Introdução
Este trabalho objetiva refletir sobre possíveis diferenciais nos processos de produção do conhecimento gerados nos cursos superiores vinculados ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agraria (Pronera), na Formação de Educadores e nas Ciências Agrárias, e sobre as potencialidades desse processo para intervir na transformação da realidade social, contribuindo com a materialização do projeto territorial camponês, centrado na desconcentração fundiária, agroecologia e soberania alimentar (TARDIN; GUHUR, 2017). O artigo objetiva também apresentar as investidas do bolsonarismo para destruir o Programa através dos ataques à sua estrutura de funcionamento dentro do Estado e dos cortes de recursos, inviabilizando o seu funcionamento e impedindo a efetivação do direito à Educação Superior dos camponeses.
Pretende-se trazer neste artigo a compreensão de que a educação como um bem público (DIAS SOBRINHO, 2010), direito social e dever do Estado, que recusa frontalmente a ideia da educação como mercadoria, é a base de sustentação da imprescindível necessidade de manutenção das lutas pela democratização do acesso à Educação Superior.
Esta reflexão concentra-se nas consequências da destruição dessa política educacional, tendo como pano de fundo o debate sobre a relação entre a universidade, os movimentos sociais e a produção do conhecimento, estabelecendo um diálogo com as questões sobre a função social da universidade na contemporaneidade, que têm sido colocadas por Roberto Leher (2015; 2019). O autor instiga os leitores a pensarem sobre qual deve ser a função social da universidade no tempo histórico presente, destacando que, no contexto atual do capitalismo dependente, o debate sobre a universidade não pode se manter nos marcos teóricos conceituais do passado.
Leher coloca a questão que se considera central no debate que se pretende fazer neste artigo, ao indagar: “Seriam os movimentos sociais sujeitos estratégicos para o futuro nas universidades públicas?". Atreladas a esta, ele coloca outras duas: “Como os movimentos interagem na produção do conhecimento? E o que particulariza, no tempo presente, a atuação dos movimentos no futuro das instituições universitárias?” (2015, p. 9).
O autor citado destaca que desde a década de 1990, na América Latina, com a consolidação do neoliberalismo e a assunção de um novo bloco no poder formado pelo capital financeiro, pelo agronegócio (OLIVEIRA, 2011) e por empresas exportadoras de commodities, foi deslocado o papel que até então as universidades haviam alcançado nos projetos de desenvolvimento de suas nações. Esse novo bloco de poder, que se consolida em meio à crise estrutural do capital, desempenha esse papel através de um padrão de acumulação muito bem sintetizado por David Harvey (2004) como "acumulação por espoliação", em que são extraídos em nível máximo os recursos naturais e explorada também com intensidade máxima a força de trabalho humana.
Refletindo sobre as consequências desse padrão de acumulação por espoliação, Leher (2015, p. 9) apresenta os dilemas atuais da universidade na América Latina, localizando as contradições a serem enfrentadas por ela em suas produções a partir da crise estrutural do capital, impondo-lhe novas formas de parcerias e acordos que,
[...] longe de serem acordos virtuosos que possam contribuir para o fortalecimento da autonomia universitária, da educação omnilateral e da pesquisa original, comprometida com os grandes problemas dos povos, esses contratos e acordos têm como pressuposto que a universidade deve ter uma função de suporte, de prestadora de serviços materiais e, não menos importante, uma função simbólica, relacionada à governabilidade da ordem social. [...] A indução econômica das corporações e dos governos, por meio de editais, aos projetos de interesse dos setores agro-minerais nas universidades aumentam os conflitos do modelo dito neodesenvolvimentista com os movimentos sociais.
Na mesma direção, Oliveira, Ferreira e Moraes (2015, p. 160) ressaltam que a “maior vinculação entre universidades e as empresas faz parte de um movimento mais amplo de controle e exploração da produção do próprio conhecimento como mercadoria que, juntamente com o movimento de financeirização e desregulamentação”, tem colaborado com a reorganização do capital. Ainda em diálogo com essa questão central, da necessária e imprescindível crítica à transformação da produção do conhecimento na Educação Superior em mercadoria a serviço do capital, Mancebo, Silva Júnior e Schugurensky (2016, p. 219) afirmam que nesse processo a “relevância econômica sobrepõe-se, claramente, à relevância cognitiva, social e cultural do conhecimento”.
Sintetizando esse debate, Leher destaca que se vivencia, cada vez mais, um crescente controle da vida acadêmica pelo capital, e que é necessário à universidade reagir a tais ataques, ressaltando que a reversão do quadro de heteronomia “não será possível nos espaços estritamente universitários e, tampouco, apenas pelos protagonistas diretos da universidade, ou seja, professores, técnicos e estudantes”, alertando exatamente que são os protagonistas das lutas sociais que podem alterar esse quadro, “pois são os movimentos sociais antissistêmicos da atualidade que podem ressignificar o papel e a função social das universidades na contemporaneidade” (LEHER, 2015, p. 11).
Simultaneamente ao processo de destruição que gera, a acumulação por espoliação também coloca os movimentos socioterritoriais (FERNANDES, 2005) camponeses e indígenas no centro das lutas de resistência e emancipação. Tais movimentos de resistência têm assumido o acesso à universidade como parte de suas reivindicações, o que significa grandes desafios epistemológicos à academia.
Contrariando essa lógica destrutiva de máxima apropriação e espoliação da natureza, os camponeses têm historicamente lutado e vivenciado práticas seculares de intensa interação com a natureza, vivendo dela e com ela sem promover sua destruição. Já há um número significativo de estudos e pesquisas que mostram, por exemplo, seu papel na preservação das sementes crioulas e do patrimônio genético das comunidades no cuidado dos recursos hídricos e principalmente na transmissão do patrimônio pedagógico do modo de vida de suas comunidades (TARDIN; GUHUR, 2017).
Procurando enfrentar o intenso processo de desterritorialização (FERNANDES, 2005), que a nova forma de acumulação do capital no campo lhes impõe de forma voraz e acelerada, os camponeses organizados e em luta buscam, no acesso ao conhecimento, novas ferramentas de resistência. Dessas lutas, nascem a Educação do Campo e as políticas públicas conquistadas através dela, sendo o Pronera uma das principais.
Embora tal política abranja diferentes níveis de escolarização, neste artigo objetiva-se apresentar os resultados produzidos pelo Pronera no âmbito da garantia do direito à Educação Superior aos camponeses, com ênfase nos avanços realizados pelo Programa na produção do conhecimento, especialmente no âmbito das Ciências Agrárias e da Formação de Educadores. A escolha dessas áreas se deve às relevantes repercussões que as ações protagonizadas pelos camponeses egressos destes cursos têm produzido nos assentamentos e nas escolas neles localizadas, que vêm materializando a contribuição à construção de um projeto territorial camponês fundamentado na agroecologia e na soberania alimentar.
