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Cadernos de História da Educação

versão On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.19 no.3 Uberlândia set./dez 2020  Epub 26-Out-2020

https://doi.org/10.14393/che-v19n3-2020-20 

ARTIGOS

“Novas rotas” de circulação das cartilhas no extremo sul de Mato Grosso1

“Nuevas rutas” de circulación de folletos en el extremo sur de Mato Grosso

Thaise da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-8555-3653; lattes: 1166205157563886

Estela Natalina Mantovani Bertoletti2 
http://orcid.org/0000-0003-4692-392X; lattes: 6635594534694580

1Universidade Federal da Grande Dourados (Brasil) thaisedasilva77@gmail.com

2Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Brasil)estela@uems.br


Resumo

Neste estudo, analisa-se a circulação de livros didáticos de alfabetização, também denominados cartilhas, na escola primária da região conhecida como Colônia Agrícola Nacional de Dourados, localizada no extremo sul do estado de Mato Grosso, entre as décadas de 1950 e 1970. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa de base documental, na qual foram examinados documentos da 6ª Delegacia de Ensino Primário de Dourados e algumas cartilhas. A partir dos documentos investigados, buscou-se compreender a circulação de cartilhas localizadas apenas nesta região do estado. Os resultados alcançados indicam que a circulação destes artefatos nesta região se diferenciou das demais devido à influência do Governo Federal, repercutindo na educação, na cultura e no desenvolvimento local.

Palavras-chave: História da alfabetização; Circulação de cartilhas; Livros didáticos de alfabetização

Resumen

En este estudio, analizase la circulación de los libros de alfabetización, también llamado cartillas, en la escuela primaria en la región conocida como colonia agrícola nacional de Dourados, situado en el extremo sur del estado de Mato Grosso, entre las décadas de 1950 y 1970. Para ello, una investigación cualitativa de base documental en que fueran examinados los documentos de la 6ª Delegacía de educación primaria de Dourados y algunas cartillas. De los documentos investigados, se intentó comprender el movimiento de cartillas sólo en esta región del estado. Los resultados obtenidos indican que la circulación de estos artefactos en esta región se distingue de los demás debido a la influencia del Gobierno Federal, repercutiendo en educación, cultura y desarrollo local.

Palabras clave: Historia de la alfabetización; Movimiento de cartillas; Libros didácticos de alfabetización

Abstract

In this study, the movement of literacy textbooks, also called primers, in primary school in the region known as National Agricultural Colony of Dourados, located in the extreme south of the State of Mato Grosso, between the decades of 1950 and 1970. To this end, a qualitative research of documentary base, in which documents were examined from the 6th primary schooling delegacy of Dourados and some primers. From the investigated documents, sought to understand the movement of primers located only in this region of the State. The results obtained indicate that the circulation of these artifacts in this region differentiated from the others due to the influence of the Federal Government, reflecting in education, culture and local development.

Keywords: History of literacy; Movement of primers; Literacy textbooks

Introdução

Os livros escolares de alfabetização, também denominados livros didáticos de alfabetização ou cartilhas, trazem consigo a história e os discursos que marcaram cada fase por que passou o ensino em nosso país, sendo artefatos importantes para o desenvolvimento de estudos e pesquisas.

Mantovani (2009) nos explica que o exame do livro didático envolve aspectos econômicos, sociais e pedagógicos e é por meio deles que é possível perceber o quanto esse instrumento tornou-se importante para comunicar, produzir e transmitir o conhecimento escolar pelo menos nos últimos dois séculos. No entanto, o caráter instrumental do livro didático e sua modéstia em relação aos demais livros, fez dele, por muito tempo, um objeto de pouca atenção e, consequentemente, um objeto de pesquisa muitas vezes de difícil acesso (PUELLES BENÍTEZ, 2000). Como lembra Tiana Ferrer (2000), apesar da longa história do livro didático no campo educacional, esse material foi concebido como eminentemente instrumental. Fato de ter sido relegado a um objeto de segunda categoria o que talvez justifique as poucas pesquisas desenvolvidas envolvendo este objeto de estudo.

Moreira (2014), ao analisar um período que vai de 1957 a 2013, salienta que os referenciais da história das disciplinas escolares e da história do livro começam a ganhar espaço na historiografia educacional somente na década de 1990. No entanto, a produção acadêmica que tem o livro didático como fonte, no Brasil, é bem mais recente. O primeiro ano com mais de um trabalho dentro da temática é o de 2000, sendo que, quase 95% da produção concentra-se no século XXI. Em balanço feito sobre a presença do livro didático como fonte nas pesquisas em história da educação no Centro-Oeste, a autora constata a existência de pesquisas em história da educação tendo o livro didático como temática, no entanto, ainda são poucos os trabalhos com esta perspectiva e não houve, entre 2008 e 2013, crescimento da produção. No que diz respeito ao período histórico mais investigado nas pesquisas, em primeiro lugar, segundo a autora, estão os anos de 1970 até os dias atuais, correspondendo à história do tempo presente, com mais de 60% dos trabalhos localizados.

