foi 19% menor do que aquele aprovado para 2017. Os valores destinados para custeio e investimento, na ordem de R$ 4,7 bilhões, em termos percentuais significa “25% a menos do que o aprovado inicialmente para 2017 e um terço do que se tinha cinco anos atrás. Ainda segundo Moreira (2018) as agências de fomento como o CNPq, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), as instituições de pesquisa, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o programa dos Institutos Nacionais de C&T (INCTs), assim como, “o apoio geral a projetos de pesquisa e de infraestrutura para os pesquisadores e as instituições de pesquisa brasileiras”, seriam profundamente afetados pelos cortes orçamentários. Os recursos para a Capes também sofreram uma diminuição de 20% em relação ao ano de 2017 (MOREIRA, 2018).
Antes do início da pandemia do novo coronavírus, os indicadores econômicos já sinalizavam a retração da economia brasileira e o baixo crescimento do PIB nacional, à razão de 1,1%, em 2019. Com o aprofundamento da crise econômica, os efeitos sobre a arrecadação de tributos e sobre o PIB serão ainda mais drásticos. A estimativa de déficit primário no Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2020 era de R$ 124 bilhões, conforme divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). O referido Instituto já sinalizava os duros efeitos da EC 95/16 sobre as despesas discricionárias do governo, ou seja, as despesas sem obrigatoriedade legal de investimento como, por exemplo, gastos com CT&I. Do orçamento de 2019 para a PLOA de 2020, como é demonstrado pelo INESC, as despesas discricionárias tiveram seus recursos reduzidos em 13,5%, passando de R$ 102,7 para R$ 89,1 bilhões. Os gastos especificamente com ciência e tecnologia tiveram uma redução de 8,8% no orçamento de 2020 (GERBASE, 2019).
Essas breves considerações têm como objetivo chamar a atenção para as dificuldades com relação ao financiamento da educação e da CT&I que já vínhamos enfrentando antes da pandemia do novo coronavírus e que, certamente, sofrerão ainda mais restrições no futuro próximo. Cabe relembrar os fundamentos anti-iluministas, autocráticos, conservadores e negacionistas do atual governo, que utilizará os efeitos dessa pandemia na área econômica, para aprofundar suas contrareformas ultraneoliberais.
No que diz respeito às universidades e institutos federais, o corte geral no orçamento de 2020 para a educação foi na ordem de 6,7% (GERBASE, 2019), o que por si só já indicava o nível de dificuldades que essas instituições enfrentariam para assegurar minimamente o seu funcionamento. O ano de 2019 foi cenário de grandes manifestações e mobilizações contra a redução de 30% nas verbas para algumas universidades federais, posteriormente estendido para todas as IFES. Tal procedimento foi justificado pelo então ministro da educação Abraham Weintraub como necessário, já que as universidades estariam fazendo “balbúrdia”. A repercussão das grandes manifestações ocorridas em maio e junho de 2019 chamou a atenção da população brasileira para a situação das IFES e conseguiu reverter em parte o contigenciamento de recursos, mas não destituiu o Ministério da Educação (MEC) do seu intento de privatizar e subordinar as universidades federais e os institutos federais aos interesses do mercado.
O governo bolsonarita encaminhou em junho de 2020, pouco antes de Weintraub deixar o Ministério da Educação, a Medida Provisória - MP n. 979, que atribuiu ao Ministro três competências polêmicas e antidemocráticas, a saber: permitia ao titular da pasta nomear reitores pró-tempore em 19 universidades e institutos federais cujos mandatos vão se encerrar em 2020; a revogação da Portaria n. 13/2016, que estimulava a implementação de ações afirmativas para a inclusão de pessoas negras, indígenas e com deficiência na pós-graduação; e o Projeto de Lei - PL n. 3076/2020, que institui o Programa Institutos e Universidades Inovadoras e Empreendedoras - Future-se. Consonantes com a “guerra cultural” bolsonarista, a Medida Provisória 979, a revogação da Portaria e o Future-se são medidas que claramente visavam interferir na autonomia das universidades e dos institutos federais. As duras críticas e a forte mobilização das entidades representativas dos dirigentes, docentes e estudantes das IFES e da sociedade civil possibilitaram a devolução da MP 979 ao MEC pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, por seu caráter declaradamente anticonstitucional. A revogação da Portaria n. 13 produziu fortes criticas em todo o País, inclusive por parte de partidos vinculados aos setores dominantes, tendo o governo recuado de seu intento de interferência nos processos seletivos referentes aos Programas de Pós-Graduação.