Tais repercussões foram sistematizadas através dos Relatórios da II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (II PNERA), coordenada pelo IPEA (2015; 2016a; 2016b; 2016c; 2016d; 2016e; 2016f), bem como de teses e dissertações sobre os resultados das ações dos egressos do Pronera. Para expor aqui uma síntese das análises, fez-se uma busca tanto no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes (período 1998-2019) quanto na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações a partir dos seguintes descritores: Pronera; Egressos; Formação de Educadores; Pedagogia da Terra e Pronera; Egressos, Agronomia; Ciências Agrárias; Agroecologia. Partindo desses trabalhos e de suas referências bibliográficas, também foi feita uma busca nos repositórios das Instituições de Ensino Superior (IES) do país. A pesquisa foi realizada entre março e abril de 2020. Foram encontradas 48 teses e dissertações sobre o Pronera e a Formação de Educadores, e 24 pesquisas sobre o Pronera e Ciências Agrárias. Após a leitura dos resumos e conclusões, priorizou-se a análise de 12 pesquisas que tratavam mais diretamente da atuação dos egressos desses cursos nas escolas do campo e 5 pesquisas sobre a sua atuação na organização da produção dos assentamentos, com a intencionalidade de se captar a relação teoria e prática promovida por tais processo de formação.
Na primeira parte, este artigo traz os principais resultados do Programa no âmbito da Educação Superior com base nos dados da II PNERA e de trabalhos recentes publicados por servidores do Incra lotados no Pronera (DIAS, 2020; SOUZA, G. R., 2020; GUEDES, 2020). Apresenta também os resultados encontrados em teses e dissertações produzidas sobre os cursos do Programa nas áreas do conhecimento citadas, com ênfase nas questões epistemológicas suscitadas pelos cursos no tocante a possíveis mudanças na produção do conhecimento na Educação Superior, em decorrência da presença dos sujeitos camponeses que participam dos cursos.
Na segunda parte, são apresentadas reflexões sobre o que se compreende como bolsonarismo para, em seguida, serem trazidas as ações desencadeadas por tal projeto na tentativa de extinguir o Pronera da estrutura estatal. Integrando as reflexões sobre as consequências do bolsonarismo para a desconstrução do Programa e a inviabilização do direito dos camponeses à educação, apresenta-se o histórico dos dados relacionados ao financiamento dessa política pública.
Por fim, na conclusão, são feitas reflexões sobre os avanços encontrados na relação teoria e prática proporcionados pelos cursos do Pronera e suas contribuições à mudança no papel social das universidades, bem como os retrocessos que podem advir das práticas destrutivas do bolsonarismo em direção a essa política.
O Pronera na efetivação do direito à Educação Superior ao campesinato
Em 16 de abril de 2020, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária completou 22 anos. Os êxitos alcançados por essa política educacional forjada pela luta protagonizada pelo campesinato organizado no país, especialmente pelo MST, têm sido registrados por diferentes pesquisas produzidas ao longo de sua história, realizadas tanto em âmbito nacional, como nas edições da I e da II Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária, quanto em centenas de pesquisas de mestrado e doutorado (SOUZA, M. A., 2020) realizadas sobre os cursos ofertados pelo Programa nos diferentes níveis de escolarização e áreas do conhecimento.
A II PNERA, que ocorreu de 2011 a 2014, levantou dados das ações do Pronera no intervalo de 1998 a 2011 e foi realizada articuladamente, envolvendo duas fases: uma quantitativa, que ocorreu de modo censitário e envolveu a coleta de dados em todos os estados brasileiros, e outra fase de caráter qualitativo, que ocorreu de forma amostral.
Na fase qualitativa da II PNERA, foram avaliadas as repercussões do Programa em sete âmbitos diferentes: na vida pessoal dos sujeitos que dele participaram; nas suas famílias e comunidades; nas escolas; nos assentamentos; nas universidades; nos órgãos públicos e nos marcos legais da Educação do Campo. Assim como a fase quantitativa, a fase qualitativa abrangeu todas as regiões brasileiras, tendo sido executada nos seguintes estados: Pará, Maranhão, Paraíba, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná. A seleção dos estados para a fase qualitativa deu-se em função de uma conjunção de variados fatores, entre os quais destacam-se: um alto número de projetos realizados no estado, articulado à oferta de diferentes níveis de escolarização e a uma significativa diversidade de movimentos sociais e sindicais parceiros.
O Pronera já proporcionou o acesso à educação a mais de 190 mil estudantes jovens e adultos das áreas de Reforma Agrária e quilombolas, que se formaram em cursos que vão da alfabetização até a pós-graduação. O Programa tem articulação com mais de 100 instituições educacionais, entre universidades e institutos federais envolvidos na oferta de cursos em mais de 1.000 municípios do país. De 1998 a 2018, conforme dados do Incra, o Pronera garantiu a realização de 512 cursos, formando jovens e adultos em diferentes áreas do conhecimento (DIAS, 2020). A maior parte dos cursos compreendeu a alfabetização e escolarização dos anos inici ais do Ensino Fundamental. No nível médio, destacam-se as modalidades Técnico Concomitante e Integrado. No âmbito da Educação Superior, já foram ofertados pelo Pronera 100 cursos de graduação e 89 de pós-graduação em diferentes especializações e um mestrado profissional, garantindo, no total, a formação de aproximadamente 5.347 estudantes em nível superior. Os cursos superiores foram ofertados em diversas áreas de conhecimento: Pedagogia da Terra; Pedagogia das Águas; Licenciaturas em História, Letras, Geografia, Ciências Sociais e Artes; Jornalismo da Terra; Agronomia; Agroecologia; Direito; Enfermagem; Serviço Social; Medicina Veterinária e Zootecnia.
Os dados levantados pela II PNERA apontaram que no período da pesquisa foram registradas 260 dissertações de mestrado, 63 teses de doutorado e 174 monografias sobre o Pronera, além de 51 livros, 10 coletâneas, 94 capítulos de livros e 469 artigos (IPEA, 2015). É importante destacar que esses números foram sistematizados nacionalmente até 2011, em função do intervalo da II PNERA à época. Embora bastante expressivos, os quantitativos atuais já são bem maiores, em função da ausência de novos dados de âmbito nacional, pois já se passaram nove anos do término da segunda pesquisa nacional sem que tenha sido feita uma atualização dos dados.
O Pronera e a produção do conhecimento na Formação de Educadores e nas Ciências Agrárias
Embora todos os cursos realizados pelo Programa sejam significativos no sentido de materializarem o direito humano à educação para os camponeses, neste artigo, dada a centralidade que eles têm para o projeto de campo almejado pelos camponeses, são apresentadas questões sobre a produção do conhecimento em dois âmbitos específicos de cursos superiores ofertados pelo Programa: os de Formação de Educadores do Campo e os de Ciências Agrárias, que envolvem os cursos de agronomia, agroecologia e os tecnológicos.