Batista e Rojo (2008), ao realizarem um estudo sobre o Estado da Arte envolvendo o tema livro didático no cenário nacional, entre 1975 e 2003 já alertavam para a pouca produção envolvendo a temática. Destacaram ainda que dentro do período analisado são inexistentes os trabalhos sobre o tema produzidos por pesquisadores que os autores consideram experientes, uma vez que, nas teses de livre-docência ou nos concursos de professor titular, constataram um pequeno número de autores que privilegiaram o tema livro didático em seus estudos - apenas três, num universo de 226 pesquisadores. Constataram, ainda, que apenas 26 dos 197 orientadores desses trabalhos acadêmicos orientaram mais de uma produção contemplando tal tema, isso tudo faz pensar que ainda é frágil a institucionalização desse campo de pesquisa no Brasil.

É forçoso, tendo em vista esse conjunto de indicadores, levantar a hipótese [...] de que, à medida que progridem na carreira universitária, os pesquisadores se desinteressem pelo tema do livro escolar, talvez, dentre outros fatores, pela pequena importância desse tema na hierarquia dos temas de pesquisa (BATISTA; ROJO, 2008, p. 28).

Se lançarmos nosso olhar para o campo da alfabetização as conclusões às quais os autores chegaram são ainda mais preocupantes; de um total das 229 teses e dissertações produzidas sobre o tema livro didático escolar, em nosso país, no período analisado (1975-2013), apenas 16 delas tratam do tema alfabetização, o que corresponde a um percentual de 6,99% do total.

Silva (2012), ao ampliar a pesquisa feita por Batista e Rojo (2008), para o período de 2004 a 2012, tendo como fonte de busca o Portal CAPES e utilizando os mesmos descritores usados pelos autores citados identificou um total de 19 teses e 31 dissertações tendo por tema livros didáticos. Com relação aos livros de alfabetização ou cartilhas, identificou oito teses e 11 dissertações. Embora o campo venha ganhando visibilidade dentro da pesquisa acadêmica, há muito a ser estudando, principalmente pela abrangência e as várias nuances que envolvem o circuito de produção e circulação do livro didático.

Diante deste cenário e entendendo o livro didático como um objeto da cultura escrita que traz consigo o conjunto de saberes legitimados em uma determinado época, saberes culturais, sociais e pedagógicos, este artigo tem por objetivo investigar a circulação de livros didáticos destinados a alfabetização em escolas públicas da região que compreende a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), localizada no extremo sul do estado de Mato Grosso2, entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1970, período em que a Colônia viveu seu apogeu e declínio. A partir do levantamento destas cartilhas é possível perceber quais os discursos sobre alfabetização circulavam e disputavam espaço no recém-criado município de Dourados3, traçando um perfil e contribuindo, de modo particular, para a história da educação neste estado e, no geral, para a história da alfabetização e do livro didático no Brasil.

O recorte temporal deve-se ao fato de ser este o período marcado por grandes disputas metodológicas na alfabetização, sendo que os livros didáticos presentes nas escolas, como exposto, fornecem indícios sobre qual corrente pedagógica era adotada na época e, além disso, talvez o mais importante, ser este um momento de expansão demográfica, significativo para o extremo sul do estado de Mato Grosso, com a chegada de levas de migrantes de várias regiões do Brasil e de imigrantes de outros países, que levou à ampliação do número de escolas e de pessoas com acesso a ela4.

A investigação aqui realizada foi de base documental, na qual foram analisados documentos da 6ª Delegacia de Ensino Primário de Dourados, com exame das cartilhas que foram citadas nos documentos localizados. Neste exame, privilegiamos aquelas que não foram localizadas por Amâncio e Cardoso (2006), quando realizaram mapeamento e análise de cartilhas que circularam em Mato Grosso, considerando, assim, “novas rotas” de circulação desses livros didáticos no estado.

O aporte teórico que orientou esta investigação baseou-se nos pressupostos da Nova História, especificamente na área da Nova História Cultural. Essa forma de pensar e pesquisar a história é assim definida por Pesavento (2005, p. 42): “[...] a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio das representações, tentando chegar àquelas formas pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo”. Segundo essa autora, neste campo teórico, o pesquisador sabe que sua narrativa pode relatar sua versão sobre um fato histórico, mas que esse mesmo fato pode ser objeto de múltiplas interpretações. Nesse sentido, mesmo que a verdade seja uma meta a ser alcançada, sabe-se que esta jamais será uma certeza absoluta.

Esta nova forma de olhar para o campo da historiografia na educação brasileira, faz com que “novas verdades” estejam surgindo frente a dados anteriormente estudados, proporcionando o surgimento de outros aportes teórico-metodológicos na pesquisa em história da educação, privilegiando também novos objetos e novas temáticas. Diante deste cenário os documentos são tidos como ponto de partida para se conhecer um fato histórico, meios de revisitar o passado, dando novas interpretações sobre ele.

Amparadas pelo aporte teórico e com fito de preencher parte das muitas lacunas que cercam a história da alfabetização no estado de Mato Grosso é que nos lançamos nesta investigação.