Quanto ao Future-se, este foi encaminhado para tramitação no Congresso Nacional no final de maio de 2020, após suas três versões anteriores terem sido criticadas e rejeitadas em manifestações de grande parte dos conselhos universitários e/ou órgãos superiores das IFES e pelas entidades sindicais representativas dos docentes, dos técnicos administrativos em educação e pelas entidades estudantes de todo o País. As análises sobre o Future-se são, em geral, contundentes - ver, dentre outros, GIOLO; LEHER; SGUISSARDI, 2020 - ao indicarem que os vínculos de tal Programa encontra-se inscritos na guerra cultural bolsonarista que “é hostil à ciência, à autonomia universitária e à liberdade de cátedra e reafirma a definição estratégica de refuncionalização das instituições em ‘organizações’ empreendedoras e inovadoras em um ambiente produtivo em que, regra geral, a pesquisa e desenvolvimento (P&D) é escassa, desprovida de originalidade e minguante” (LEHER, 2020).
O Programa Institutos e Universidades Inovadoras e Empreendedoras pretende alterar profundamente o financiamento, a autonomia e a liberdade de cátedra das universidades e institutos federais, ao “criar condições e incentivar que essas instituições busquem fontes privadas adicionais para o financiamento de seus projetos e programas de interesse de universidades e institutos federais; fomentar a cultura empreendedora em projetos e programas destinados ao ensino superior; estimular a internacionalização [subalterna] das universidades e dos institutos federais; e aumentar as taxas de conclusão e os índices de empregabilidade [por meio do autoempreendedorismo] dos egressos de universidades e institutos federais” (MEC; MCTI; ME, 2020).
Desde a divulgação da primeira versão do Future-se em 2019, os estudos têm indicado que as consequências da “adesão” ao Programa serão extremamente danosas para as IFES. Os aspectos elucidados a partir das análises dessa proposta sinalizam, por um lado, a desresponsabilização do Estado com o financiamento das instituições face, principalmente, às restrições orçamentárias impostas pela “regra de ouro” da EC 95/2016. E, por outro, a falta de elementos históricos e conjunturais que apontem para uma maior participação do setor empresarial nacional, quase sempre arredio, ao financiamento da CT&I (LEHER, 2020).
Deve-se ressaltar ainda, conforme aventado em linhas anteriores, que o Programa incidirá de forma negativa na autonomia científica e na gestão das universidades e institutos federais, ameaçando também a liberdade de cátedra. Quando a esses aspectos, ainda segundo Leher (2020), não há segurança de que as instituições, uma vez submetidas ao financiamento privado, terão autonomia na condução de suas pesquisas, assim como na produção e disponibilização do conhecimento por elas gerado. A proposição de que o Programa visa incentivar o empreendedorismo deve ser entendida como o “cimento ideológico que materializa a guerra cultural contra a liberdade de cátedra”, assim como a referência à internacionalização das universidades estaria pautada mais por relações de subordinação do que por relações acadêmicas horizontalizadas. Parafraseando o autor, o Future-se não pode ser analisado fora da lógica da guerra cultural do governo Bolsonaro, trata-se de um projeto que visa, fundamentalmente, “refuncionalizar” a universidade sob a ótica da autocracia, do anticientifismo, da mercantilização e do utilitarismo que norteiam as ações do atual governo.
Enfim, a refuncionalização pretendida pela guerra cultural somente será revertida com a constituição de amplas coalizões entre os sindicatos, movimentos sociais, entidades acadêmicas e científicas, coletivos estudantis, setores democráticos, por meio de ampla mobilização, capacidade de luta e de resistência ao projeto ultraneoliberal e direitista do governo Bolsonaro, que pressupõe a destruição da universidade pública como instituição capaz de assegurar a liberdade de cátedra indispensável para elaborar cenários de futuro alternativos à barbárie de cariz neofascista em curso no país.
Considerações finais
Acreditamos que a transcrição de um pequeno trecho da coluna do jornalista Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo, possam dar conta do que está sendo a administração bolsonarista. No primeiro, datado de 18 de agosto de 2019 escreveu:
"Hospitais, universidades, bolsas de estudo, pesquisas científicas, setores importantes em geral sofrem mutilações letais em seus recursos orçamentários porque 'o Brasil não tem mais dinheiro’. Penúria que não impediu Bolsonaro de conceder R$ 3 bilhões, com a solidariedade de seus ministros civis e militares, na compra e venda para os deputados aprovarem a 'reforma' arrochante da Previdência".