Conforme já informado anteriormente, priorizou-se a análise de 12 pesquisas que tratavam mais diretamente da atuação dos egressos desses cursos nas escolas dos assentamentos e acampamentos. Tais cursos, que garantem a formação de educadores camponeses para atuarem nos anos iniciais na Educação Básica das escolas das áreas de Reforma Agrária, foram construindo uma identidade específica, que os tornou conhecidos como “Pedagogia da Terra” (CALDART, 2002), tendo também pesquisas sobre a formação de educadores do campo para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, realizadas pelo Pronera através, por exemplo, dos cursos de Licenciatura em Geografia, História ou Ciências Sociais.
A partir da perspectiva da ênfase à produção do conhecimento gerada a partir dos cursos do Pronera de Formação de Educadores, que têm sido capazes de indicar a contribuição desse conhecimento com o projeto camponês de desenvolvimento, é relevante destacar os resultados de diferentes pesquisas, entre as quais pesquisas de doutorado e mestrado sobre os cursos, que tiveram como objeto de estudo a análise do trabalho desenvolvido por seus egressos nas escolas dos assentamentos e nas comunidades rurais das quais eles se originam.
Foram localizadas teses e dissertações sobre os egressos dos cursos de Formação de Educadores do Pronera apontando que contribuições de suas ações se espraiam em diferentes âmbitos. Há estudos sobre egressos dos cursos de Pedagogia da Terra realizados em diferentes regiões brasileiras (REZENDE, 2010; SIMPLÍCIO, 2011; MORAES, 2011; LIMA, 2013; SILVA, 2013; AMARAL, 2014; SANTOS, 2015; TEIXEIRA, 2015; FERREIRA, 2018; ALMEIDA, 2019). Em alguns estados, como Pará, Paraíba, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, há mais de uma pesquisa sobre os egressos do mesmo curso, realizadas com temporalidades variadas, mas com resultados que dialogam bastante entre si.
Além de terem em comum o trabalho de pesquisa documental e bibliográfica sobre tais cursos, essas produções acadêmicas fizeram pesquisa de campo com técnicas variadas, incluindo entrevistas semiestruturadas, entrevistas livres, rodas de conversa com os egressos e membros das escolas onde se inserem tais educandos, e em algumas produções também entrevistaram gestores e lideranças comunitárias dos locais em que se localizam as escolas nas quais estes atuam.
Antes de serem apresentados os resultados sobre a ação dos egressos nos estados citados, é necessário se dar ênfase a uma situação bastante peculiar encontrada no estado de São Paulo. Teses e dissertações sobre os egressos dos cursos de Pedagogia da Terra relatam que, ao atuar no estado de São Paulo, tais egressos têm tido uma grande dificuldade de inserção nas escolas, estando a maioria dos pesquisados atuando fora delas, embora vinculados a trabalhos na área da educação, por exemplo, atuando na coordenação de Projetos no Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Resultados muito semelhantes sobre a baixa inserção dos egressos dos cursos de Pedagogia da Terra em São Paulo se repetem nos trabalhos de Almeida (2019), Amaral (2014), Teixeira (2015) e Rezende (2010). São dissertações e teses realizadas em diferentes períodos, mas com resultados semelhantes entre si e que se distanciam bastante dos encontrados em outros estados, tanto do Nordeste quanto do Centro-Oeste e Sul.
Os resultados das pesquisas apontam alta inserção dos egressos dos cursos de Pedagogia da Terra nas escolas de assentamentos e acampamentos, havendo escolas com a inserção de muitos egressos, como as dos assentamentos da Paraíba (LIMA, 2013; FERREIRA, 2018), Ceará (SIMPLÍCIO, 2011), Paraná (MORAES, 2011) e de outros estados. Nessas escolas, não sem muitas dificuldades, lutas e disputas com os poderes públicos municipais e estaduais, estão sendo implementadas novas lógicas para a Organização Escolar e Trabalho Pedagógico nas quais se buscam estratégias no sentido de vincular os processos de ensino-aprendizagem vivenciados pelas crianças às lutas e desafios da manutenção do assentamento como um todo e da luta em defesa da Reforma Agrária e da construção de um projeto de campo e de desenvolvimento.
Os resultados encontrados nas pesquisas sobre os egressos indicam um conjunto relevante de repercussões positivas de sua atuação nas escolas das áreas de Reforma Agrária em que eles se inserem. São exemplos desses efeitos: mudanças em práticas pedagógicas que objetivam aproximar mais a escola da comunidade; maior diálogo entre os conteúdos trabalhados e a realidade dos estudantes; inserção de atividades promotoras da auto-organização dos estudantes nos processos pedagógicos das escolas; práticas de trabalhos coletivos interdisciplinares e de estímulo à agroecologia, além de outros. É relevante destacar que esses achados dialogam em grande medida com os resultados encontrados também pela ação dos egressos nos Relatórios de Pesquisa do IPEA sobre a sua atuação nas escolas do campo nos assentamentos pesquisados nos estados do Pará, Maranhão, Paraíba, Ceará, Minas Gerais e Paraná (IPEA, 2016a; 2016b; 2016c; 2016d; 2016e; 2016f).
Salienta-se também que tais transformações não se dão simplesmente como decorrência dos aprendizados alcançados por esses educadores em função de sua presença na Educação Superior, mas principalmente pelo modo como vivenciaram os processos de aprendizagem proporcionados pelo acesso a esse nível de ensino. Além disso, é recorrente nas pesquisas o relato de quão tensos são os encontros das turmas dos cursos do Pronera com as universidades que os acolhem, com um corpo docente heterogêneo, com diferentes concepções de educação e de projetos de sociedade.
Como os educandos dos cursos de Pedagogia da Terra e das Licenciaturas ligadas ao Pronera, em sua maioria, chegam aos cursos vindos de um contexto de forte ligação com os movimentos sociais, em especial com o MST, o maior demandante dos cursos de Formação de Educadores do Pronera, eles já vêm com uma significativa experiência e vivência de processos de luta coletiva e auto-organização, que se refletem no processo organizativo das turmas dentro dos cursos. No trabalho de Santos (2009, p. 120), encontra-se uma síntese do processo que pareceu se repetir em muitos cursos:
Enquanto, no processo de organização metodológica dos educandos, existem possibilidades e indícios de uma prática que possui referências articuladas à formação omnilateal, com intuito de formar valores humanistas e socialistas para a práxis revolucionária, a proposta pedagógica do curso possui uma multiplicidade de referenciais, os quais não possuem coerência com o projeto histórico socialista. É certo que outro elemento importante deve ser considerado: os educandos do curso de Pedagogia da Terra proveem de uma experiência humana que já os constituiu como educadores militantes; experiência da luta social e formação político-pedagógica e docência nas escolas dos acampamentos e assentamentos, que funcionam no âmbito do Movimento, como instrumentos de “despertar” para a consciência crítica, para a organização, bem como para a compreensão do projeto histórico do Movimento Sem Terra. O trabalho no Movimento, como educador e como militante, torna-se uma práxis educativa, a qual também possibilita a formação e a educação da consciência de si como classe. Portanto, a identidade desses educadores militantes possui suas raízes na prática social que desenvolvem nos acampamentos e assentamentos do MST e não se constituiu exatamente no processo de formação desenvolvido no curso, como ficou demonstrado nos depoimentos dos educandos. Com efeito, a formação docente esteve articulada às práticas de luta sociais e militância dos educandos do curso de Pedagogia da Terra, contribuindo para reforçar a função do educador no âmbito do Movimento social como um educador militante, capaz de desenvolver uma relação orgânica com a base.