A Colônia Agrícola Nacional de Dourados: novos rumos para a educação

A atual região conhecida por Grande Dourados localizada no sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul - extremo sul do antigo Mato Grosso - foi palco do projeto de colonização do Estado Novo do Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), conhecido por Marcha para o Oeste, que culminou com a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados.

Criada em 1943, pelo Decreto-lei nº 5.941, de 28 de outubro, teve sua real implantação em 20 de julho de 1948, pelo então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), quando ocorreu a demarcação de suas terras pelo Governo Federal, por meio do Decreto-lei nº 87, que reservava uma área de aproximadamente 300.000 hectares onde hoje estão localizados os municípios de Dourados, Fátima do Sul, Vicentina, Jateí, Douradina, Glória de Dourados e Deodápolis. (PONCIANO, 2006).

O projeto de governo que criou a CAND estava subordinado a um plano econômico desenvolvimentista, que pretendia fazer do país uma potência econômico-industrial, além de haver uma preocupação com a consolidação da identidade e do território brasileiro, uma vez que, segundo Moreira (2014), existia uma preocupação com a política de colonização, pois em Mato Grosso havia uma concentração de propriedades em nome de grupos estrangeiros.

Desde sua criação a Colônia começou a receber migrantes oriundos principalmente das regiões nordeste e sul do Brasil e imigrantes de países como Paraguai, Japão, entre outros do continente Asiático, atraídos pelas campanhas promovidas pelo governo direcionadas aos trabalhadores rurais interessados nas terras que seriam doadas. Na década de 1950, no segundo Governo de Vargas (1951-1954), em um novo momento político, as migrações tomaram impulso e chegaram ao seu apogeu, proporcionando para a região expansão demográfica e transformações econômicas, políticas, culturais, sociais e educacionais. Surgia a partir de então um novo cenário, rompendo com a hegemonia da Companhia Matte Larangeira5, responsável por grande parte do desenvolvimento local até então, trazendo mudanças significativas no cenário rural e urbano (MENEZES, 2011).

No que diz respeito à educação escolar na Colônia6, esta proporcionou a criação das primeiras escolas urbanas, o surgimento de escolas agrícolas e a expansão das escolas rurais, uma vez que o Governo Federal custeava financeiramente classes de ensino primário. Até a criação da CAND a educação em Dourados era ainda incipiente7, ficando a cargo da família, da iniciativa privada e depois do poder público. Nesse primeiro momento, a educação acontecia, principalmente, nas fazendas da região, ou nas próprias casas dos professores ou dos alunos (IRALA et al, 2014). Sobre o início da educação formal em Dourados, Irala et al ( 2014, p. 6) apontam que esta,

inicia-se nas duas primeiras décadas do século XX marcada pela iniciativa privada. Primeiramente o ensino realizado pelas próprias famílias: alfabetização, leitura, primeiras noções gerais e de cálculo. A seguir, a ida à escola da fazenda para o ensino primário com o professor itinerante ou, na vila, a ida à escola particular na casa do próprio professor.

As primeiras escolas surgiram na área urbana, somente a partir da década de 1930, funcionando inicialmente na casa dos próprios professores, com turmas mistas, e poucos recursos para a aquisição de materiais didáticos e para a manutenção das escolas. Estas eram majoritariamente privadas. Somente no final dos anos de 1940, com a criação da CAND, a ação pública passou a ofertar o ensino primário. Isso se deveu à exigência estabelecida pelo Decreto Municipal nº 70, de 1946 de que todos os filhos de colonos residentes na Colônia deveriam ter acesso à instrução primária gratuita, sendo obrigatória a frequência, que caso não ocorresse geraria uma multa de Cr$ 100,00 para os pais, além do comparecimento obrigatório à autoridade policial. (GRESSLER; SWENSSON, 1988).

Diante deste novo cenário, houve uma ampliação do número de escolas no estado, principalmente as rurais, que já eram a maioria. Sobre isso Irala et al (2014) ponderam que, embora os debates sobre a educação rural tenham tido início em 1910, no Brasil, é a partir Revolução de 1930, no Governo de Vargas, que o ensino rural ganhava destaque, em virtude da consolidação da corrente de pensamento denominada ruralismo pedagógico. Esta defendia a escola integrada às condições locais tendo por objetivo fixar o homem no campo.

Analisando Mensagens de Governadores e Relatórios de Instrução Pública referentes à Colônia Nacional Agrícola de Dourados a autora observa que entre os anos de 1940 e 1950 ocorreu a ampliação das redes de ensino tanto urbanas quanto rurais e nos anos 1970 as escolas urbanas superaram as rurais, devido ao aumento dos centros urbanos. No período, ocorreu a emancipação de vários municípios o que fez com que a população e o território correspondente a Dourados passasse por uma redução.

Novas rotas de circulação das cartilhas

Tendo como referência o estudo desenvolvido por Amâncio e Cardoso (2006) sobre a circulação das cartilhas no estado do Mato Grosso, percebemos algumas rupturas em relação a esse movimento estadual no que diz respeito à realidade vivenciada na CAND.