A colunista da mesma Folha, Maria Hermínia Tavares, docente aposentada da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em agosto de 2019 já "desmontava" o Programa Future-se, em sua primeira versão. O título de seu texto, "Proposta amadora", indicava sua postura crítica, salientando que os orçamentos universitários vêm encolhendo desde 2016 e, naquele momento, 30% das dotações para as instituições de educação superior haviam sido contingenciadas. "O Future-se traz mais incertezas do que saídas razoáveis para o nó que tenta desatar (...) Seu cerne é a possibilidade de que o MEC e as universidades, por adesão voluntária, estabeleçam contratos com Organizações Sociais (OS)s, transferindo-lhes atividades administrativas e de gestão de seus recursos". Critica a forma de gestão pelas OSs, o "capítulo bisonho sobre internacionalização" , o comitê gestor pouco definido em sua composição e toca num ponto crucial: "o Future-se é tudo menos claro com relação ao papel do MEC, ao número de OSs envolvidas e às suas relações com a direção das universidades, criando fundado temor de que venha reduzir o poder já limitado de reitores e colegiados universitários".
Uma palavra precisa ser dita, ainda, acerca da indicação de novo Ministro da Educação, pastor presbiteriano, o quarto titular da pasta desde o início desse desastroso governo. Sua escolha procurou contemplar, de algum modo, os grupos de apoio ao bolsonarismo, como os evangélicos e a chamada ala ideológica.
Nesse sentido, renovou-se o Conselho Nacional de Educação (CNE), sendo nomeados, aluno do escritor Olavo de Carvalho, ministro do Superior Tribunal Militar, ex-assessor do MEC, proprietário de universidade privada, dois docentes de instituições de ensino superior públicas, além de diretora do sistema Batista de Educação, dois professores da área de alfabetização e a vice-presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares.
Falar do governo atual, de suas práticas políticas e da maneira como as questões relativas aos Direitos Humanos são concebidas e tratadas nos ocasiona sensação terrível, de desalento e revolta, compatível talvez com os versos de Lucrécio (De rerum natura, V 195-99), que o cineasta Michelangelo Antonioni transcreveu em O fio perigoso das coisas e outras histórias:
"Mesmo ignorando como o mundo teve origem Só de observar o movimento do céu e muitas outras coisas Posso ter certeza de que o mundo não foi criado para nós Por uma vontade divina: tantos são os males que o contém".
Todavia, nosso trabalho não valeria nada ou teria pouca valia se não pudéssemos exercer a função que nos cabe, qual seja, realizar a crítica social, apontar as contradições e os descaminhos vivenciados no presente histórico. Isso nos conduz aos versos do poeta e político português Manuel Alegre, que em seu poema "Trova do vento que passa", nos ilumina:
"Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não"
Pensamos que essa é a nossa tarefa. Pierre Bourdieu (2016, p. 14), dissecando as lógicas dos vários campos sociais aos quais dedicou suas análises, ao estudar o campo científico situou o sociólogo em seu interior, "este pequeno profeta privilegiado e estipendiado pelo Estado", nas palavras de Max Weber. Mesmo pago pelo Estado, ele faz a crítica da sociedade que o circunda, o que para os governantes torna-se praticamente intolerável. Nós, intelectuais, somos pagos pelo Estado para criticar as ações do Estado, executadas pelos detentores do poder político. Daí, em geral, o obscurantismo que caracteriza os mandatários, que boicotam, perseguem e, não raro, eliminam fisicamente seus críticos.
Concluímos com a profunda reflexão de Umberto Eco, em "Por que as universidades?" (2014), em que o pensador italiano pondera: "Não sou ingênuo a ponto de esquecer que o conhecimento não traz automaticamente paz e misericórdia: a história nos mostrou como as pessoas podem amar Brahms ou Goethe e ao mesmo tempo serem capazes de organizar campos de extermínio. Mas essas mesmas pessoas, antes de consumarem a sua solução final, tiveram de perseguir as universidades, uma a uma, subjugar todas as mentes críticas: a universidade sempre representa um perigo para qualquer gênero de ditadura".