A reflexão dessa dissertação traz um elemento importante que reforça o argumento central deste artigo: produz-se nesses cursos um novo tipo de conhecimento científico exatamente porque é produzido de forma vinculada às lutas concretas pela transformação social e pela mudança das condições socioeconômicas e das relações sociais. Trata-se de um conhecimento vinculado à luta pela terra e pelas transformações das escolas, buscando superar a lógica hegemônica da escola capitalista, ou seja, exclusão e subordinação das classes trabalhadoras (FREITAS, 1995).
Em outros trabalhos (CORREIA, 2016; SANTOS, 2015) também aparece essa contradição entre as propostas formativas trazidas pela universidade e os conteúdos trazidos para as salas de aula pelos educandos que vivenciam esse processo de formação de maneira indissociável de suas lutas e militâncias na base social de onde provêm, seja em acampamentos ou assentamentos vinculados ao MST ou em outros movimentos sociais que tiveram educandos nos cursos de Pedagogia da Terra, como o MAB, o MPA, PJR, integrantes da Via Campesina (GHEDINI, 2007). Todos eles reforçam o argumento, defendido no trabalho, da importância de articulação entre universidades e movimentos sociais com a perspectiva da necessária recuperação de um sentido ético para os processos de produção do conhecimento, como afirma Leher: "a interação dos movimentos com espaços da universidade, exigindo maior atenção aos problemas vividos pelo povo, fortalece os setores críticos no espaço acadêmico comodificado, que, assim, têm suas pesquisas legitimadas pelas demandas sociais" (2015, p. 12).
Esse processo de formação que articula o acesso do conhecimento científico à luta social produz um conhecimento de novo tipo, que se integra na transformação da realidade desses sujeitos. As teses e dissertações lidas explicitam que os processos formativos desencadeados pelo Pronera, em razão de promoverem uma articulação intrínseca entre a universidade e os movimentos sociais, desencadeiam mudanças em ambos os polos que se refletem na própria ciência. A formação docente que ocorre nesse complexo processo envolvendo os Tempos Universidade e os Tempos Comunidade com as lutas sócio territoriais protagonizadas pelos sujeitos coletivos de direito vindos do campo materializa, na verdade, uma formação baseada na Filosofia da Práxis. Fundamentada em Marx, tal concepção compreende que não se pode separar o pensar do agir, o mundo material da esfera das ideias. Em Gramsci (1999) também se encontra uma homologia entre a formação da vontade do indivíduo e a construção de um projeto de sociedade. Para o filósofo italiano, a Filosofia da Práxis é a
[...] atividade teórico-política e histórico-social dos grupos "subalternos" que procuram desenvolver uma visão de mundo global e um programa preciso de ação dentro do contexto em que vivem com os meios que têm à disposição, visando construir um projeto hegemônico alternativo de sociedade (SEMERARO, 2005, p. 31).
Ainda em diálogo com a ideia de centralidade dos cursos do Pronera, de promoverem uma formação crítica objetivando uma ação docente transformadora, retoma-se aqui a compreensão de Vásquez, quando afirma que a práxis contém as dimensões do conhecer (atividade teórica) e do transformar (atividade prática), ou seja, teoria e prática são indissociáveis: “[...] fora dela fica a atividade teórica que não se materializa [...] por outro lado, não há práxis como atividade puramente material, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica (VÁZQUEZ, 2007, p. 108).
Considera-se relevante destacar o conhecimento que vem sendo gerado nesses cursos e que ajuda a construir um novo projeto de campo, porque a concepção de produção de conhecimento que os embasa alia teoria e prática, entendendo-as como um contínuo indissociável na ação dos sujeitos que são formados nos cursos, sendo eles próprios não só capazes de pensar criticamente as práticas que produzem, mas fundamentalmente de voltar às teorias, refazendo-as, transformando-se, de fato, em sujeitos de práxis.
Portanto, de acordo com Sá e Molina (2010), há a intencionalidade dos alunos que participam dos cursos do Pronera de romper com a lógica científica positivista, já que o conhecimento demandado no vínculo teoria e ação política é de natureza eminentemente práxica, impõe um novo modo de construção do conhecimento. Nesse sentido, é preciso enfrentar a tensão existente entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos sujeitos do campo a partir de uma visão objetiva sobre quem está produzindo conhecimento na Educação Superior, sujeitos nos cursos e na pesquisa, e como se apropriam e reorganizam o conhecimento. Não se trata de traduzir o pensamento do outro na linguagem científica, não se trata apenas de valorizar e respeitar, são diferentes dimensões de construção do real que passam por linguagens e práticas diferenciadas, são sujeitos com militâncias e perspectivas de vida diferenciadas. Portanto, é indispensável considerar o conhecimento produzido no modo de vida dos povos do campo e na práxis dos movimentos sociais. O confronto entre os projetos de sociedade exige que os trabalhadores não apenas dominem o conhecimento da ciência, mas que não abandonem outras referências de produção de conhecimento construídas nas próprias práticas e lutas sociais (SÁ; MOLINA, 2010).
Nessa mesma direção, a análise do processo de produção do conhecimento gerado nos cursos da área de Ciências Agrárias requer a observação do “fenômeno na sua totalidade, nas suas contradições e no que anuncia de novo, no que constitui sua unidade e que lhe confere um caráter programático" (SANTOS, 2017, p. 30).
Buscou-se compreender nas pesquisas como os processos se desenvolveram sustentados por um arcabouço teórico a amparar uma concepção de formação humana vinculada aos processos produtivos, ou seja, vinculada aos processos de trabalho na perspectiva de um projeto emancipatório de campo e desenvolvimento, embora se saiba que todo e qualquer processo estará submetido às contradições antagônicas inerentes a um sistema cujo interesse se reduz à formação necessária para a produção e reprodução da ordem do capital (SANTOS, 2017, p. 30).
A pesquisa “O campo, entre arame e o arado: contribuições do Pronera-IFMA para o desenvolvimento socioespacial no município de Arame-MA” (COSTA, 2017), sobre um curso do Programa, implementado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) para 240 jovens assentados maranhenses de áreas da Reforma Agrária, buscou identificar as principais práticas e ações adotadas pelo Pronera-IFMA, com o intuito de formá-los como sujeitos importantes nas estratégias de desenvolvimento sustentável do campo.