Parece-nos que a extensão territorial do estado de Mato Grosso à época, as diferenças regionais que compunham o estado, bem como as especificidades de cada uma delas - muitas vezes marcadas pela presença incisiva do Governo Federal na região-, fizeram com que a circulação das cartilhas e dos materiais didáticos se diferenciasse quanto a sua circulação de acordo com a proximidade da capital, Cuiabá, mesmo existindo toda uma política de governo que tentasse unificar as metodologias e os materiais a serem adotados e utilizados nas escolas (SILVA; BERTOLETTI, 2017).

Além dos materiais citados por Amâncio e Cardoso (2006), localizamos no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (CDR/UFGD) no acervo denominado Diretoria Regional de Ensino de Dourados (DRE), citados em cartas de agradecimento, solicitação de materiais, comunicado de recebimento de materiais as seguintes cartilhas: Cartilha ABC, Siga Aprendendo e Vamos Sorrir.

Com relação à Cartilha ABC, o exemplar que localizamos é datado de 1962, sem número de edição, com diagramação de Aloisio Magalhães e desenhos de Gilvan Samico e Ellen Sporer, elaborada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e “O Cruzeiro” e publicada pelo O Cruzeiro S/A. Esta fazia parte de um programa intitulado “Língua Pátria - programa de emergência” para distribuição gratuita nas escolas de todo o país.

Segundo informações obtidas no site Espaço Aloisio Magalhães (2009), a Cartilha ABC era acompanhada pelo Manual do Alfabetizador, que além de reproduzir cada lição, explicava como deveria ser ensinada cada uma delas, uma vez que o material poderia ser utilizado na capacitação de professores leigos ou por qualquer pessoa alfabetizada que desejasse ensinar outros a ler e a escrever. Tratava-se de um material adequado a realidade do Mato Grosso que à época contava com poucas escolas formais e com práticas ainda informais de alfabetização. O próprio nome dado ao Manual que acompanhava a cartilha evidencia este princípio uma vez que não se trata de um Guia, Livro ou Manual do Professor, mas um manual para qualquer pessoa alfabetizada que poderia se incumbir da alfabetização de outra pessoa, criança ou adulto analfabeto.

A Cartilha foi elaborada durante o Governo de João Goulart (1961-1964) que defendia a alfabetização emergencial do povo brasileiro, uma vez que na época apenas os alfabetizados poderiam votar e uma parcela significativa da população era analfabeta, sendo a alfabetização um projeto político de democratização do país. Diante disso, foram propostas medidas para tornar qualquer cidadão brasileiro alfabetizado como um potencial alfabetizador, sendo uma missão de toda a população colaborar para a erradicação do analfabetismo.

O site também apresenta as ponderações feitas pelo professor Darcy Ribeiro, Ministro da Educação e Cultura em 1962, que informa que a cartilha e os livros que fizeram parte da coleção resultaram

de uma pesquisa empreendida em 1958 por um grupo de linguistas do Instituto Linguístico da Universidade de Oklahoma, encabeçado pela Doutora Sarah Gudschinsky, professora da Universidade de Brasília e uma das maiores especialistas do mundo em problemas de alfabetização, tanto que é consultora da UNESCO para esses assuntos. Os referidos linguistas foram contratados pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais com o objetivo de elaborar uma cartilha que servisse tanto a criança como ao adulto analfabeto e que contivesse os sons básicos e as palavras mais correntes da língua portuguesa em todas as regiões para que pudesse ser adotada em todo o país. Procura-se por isso uma região em que a fala popular é pouco marcada e o vocabulário o mais usual. A escolha recaiu sobre a cidade de Leopoldina, em Minas Gerais. A pesquisa de campo focalizou a linguagem falada por moradores rurais e urbanos das camadas populares e especificamente pelos analfabetos. Recolhemos essa linguagem gravando conversas com o homem da rua. Realizamos um estudo intensivo da linguagem de uma família-base. Todo esse material serviu para o preparo de uma lista de palavras pela qual pudemos determinar a frequência em que elas ocorriam e a fixação dos fonemas utilizados espontaneamente nessa linguagem (RIBEIRO, 1962, apud ESPAÇO ALOISIO MAGALHÃES, 2009).

O mesmo site ainda conta que na etapa final da elaboração a Cartilha e o Manual do Alfabetizador foram revisados estética e ortograficamente por Carlos Drummond de Andrade. A composição, ilustração e apresentação gráfica ficaram a cargo de uma equipe de artistas chefiada por Aloisio Magalhães que selecionou os desenhos e escolheu um tipo especial de letra, segundo ele, de grande clareza, que tanto se aproxima da escritura manual como da tipográfica.

Ainda segundo o site, o Ministério da Educação, em discurso proferido na ocasião do lançamento da Cartilha ABC, aconselhava que a cultura brasileira deveria se orgulhar da bela obra produzida, e ressalta que Darcy Ribeiro apontou uma única restrição a ela: a de não conter nenhuma mensagem ao caráter cívico e nem motivação de natureza utilitária, a justificativa para isso é de que a função primordial da cartilha era a de alfabetizar as pessoas independentemente da idade. De acordo com Ribeiro (1962, apud ESPAÇO ALOISIO MAGALHÃES, 2009), a cartilha deveria permitir

que o alfabetizador seja capaz de introduzir não só a motivação no sentido de manter vivo o interesse dos alunos pelo trabalho, mas, o de dar, através do curso em cada aula as informações complementares que cumpre assegurar ao analfabeto, no próprio processo de alfabetização que vai além do ensinar a ler e escrever - inclui também a recuperação total para a vida social integrando na comunidade da Nação, massas inteiras de brasileiros, hoje considerados marginais.