A pesquisa encontrou fortes evidências de como um processo formativo pode contribuir para um projeto de campo com significativas transformações, ainda que sempre limitadas, mudanças com potencial estruturante de novas práticas e nova consciência sobre o uso consciente da terra e a promoção da autonomia às famílias, de forma a possibilitar novos conhecimentos de agricultura, como o plantio de frutas e verduras nas suas comunidades. Tais mudanças, realizadas com a abordagem agroecológica, começam a interferir de modo positivo na vida das pessoas, em especial quanto ao meio ambiente e à necessidade de protegê-lo e preservá-lo, valorizando a agricultura familiar.
A pesquisa “Pronera, educação técnico-profissional e Reforma Agrária Popular: um estudo na perspectiva do projeto formativo vinculado aos processos produtivos dos camponeses” (SANTOS, 2016) analisou os resultados de 6 Cursos de Educação Técnico-Profissional e Tecnologia em Agroecologia ofertados pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) para assentados(as) do Território do Cantuquiriguaçu-PR. Concluiu-se que ali se formou uma base técnica camponesa com alto nível de conhecimento e capacidade organizativa que teve como resultado profundas transformações nas comunidades assentadas e, consequentemente, no desenvolvimento econômico e social da região.
Os projetos pedagógicos dos cursos foram uma construção coletiva com o Setor de Educação e Produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As repercussões foram observadas nas múltiplas dimensões da vida e da organização do trabalho, tais como: cooperativa de leite agroecológico; cooperativa de panificação dirigida pelas mulheres; inserção das cooperativas nos programas governamentais de compras institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além da forte integração desses processos com as escolas conquistadas na região. Ademais, houve a conquista de um campus da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), construído dentro de uma área de assentamento no município de Laranjeiras do Sul.
Projetos como esses tensionam o projeto dominante, especialmente quando elaborados e protagonizados pelos(as) próprios(as) camponeses e suas organizações, porque atuam sobre os elementos que organizam a superação da ordem do capital a partir de um “projeto formativo dos camponeses em torno de um projeto de campo onde o próprio modo de organizar o trabalho e os processos produtivos sejam formadores de uma nova ordem" (SANTOS, 2017, p. 33).
Vasconcelos (2015) desenvolveu sua pesquisa de doutorado, “Desafios da educação crítica nas Ciências Agrárias: possibilidades e limites na versão Residência Agrária UFPB”, sobre o Curso de Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo da UFPB - Residência Agrária, buscando a concepção de educação e os processos formativos dos(as) profissionais para uma atuação na agricultura familiar camponesa na região. Entre outros objetivos, a pesquisa buscou analisar as percepções dos egressos acerca dos processos educativos do curso e de suas atuações no campo, realizando um total de 16 entrevistas. Todos(as) os(as) entrevistados(as) estão atuando na agricultura familiar camponesa, vinculados a ONGs ou escolas do campo, desenvolvendo metodologias de trabalho que reconhecem e valorizam os saberes dos agricultores. O curso contribuiu para uma formação crítica e reafirmou compromissos dos(as) educadores(as) e técnicos(as) com o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, contribuindo para o desenvolvimento de seus territórios.
Na tese de doutorado “Diálogos e aprendizagens na formação em agronomia para assentados”, Scalabrin (2011) investiga o Curso de Agronomia na formação de assentados da Universidade Federal do Pará, Campus Marabá, por demanda e parceria com movimentos sociais da região Norte do país, com o propósito de compreender as aprendizagens (produção do conhecimento) construídas na organização e realizadas no curso.
Com participação de 60 estudantes de um território marcado por conflitos pela terra, com cerca de 80 mil famílias assentadas, a mobilização dos movimentos sociais em direção à universidade partiu da reflexão e compreensão de que os profissionais de assistência técnica oriundos de outras regiões do país demoravam a entender o bioma, o clima, a hidrografia, as demandas, as especificidades e a realidade da mesorregião, provocando tensões e conflitos entre eles e as comunidades, prejudicando os projetos de desenvolvimento. O curso estava desafiado a construir com os(as) camponeses(as) um conhecimento mais aprofundado sobre um sistema de produção adequado para o sudeste do Pará.
Zart (2012) investigou o processo de interação da universidade com os Movimentos Sociais do Campo e as possibilidades da produção social do conhecimento na tese de doutorado “Produção social do conhecimento na experiência do Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo (CAMOSC): interação da Unemat e de movimentos sociais do campo". Referenciado nos conceitos de pesquisa-ação e ecologia dos saberes, Zart investigou a inter-relação e a dialogicidade entre saberes distintos (o científico e o da experiência camponesa) na perspectiva de epistemologias adequadas para as relações societais camponesas.
O curso foi instituído para atender demandas oriundas de Movimentos Sociais do Campo (MSC) de Rondônia, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Minas Gerais, que compõem o bioma cerrado, uma região de nítida vocação agropecuária, extensas áreas agricultáveis, milhares de famílias em centenas de assentamentos de Reforma Agrária e uma imensa diversidade biológica. O desafio do curso foi a necessária conjugação de desenvolvimento socioeconômico aliado à proteção e conservação ambiental. A sua ênfase em agroecologia e socioeconomia solidária a partir das necessidades trazidas pelos MSCs foi objeto de um longo e tenso processo interno na própria Universidade.
Dos resultados dessas pesquisas, é possível identificar alguns elementos estruturantes comuns a todas, que compõem o que se denomina de um novo modo de produção do conhecimento tendo como eixo um projeto emancipatório de desenvolvimento do campo, protagonizado pelos(as) camponeses(as) a partir das lutas e conquistas da Reforma Agrária.
Esse novo modo de produção do conhecimento parte do princípio de que os(as) camponeses(as) trazem para a universidade uma carga de experiências de trabalho com a terra e seu manejo, e durante o processo de formação acadêmica tiveram a possibilidade de se voltar para a prática com domínio técnico, construindo explicações científicas para melhor intervir na sua realidade. A base da agroecologia, a valorização da cultura camponesa integrada ao desenvolvimento intelectual, técnico e científico desafiaram os(as) camponeses(as) a desenvolver experimentos na perspectiva de consolidar a matriz técnico-científica agroecológica adequada à característica de cada região. Dessa forma, concretizaram nos projetos o princípio da práxis na relação indissociável entre trabalho e cultura, elementos ontológicos do ser humano.
2.1 As tentativas de destruição do Pronera pelo bolsonarismo
Os resultados do Pronera demonstram a robustez de uma política pública que reúne ampla capilaridade e capacidade de inserção no território nacional por meio das instituições de ensino, envolvendo os sujeitos da Reforma Agrária e organizações sociais populares historicamente alijadas do espectro mais amplo da política educacional, como foram os camponeses e quilombolas. Tais resultados, no entanto, não carregam força suficiente para que o Pronera não sofra severas ameaças à sua continuidade no contexto do atual governo.
Só é possível compreender o presente contexto de desestruturação do Pronera com o olhar voltado para a história recente para compreender como essa lógica destrutiva vem demarcando todas as políticas públicas que dialogam com categorias como direito, diversidade e controle social, conceitos estruturantes de uma sociedade democrática. A perspectiva de análise aqui é a da totalidade dos complexos processos e fenômenos que compõem a realidade, para compreender de forma coerente o fenômeno analisado.
No período entre 1988 (promulgação da Constituição Federal) e 2016 (Golpe midiático-jurídico-parlamentar), foram fundadas as bases sobre as quais foi possível reconstituir e tecer, ainda que contraditoriamente, uma rede sólida que denominamos sociedade democrática com base naquelas categorias estruturantes, porque todos os processos políticos das mais distintas sociedades, inclusive as totalitárias, carregam igualmente a categoria da contradição na sua própria natureza.
O Golpe de 2016 deu posse ao Vice-Presidente Michel Temer (2016-2018), sucedido em 2019 por Jair Messias Bolsonaro, representante da extrema-direita brasileira e que tem como plano de governo fortalecer o agronegócio em detrimento do direito constitucional a uma política para a Reforma Agrária no Brasil. Nesse particular, desde a posse do governo Bolsonaro, opera-se um desmonte dos instrumentos de gestão, como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a subordinação do Incra ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Decreto 10.252/20201 altera profundamente as competências do Incra, anulando-as na formulação política em relação a vistoria, seleção de famílias para assentamentos e destinação das terras públicas para a Reforma Agrária.
Desmonte e desconstrução são os dois termos que resumem o regime político a que foi submetido o Brasil desde a eleição de Bolsonaro. Desmonte de políticas instituídas com base em diálogo e concertação que duraram décadas, atravessadas por legítimos conflitos entre interesses da sociedade civil organizada, representações do polo do trabalho e do polo do capital, agentes do Estado e governos (CARVALHO, 2008).
Desmonte de conquistas civilizatórias com o intuito central de desconstruir direitos sociais e políticos do povo. Desmonte da instituição da Presidência da República e sua transformação em instituição de ódio contra o povo e suas organizações, para dividi-lo e torná-lo manipulável e vulnerável à ação da perseguição, do medo e do terror que se evidenciam em ações de grupos direitistas coordenados pelo próprio Presidente e sua família (MARTINS, 2020, p. 3).
Desconstrução da legitimidade da existência de organizações populares, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e das próprias instituições do Estado, como o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, a partir do frenético sequestro da pauta política do país por meios digitais que pautam debates em torno de batalhas reais e batalhas irreais que nascem forjadas e se tornam reais. O povo brasileiro é diariamente invadido por questões nascidas dessa "racionalidade", e sua veloz propagação irradia um falso poder a uma ideia ou uma causa que, na verdade, estas não têm, mas forjam.
São ameaças reais e cotidianas à democracia, que vão se consolidando com a assunção de uma aliança constituída por conservadores, neoliberais e militares, com a adição de um fato relevante da história política brasileira: a cristalização de um eleitorado de extrema-direita que impôs uma derrota devastadora do centro e da esquerda nas eleições de 2018.
Freitas (2020) nomeia o regime com base nessa aliança de populismo autoritário. Neste, segundo o autor, "os líderes populistas atuam de forma a ir derrubando as restrições à ação dos ocupantes do Poder Executivo [...] e somente eles têm a capacidade para restabelecer a segurança do 'povo', povo este que se resume na sua 'tribo' - ou seja, aqueles que os apoiam".
Os valores autoritários misturados à retórica populista podem ser vistos como uma combinação perigosa para alimentar o culto ao medo. A retórica populista direciona as queixas tribais "para cima" contra as elites, alimentando a desconfiança em políticos, considerados por eles "corruptos"; da mídia, acusada de "fake" e de juízes, vistos como "tendenciosos", bem como partidos tradicionais “fora de seu alcance”, atacando a verdade e corroendo a fé na democracia liberal (NORRIS; INGLEHART, 2019 apudFREITAS, 2020).
Em virtude de não se dispor (ainda) de estudos consolidados acerca do regime instituído por Bolsonaro, embora se elaborem aproximações sobre sua natureza, recorre-se à literatura da ciência política e da economia política para uma compreensão ampla do fenômeno do bolsonarismo, uma vez que abarca sua natureza política, mas também seu projeto social e sua racionalidade.
Levitsky e Ziblat (2018, p. 79), ao estudarem uma série de países que sofreram processos de erosão de suas democracias, sugerem que a ruptura democrática não precisa de um plano, mas pode resultar de uma sequência de acontecimentos, como “uma escalada de retaliações entre um líder demagógico que não obedece às regras e um establishment político ameaçado”. O líder considera seus críticos como inimigos que devem ser eliminados, o que tende a polarizar a sociedade, “criando uma atmosfera de pânico, hostilidade e desconfiança mútua". É o que vive a sociedade brasileira.
O processo de construção e de consolidação desse tipo de poder no Brasil também está de acordo com a metáfora de uma partida de futebol, de acordo com Levitsky e Ziblat (2018, p. 81). “Autoritários potenciais têm de tirar da partida pelo menos algumas das estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo e virando a situação do jogo contra seus oponentes”. Eis uma adequada ilustração do que se passou no Brasil com o fenômeno da Lava Jato e a consequente condenação e inelegibilidade de Lula, excluindo-o do campeonato eleitoral de 2018.
A escalada autoritária do atual regime brasileiro está relacionada a uma racionalidade econômica que, tal como analisado por Freitas (2020), inclui o componente liberal da aliança de poder em vigor, razão pela qual se sustenta. Não o liberalismo clássico, mas o neoliberalismo, que é necessário compreender, pois não se trata de simples continuidade do primeiro.
Para Dardot e Laval (2016, p. 16-17),
[...] a racionalidade neoliberal tem como característica principal a generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação [...] impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição generalizada, [...] ordena as relações sociais segundo o modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se como uma empresa.
Segundo os autores, esse é um sistema de normas que “hoje estão profundamente inscritas nas práticas governamentais, nas políticas institucionais e nos estilos gerenciais” (p. 30), o que se pode inferir das práticas do governo atual em relação às políticas educacionais no caso em questão.
O desmonte e a desconstrução das políticas para eliminar direitos sociais e políticos do povo se manifestam na atual desestruturação do Pronera. Sua natureza e seu modelo de gestão participativa envolvendo diretamente os sujeitos do Programa de Reforma Agrária se revelam um contrassenso do ponto de vista do novo sistema de normas instituído, devendo, portanto, ser eliminado. Senão eliminado, reduzido ao máximo nas suas condições objetivas de operacionalização.
Uma das primeiras medidas do atual governo foi a revogação, por meio do Decreto nº 9.759/20192, de todas as portarias que instituíam comissões, conselhos e outros mecanismos de participação da sociedade em órgãos de governo. Por esse Decreto, resultou extinta a Comissão Pedagógica Nacional do Pronera, instância de decisão sobre projetos a serem apoiados pelo Programa e que reunia instituições de ensino, movimentos sociais e sindicais do campo e o Incra.