Segundo Ribeiro (1962, apud ESPAÇO ALOISIO MAGALHÃES, 2009), o objetivo do Governo Federal era o de matricular todos os jovens ainda não alfabetizados até os 18 anos, pretendendo em cinco anos erradicar o analfabetismo entre os menores de 23 anos, para isso o governo investiu cerca de um bilhão de cruzeiros para publicação de cartilhas e manuais de alfabetização de adultos. A Revista “O Cruzeiro”, foi parceira nesta ofensiva lançando junto ao MEC um empreendimento editorial visando à distribuição de quatro milhões de cartilhas de alfabetização e de cento e cinquenta mil exemplares do manual de preparo e orientação do alfabetizador. É importante destacar que no estado de Mato Grosso não era comum a distribuição de cartilhas. Bertoletti e Silva (2016) evidenciam a presença oficial de Caixas Escolares destinadas a compras de livros didáticos em Mato Grosso8, no entanto, neste estudo, o nome desta cartilha foi encontrado em um ofício emitido pela Delegada Interina de Ensino da 6ª Delegacia de Ensino Primário de Dourados - Mato Grosso para a Delegada de Ensino de Campo Grande, Marina Couto, em 1967, agradecendo pelo recebimento de materiais escolares, entre eles, 80 Cartilhas ABC e solicitando o envio de nova remessa desse material. Isto representa que o projeto do Governo Federal de distribuição em larga escala da cartilha atingiu seu objetivo, se considerada a circulação dessa cartilha na CAND, já que nesse espaço o Governo tinha uma forte influência devido ao fato de ser uma “comunidade” idealizada por ele e, como já mencionado, intervindo na política educacional da região e ampliando a rede para além da já existente que ficava a cargo do estado, devido a obrigatoriedade de oferta de ensino aos colonos que vieram ocupar a região.

A cartilha Siga Aprendendo teve seu nome localizado em uma lista que orientava a adoção de livros pelas escolas no ano de 1973. Além da cartilha são citados na lista os outros livros da coleção, Leitura é comigo - 1º livro, Lendo e aprendendo - 2º volume, Viva aprendendo - 3º volume e Sempre aprendendo - 4º volume, sendo os dois primeiros destinados ao primeiro ano. Segundo Silva (2014), a estratégia de atrelar uma obra a uma coleção tinha, além de um viés didático, um cunho comercial, utilizado com sucesso pelas editoras francesas nos anos 1980 e adotado aqui no Brasil, uma vez que ao adotar um livro da coleção a escola estava automaticamente fazendo a escolha pelos demais livros que a compunham garantindo a comercialização do material e barateando seu custo de produção.

Localizamos um exemplar da cartilha, datado de 1971 e um Guia do Professor de 1968, ambos sem número de edição, de autoria de Alayde Marcozzi, Eurilete Jacome, Gilda Marra, Léa Lima, Marlene Blois, Nair Adell, Ruth Dana e Tito Avilez, com capa ilustrada por Marius Lauritzen Bern - que segundo Hallewell (2005) colaborou para o progresso gráfico que a Editora Civilização Brasileira teve no Brasil nos anos 1950 -, e desenhos de Kempner, com supervisão técnica de Roberto Pontual e publicada, na edição de 1968, pela Civilização Brasileira e, na edição de 1971, pela Companhia Editora Nacional/MEC.

Obtivemos poucas informações sobre a editora Civilização Brasileira. O ano de fundação foi 1932, tendo como objetivo aliar tradição e pensamento crítico por meio de suas produções, sendo incorporada ao Grupo Record no ano de 2000. Já a Companhia Editora Nacional, foi criada em 1925 por José Bento Monteiro Lobato e Octalles Marcondes Ferreira. Segundo Bragança (2004), essa editora cresceu significativamente disputando espaço com as maiores livrarias da época, entre elas, a Livraria Francisco Alves. Em 1943, deu origem à Editora do Brasil, que se tornou importante na edição de materiais didáticos (HALLEWELL, 2005).

Encontramos vestígio desta cartilha no livro de Exposição de Lançamentos do ano de 1968 da Biblioteca Nacional e no Diário Oficial do Poder Executivo do Estado de São Paulo, de 10 de fevereiro de 1971, como sendo um livro recomendado para a circulação na rede de ensino estadual.

Localizamos poucas informações sobre os autores da cartilha. Alayde Marcozzi publicou além dos outros materiais que compõem a coleção o livro Ensinando a Criança, cuja edição mais antiga localizada foi a de 1965. Trata-se de um livro técnico da área da educação demonstrando que além de autora didática era uma pesquisadora. Encontramos referência a Nair Adel em um estudo realizado por Peres (2008) que a cita como uma das integrantes de uma comitiva de professoras brasileiras que viajaram aos Estados Unidos, no âmbito da política da Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED) no acordo MEC/USAID (United States Agency for International Development), para realizar estudos sobre produção de livros didáticos, em 1969, representando o Rio de Janeiro. Participaram deste grupo autores didáticos indicados por editoras, e técnicos das Secretarias de Educação dos estados. Não localizamos informações ou outras publicações de Eurilete Jacome, Gilda Marra, Ruth Dana, Tito Avilez, Léa Lima e Marlene Blois, além dos livros que compõem a coleção a qual pertence a cartilha Siga Aprendendo.

Ao contrário da Cartilha ABC esta foi destinada preferencialmente a professores. O próprio título do exemplar que acompanha a cartilha se intitula Guia do Professor, direcionando o público ao qual se destina. A primeira página do Guia também traz indicações sobre a quem ele se designa

Um professor com experiência em alfabetização sabe muito bem que a adoção de um processo para ensinar uma criança a ler, só tem importância como ponto de partida. [...] Procurará, ainda, utilizar os mais variados recursos, não só para fixações das palavras que gradativamente vão sendo apresentadas aos alunos, bem como para conseguir êxito nos exercícios de análise fonética e isolamento de sílabas. [...] Temos a certeza de que os colegas assim procederão. Já sabemos desde os nossos primeiros contatos com o magistério, que o esforço e o idealismo dos professores são fatores sempre presentes na tarefa de ensinar. (MARCOZZI et al, 1968, p.01)

O fragmento demonstra que os autores pressupunham que o alfabetizador que fosse utilizar a cartilha deveria ter conhecimentos técnicos, teóricos e pedagógicos na área, não sendo pensada e indicada para pessoas dispostas a alfabetizar, como a Cartilha ABC. Há, porém, uma frase ao final da seção “O processo” que nos permite inferir que este material pode ser utilizado por professores leigos: “Há os que o fazem, com maiores ou menores recursos de aplicação científica e os que se utilizam de instrução natural. A verdade é que o fazem” (MARCOZZI et. al., 1968, p.02).

O número de professores leigos9 era algo significativo no estado do Mato Grosso no período estudado. Furtado e Moreira (2015) explicam que eles foram os responsáveis por grande parcela do ensino na época e que os contratados para trabalhar na CAND recebiam uma formação em serviço muito mais estruturada do que os contratados pelo governo do estado.

Os textos da cartilha e o Guia do professor dão indícios de que se trata de um material elaborado para a alfabetização apenas de crianças. Os textos e ilustrações pertencem ao universo infantil e as orientações técnicas descrevem como acontece o desenvolvimento infantil e o quanto a ludicidade é fator importante para a aprendizagem. Na seção “Iniciando um programa de leitura as crianças precisam...” são citadas entre várias estratégias: “ [...] comemorações de aniversários, dramatizações, bandinha rítmica, jogos, brincadeiras cantadas, narrações de histórias e poesias, memorização de quadrinhas, passeios, entrevistas [...]” (MARCOZZI et al, 1968, p.6).

Mais uma vez acreditamos que o que explica a circulação desta cartilha nesta região do estado, não sendo encontrada em outras regiões já investigadas, se deve ao fato de esta ter a chancela do MEC, uma vez que a segunda capa da cartilha, editada em 1971, traz as informações: Companhia Editora Nacional em convênio com o Instituto Nacional do Livro do MEC. Conforme aponta Silva (2012), o Instituto Nacional do Livro (INL) foi um órgão específico criado em 1929 para legislar sobre políticas nacionais do livro didático. Tinha o objetivo de contribuir para a legitimação do livro didático nacional e auxiliar no aumento de sua distribuição. Como exposto anteriormente o Governo Federal tinha um papel atuante na educação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados e provavelmente fazia com que os livros adotados pelo MEC fossem distribuídos na região.

A cartilha Vamos Sorrir foi escrita por Maria Braz e faz parte de uma coleção que inicia com a cartilha e acompanha outros cinco livros destinados do primeiro ao quinto ano. Os livros que seguem mantêm o mesmo título Vamos Sorrir e foram escritos em parceria com Candido Oliveira. A capa e as ilustrações da cartilha foram feitas pelo Stúdio Ito. O exemplar ao qual tivemos acesso é de 1973 que está em sua 10ª edição.

Vamos Sorrir foi publicada pela FTD, editora fundada no Brasil em 1902 que desde a sua origem se dedicou à publicação de livros escolares. Estes com o tempo se organizaram em Coleções de Livros Didáticos, o que estimulou a produção destas obras em todas as disciplinas. A cartilha foi publicada de acordo com padrão denominado pela FTD de Método FTD, que incluía a publicação da editora sempre acompanhada do Livro do Mestre (FTD, 2017).