O Decreto 10.252/20203, que alterou a estrutura do Incra, extinguiu a Coordenação-Geral de Educação do Campo, instância de gestão do Pronera. Ignorou que o Programa, nos seus 20 anos de vigência, estava instituído no ordenamento jurídico do Estado brasileiro por lei ordinária aprovada no Congresso Nacional e pelo Decreto Presidencial 7.352/20104, que instituiu a Política Nacional de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
Uma potente mobilização coordenada pelo Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), com o apoio de parlamentares e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, impuseram um recuo do governo. Este publicou novo decreto, reinserindo o Pronera na estrutura regimental do Incra, porém rebaixando-o a uma instância inferior, que reúne os resíduos das políticas de desenvolvimento de assentamentos e inclusão de populações camponesas à vida social e política do país, tais como os programas de assistência técnica, agroecologia e documentação da trabalhadora rural.
Para além do desmonte dentro da estrutura estatal, outra estratégia que tem sido usada pelo bolsonarismo para a destruição do Pronera e do que ele significa em termos de democratização do direito à educação dos camponeses e quilombolas tem sido o estrangulamento do Programa pela ausência de fundos públicos que garantam sua continuidade. Sendo o financiamento uma dimensão central da própria existência e, ao mesmo tempo, da análise de uma política pública, julga-se extremamente relevante a recomposição do histórico de financiamento do Pronera até o momento, para termos mais elementos de análise das consequências do bolsonarismo sobre tal política.
2.2 O financiamento do Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária
No âmbito do financiamento, é necessário destacar e reforçar que o Pronera nasceu e foi construído a partir da reivindicação dos povos do campo, na contramão das políticas compensatórios neoliberais, com orçamento específico, ou seja, não vinculado às obrigatoriedades dos 18% de receita resultante de impostos, a ser aplicado pela União na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, conforme preconiza o art. 212 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Os fundos públicos conquistados para a execução do Pronera integram as lutas dos movimentos para viabilizar políticas públicas que contribuam com a materialização do campo brasileiro nos termos do paradigma da Questão Agrária (FERNANDES, 2003, p. 337), políticas voltadas para o desenvolvimento dos territórios camponeses numa perspectiva autônoma. Dessa forma, as lutas por efetivá-las, desde a construção do pensamento pedagógico do Programa até o uso dos recursos financeiros em seus projetos, são permeadas por processos de disputas contra-hegemônicas no cenário da educação brasileira.
Para destacar essas disputas, são pautadas nesta seção as análises em relação à Educação Superior brasileira, que vem sofrendo um processo de privatização crescente nos últimos 25 anos, desde a gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), com o “modelo neoliberal” conceituado por Sader (2008) como a fase do capitalismo em que “tudo se vende, tudo se compra, tudo tem preço". O setor da Educação sofreu fortes consequências a partir da reforma econômica para ajuste a esse modelo, cujas ações estão descritas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado5, de 1995, documento que registrou as várias proposições de mudanças compreendidas por Bresser-Pereira, diminuindo a responsabilidade do Estado em promover o desenvolvimento econômico e social para apenas regular essas ações.
No caso da Educação Superior brasileira, basta olhar os dados estatísticos para se perceber o impacto das privatizações na expansão desse nível de ensino nos últimos 25 anos. O Brasil saltou de 690.450 matrículas no setor público e 970.584 no setor privado em 1994 para 2.077.481 no setor público e 6.373.274 em instituições privadas no ano de 2018. É um crescimento exponencial de mais de 600% para o setor privado, que atualmente, conforme Mancebo (2019), concentra mais de 75% do número de matrículas na Educação Superior. Silva Júnior e Sguissardi (2011) apontam que, numa sociedade com o modelo de desenvolvimento capitalista, produtor de alto grau de desigualdade, a concentração de oferta de serviços no setor privado acirra ainda mais as desigualdades. O Brasil, ao longo da sua recente história, tem negado o acesso, a massificação e a universalização da Educação Superior, especialmente para a população nas faixas de renda média e baixa.
Em sua tese de doutorado, Kuhn (2015, p. 72) apresenta uma análise do Pronera como política pública, na qual os dados orçamentários do período de 2001 a 2011 indicaram baixa execução diante das reais necessidades do Programa. No entanto, ao analisar estes dados, mesmo não suprindo as expectativas do Plano Nacional de Reforma Agrária elaborado para o governo Lula, é fundamental destacar que são estes 10 primeiros anos que dão início e estruturam todas as políticas que fomentam a Educação do Campo.
Dando sequência àquela série histórica do orçamento do Programa, foram levantados para este artigo os dados que dizem respeito ao financiamento do Pronera nos últimos 9 anos. Na tabela a seguir, apontam-se os valores previstos e os efetivamente pagos ao Pronera na Lei Orçamentária Anual (LOA) dos anos de 2010 a 2019.
Ano | Lei + crédito autorizado no orçamento (R$) | Pagos (R$) |
---|---|---|
2010 | 28.154.912 | 8.833.323 |
2011 | 31.000.000 | 8.174.538 |
2013 | 30.600.000 | 16.695.280 |
2014 | 34.500.000 | 17.941.377 |
2015 | 32.550.000 | 11.809.261 |
2016 | 27.027.196 | 13.128.960 |
2017 | 14.800.000 | 5.727.838 |
2018 | 19.675.812 | 4.450.627 |
2019 | 8.350.000 | 2.677.575 |
Fonte: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/loa.
Como é possível observar, na coluna "lei + crédito autorizado no orçamento", no período de 2011 a 2016, durante o governo Dilma Rousseff, foram autorizados os maiores orçamentos para as ações do Pronera, sendo também o período em que o orçamento foi “liquidado”, ou seja, pago na mais alta proporção. No ano de 2017, logo após o golpe de Estado, esse orçamento autorizado caiu quase pela metade, de R$ 27.027.196,00 para R$ 14.800.000,00, sendo executados apenas R$ 5.727.838,00, ou seja, 39% do que havia sido autorizado. Em 2018 a autorização foi de R$ 19.675.812,00, mas o valor efetivamente pago foi somente de R$ 4.450.627,00. Por fim, em 2019 essa autorização foi cortada em mais de 60% e pagos apenas R$ 2.677.575,00.
A execução orçamentária do Pronera nos últimos 9 anos revela uma queda acentuada de investimentos, que se traduziu em significativo freio à oferta de novos cursos e grande dificuldade de funcionamento dos que estavam em execução, intensificando ainda mais os entraves para a diminuição das desigualdades sociais e regionais da Educação Brasileira. O país possui riqueza para promover esse salto, porém com enormes desafios para pensar a qualidade da educação (AMARAL, 2010), o que causa uma profunda inquietação, pois o investimento nessa área é fundamental. Quando se olha para essa perspectiva no âmbito da Educação do Campo, percebe-se que o objetivo do governo atual é a sua inviabilização, não só pela redução de seu espaço e funcionamento na máquina pública, mas sobretudo pela escassez dos fundos públicos a ela destinados.
Considerações finais
De acordo com dados do Incra, em 2020 o Pronera tem em andamento 40 cursos, com 2.644 educandos: 34 são de nível superior, dos quais 29 graduações e 5 especializações. Os recursos necessários à manutenção dos cursos que estão em andamento para o corrente ano são de R$ 11.391.660,07, porém estão previstos na LOA para o Incra somente R$ 2.942.131,00, o que impõe ao Pronera um déficit de R$ 8.449.529,07. Percebe-se uma clara intencionalidade de estrangular financeiramente as universidades que se desafiam a manter as parcerias com os movimentos sociais, criando imensas dificuldades para que possam seguir a oferta desses processos formativos.
Os coordenadores desses cursos nas universidades, em parceria com os movimentos sociais e sindicais, vêm enfrentando bravamente a situação, buscando todas as alternativas possíveis, através de parcerias com outros cursos, com departamentos e faculdades das IESs, para que os cursos não sejam totalmente interrompidos. Também se tem recorrido à articulação de emendas parlamenteares para buscar a continuidade do financiamento das turmas em andamento. Os movimentos parceiros se desdobram em busca de alternativas para garantir solidariamente a hospedagem e a alimentação dos estudantes, assumindo o compromisso de não interromper a continuidade das graduações, mesmo sem recursos. A ação dos movimentos indica a clareza que eles têm da importância de manterem as parcerias com as universidades e de seguirem firmes no seu projeto de garantir o acesso ao conhecimento científico e à Educação Superior como ferramentas necessárias à construção do projeto territorial camponês.
A leitura das teses e dissertações, tanto na Formação de Educadores quanto nas Ciências Agrárias, explicita dois diferenciais que têm exercido significativa influência nos modos de produção de conhecimento realizados pelos cursos do Pronera na Educação Superior. O primeiro diz respeito aos próprios sujeitos que dele participam: são camponeses e camponesas que chegam à universidade já com experiências anteriores de luta e organização social, integrados a processos formativos de construção de outro projeto de campo, vinculados à própria luta pela Reforma Agrária e pela transformação da sociedade. O segundo diferencial são os processos de formação desses cursos superiores, realizados através da alternância pedagógica, integrando o tempo universidade e o tempo comunidade, com a potencialidade de trazer as contradições e desafios concretos vivenciados pelos educandos para os processos de aprendizagem realizados nos cursos. Nas teses e dissertações é constatado o potencial de trazer a realidade e a materialidade vivida pelos educandos do Pronera para os processos de produção de conhecimento que se desenvolvem nos cursos, alargando tais processos, exigindo sua vinculação com a realidade vivenciada em cada território, comunidade e escola pelos sujeitos camponeses em formação.
As características comuns dos cursos, ligadas aos sujeitos camponeses que deles participam e às suas vivências anteriores de inserção em processos de lutas coletivas de transformação social, impactam os processos de produção de conhecimento científico que desenvolvem, pois acabam por privilegiar a apreensão da materialidade da vida real a partir de uma perspectiva relacional. Evita-se, assim, uma leitura da realidade determinada por estruturas sem sujeito ou fragmentada em múltiplos agentes em ação desconexa. Além disso, em muitos casos essas relações expressam determinações teóricas e históricas fundamentais na busca da construção da totalidade colocada como horizonte do processo de produção de conhecimento desenvolvido nos cursos ligados ao Pronera.
Segundo afirmam Molina et al. (2017), essa concepção de produção do conhecimento, que privilegia leituras relacionais de construção da totalidade, nos permite tanto identificar as determinações fundamentais que a explicam como captar o seu movimento contraditório enquanto tendência geral que aprofunda a compreensão de cada uma dessas relações constituintes. Dessa forma, a totalidade não se coloca como uma síntese homogeneizadora, mas como a expressão articuladora de uma heterogeneidade de processos e de sujeitos que a compõem e a transformam permanentemente. Portanto, reforça-se a possibilidade de que os cursos possam produzir conhecimento para a interpretação crítica da realidade contemporânea, em especial dos processos formativos no campo, tanto os escolares quanto os ligados à própria produção material da vida, podendo, através desses processos, simultaneamente reconhecer e fortalecer politicamente os sujeitos capazes de transformar essa mesma realidade.
Leher (2015, p. 5) destaca que as lutas sociais contra os efeitos do agronegócio e de sua matriz energética correspondente estão dando visibilidade nacional e internacional aos problemas que, por acontecerem em territórios determinados, são pensados pelas abordagens relativistas e positivistas como problemas locais e pontuais. Ele afirma que a “fina dialética entre o particular e o geral, entre o todo e a parte, é revitalizada pelas lutas sociais”. As teses e dissertações lidas confirmam a hipótese de Leher, pois são exatamente as questões locais que afirmam na prática e na produção teórica as lutas contra o agronegócio e os brutais processos de desterritorialização que sua expansão em diferentes formas produz no agronegócio, no mineralnegócio, no hidronegócio, entre outros.
Em livro lançado em 2019, Leher reafirma essas questões:
A função social das universidades em contextos favoráveis ao bem viver, à democracia, ao desenvolvimento econômico-social em prol da dignidade do trabalho e da igualdade social exige a interconexão entre ciência básica, ciência aplicada, tecnologia e pesquisa e desenvolvimento. [...] é preciso diferenciar interações positivas e virtuosas - agricultura, saúde, fármacos, meio ambiente, educação, energia - em que a pesquisa sobre processos de produção e a criação de bens e direitos sociais em prol da vida regem as complexas interações das universidades com a produção material da vida daquelas interações que exacerbam a mercantilização e a comodificação do conhecimento em prol das expropriações, da exploração e da conversão da natureza em negócios direcionados à acumulação destrutiva do capital (2019, 102).
A organização e a luta social dos(as) camponeses(as) pelo acesso, garantia de permanência e conclusão da Educação Superior materializadas pelo Pronera demonstram que eles são portadores de um projeto societário e de desenvolvimento social e cultural para o campo fundado nos princípios da agroecologia e da soberania alimentar, contrapondo-se à lógica do mercado voltado para o modelo do agronegócio. As ações do bolsonarismo no sentido de impedir a realização de tais cursos, tentando inviabilizar sua execução através de bloqueio do acesso aos fundos públicos trará graves consequências ao campesinato, que enfrentará ainda mais dificuldades para garantir seu direito à educação, mas também trará consequências às próprias universidades públicas, que perderão muito com o fim dessas ricas parcerias, deixando ir com elas parte importante da resistência ao “conhecimento-mercadoria” e a manutenção da função social das universidades públicas e de seu histórico papel na construção de um projeto de nação soberana e autônoma.