O Livro do Mestre passou a ser visto como um guia seguro que trazia economia de tempo para os professores e farto material para os alunos trabalharem; por isso, os livros da FTD foram adotados pela maioria dos colégios. Era difícil encontrar uma escola brasileira que não adotasse vários livros da FTD, tanto na rede particular como na rede pública. (FTD, 2017)

Como se nota, assim como a cartilha Siga Aprendendo, a Vamos Sorrir foi escrita para uso de professores. O manual que acompanha a cartilha é intitulado Livro do Professor, porém o exemplar que encontramos não informa nem o ano, nem a edição, mas comparando as orientações e a paginação, percebemos que se trata de edição distinta à da cartilha que encontramos. Este traz orientações técnicas e didáticas sobre a cartilha assim como atividades suplementares e orientações de como proceder a cada lição. O Livro do Professor apresenta os objetivos da aprendizagem da leitura, os métodos e processos de aprendizagem e como deve ocorrer a avaliação e a recuperação da aprendizagem. O livro não traz nenhum indício de que o material foi pensado para professores leigos, ao contrário, todo o tempo é evidenciada a importância da formação docente para que um bom trabalho seja desenvolvido. Ao final do manual são apresentadas as “Recomendações Bibliográficas” que orientaram a elaboração da cartilha e são sugeridas para leitura dos professores.

apresentamos o “Livro do Professor” com o propósito de colaborar no sentido de promover a melhor utilização da cartilha [...] É necessário, entretanto, que o professor esteja atento a todas as oportunidades que se lhe apresentem, levando em conta as peculiaridades de sua classe, adaptando as atividades sugeridas, encontrando novos caminhos, complementando, ajustando, aprofundando para que o seu ensino seja realmente integrador. (BRAZ, s.d, p.03)

A cartilha é destinada apenas ao público infantil. Isso é possível de perceber mediante os textos, as imagens e as orientações contidas no Livro do Professor.

Ensinar a ler consiste no desenvolvimento do mecanismo de leitura, através da ampliação de experiências, ricas e estimulantes, que permitam à criança o crescimento de suas habilidades para compreender e sentir o que lê, fazendo de sua aprendizagem a emulação para novos descobrimentos (BRAZ, s.d, p.03).

O método indicado pela cartilha é o analítico-sintético, o que nos faz pensar que esta foi uma indicação do Governo do Estado do Mato Grosso, uma vez que as orientações pedagógicas da época defendiam o uso desta metodologia. Amâncio e Cardoso (2006) explicam que desde 1915 o Governo do Mato Grosso defendia a utilização do método analítico. Esta opção foi oficializada no Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927, que regulamentou a instrução pública primária do estado de Mato Grosso. Embora muitos professores ainda utilizassem métodos empíricos, aquele perdurou frente ao silenciamento metodológico da Lei Orgânica do Ensino Primário do estado de Mato Grosso, de 24 de novembro de 1951, que substituiu o Decreto de 192710, e que somente veio a ser alterada em 1961 com a promulgação da primeira LBD, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Embora a LDB pregasse a diversidade metodológica deixando espaço para que cada unidade da federação optasse por qual seguir, segundo Amâncio e Cardoso (2006), o estado de Mato Grosso passou a adotar a partir de então o método analítico-sintético, dando um novo rumo à alfabetização e à circulação de cartilhas neste estado.

Outra hipótese levantada para a circulação da cartilha é a forte influência que São Paulo exerceu na política educacional do Mato Grosso. Bertoletti e Silva (2016), ao analisar o relatório do Diretor Geral de Instrução Pública de 1942, Francisco Alexandre Ferreira Mendes, evidenciam esta influência.

No que diz respeito à circulação de livros didáticos, os reclamos do relator parecem refletir a realidade da escola primária de Paranaíba, caso em que os livros não somente eram comprados no estado de São Paulo, em razão da total ausência de livrarias no município, como também eram, em sua maioria, de autores paulistas, formados pela Escola Normal de São Paulo (BERTOLETTI; SILVA, 2016, p. 386) .

Além disso, Mortatti (2000) esclarece que desde 1930 as cartilhas produzidas e em circulação no estado de São Paulo já adotavam os métodos analítico-sintéticos - também denominados de mistos ou ecléticos. O que nos deixa em dúvida é o porquê de estas cartilhas não terem sido localizadas em outras regiões do estado em estudos feitos por Amâncio e Cardoso (2006) e por Bertoletti e Silva (2016). Havíamos desenvolvido a hipótese de que esta cartilha poderia ter chegado à região da CAND por meio das migrações feitas por mineiros, gaúchos ou nordestinos, porém ao revisitarmos estudos feitos por Peres (2006), Frade e Maciel (2006), entre outros, não encontramos nenhum indício que confirmasse nossa suspeita.

Entretanto, consideramos que esses fenômenos tiveram papel preponderante na escolha e circulação das cartilhas localizadas que caracterizam certa ruptura em relação a outras localidades do estado de Mato Grosso, impulsionados pelo projeto de povoamento empreendido pelo Governo Federal, que possibilitou a criação de “novas rotas” de circulação de cartilhas.

Considerações Finais

Com este artigo pretendemos traçar “novas rotas” de circulação de cartilhas de alfabetização no extremo sul do estado do Mato Grosso. Nesse sentido, mapeamos as rupturas em relação ao restante do estado, ou seja, o que circulou pela CAND e não esteve indicado em outros estudos sobre o tema, buscando identificar a origem de circulação destes materiais.

Este estudo torna-se relevante se tomarmos o livro didático não apenas como um artefato de uso escolar, mas o observarmos como um produto e um produtor de culturas, de formas de ver e pensar a educação, o mercado, a cultura e a sociedade. Diante disso, podemos pensar que a circulação destes materiais fez com que a educação na região da Colônia Agrícola se diferenciasse das demais, uma vez que as cartilhas eram fruto de uma política do Governo Federal que adentrava no espaço que em outras localidades era regido apenas pelo Governo Estadual. Diante desta perspectiva podemos sintetizar os resultados dessa investigação da seguinte maneira:

  1. Na escola primária da Colônia Agrícola Nacional de Dourados circularam uma diversidade de cartilhas, algumas destas estiveram presentes em todas as regiões do estado, outras foram identificadas apenas nesta região.

  2. Embora o Governo Estadual tivesse prescrito orientações quanto aos livros a serem adotados no estado, ao que parece, nesta região a força do Governo Federal predominou sobre as escolhas e a distribuição dos livros, uma vez que alguns dos livros que foram localizados circularam apenas nesta região.

  3. A origem dos materiais exclusivos desta região ficou restrita a São Paulo e Rio de Janeiro, fazendo com que abandonássemos a hipótese de que algumas das cartilhas teriam chegado até a CAND por intermédio do fluxo migratório para a região, embora tenhamos percebido que o grupo de migrantes e o projeto de governo tenham influenciado na produção e circulação de muitos destes materiais.

  4. As cartilhas tinham um público distinto, tanto no que diz respeito a quem aprendia, ora pensada para adultos e crianças, ora somente para crianças, quanto a quem ensinava as primeiras letras, podendo ser professores com formação, professores leigos ou apenas pessoas alfabetizadas dispostas a ensinar.

Em suma, ao contrário do que pensávamos, é o braço forte do Estado que determinou a circulação diferenciada de cartilhas na região analisada, interferência esta que marcou não só a circulação do material, mas a educação da CAND, a formação de professores e todo o contexto econômico e social.

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1 Neste artigo, apresentam-se alguns resultados alcançados em pesquisa de pós-doutorado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PNPD/Capes).

2Referimo-nos ao espaço que corresponde, hoje, à região da Grande Dourados, localizada no centro-sul do estado de Mato Grosso do Sul. No período abordado por este estudo, entretanto, este ainda não era um estado, o que se deu somente em 1977, pela Lei Complementar nº 31.

3Em 20 de dezembro de 1935, com áreas desmembradas do município de Ponta Porã, através do Decreto nº 30 do então Governador do Estado, Sr. Mário Corrêa da Costa, foi criado o município de Dourados, um dos municípios que compõe a, hoje, considerada região da Grande Dourados.

4Segundo as Diretrizes para a Educação do Mato Grosso, em 1940 a população analfabeta do estado chegava a 99,5%, sendo reduzida para 55,6% em 1950 (MATO GROSSO, 1965).

5Inicialmente denominada Empresa Matte Larangeira, a Companhia Matte Larangeira foi uma empresa que surgiu de uma concessão imperial ao comerciante Thomaz Larangeira, por serviços prestados na Guerra do Paraguai, e que atuou na exploração de erva-mate no sul do Mato Grosso. A Companhia foi a responsável pela fundação e desenvolvimento de várias cidades, e por um longo período o desenvolvimento econômico e social da região esteve atrelado a ela. Para se ter ideia do seu poder econômico, no seu auge, tinha um lucro seis vezes superior à arrecadação de impostos do estado do Mato Grosso inteiro. (QUEIROZ, 2015).

6Embora não tenhamos encontrado dados específicos da região da CAND, é importante mencionar que, segundo Mato Grosso (1965), em 1954, a rede estadual era responsável por 69,7% das escolas, a particular (20,7%) e a municipal (9,6%). Em 1960, a rede estadual reduziu sua expansão sendo responsável por 63,5% das instituições de ensino e as redes particular e municipal ampliaram sua abrangência para 24,5% e 12% respectivamente.

7Levantamento feito pela Secretaria Estadual de Educação aponta que em 1964 Dourados contava com 42 salas de aula sob responsabilidade do poder público estadual, havendo necessidade de construção de mais 278 salas na zona urbana e rural.

8As Caixas Escolares consistiam na arrecadação de fundos junto à sociedade para custear uniformes, livros e outros materiais didáticos e de expediente das escolas públicas do estado de Mato Grosso.

9Em 1960, 78,7% dos professores que lecionavam no Mato Grosso eram leigos (MATO GROSSO, 1965).

10Estudo a respeito de políticas de circulação de métodos de alfabetização no estado de Mato Grosso pode ser encontrado em Silva e Bertoletti (2017).

Recebido: 14 de Dezembro de 2019; Aceito: 08 de Março de 2020

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English version by Rafael Francisco Neves de Souza. E-mail: urafasouza@hotmail.com.

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